quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

O Flu e outros campeões



A temporada terá chegado ao fim pra valer quando o Fluminense amanhã sair de cena. Por mais que o fim do Brasileirão deixe no ar um sentimento de circo sendo desmontado. E não resta dúvida de que o time de Fernando Diniz deu enorme contribuição para ela com seu inédito título da Libertadores e a boa vitória sobre o Al Ahly que lhe colocou na final do Mundial de Clubes. O jogo de bola nos dias atuais , infelizmente, nos impõe um exercício de humildade. Ou, melhor dizendo, nos obriga a nos encerrar na própria realidade. Confrontar o nosso futebol com o europeu, não é de hoje, pode revelar um abismo de difícil transposição. Sabemos disso, mas sabemos também que o jogo adora driblar a razão ou qualquer coisa que o valha e acabamos por alimentar - meio que por instinto - a possibilidade de ver o improvável.  

É bem capaz que você tenha ouvido muitas vezes pregadores não tricolores dizerem que Diniz precisava de um grande título para ancorá-lo. Pois agora ele o tem. O que talvez já não tenha é o cargo de treinador da Seleção Brasileira uma vez que a CBF neste momento teve seu presidente destituído pela justiça comum e o interventor em exercício corre contra o relógio para convocar eleições. Diante dessa realidade  o trato com Carlo Ancelotti, desde sempre de ares tão etéreos, pode ter evaporado, como se evaporou praticamente metade do tempo que se tinha para fazer nossa Seleção ser o outra na próxima Copa. A Diniz diria que, por mais que chegar lá ainda soe como reconhecimento,  a Seleção tem pouco a lhe oferecer neste momento. O que é ao mesmo tempo uma prova de que ela já não é o que foi um dia. 



Tratar de fazer a carreira em clubes ainda mais sólida é o que verdadeiramente pode lhe ampliar os horizontes. Cito o título conquistado mas sigo acreditando que a maior contribuição de Diniz segue  sendo a originalidade. Esse jeito que nos obriga a pensar o jogo. Insistir em ser diferente desde sempre guarda uma dose de coragem. E por falar na temporada, maduro, o Palmeiras soube fazê-la um tanto dele também. Talvez nem todos vejam valor nisso, mas considero títulos seguidos algo notável. E aí está o time da Academia de Futebol na nobre condição de bicampeão brasileiro. Se muitos argumentos o futebol trata de desfazer diria que a trajetória de Abel Ferreira nos faz ver que pode ser mesmo essencial manter um treinador.  Mas é fato que acreditaria mais nessa virtude tivesse o treinador vivido ao longo do tempo percalços desses que valem por uma frigideira. Não foi o caso. Abel, ainda que tenha se visto às voltas com momentos mais desafiadores esteve sempre escudado , se não pelos resultados, pelas conquistas que obteve. Tantas que lhe valeram como uma blindagem. 



E resultado, já que o assunto é a temporada, alcançou também o São Paulo, campeão da Copa do Brasil deste ano. Bater o Flamengo na final já teria sido de aplaudir.  Mas o tricolor assinado por Dorival Júnior chegou lá depois de ter deixado pelo caminho dois rivais gigantes: Palmeiras e Corinthians. O que seria justificativa para qualquer euforia. O alto número de lesões, é fato, talvez tenha nos impedido de ver o que poderia o elenco tricolor que muitas vezes em campo me pareceu se contentar com o domínio do jogo sem fazer muita questão do gol. Mas é só uma impressão. Está aí. Na condição de campeão.  E pelo visto de bem com a torcida que se encarregou de dar ao time do Morumbi uma média de público invejável. O que nunca será pouco.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

O futuro santista



Não bastasse a vergonha do rebaixamento os santistas tiveram de lidar também com a vergonha por alguns não saberem lidar com essa condição. Vale dizer que isso não é exclusividade dos santistas. Historicamente os rebaixamentos têm deixado essa marca. Ainda estão frescas na minha memória a batalha campal que se deu no estádio Couto Pereira, por exemplo, no final da temporada de 2009 quando o time dono da casa caiu. O que se deu depois também não foi novidade. Multas e perdas de mandos de campo, que num primeiro momento soavam muito bem impostas, sendo descaradamente abrandadas até quase deixar de existir. Um rebaixamento pode não ser o fim do mundo mas que os santistas não se iludam. Ou achem que o exemplo de outros grandes clubes que caíram pode lhe servir. 

Não é bem assim. A musculatura financeira e social os distinguem. O rebaixamento do Corinthians, não custa lembrar, passado o impacto inicial virou praticamente um case de marketing para o clube. E, arrisco dizer, até para a crônica esportiva. Todos os jogos eram acompanhados com grande interesse. Mobilizavam um contingente considerável de torcedores que fizeram questão de acompanhar cada jogo onde quer que fosse. Não que eu duvide do que pode o torcedor santista. E quero lhe crer tão fiel quanto outros. Mas a realidade tem tudo para ser mais solitária. Uma vez que não deverá despertar todo esse interesse da mídia. Realidade que exigirá que o elegido para cuidar deste futuro santista tão incerto neste momento o pense com os pés no chão. 

Vejam. Respeitoso com o Santos seria não pensar em SAF. Afinal, que bom negócio pode ser feito quando uma das partes está nas cordas? Contratações badaladas que costumam fazer mais bem a imagem dos cartolas do que ao clube não virão ao caso. O inédito descenso não foi uma cena fácil. E chegou a pesaru sobre ela algo de fajuto. Essa palavra outrora tão usada mas que parece condenada a um eterno banco de reservas depois do advento do fake. Mas a mim fajuto soa mais preciso. Não duvido do sentimento de quem estava ali em campo. Mas conversei muito a respeito com outras pessoas. E a impressão que ficou é que, de certo modo, esse era um final tão previsível que mesmo a desolação dos atletas ainda no gramado diante do ocorrido soava esquisita, quase forçada. Pareceu uma reação não de quem é abatido mas de quem precisa se mostrar assim. É fato que uns devem ter sentido o momento mais do que outros. E também é possível que outros ainda tenham sofrido muito. O técnico Marcelo Fernandes certamente está entre eles. 

Em tempo algum se poderá dizer que o rebaixamento foi uma surpresa. Não, não houve clube no futebol brasileiro para quem situação como esta pareceu só uma questão de tempo. Os indícios da queda foram visíveis nas últimas temporadas. Mas o futebol tem lá seus caprichos e revestiu isso tudo de momentos que lidos com euforia e oportunismo fizeram a derrocada ser apontada como coisa de pessimistas. Um caldo fatal engrossado por seguidas administrações que nem perto do aceitável passaram. Nada pode ser mais triste do que chegar a esse momento e precisar reconhecer que ele foi merecido. E qualquer pessoa de bom senso diante de tudo o que se viu nesta temporada não irá discordar de tal veredito. Que o Santos volte o mais rápido possível a espelhar o brilho que a história lhe deu, infelizmente, não a história recente.    

 

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

O naufrágio botafoguense



O vivido pelo Botafogo é de uma complexidade Shakesperiana, como disse certa vez o genial Nelson Rodrigues a respeito da mais simples pelada. Gostei de ver dia desses o historiador, Luiz Antônio Simas, fazer uma muito pertinente observação a respeito da frase que, de tão precisa, ficou famosa quando se trata do time da estrela solitária. Tenho certeza de que o nobre leitor já a deve ter ouvido. É aquela que diz: Há coisas que só acontecem ao Botafogo. Uma tentativa de explicar o inexplicável. E como a história recente do Botafogo tem sido mais de percalços do que de glórias passou-se a ter a impressão de que ela foi cunhada para momentos tristes. Não é o caso. 

A frase original, do também genial, Paulo Mendes Campos, aliás, tinha cunho pessoal como cabe bem às crônicas. Dizia: Há coisas que só acontecem ao Botafogo e a mim.  Ou seja, como bem lembrou Simas, trata-se de uma ode ao triunfo não ao fracasso. A crônica intitulada " O Botafogo e eu" foi publicada três dias depois de o Botafogo conquistar o Campeonato Carioca de 1957 vencendo o Fluminense por seis a dois diante das quase cem mil pessoas que estavam no Maracanã. Cinco gols de Paulo Valentim, que terminou o torneio como artilheiro,  um de Garrincha. Isso diante de um Flu que tinha Castilho no gol, Telê, Escurinho. 

