quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

O que pode o esporte



O que vou dizer pode soar utópico. Mas, no fundo, é óbvio.  Escolhi falar a respeito depois de ter recebido algumas fotos de um amigo que faz algum tempo, ao visitar a África, decidiu que antes de se entregar aos prazeres de um safari passaria alguns dias doando tempo a um projeto em uma aldeia da Tanzânia. Foi de lá que vieram as tais fotos. Mostravam meninos e meninas na mais tenra idade que tinham acabado de ganhar uma biblioteca e equipamentos esportivos. Nos registros aparecem jogando - melhor seria dizer brincado - vôlei,  futebol. Pulando corda.  Com raquetes na mão. Coisas que até então não tinham. Os tons vermelhos das bolas contrastando com a paisagem árida do lugar.  A alegria recém chegada pairando no ar. 

A cumplicidade com aquelas cenas foi inevitável. Provocada por memórias que os meninos da minha geração invariavelmente trazem consigo. A de ganhar uma bola nova. Só duvida do que pode o esporte na vida de alguém quem nunca se entregou a ele. Ou não teve essa oportunidade. E pensar que nós e essa nossa terra que tudo nos dá até hoje não temos um "Plano Nacional de Esporte". Acabamos de voltar de uma Olimpíada com um recorde histórico de medalhas. Mas, desculpem, não é disso que se trata. É de educação, de saúde. As faces mais nobres do esporte em geral encobertas pelo brilho de marcas e conquistas que serão sempre só de alguns.

Toda vez que vejo um campeão como o canoísta Isaquias Queiroz que, ao lado da ginasta Rebeca Andrade, acaba de receber o prêmio Brasil Olímpico. Tudo isso me volta. E dessa vez se reforçou com as tais imagens enviadas da Tanzânia. Isaquias só se revelou esse cara porque uma certa Associação da cidade dele lá no Sul da Bahia decidiu certa vez fazer um projeto, levando em consideração que lá o Rio de Contas faz do remo e das canoas quase uma necessidade. O que me faz lembrar também que nos idos dos anos oitenta meu irmão, que é professor de educação física, tendo ido morar numa das praias de São Sebastião, decidiu começar a treinar a molecada que vivia lá para fazer provas de Biatlo.  Boa parte filhos de pescadores. 

Não tardou e a meninada começou a desbancar todo mundo. Íntima que era do mar e, até por isso,  preparada para lidar com desafios físicos. Comiam bem, tinham tido uma infância ativa.  Vou resgatando essas coisas apenas pra dizer que não há muito segredo quando se trata de esporte. E não pensem que amparo esse modo de pensar em intuição. Não se trata disso. Se trata é de interpretar o que o esporte me mostrou no longo tempo que tenho passado prestando atenção, percebendo tudo o que  costuma provocar no corpo e na cabeça de quem, de algum modo, por mais singelo que seja, se entrega a ele. O que me fez pensar também que nessa época em que tanta gente pensa em presentes vale deixar uma dica. Sempre que possível aproxime uma criança do esporte. Uma bola, uma raquete, uma prancha, um skate. Porque feita a aproximação a probabilidade de que os dois sigam juntos só irá aumentar consideravelmente. Um feliz natal a todos.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

O tempo passa, torcida brasileira

Abro estas linhas já pedindo desculpas pois o conteúdo das tais pode não passar de um efeito colateral da idade. Tomo a liberdade de florear assim o que de modo raso poderia muito bem ser chamado de coisa de ranzinza. Sei que a crônica esportiva dá o tom. Orienta o olhar do torcedor sobre as as tramas que se desenham nos gramados. Mas algumas questões ligadas ao universo do futebol ainda me intrigam. O número de gols que decreta uma goleada é uma delas. A esse respeito vou contar uma história rápida que vai esclarecer como trato a questão. 

Era eu um repórter novato, que um dia foi mandado à capital para cobrir a reta final de um Campeonato Paulista.  A missão era pesada.  Cobrir um Santos e Corinthians. Ter na mão um microfone da TV Globo. Fazer matéria pro Globo Esporte. Agora, mais pesado do que isso era a responsa de trabalhar com o velho Reynaldo Cabrera, simplesmente um dos cinegrafistas mais icônicos da TV brasileira. Uma lenda.  Cabelos brancos. Pra minha felicidade o homem gostou de mim. Gozava de um prestígio imenso. Nunca esqueci uma cena da equipe descendo na viatura da TV a avenida que liga a Doutor Arnaldo até os fundos do Pacaembu e o Cabrera de mão pra fora cumprimentando e sendo reverenciado por um mundo de gente que descia a avenida também em direção ao estádio. 

O jogo acabou com placar de três a um, que eu chamei de goleada. Um desavisado. No outro dia estava eu sentado na redação quando vejo o Cabrera apressado passar por ali. O cumprimentei, perguntei se estava tudo bem. Ele parou, disse que sim, abriu um sorriso e em seguida emendou: tudo em ordem, mas goleada é quando se tem três gols de diferença. Nunca esqueci. Recordo de ter conversado sobre o assunto muitos anos depois com o mestre Michel Laurence. Pra quem três a zero também era a conta. Há quem diga que é preciso quatro. Não duvido que o tempo tenha alargado essa conta. 