Na mesma crônica Mendes Campos diz que o Botafogo não se dá bem com os limites do sistema tático e diz que o time teria de ser como ele, dramaticamente inventado na hora. Vai saber o que seria capaz de livrar o Botafogo dessa sina de ser, digamos, tão original. E a essa altura uma vitória sobre o Internacional só tornaria a coisa ainda mais intrigante. O que temos acompanhando praticamente esgotou o arsenal do batalhão de comentaristas que dia a pós dia encara as trincheiras da crônica esportiva no afã de tentar traduzir o jogo de bola de alguma forma. Se não pelo viés da realidade, pelo imaginativo. Mas nem assim sobrou munição. 

Tanto que outro dia vi um ex-boleiro, agora comentarista, pedir licença para dizer que quando jogava e o time começava a viver coisa parecida o jeito era reunir o elenco e perguntar se alguém ali estava em dívida com coisas que pudessem ser ditas do além. E pediam pra que se um deles se considerasse nesta condição - mesmo sem ter de confessar isso ou falar a respeito - que desse um jeito de cuidar da questão. Nesse sentido é interessante notar que na mesma crônica encontramos  uma frase que diz o seguinte: O Botafogo põe a gravata e vai à macumba cuidar de seu destino. E na sequência, pra não deixar que tudo perca seu ar testemunhal, Mendes Campos tece esta maravilha: eu meto o calção de banho e vou à praia discutir com Deus. Lindo, não? 

Vejam, o futebol é tão dado a essas coisas que ainda no ano passado a diretoria de patrimônio do Vasco precisou vir a publico esclarecer que não passava de boato a notícia de que teria sido descoberto um sapo enterrado em São Januário durante a instalação do busto em homenagem a Roberto Dinamite. Uma história que remete aos anos 1930. Esse Botafogo talvez espelhe só o bom e velho futebol nos mostrando que ele é que é de outro mundo. Ou talvez, como também escreveu Mendes Campos, o Botafogo seja um menino perdido na poética dramaticidade do futebol.

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

As pérolas e a vaia



Podem falar o que for mas o futebol é uma fonte inesgotável de divertimento. Nem sempre pelo que se dá entre as quatro linhas. Nos últimos dias, em meio a debacle da nossa Seleção, não faltaram bons exemplos do que digo. Lembremos algumas frases ditas no calor do momento, por exemplo. A de Gabriel Jesus dizendo que o gol não era o forte dele. Por mais que o futebol atual e seus esquemas táticos tenham ditado outras funções a um camisa nove não deixa de ser lapidar. Ou a dita pelo lateral Emerson Royal, classificando o esquema do treinador do escrete nacional de algo muito difícil de ser executado. E o cara joga em uma Liga famosa pela excelência técnica. Ou a de Mourinho sobre Ancelloti afirmando que só um louco deixa o Real Madrid. E a do Ancelotti ontem dizendo que concorda com o que disse o português. Boas demais, não? 

Outra coisa que me chamou a atenção: a vaia. Algo que a nossa Seleção parece ter despertado. E ouvida também ao fim do empate do Botafogo com o Santos. Vaias são sempre cruéis, não há dúvida. Não por acaso soaram pela primeira vez durante as execuções na Grécia antiga onde o espectador passou a usá-la quando achava que o que estava vendo não merecia aplausos. De onde é possível concluir que o torcedor brasileiro tem sido até  muito condescendente com o futebol que anda vendo. Em geral quando a vaia pinta na área o circo já pegou fogo. 

Prova disso é que uma das vezes em que um jogador conseguiu a façanha de transformar uma vaia em aplauso fez do momento uma página inesquecível. Caso de Julinho Botelho em maio de 1959, quando a Seleção Brasileira entrou em campo para comemorar a conquista da Copa no ano anterior e os alto falantes do Maracanã anunciaram que ele ocuparia o lugar de Garrincha barrado por estar acima do peso, dizem. A estrondosa vaia teria sido ouvida pelo ponta direita ainda no vestiário e ele ao ouvi-la teria prometido a Nilton Santos jogar muito. E jogou. Com dois minutos de jogo fez o primeiro gol do Brasil no amistoso contra a Inglaterra, deu passe para o segundo, seguiu brilhando e saiu de campo aplaudido de pé. Até hoje há quem diga que se tratou de uma das maiores apresentações individuais da história do nosso futebol. 

O que quase ninguém lembra é que Julinho, que tinha estado com a Seleção no Mundial anterior era pra estar também em 1958. Ocorre que depois de ir muito bem em 54 acabou negociado com a Fiorentina time com o qual conquistaria um inédito Campeonato Italiano. Naquela altura Julinho tinha fama e a experiência de três temporadas passadas na Europa. Teria ocupado o lugar de Garrincha. Isso mesmo! Pois o titular era Joel, do Flamengo. Talvez os mais novos nem acreditem. Mas não teço aqui uma peça de ficção. Julinho recusou o convite! Alegou que não seria justo jogar uma Copa no lugar de alguém que estava no Brasil. E, ao contrário do que se ouve muito por aí, durante a Copa os manda chuvas do elenco não pediram pra que Garrincha fosse escalado. 

Relatos em livros, como o de Ruy Castro, sustentam que no primeiro jogo era preciso um ponta que atuasse recuado. Não era o caso do Mané. E na segunda partida, por mais que tenha sido avisado que não deveria segurar a bola porque o tal de Stanley, o lateral inglês, era violento e desleal, Joel deu mole. Levou uma botinada e ficou às voltas com o departamento médico. E se Garrincha acabou escalado contra os temidos - e até favoritos  -soviéticos foi porque a estratégia brasileira era ser ofensivo desde o início. É, já não se ousa mais como antigamente. Mas a vaia e o aplauso continuam tendo rigorosamente a mesma alma. 

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Ah, moleque!



Depois de ter visto as cenas lamentáveis na arquibancada do Maracanã na terça vou preferir falar do que pode dar vida ao jogo de bola. A molecada. O futebol nos homens é uma outra coisa. É profissão. É um tudo ou nada. É um balé de movimentos premeditados. Algo que raramente se satisfaz com o ato de se divertir. Isso explica muito da graça cativante que se descortina quando damos de cara com algum moleque desafiando tudo isso. Já vimos tantos. Não esquecemos nunca a precocidade daquele que se fez o Rei. E que continua, até hoje, sendo  o mais novo a entrar em campo pela Seleção e a marcar um gol vestindo a camisa dela.  Chego a pensar que um dos segredos de Pelé foi justamente o de conseguir preservar em si a capacidade de jogar futebol como quem brinca. Persistiu nele algo de moleque. Algo que, olhando bem, o maior de todos os camisas dez deixava transparecer no sorriso. Uma aura que se renova agora na figura de Endrick que acaba de debutar na Seleção. 

A jóia palmeirense recém envolvida em polpuda transação irá se juntar a outros meninos, alguns já nem tão meninos assim, que o mercado se encarregou de levar pra longe de nós. Será uma questão de tempo para que outros sigam pela mesma trilha drenando do nosso futebol essa força capaz de lhe dar outra vida.  Os homens de negócio do mundo da bola, preocupados que estão com as cifras, não os buscam exatamente pelo que jogam. Os buscam pelo que podem vir a render. E nesse sentido quanto mais cedo melhor. Não tardará e  jogadores como o santista Marcos Leonardo seguirão pelo mesmo caminho. E assim vamos ficando cada vez mais sem esse combustível essencial da juventude. Imaginem o nosso futebol se Vini Jr estivesse aqui... Vitor Roque...Rodrygo. Um fluxo que não só não nos deixa remoçar como nos envelhece. 



A última janela de transações internacionais reforçou esse viés. Um sem fim de jogadores já bem rodados têm desembarcado aqui. E ainda que ostentem trajetórias de se admirar - o que está muito longe de ser o caso da maioria - de uma forma ou de outra fazem nosso futebol perder o viço. Se trata de uma equação inevitável. Só mesmo a inocência dos jovens para driblar o ar sério e modorrento que tanto insiste em ser a cara do nosso futebol atual. Quero crer que muitos por aí, como eu, andam saudosos de um sentimento que se perdeu. Aquela ansiedade boa que se sentia quando um jogo ia começar e trazíamos conosco a certeza de que lá estaria alguém que poderia nos deslumbrar. Lembro de viver muito essa sensação nos tempos do Zico. Como era bom poder esperar isso do futebol. 

Mas hoje  alguém começa a nos dar esse prazer e o tal do mercado logo aparece na área com sua mão impiedosa levando o talento pra um lugar em que nossa conexão com ele já não pode ser tão íntima. Sem dizer que na maior parte das vezes quando se fala de um jovem talento se fala também do cuidado que é preciso ter com ele. Que tem de ser colocado pra jogar com cuidado, que não se pode queimar etapas. Mas, estranhamente, ao mesmo tempo eles já assinaram contratos para amarrá-los, já viram as empresas esportivas lhes seduzirem com seu mundo de sonhos e suas chuteiras exclusivas. Tem de colocar é a molecada pra jogar. Ainda mais quando a juventude chega pedindo passagem.             

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Nosso Brasileirão surreal



O Botafogo tá na fogueira. Não há como mascarar essa verdade. A mim soou desde o início que tamanha frente era cruel demais de administrar. Tivesse o time botafoguense desenhado uma liderança normal a realidade seria outra. Mas a bola , a sorte e os gols de Tiquinho Soares o colocaram em total evidência. O fizeram desenhar o melhor primeiro turno da era dos pontos corridos. Impor aos que precisaram se contentar em persegui-lo uma distância que chegou a treze pontos. Algo que em dado momento soou gigante. E agora está aí deixando o pessoal da crônica com cara de quem não acredita no que vê.  Está pra nascer quem consiga explicar do que o futebol é capaz. Interpretar esse maluquice a que o time da estrela solitária tem condenado seus torcedores. 

O modo como começou o jogo contra o Vasco dias atrás. Valente, dando pinta de que poderia voltar a ser o que vinha sendo, que não sentiria a bigorna sobre as costas que acabou sendo o encontro  com o Palmeiras. O tipo de enredo que costuma minar qualquer confiança. Pra desespero dos que foram convencidos a sonhar com o título brasileiro desde praticamente o início a partir de agora, sob comando de Tiago Nunes, será torcer para que a realidade não venha realmente a ser tão perversa quanto a curva de aproveitamento sugere.  No momento em que escrevo ouço gente aqui afirmando que não se trata de uma questão técnica mas psicológica. Cheguei a crer que Lúcio Flávio ter sido alçado à condição de comandante atendendo ao clamor do elenco que via nele o cara pra tocar o barco um antídoto pra isso. Mas a tempestade se fez. 

Os capítulos que se seguiram ajudaram a manter a veia surreal de tudo o que estamos vendo se dar. O Bragantino que no momento em que passou a ser visto como sério candidato não conseguiu segurar a onda também. O Palmeiras que foi ao Maracanã renascido para encarar aquele que a história recente fez seu maior rival e de lá saiu fazendo o torcedor alviverde, tão acostumado a grandes conquistas, duvidar um tanto dessa alentadora sobrevida. Crença resgatada pouco depois na vitória sobre o Inter que lhe fez chegar a liderança.  Mas aproveitemos o caldo que a história vai nos dando. 

Na ausência do brilho técnico, de jogos memoráveis, de times que dão gosto de ver, já não podemos dizer que nosso futebol anda totalmente sem graça. Por mais que  essa graça tenha um quê da emoção que costuma nos ser oferecida num jogo de bingo. Daquelas que todos começam a se olhar quando vários jogadores estão esperando uma última pedra. Ou estaria exagerando? O que me leva a aceitar a afirmação feita dia desses pelo glorificado Carlo Ancelotti que - dizem - colocará em breve todo seu conhecimento a favor da Seleção Brasileira. Disse ele que ganhar é a única maneira para se avaliar um técnico. Que tenham isso em mente Abel Ferreira, Tite, Pedro Caixinha, e todos os que por ventura tenham condições de chegar lá. Ainda que eu creia que eles saibam de cor e acreditem cegamente nessa teoria.

Eu, de minha parte, acho que a coisa não é tão simples assim, mas sabidamente tenho perfil de quem enxerga tudo de forma mais complexa. Sou , por isso, instado a acreditar mais no que disse certa vez Frida Kahlo, ao sugerir uma fórmula para se tornar invencível. Rir. Isso mesmo, rir.  Disse ela: rir, não como os que sempre ganham. Mas como aqueles que não se rendem. O que me fez ver que esse pode ser um jeito bom de encarar as imensas decepções e glórias que este Brasileirão está prestes a ofertar. 


quinta-feira, 9 de novembro de 2023

O jeitinho argentino



Costumo brincar com meus amigos dizendo que se a Argentina tivesse vencido a Copa de 2014 muitos dos hermanos estariam em Copacabana comemorando até hoje. Se tivessem vencido a Libertadores no sábado idem. Gosto de imaginar a cena. Um tipo com jeitão portenho, uma já surrada camisa da seleção, pele vermelha do sol, deixando transparecer intimidade total com a praia e, claro, pronto pra falar de futebol com quem chegasse perto disposto a isso. É uma licença poética , mas que diz muito sobre do que são capazes. Algo que, de certa forma, elucida o jeito deles de torcer. Infinitamente mais vibrante do que o nosso. Tão vibrante que aos poucos foram me convencendo de que podem nos ensinar muito a respeito. 

E, olha, como costumo brincar também, venderam caro aquela Copa para os alemães. Não fosse o tal de Gotze achar aquele gol na prorrogação, sei não.  A recente decisão que fez deles campeões mundiais também foi um espelho disso. A França mesmo oscilando e não mantendo a pegada que tanto impressionou no início do Mundial  era páreo duro. E mesmo fazendo uso de todos os recursos possíveis, inclusindo aí um afiado Mbappé, acabou sucumbindo diante dos argentinos. Por essas e outras vejo neles algo que parece nos faltar faz tempo. Poderia dizer que é uma competitividade, mas não é só isso. É uma questão anímica. Um certo dom para dar alma às grandes batalhas e a certas páginas que o futebol desenha.  Fazendo muitas vezes, no meu modo de ver, essa coisa de dizer que somos o país de futebol soar prepotente. 

E talvez seja por isso que pra nós uma final contra um time argentino jamais soará como uma final qualquer. E isso nunca se reduzirá ao velho discurso da rivalidade que, como já disse, muitos exploraram sem pudor na ânsia de esquentar transmissões. Assim como costumamos dizer que esse ou aquele escrete argentino não anda com o time afinado como teve em outros tempos. Seja como for na hora em que a bola rola a garganta dá um nó porque sabemos que, seja como for, nada tornará a missão mais fácil. No mais, somos muito parecidos. Irmanados que estamos nesta nossa América. Ameaçados pela inflação. Desiludidos com a constatação de que nossos países poderiam muito mais. Igualados também pela sombra de uma certa extrema direita que nos torna outro tanto iguais. 

Sem contar que a final da Libertadores nos mostrou ainda uma outra semelhança: um certo despreparo para lidar com o futebol quando ele vira um grande evento. Mas bagunça na hora de decidir um título continental é coisa que manchou tempos atrás o futebol europeu também. Mas por estas bandas, não sei, a coisa se mistura a um certo descaso. Enfim, ficamos parecidos, inclusive, quando o futebol revela seu lado mais perverso, mais bárbaro. A essa altura pode soar descabida essa espécie de ode aos argentinos, depois de torcer para que a maneira de pensar o futebol defendida por Diniz triunfasse. E se triunfou justamente sobre eles, isso sem dúvida alguma amplificou a graça da coisa. E provou também que nos momentos em que o futebol revela seu lado nobre os argentinos podem muito. Disse Diniz horas depois do triunfo sobre o Boca - ao se vestir novamente de técnico da Seleção Brasileira - que talvez esteja na hora de admirar mais quem é bom do que quem ganha. Mas aí, nesse caso, lhes digo eu: não é pra tanto.        

sábado, 4 de novembro de 2023

Vojvoda, o original



Sei que vivemos em um país em que os títulos são decisivos para que alguém seja reconhecido como o tal. E quando não são os títulos é a grana. E quando não é a grana agora pode ser o número de seguidores. Por mais que eu seja de um tempo em que soaria pra lá de estranho se você viesse a dizer que alguém tinha seguidores. Mas deixemos as questões temporais de lado. Pois se tem uma coisa que desafia o tempo são personagens originais.  Falo num nível que faz certos homens ganharem um quê de inoxidáveis. E o que vou por fim citar aqui me faz recordar muito do Seo Antenor.  Nos finais de semana quando a molecada se encontrava no velho campinho que ficava entre a estrada de ferro e a pedreira ele sempre estava lá. 