Como não me importo de ser um cara das antigas. Outra coisa que pode ser fruto da minha formação é um desacordo com a maneira atual de se tratar a nomenclatura das conquistas. Pra mim, bi ou tri, ou tetra têm de ser seguidos. Essa coisa do time ganhar um título anos atrás e depois voltar a ganhar novamente não merecia esse tratamento. Ganhar três campeonatos seguidos nunca será o mesmo que ganhar três campeonatos ao longo de alguns anos.  A impressão que tenho é que isso foi mudando ao longo dos tempos. Quando se lê, por exemplo, a respeito dos anos 1930 quando o Flamengo interrompeu a sequência de títulos cariocas do Fluminense, no ano seguinte quando o time das Laranjeiras voltou a ganhar ninguém rotulava a sequência como se fosse uma coisa só.  

O título da Seleção Brasileira no México, e toda a euforia que o cercou, me dá a impressão de ter contribuído muito pra essa mudança. Era, e é, o Tri. Não tem jeito. Mas pra mim um time que ganha espaçadamente não pode ser visto e nomeado - outro exemplo -  como o São Paulo da primeira década dos anos dois mil que conseguiu a façanha de conquistar o concorrido Brasileirão três vezes seguidas. Não se trata de diminuir o que alguns conseguiram, mas sim de reconhecer adequadamente o que fizeram outros. No fundo dois temas bons pra uma conversa entre amigos. No fundo, talvez também, só um jeito de perceber que o tempo passou.  



* Em homenagem à memória de Reynaldo Cabrera 


quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Treinadores daqui e de lá





Em dinheiro a gente pensa sempre, sendo capitalista ou comunista, não se deixem enganar. Nesse sentido estou convencido de que não basta um viés de formação pra fugir dessa verdade. Seria preciso fugir do planeta. E sabe-se lá com que realidade daríamos de cara viajando por essas galáxias afora. Mas antes que venham a pensar que estas linhas deveriam estar na verdade nas páginas de economia me adianto pra dizer que a conversa foi dar aí foi por ter visto as cifras que o treinador Marcelo Gallardo fez vir à tona quando entrou na mira do Flamengo para comandar o rubro-negro carioca. Gallardo segundo foi noticiado recebe trinta e quatro milhões de reais por temporada. Isso sem contar o staff do argentino, que trabalha com onze outros profissionais, e leva a conta a praticamente quarenta milhões. 

Longe de mim tentar estabelecer o que é caro ou barato nesse mundo da bola. Ainda mais quando se trata do Flamengo que há tempos anda flertando com um faturamento de bilhão de reais. Diante disso nada soa muito descabido. Mas essa reflexão toda me fez cair a ficha de que mesmo com times menores se impondo na tabela desse Brasileirão que está por um fio não iremos escapar do nocivo desequilíbrio que a grana impõe. Ainda que entre nossos endinheirados, não é novidade pra ninguém, as contas andem mais frágeis do que porcelana. Sem contar outros fatores. Entre eles a constatação de que se em campo o drible anda virando coisa cada vez mais rara nas páginas contábeis seguem abundando. 

Olha, que Gallardo construiu fama capaz de justificar esse frenesi inicial entre flamenguistas não dá pra discutir. O que dá pra discutir é esse quase fetiche pelos técnicos portugueses que se deu ao mesmo tempo. Uma coisa é querer trazer de volta Jorge Jesus , amparado em tudo o que ele representou, outra é estender isso a nomes como  José Peseiro, Antônio Oliveira, Carlos Carvalhal, entre outros. Treinadores sem trajetória nem conquistas que os amparem.  Mas o interessante é que em dado momento resolvi questionar um companheiro de ofício a respeito, e o camarada - em tom um tanto sério - fez questão de me lembrar que os dois últimos treinadores que venceram a Libertadores  são portugueses, e que o bicampeão aqui aportou sem trajetória e sem conquistas.  

Seria um tipo de superstição?  Detalhes que me fizeram concluir que tão complicado quanto entender a economia do futebol é desvendar todas as conexões, razões e interesses que se escondem por trás da escolha de quem, até que provem o contrário, vai mandar no time. Gallardo que não virá, pois na tarde de ontem anunciou a permanência dele no River,  mostrou ter o que nos ensinar ao contar em sua comissão com um neurocientista.

Muito se fala também que os treinadores argentinos brilham na Europa, enquanto os brasileiros mal conseguem atravessar nossas fronteiras. O que não se fala, é que em outros tempos treinadores brasileiros tiveram vez - e brilharam - na Argentina. Brandão com o Independiente. Tim, ex-jogador da Portuguesa Santista, com o San Lorenzo, sendo campeão invicto. E , vejam só, o mestre Didi, que na época colocou uma garotada pra jogar por lá - bateu o Boca - e deixou um legado, adivinha pra quem? Para o River.  Isso mesmo, o River Plate, de Gallardo.  