E, meio sem que se soubesse como, depois de escolhido os times ele sempre se achegava ao escrete com o qual se sentia mais afinado e começava a dar instruções. Falava baixo, quase como se tivesse contando segredos. Mas aquilo caia tão bem nos ouvidos da molecada que não me lembro de alguém que não tenha se desdobrado pra tentar fazer a coisa minimamente do jeito que Antenor propunha. E o que era mais intrigante é que o homem não tinha pinta de boleiro. Não contava histórias de outros tempos. Durante a semana era visto executando tarefas banais como cuidar dos passarinhos ou da jardim da sua pequena casa. E quando não estava fazendo nada era visto sentado com a mulher numa cadeira de praia em frente ao portão de casa. Jamais na padaria onde a conversa dos mais velhos sobre futebol poderia facialmente ser confundida com uma algazarra. 

Vez por outra chegava ao campinho mais cedo do que todo mundo. Tirava um tufo de mato do pé da trave. Depois caminhava de cabeça baixa, parando aqui e ali para puxar com um dos pés um pouco de terra na tentativa de tapar ou reduzir buracos que podiam vitimar a garotada. E é em Juan Pablo Vojvoda, o técnico do Fortaleza, que vejo um pouco do Seo Antenor. Não tem pinta de boleiro. Quando o ouço falar é quase sempre com ar sóbrio. Lembro que quando começou a fazer certo sucesso foi flagrado pela imprensa saindo não sei se de casa ou do clube para ir ver uma pelada que estava sendo travada ali nas redondezas. Aos poucos foi construindo uma história de respeito. E depois de conquistar as últimas três edições do estadual acaba de levar o Fortaleza a uma decisão de torneio continental. Mas isso é detalhe se quisermos driblar essa história de enaltecer os homens por seus títulos. 

Vojvoda , por uma dessas singularidades do futebol brasileiro, chegou ao posto que ocupa sem ostentar um título de expressão sequer. Tinha levado o modesto Union La Calera, do Chile, à Libertadores é verdade. E com isso já teria credencial para ser tido como um personagem original. Mas foi além, fez com o time dele uma campanha incrível no Brasileirão de 2021 quando o Fortaleza figurou entre os quatro melhores do principal torneio de futebol do país. E mais, em evidência total, resistiu ao assédio dos ditos grandes. E ao agir assim seguiu por um caminho que quase nenhum dos nossos professores teve coragem de trilhar, e que o tem levado cada vez mais longe. Por isso Vojvoda, assim como fazia o velho Antenor, me dá a impressão de não estar muito interessado em copiar fórmulas. O que convenhamos sempre foi tática das mais nobres. E pra poucos.       

 

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

De olho na tabela !



Não sei se você é desses que gosta de analisar uma tabela, ou se só a procura quando quer tirar alguma dúvida. Ou pra se certificar sobre qual o tamanho da sombra que a zona do descenso anda projetando no escrete que ama. Ou, mais poeticamente, sobre quem precisa derramar aquela velha e boa secada, sem a qual o jogo de bola ganharia ares de orquestra de câmara. Eu sempre tive uma queda por elas. Já disse aqui que quando menino junto com meu irmão dispuvamos longos campeonatos de futebol de botão com cada um de nós cuidando de dar vida a uns dez times. E zelar pela tabela de classificação colocava a brincadeira em outro patamar. E agora que a atual edição do Brasileirão vai caminhando pro fim as resenhas vão se apoiando cada vez mais na tabela. E a deste ano em especial anda sendo de um magnetismo absurdo em seus extremos. Em outras palavras, na parte alta e na parte baixa. 

E olha que o Botafogo tem feito de tudo pra jogar uma água nessa fogueira. Vejam vocês, mesmo levando em conta que possa não vir a ser o campeão, seria necessária uma dose cavalar de pessimismo pra não dizer que uma das vagas diretas na Libertadores do ano que vem ficará com ele. Restam , então, outras três. E pra elas o que a tabela mostra é uma fartura de interessados. Tite chegou ao Flamengo e disse com todas as letras que a missão dele no Flamengo de cara é fazer o rubro-negro ficar com uma delas. O Palmeiras por sua vez, mesmo não tendo um ano tão medonho como seu rival carioca  também precisa de uma. Pois se terminar o ano sem uma delas só amplificaria o descontentamento da torcida e escancararia o quanto o planejamento esteve longe do ideal. E diante disso nem supostas contratações sendo providenciadas surtirão tanto efeito. 

Ocorre que mesmo sendo possível acomodar essas exigências com a boa campanha do Bragantino  há muitos interessados em melar essa lógica. O Grêmio tá no páreo, o Athlético Paranaense. E dependendo do desfecho da rodada que começou ontem e segue hoje e do desfecho dos torneios continentais Fortaleza e Fluminense poderão acabar por ter o Brasileirão como grande meta pra salvar o ano. Mas é a parte de baixo que dá pano pra uma reflexão ainda mais provocadora, por assim dizer. Levando em conta os que estão na zona de rebaixamento e os que estão a poucos pontos dela é possível ver muitos campões brasileiros. Campeões continentais e, pasmem, até mesmo campeões mundiais de clubes.

Mas como dizer que o campeonato brasileiro está entre os melhores do mundo a essa altura pode provocar risos, muitos acabam por apontar essa riqueza de patentes como prova de que se não se trata do melhor se trata do mais disputado. Quem imaginaria um Real Madrid, ou um Bayer de Munique vivendo essa experiência desabonadora? De minha parte prefiro crer que o que a tabela escancara é  prova cabal de como são mal administrados muitos dos principais clubes do nosso país. Pra quem ainda ficar com dúvida sugiro pegar trechos do debate travado entre os candidatos a presidência do Corinthians promovido pela TV Gazeta dias atrás em que o despreparo para tão impoluto cargo se fez flagrante. Não que seja diferente em outros grandes clubes. Outra lição que tiro disso tudo também é como acabamos por nos divertir com o que deveria nos envergonhar. 

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

O homem por trás do jogo



Nunca vou esquecer o que me falou certa vez o amigo Xico Sá sobre a maneira pra lá de original que ele sempre teve de encarar o futebol. Disse ele no fundo de uma madrugada: Vladir, o que interessa é o homem por trás do jogo. Definição tão precisa que já recorri a ela várias vezes no afã de tentar explicar em que ponto tento colocar o meu olhar também boa parte das vezes em que o ofício me exige decifrar o jogo. Mas interessante é notar como este viés costuma passar longe do mundo da bola. Ao longo da carreira conheci profissionais no futebol que se mostraram muito humanos, mas que se mostraram preocupados com o homem, muito poucos. Cilinho foi um desses. Ficou até famoso por isso. Como alguém preocupado com o desenvolvimento intelectual dos jogadores que comandava. Tinha notadamente o olhar bem pra lá das quatro linhas. Perfil que o fez entrar para a história com esse rótulo. Exibia também vocação para a boêmia. Mas isso é detalhe. 

Foi um dos melhores em seu tempo. Foi dele a criação do time do São Paulo que acabaria reconhecido como os "Menudos do Morumbi", menção a uma jovem banda porto riquenha que fazia muito sucesso na época. Outro nessa rara linha é Fernando Diniz, sobre quem muito tem sido dito. Dias atrás mesmo, quando o time dele garantiu a classificação para a final da Libertadores batendo o Internacional de virada, dei de cara com uma matéria que enaltecia todo o cuidado que o treinador tinha dispensado ao jovem John Kennedy, um dos personagens centrais da histórica vitória no Beira Rio. Diniz, visivelmente emocionado falou sobre o camisa nove. E a matéria resgatava ainda uma bonita frase dele dita no ano passado quando Kennedy andava às voltas com problemas extra-campo. Preciso acolher a pessoa como um todo não só o jogador, afirmou então.

Também é interessante notar que tanto em um caso quanto no outro há certa afinidade. Em uma rápida pesquisa sobre Cilinho, vejam só, acabei me deparando com uma manchete que o definia como um "formador de homens". E não pensem que a coisa para por aí. A maneira de encarar o futebol também guarda semelhanças. Cilinho fazia questão de dizer que tinha compromisso com o futebol ofensivo. E se o time dos Menudos entrou para a história pela conquista de um título paulista entrou também pela forma como jogava. Cilinho, o homem que dava livros aos seus jogadores, gostava de dizer também que gostava de dar a eles liberdade. A impressão que tenho é que o pragmatismo de Diniz o impede de ser, digamos, liberal como Cilinho. 

Mas nos dois casos foi preciso que o caminho deles cruzasse com cartolas dispostos a lhes dar amparo. Sabemos todos, vimos nos últimos dias, que esse modo de pensar o jogo muitas vezes não acaba em vitórias. Outra diferença entre os dois é o fato de Diniz ter chegado ao comando da Seleção Brasileira e Cilinho não. Embora tenha estado quase lá. Dizem que foram oito encontros entre ele e a cúpula da CBF. Queriam testá-lo num Pré-Olímpico. Ele não aceitou. Tinha outras exigências, queria cuidar do trabalho de base. A coisa miou. Diniz, pelo visto não fez tantas exigências e paga neste momento preço altíssimo por ter topado comandar a Seleção. Enfim, duas histórias que dão amparo a essa filosofia boleiro-humanista, ao mostrar que não é só do lado de fora das quatro linhas que existe quem considere o homem por trás do jogo uma grande questão.    

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Do que é feito o futebol



Era uma tarde chuvosa. Dessas que costumam deixar a cidade mais silenciosa e por isso a algazarra se fez ainda mais fácil de notar. Foi o árbitro apitar o final do clássico contra o Palmeiras e os gritos ecoaram por todos os cantos. Nem todos politicamente corretos, mas deixando transparecer sentimentos desses que costumam ficar presos na garganta. Uma euforia dessas que a gente costuma ver quando um time conquista um título. Fato é que que naquela tarde os santistas, talvez sem perceber, podem ter sido brindados com sensação tão valiosa quanto. Afinal, vai saber do que é feito o futebol. Cansamos de ouvir por aí muitas vezes que ganhar um clássico é como ganhar um campeonato. Pode não se tratar só de figura de linguagem. 

Mas é dessa essência do jogo que quero falar. Quatro rodadas atrás, ou mais precisamente antes de Marcelo Fernandes assumir o comando técnico, o Santos era um time sem alma.  E isso, ouso dizer, era mais assustador do que a falta de resultados. E em matéria de futebol faz tempo que os insucessos são instintivamente relacionados com a falta de dinheiro. Na temporada que estamos acompanhando mesmo, Flamengo e Palmeiras são cobrados e vistos com indignação porque apesar do astronômico faturamento não brilham, não vencem. Por isso Marcelo Fernandes representa neste momento também um triunfo sobre todo esse discurso. Conseguir fazer pairar no ar a possibilidade de que o futebol a essa altura não esteja subjugado a grana é muita coisa. 

Só ele saberá a receita exata na qual apostou. Mas sou levado a crer que nela deve haver ingredientes como paixão ao ofício, determinação, confiança e mais um sem fim de coisas que jamais irão constar em planilhas contábeis. Lembro bem de ver o zagueiro Marcelo Fernandes em campo. Na época eu era um repórter em início de carreira mas que vivia colado no time santista. Se eu escrevesse aqui que era um craque estaria carregando na tinta. Mas Marcelo sempre foi em campo o que é hoje. Um cara que vibra, que dá a vida pelo time, que jogava pro time. E que soube desde sempre que o futebol é feito de outras coisas que não exatamente o requinte. Arrisco dizer mais, talvez tenha desenhado uma trajetória que o convenceu desses valores ao suar na várzea e mais tarde ter ido viver o futebol nem sempre em times fartos de glamour. 

Que os santistas não se iludam. O Bragantino será adversário dos mais duros. O internacional idem. E nisso está a beleza do que tem sido visto. Tempos atrás o Santos estaria entrando em campo já um pouco batido. Não é mais o caso. E tão importante quanto isso é não esquecer, sejam quais forem as alegrias que o destino reserve aos santistas, que o clube foi levado até à beira do abismo por quem o comanda. Há maneiras e maneiras de perder um jogo. O Santos andava perdendo da mais lastimável. E blindado aqui dessas euforias que podem se revelar traiçoeiras eu vos digo que se Marcelo Fernandes e aqueles que com ele chegaram - o experiente preparador físico, Carlito Macedo - conseguirem fazer o Santos seguir onde sempre esteve terão feito um trabalho memorável. Poderão legitimamente comemorar como quem ganha um título. E mesmo sem vaga na Libertadores, ou seja lá o que for, sou levado a acreditar que estarão felizes, se sentindo cumpridores do dever porque no fundo sabem, nunca esqueceram, do que é feito o futebol.

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

É o Tite, mano !



Somos reféns da própria história. Não há como fugir disso. Voltamos a amores. Voltamos a lugares. E ao agir assim desafiamos o que disse certa vez um literato que fez questão de avisar que não deveríamos voltar jamais a um lugar em que fomos felizes, sob risco de não encontrar por lá o que tivemos da outra vez. Mas voltar a algo que deu certo é coisa que ao longo do tempo tem pautado a história dos clubes brasileiros. Filosofando aqui sou levado a crer que por se tratar justamente de algo tão cercado de paixão. Algo do qual o homem costuma ser tão escravo quanto é da própria história. A novela que vimos nos últimos dias envolvendo os treinadores Mano Menezes e Tite evidenciou  essa realidade. 

O primeiro comandou o Corinthians num dos momentos mais emblemáticos de toda a história alvinegra. A queda para a Série B, verdadeira tragédia no momento em que se deu, viria a se transformar em uma espécie de catalisador que fez a fiel torcida mostrar toda a sua força. E à frente dessa recondução triunfal à elite do futebol brasileiro estava o gaúcho Mano Menezes credenciado por já ter vivido com o Grêmio esse tipo de epopeia. O título paulista e o da Copa do Brasil conquistados na sequência sedimentariam de vez a imagem dele no imaginário dos corintianos. 

Tite, por sua vez, que é gaúcho como Mano e tem praticamente a mesma idade, chegou ao Corinthians na condição de velho conhecido. Já tinha passado por lá no início dos anos dois mil e ao voltar, ao contrário de Mano, trazia no currículo um título nacional de primeira divisão e até um título sul-americano. Mas com o Corinthians alcançou e deu ao clube outra dimensão. Fez do time do Parque São Jorge campeão da Libertadores e campeão Mundial de clubes. E só quem é capaz de compreender o que significava para um time como o Corinthians a ausência desses títulos será capaz de compreender o que significa e significou a conquista deles. Não é por acaso que Tite virou uma espécie de deus do time alvinegro. 

Ele, e Mano, tiveram passagens tão fortes pelo clube que nem mesmo as que foram desenhadas pelos dois tempos depois, ao voltar, sem qualquer grande êxito, mudaram o rumo das coisas. Nada me tira da cabeça que pelo momento em que se deu a demissão de Luxemburgo, e por outras informações que circularam, a ideia da direção corintiana era trazer Tite de volta. O desenrolar da história a fez se contentar com Mano. E do mesmo modo que o Flamengo - que dizem tem tudo encaminhado com Tite - não é o Corinthians. Mano Menezes não é o Tite. E mais do que preferir esse ou aquele o que a torcida do Corinthians deve cobrar é que esse abismo que hoje existe entre os dois clubes , no mínimo, diminua consideravelmente. 

O Corinthians tem história, torcida, triunfos pra isso. A falta, é obvia, é de competência administrativa. Normal que o torcedor tenha sua preferência. Como é preciso admitir que as passagens dos dois acabaram os levando à Seleção Brasileira e isso é prova de alguma excelência. E se Mano não teve a longevidade de Tite não custa lembrar que acabou demitido quando o trabalho dele na Seleção passava a ser amplamente respeitado pela crônica esportiva. Tite, por sua vez, dirão os críticos, esteve em duas Copas e saiu das duas muito criticado. Mas aí eu diria , sem titubear: mas é o Tite, mano! 

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

O ocaso do Migué



Devo ser mesmo um romântico em matéria de futebol. Digo isso porque um dos mais acalorados papos sobre futebol que travei nos últimos dias versava sobre o que pode um time de futebol além do planejamento. Cornetava o Flamengo que na primeira partida da decisão da Copa do Brasil mal conseguiu fazer cocegas no São Paulo. Meu interlocutor defendia com unhas e dentes a tese de que essa falta de combatividade tinha sido fruto da disposição tática dos jogadores em campo, enfim, da maneira que o treinador tinha decidido armar o time. Não que eu inocentasse o técnico mas tinha pra mim que naquilo tudo havia uma questão individual. Uma falta de disposição para, uma vez naufragado o esquema, tentar buscar uma maneira alternativa de equilibrar o jogo. O que de uma maneira rasa seria apostar um pouco no bom e velho resolver na raça. 

Não ignoro as imensas dificuldades que costumam brotar de escolhas táticas que não vingam. O que estava querendo defender é que para além do quatro quatro dois - ou algo que o valha - existirá sempre a questão anímica. Para ser mais direto, sem ânimo sempre foi difícil chegar a algum lugar. Imagine então quando se trata desse futebol físico dos dias de hoje. Essa filosofada a respeito me fez pensar também que um treinador sensível, diante de um quadro desses, poderia muito bem, humildemente, optar por uma estratégia que tornasse o time menos exposto, e em última instância exigisse uma dose menor de atitude. Não consigo entender que durante noventa minutos um time não seja capaz, minimamente, de morder um pouco o adversário. Se é que me entendem. 

 Quando alguém toma conta de uma partida a coisa complica. É fato. Mas quero crer que uma boa leitura de jogo, um bom tempo de bola aqui e ali irão permitir umas beliscadas no adversário. E não estou falando em com isso chegar a um jogo igual. E é óbvio que para ter algum efeito esse tipo de reação não pode partir de um único jogador. Embora toda contribuição seja bem vinda e possa dar algum fruto. Agora, se quem está em campo não quer jogar é outra história. Só fico me perguntando se quem acompanha o futebol pelas entranhas, os analistas de desempenho, munidos de todo o aparato digital que têm à disposição não enxergam os abismos que toda a falta de ânimo pode provocar. Foi-se o tempo em que os espertos podiam dar o popular migué. Podiam ficar nessa de ser chinelinho. Os mapas de calor estão aí pra desmascarar aqueles que em campo podem se fazer uma fria para os ditos companheiros. 

E pelo que li esta semana a FIFA acaba de aprovar a chuteira inteligente. É, meus amigos, o avanço tecnológico é como a burrice, não tem limites. Esse novo aparato, pasmem, servirá para medir o desempenho dos membros inferiores. Olha que perigo! O invento servirá, por exemplo, para analisar tempo de bola, velocidade do chute, distância percorrida, aceleração e até analisar as mudanças de direção. Não pensem por isso que esse mundo favorece mesmo a informação. Hoje em dia os clubes se negam até mesmo a fornecer a lista de relacionados para um jogo. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é  outra coisa. Mas, voltando a questão do ânimo, da disposição, é bom que os malandros de bola fiquem espertos porque do jeito que a coisa vai irão de ter de correr nem que seja pra dar um migué nas máquinas.  

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

O valente Sampaoli



Para além das grandes questões que cercam o futebol não há como não se render a um bom personagem. O que não quer dizer que um personagem dito bom venha a ser um sujeito gente fina. A sedução de um personagem se dá de forma mais complexa do que isso. O que me leva a crer que mesmo o futebol com todo seu apelo e encanto seria menor na ausência deles. Não colocaria, no entanto, Jorge Sampaoli na galeria dos grandes personagens. Mas há nele um traço que me desperta interesse. É um personagem intrigante. Ainda não tenho claro se é  um treinador  acima da média, ou alguém que se colocou nesse universo com certa pompa depois de ter sido exímio em extrair todos os dividendos de momentos como a conquista da Copa América com a seleção chilena quase uma década atrás. 

E por transitar nesse mundo em que os resultados servem como uma espécie de maquiagem fantástica imagino que a essa altura os santistas o tenham em melhor conta do que os flamenguistas.  Não é pra menos. O que Sampaoli fez à frente do time santista é algo difícil de esquecer. E imagino que muitos dos que não nutrem simpatia por ele ao lembrar disso evitam ser cruéis a ponto de dizer que se trata de uma farsa. O que não é o caso, longe disso. Mas talvez também não seja o caso de tratá-lo como um extra classe, termo sisudo muito usado por boleiros.  Meu olhar de torcedor - no início um pouco levado pelo bom astral de momentos como aquele em que Sampaoli chamou pra ver um treino do time santista alguns meninos que acompanhavam tudo de cima de uma árvore - aos poucos foi descobrindo nele um certo ar fechado, de valentia. 

Para a formação dessa imagem contribuíram imensamente os relatos de que ele queria mesmo é saber da comissão dele, evitando outros profissionais. Alguns com lugar de honra na história do clube. Mas o que soava como exagero acabou corroborado pelos acontecimentos envolvendo a comissão dele no Flamengo. Agora mesmo antes de começar a escrever estas linhas tinha dado de cara com manchetes nada abonadoras. Pudera. Às vésperas de decidir a Copa do Brasil levou a campo um time pródigo de invenciones que unidas ao placar de três a zero a favor do adversário se fizeram de difícil defesa. E insisitiu nelas na hora de passar a decidir o título. Também tinha lido a declaração de Suso, jogador do Sevilla, da Espanha, que apontou Sampaoli simplesmente como o pior treinador que já teve. Não sei se é crível, mas depois de tantas páginas vividas no futebol brasileiro, somos levados a supor que o chileno Vidal e o atacante Marinho pensam na mesma linha. 

Desde que chegou ao Brasil Sampaoli fez com que a imprensa tomasse ciência de que não dava entrevistas exclusivas. Protocolo que mais tarde viria a quebrar, para atender interesses que eram só dele.  Sobre a valentia, um dia me contaram - e isso claro pode ser apenas intriga de um desafeto - que certa vez foi visto desviando a rota de uma caminhada que fazia na praia de Santos ao perceber que ela desaguaria na mesma que vinha traçando o lendário Serginho Chulapa.  Adoro personagens e adoro lendas. Se é um treinador de primeira classe sigo sem saber. Mais fácil tem sido constatar que quer mesmo é se cercar dos seus. Coisa que se segue sendo levada adiante é porque quem o contrata não tem a valentia de encarar valentes nem mesmo quando os está pagando. E assim vão se formando personagens não exatamente grandes, mas intrigantes.

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

O jogo político



Na maior parte do tempo procuro ser polido. Mesmo quando tomado de indignação. É uma fração dos meus princípios que nem sempre fazem sentido. Ou melhor, parecem fazer cada vez menos. Acompanhar nos últimos dias a fritura que desembocou na retirada  de Ana Moser do Ministério do Esporte foi de doer. Faz algumas décadas que ando perto demais do esporte para não ter convicção de que ele é muito mais do que esse circo do qual faço parte. O esporte é muito mais do que as cifras que fazem muitos dos nossos semelhantes se sentirem deuses ou acharem que podem tudo. O esporte é muito mais do que toda a vaidade que pode se esconder atrás de marcas e medalhas e minha vivência me sugere que Ana Moser sabe muito bem disso. O esporte é sinônimo de saúde, de educação, de inclusão. E se for para ir mais fundo diria que é um grande instrumento para que as pessoas se conheçam melhor. É difícil tendo vivido no meio desse universo imaginar figura mais legítima do que Ana Moser para extrair do esporte tudo o que ele pode dar. 

Ela, que lembro bem, mal tinha parado de jogar e  já tinha implantado bem no seio de uma das maiores comunidades de São Paulo um projeto esportivo de cunho social. Isso quando  projetos do tipo eram raros. Por isso não me espantei quando dias antes de passar a testemunhar toda essa fritura deixei escapar um sorriso sincero e de satisfação ao dar de cara com a notícia de que ela estava, junto com o SESI, inaugurando um grande plano envolvendo o futebol feminino. Plano que irá criar vários núcleos pelo país dando a oportunidade de que o esporte passe a fazer parte da vida de muitas crianças e adolescentes. E se sorri , e estou certo de que sorri, foi por trazer comigo a certeza de que é esse o caminho. 

Certeza que vi ainda mais robusta em mim quando há cerca de um mês, depois de me inscrever para nadar num espaço público de São Paulo, me deparei às sete horas da manhã com uma fila imensa. Uma fila de interessados em ocupar algumas poucas vagas que estavam sendo disponibilizadas no Centro Desportivo Baby Barioni. O nome é uma homenagem ao criador dos Jogos Abertos do Interior e pioneiro do basquete paulista. Um centro de muita tradição mas que esteve fechado desde 2014 e acabou entregue depois de quase uma década, em dezembro passado. Naquela manhã, naquela fila, me peguei dividido entre a tristeza e a alegria. O tratamento dispensado aos candidatos esteve longe de ser adequado, o que redundou em frustração para a maioria absoluta dos que resistiram por mais de duas horas. Muitos nem ficaram. Desistiram ao se deparar com o tamanho dela. E se digo que também experimentei alguma alegria foi por perceber de algum modo que o que era em mim teoria fazia sentido. Aquela pequena multidão disposta a nadar, a praticar exercícios. Gente de todas as idades. Uma situação que escancarou também a falta de espaços desse tipo. 

Fico imaginando o impacto que isso poderia ter nos índices que medem a saúde da população.  De minha parte gostaria de estar ali pela atmosfera do lugar, por sua história. Ao contrário de muitos poderia pagar uma academia. E o que vi ali sei que Ana Moser viu muito antes de mim. Uma pasta dessa importância feita moeda de troca. Não por acaso a cerimônia de posse do novo Ministro foi feita ontem a portas fechadas. E ninguém se envergonha. Ninguém se levanta. Os espertos de sempre se justificam dizendo sem corar que é do jogo. E a gente feito gado, nós, a nação, os filhos dela, que poderiam crescer mais saudáveis, mais educados, vão levando outra bola nas costas.   


Foto: Ricardo Stuckert

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

O desafio de jogar fora de casa



É bem capaz de o nobre leitor, que quando moleque andou aprontando das suas com a bola no pé, lembre com riqueza de detalhes o que era jogar na casa do adversário. Na minha época quase sempre isso significava encarar a molecada da rua de trás, ou algum outro time formado nas redondezas e que não tivesse entre os seus a patota que costumava formar quase todo dia no prédio ou na praia pra uma pelada. Era coisa simples mas que dava ao jogo de bola um ar diferente. Coisa que a molecada resumia em "jogar um contra". O termo é interessante porque deixa transparecer que os amigos  de todo dia não se enquadravam exatamente na condição de adversários mesmo que estivessem do outro lado. Ninguém dizia que ia jogar um contra se do outro lado estivessem os colegas de rotina. 

Em outras palavras, quando se tratava de um contra a coisa pesava. Entrava no caldeirão do jogo de bola, a honra, a possibilidade de entradas desleais. A intimidação pode não ser bonita como um drible mas em campo costuma ser recurso muito eficaz. Digo tudo isso para fazê-los atentar para o fato de que jogar fora é um desafio mesmo para profissionais. Talvez o viés que mais aproxime o futebol celebridade do futebol descompromissado da infância. Os são paulinos já tiveram muitas chances pra notar a dificuldade da coisa. O tricolor paulista até agora não sabe o que é ganhar fora de casa neste Brasileirão. Nem quando Dorival Júnior chegou com todo o gás conseguiu fazer o time dele protagonizar tal façanha. 

E dizer façanha não é exagero. Vejam. Das vinte e duas rodadas disputadas até agora o mais normal tem sido que os visitantes triunfem em dois de cada dez jogos. Vinte por cento. É muito pouco. Em uma única rodada esse índice alcançou a metade das partidas. Foi na décima primeira. E notem. Das cinco vitórias fora quatro se deram pelo placar mínimo. A exceção foi o Corinthians que conseguiu fazer dois gols no Santos. Entre essas vitórias pelo placar mínimo está uma do Botafogo. Analisar esse tipo de dado dá pista sobre o que tem feito o líder do Brasileirão andar muito na frente. O Botafogo ostenta no cartel cinco vitórias longe de casa. O Palmeiras tem três. Mas o Flamengo mesmo com toda a ebulição que se vê pros lados da Gávea acaba de chegar a cinco também. 

Entre todas as rodadas a única em que nenhum visitante conseguiu vencer foi a penúltima. Talvez a necessidade de pontos que vai alimentando a esperança de salvação de uns e os sonhos de outros vá tornando jogar em domínios adversários mais complicado ainda. Destaquei o percentual que mais vezes se repetiu ao longo do torneio, mas devo dizer que em seis oportunidades o número de triunfos fora chegou a três. O que pela ótica matemática, com alguma licença poética, pode significar um empate técnico com a porcentagem que mais se deu. A dos tais vinte por cento. Uma outra maneira de ver os números sugere que a porcentagem anda mesmo por aí, já que dos duzentos e dezessete jogos disputados até aqui cinquenta tiveram vitórias de visitantes.  Ou pouco mais de vinte três por cento. Três jogos ainda estão pra ser jogados. E já que me entreguei a esse devaneio matemático aproveito para lembrá-los  que se uma única vez esse coeficiente chegou a cinco, apenas duas esteve em quatro. A conclusão fica por conta de vocês. De nada tenho certeza, só de que jogar "um contra" era bom demais e dava ao jogo outra dimensão. 

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Torcer tem seu preço



Há uma coisa que se sobressai sobre todas as outras em matéria de futebol nesta temporada: o Botafogo. O time carioca com sua campanha de arrepiar tem desafiado os descrentes. O que andou fazendo até aqui deveria servir para que os adversários em campo e nas arquibancadas o respeitassem, mas sabemos todos que o jogo de bola é de uma crueldade tremenda. Se deixar escapar o título será lembrado pra sempre por isso. O primeiro turno quase irretocável de nada servirá. Só os mais apurados historiadores do futuro talvez venham a lhe fazer justiça. Contribuições, como disse, são muitas. Os gols de Tiquinho Soares... O magnetismo exercido sobre a torcida, que aos poucos foi se traduzindo num estádio botafoguense cada vez mais pulsante. 

O Botafogo este ano instituiu a classificação por comparação. A cada rodada mais do que comentar se ele venceu ou não, o que tem sido feito é olhar para os que estão na tabela abaixo dele e ver se conseguiram se aproximar. Durante muitas rodadas o resultado destas contas tem sido a constatação da incompetência por parte dos perseguidores. É preciso que se diga também que não menos surpreendente foi constatar que mesmo a saída de Luís  Castro do comando técnico do time não teve maiores consequências. Algo que muitos davam como certo, como davam também que a liderança do Bota não iria durar. Alguns podem disso concluir que, como se costuma dizer, técnico não ganha jogo. Bruno Lage, o atual comandante, terá não só de ganhar alguns mas administrar essa desconfiança que se traduz em terrível pressão. 

No jogo de ida contra o Defensa y Justicia pela Sul-Americana foi possível notar certo conflito entre Lage e a torcida que fez questão de mostrar seu descontentamento com certas escolhas do treinador. Mas aí veio o jogo contra o Bahia e tudo arrefeceu. Por falar em escolhas, vale destacar a temporada que vem fazendo o goleiro Lucas Perri, no torneio continental trocado por Gatito Fernándes. Na minha modesta opinião Gatito está longe de ser um arqueiro qualquer, mas vendo o que tenho visto estou convencido de que neste momento Perri está operando milagres. Em outras palavras, não discuto o uso de um time reserva... mas o goleiro talvez. Enfim, não sabemos o que será desse Botafogo, mas seja qual for o desenlace que o Brasileirão nos reserve - talvez fosse o caso de escrever lhe reserve -  a contribuição do time da estrela solitária é enorme. Tão grande que sejam quais forem os resultados a graça da coisa ainda seguirá sendo obra dele, o time a ser batido. 

Aos botafoguenses sugiro não ficar digerindo rancores. Não entrar nessa de pegar no pé do treinador. Brilhar além fronteiras teria sido bom, sonhar com títulos continentais. A Copa Sul-Americana agora é passado.  Não deixar escapar esse Brasileirão será muito maior. E se o poderio de ataque dá a impressão de já ter sido melhor, a defesa segue com números respeitáveis. E Diego Costa aí está. Além do mais, Tiquinho tá voltando. Imaginem o tamanho da onda que os botafoguenses  não poderão tirar de todo mundo. Já que o triunfo no Brasileirão será , de certa forma, o triunfo sobre a toda a secação que ao longo de trinta e oito rodadas terá sido exercida pelos interessados em uma possível derrocada. E digo mais, tenho um amigo botafoguense e não pensem que ele não está sofrendo. Torcer tem seu preço.

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Jogando com o otimismo


                                                                      Foto: Canva pro

O mundo anda tão louco que não se deve deixar de considerar táticas que o vejam pelo vértice mais otimista. Pode parecer coisa de gado. Mas creiam, é uma estratégia. Meio como um três zagueiros pra encarar o amargor planetário. Se plasticamente o jogo parece ter virado outra coisa, menos sedutora talvez, ainda damos de cara com partidas das quais queremos ser testemunhas. Mesmo que esse anseio se baseie mais na importância do que no refinamento. Prova disso é o que se deu no meio de semana passado tomado pelas semifinais da Copa do Brasil. Estádios cheios, coisa que invariavelmente nos remete ao futebol de outros tempos. E seria se a modernidade não tivesse moldado tudo nos fazendo, por exemplo, calar em suspense mesmo depois de ter dado de cara com o mais lindo dos gols. Afinal, o VAR paira acima de tudo com suas decisões que muitas vezes poderiam ser definidas como uma espécie de" te peguei". Brincadeira de mau gosto, por certo. 

Talvez os homens do apito acreditem mais do que nós naquela teoria que diz que quando um estádio enche hoje em dia está repleto de turistas, torcedores de um dia, mais preocupados em desfrutar de seu espaço instagramável do que saber com riqueza de detalhes como se dá um impedimento ou algo que o valha. O tal critério se metamorfoseou numa coisa tão, mas tão subjetiva, que nem eu sei mais ao certo que teoria defender. É isso! O futebol passou a ser como uma defesa de tese, assim como a resenha, essa parte tão mais democrática do que o jogo e em que todos se enfiam. E é cada tese que vou te dizer.  Sintam-se à vontade para incluir essa minha entre elas. Mas não desistam, mesmo na certeza de estar perdendo o jogo. Melhor um drible na realidade que te coloque para cima do que uma metodologia que te faça o rei da posse de bola - sem marcar gols - no meio dessa imensa zona da confusão que é o viver, como diria um certo professor especialista em retórica boleira. 

Nada é o que parece por mais que seja complicado explicar isso para os rubro-negros Pedro e Varella literalmente atingidos pela bagunça instaurada no clube da Gávea. É preciso ver tudo com outros olhos, ainda que eles estejam roxos. Porque  o que chamaram de bagunça foi só a blindagem do futebol levando uma bola no meio das pernas de dar gosto. É o futebol revelando como poucas vezes faz o homem por trás do jogo. O fuzuê no banco de reservas do América mineiro é outro exemplo. Não dizem, desde tempos remotos, que quando a coisa não vai bem é necessário dar uma sacudida no elenco? Então! Chega desse negócio de se incomodar por tudo. Com os jogadores que insistem em misturar certas conquistas com a devoção a Deus. Chega de se incomodar com essa coisa de alguns se sentirem os elegidos. Povos inteiros fizeram questão de se dar esse traço. E vai saber se o criador não há de ter suas preferências, como alguém que escolhe um time pra chamar de seu. 

E essa  minha sugestão de esquema tático, esse otimismo, pode ser um respiro para os santistas que nos dão a impressão de quem cruza um purgatório. Mas que acabaram de viver uma tarde incrível. Histórias grandiosas nasceram de derrocadas históricas.  E se quiser o destino lhes reservar uma SAF, mirem-se no Botafogo. E se nada disso lhes servir de consolo. Pensem que consertar o futebol pode ser tão difícil como consertar o mundo. E relaxe! 

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Acadêmicos, ou não?



O atual treinador palmeirense é não só o mais vitorioso do futebol brasileiro dos últimos tempos mas também o que mais tem dado combustível para a crônica esportiva e seus afluentes. É raro que uma coletiva dele passe despercebida. Tenho dúvidas de que isso seja salutar pra ele. Mas dada a alma catimbeira que carrega claramente se alimenta de alguma forma desse embate. Como é fato que vira e mexe tem se excedido. Muito do que diz se ampara, querendo ou não, nos bons resultados alcançados. E é incrível que alguém esteja a tanto tempo na crista da onda. O que é de se tirar o chapéu. E vendo os últimos momentos do Palmeiras na atual edição da Libertadores acabei lembrando de uma passagem na qual Abel Ferreira foi muito bem. 

O time tinha acabado de se sagrar campeão brasileiro e o lendário Ademir da Guia no entusiasmo saudou a conquista  como sendo um feito do que poderia ser chamado de a terceira Academia. Fazia menção aos times palmeirenses que nas décadas de sessenta e setenta ganharam essa alcunha pela excelência do futebol que apresentavam. Não houve vaidade nem empolgação na resposta do treinador quando questionado a respeito. E olha que aquele era o título que lhe faltava e que tinha sido a grande meta do time. Abel não caiu na armadilha. Confessou sua falta de conhecimento para interpretar o que tinha sido dito e foi além. Julgou que somente o tempo poderia dar essa resposta. Não teria como ser mais preciso. Também considero que só a história será capaz de dar a exata dimensão do que estamos vendo. 

Na ausência de arroubos plásticos impressiona o apuro coletivo do time. Não sei se todo palmeirense vê com bons olhos esse discreto desdém pelo Brasileirão que corre. O considero, no entanto, até compreensível. E há além das virtudes demonstradas em campo uma outra grande contribuição dada ao nosso futebol, a comprovação dos frutos que podem vir da manutenção de um treinador e de um elenco. Jamais saberemos onde começa a estratégia ou em que ponto entra na história a questão orçamentária. Fato é que a gestão do elenco, com reposições pontuais, levada no fio da navalha não tem comprometido o todo. Mesmo que seja difícil contestar aqueles que dizem a enxergar no banco de reservas. O que não pode ser dito do Flamengo.



E talvez esteja justamente aí o mote para comprovar o grande valor do trabalho de Abel Ferreira, porque mesmo essa sendo a realidade o Palmeiras até o momento nunca esteve atrás de ninguém. E o recém naufrágio rubro-negro na Libertadores só reforça essa tese. Sem dizer que como time não foram poucas as vezes em que se mostrou superior. Arrisco dizer que segue sendo mais competitivo, mais constante na sua capacidade de tomar conta de um jogo. Quem acompanha futebol, e mesmo os atentos à vida, sabem bem que tudo passa. A perenidade do Palmeiras de Abel também, como já escrevi, por essa razão impressiona. Jogadores como Rony e Zé Rafael - elogiadíssimo depois da partida que tirou o Atlético Mineiro da Libertadores - visivelmente têm alargado consideravelmente o padrão de suas atuações. E além do mais, quem sou eu pra duvidar do mestre Ademir da Guia. Não me espantaria que ele com sua elegância supostamente lenta tenha enxergado muito além do presente.