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Magrão, lá se foram dez anos!



Magrão, meu velho, nem vou aqui falar da saudade que seria chover no molhado. Nesta última década pontuada de cabo a rabo pela falta que você faz muita coisa mudou. Mas tem uma coisa que segue igual, toda vez que penso em ti  duas frases cantadas pelo Gonzaguinha, que você curtia tanto, me vêm à cabeça. A primeira é: "eu acredito é na rapaziada".  

O Brasil de hoje iria te desapontar, se você voltasse exatamente agora, seria inevitável se perguntar como conseguimos andar tão pra trás assim. Mas também não vou entrar nessa, pois no fundo sei o que dirias, e estou de acordo: o caminho leva sempre adiante.  Sabe, houve tanta coisa tramada em teu nome nesse tempo que passou, gente boa reunida, que será capaz de honrar a data com obras e homenagens. De minha parte digo que fiquei devendo. 


Queria tanto tanto ter colocado à disposição de todo mundo aquelas  conversas que andamos gravando junto do Xico. Papos que o velho Mazza vigiava para na hora certa semear palavras também. Dia desses chegaremos lá. E quem sabe até além. Quero dizer ainda que me intriga que tenhas saído de cena justamente quando nosso país, o mundo, se revelou tão necessitado de pessoas com a tua força, com teus ideais. A parte boa é perceber que por um  viés não houve imprecisão na rota. O tempo se encarregou de fazer de você - e daquilo que você representa - algo ainda maior.


Ah, e a Merça mudou. Quer dizer, o lugar tá lá, mas o astral, os livros, o velho elenco, Marquinhos tratou de levar pra um outro lugar ali nas redondezas. Lugar que ganhou o sugestivo nome de Ria.  Assim mesmo como quem pede um sorriso, coisa que era sempre tão farta nas mesas que dividimos. Magrão, vou me despedir também sem falar do velho jogo de bola, do teu Santos. Opa!! do teu Corinthians.  E não pense que cometeria o deslize de  me despedir sem citar a outra frase 

cantada pelo Gonzaguinha que sempre me vem à cabeça toda vez que lembro de ti. 


Quer saber? " É a vida, é bonita e é bonita".  

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Não tem mágica



Há muitas maneiras de dizer que nosso futebol se descolou da realidade que vemos se desenhar em especial pelos gramados europeus. Assim como há várias maneiras consagradas de definir essa desconfortável diferença. O modo mais comum é dizer que o que se pratica por lá na verdade é outro jogo. E é preciso admitir que se não é realmente um outro jogo é quase. E o sintoma mais cruel de tudo isso se vê na garotada cada vez mais encantada por Reais , PSGs, Barças... e cada vez menos por nossas camisas sempre vaidosas de suas pretensas tradições. Há para reforçar essa sensação o histórico recente do cobiçado Mundial de Clubes da FIFA que tem vitimado nossos melhores times.  O Palmeiras no início do novo ano terá a oportunidade de mostrar que não é bem assim. 

Agora, mais do que nos preocupar  com o que se dá em campo deveríamos nos preocupar com a maneira como temos encarado as questões ligadas ao jogo de bola. Digo isso pensando em como os ingleses, por exemplo, tratam questões cruciais sobre o bendito impedimento e outros detalhes. Uma das consequências dessas diferenças é uma transmissão que incorpora outra dinâmica. Pra ilustrar a teoria vou resgatar aqui uma passagem que tenho a impressão de ter citado por aqui tempos atrás. Estava eu de olho na pelota que estava com o atacante de um dos times  da Premier League perto do bico da grande área. Eis que ele a puxa para a diagonal e se encaminha em direção ao gol, numa fração de segundo o marcador ganha dele na corrida e lhe toma a bola, não sem evitar um tranco que levou o sujeito que já se via comemorando o gol ao chão. 

Foi instintivo.  Fiquei esperando aqueles gestos bruscos dos companheiros dele cobrando do juiz uma atitude a respeito e, também, fiquei esperando acima de tudo o replay do lance. Santa inocência a minha. O jogo seguiu sem sobressalto algum e o lance foi relegado ao esquecimento. Soou como uma lição.  Essa realidade me fez lembrar de algo que foi notícia dias atrás. A cobrança do goleiro Ederson do Manchester City com relação à falta de amistosos da Seleção Brasileira com as grandes seleções do velho continente.  Declaração corajosa se levarmos em conta que o arqueiro está na disputa pela vaga de titular do time comandado por Tite. O coordenador da Seleção Brasileira prontamente tratou de responder. E e esteve longe de o fazer em tom polido. 

Dizer coisas do tipo "quem cuida desse planejamento somos nós", ou "se quiser uma explicação a esse respeito você me fala e eu te explico", soam ou não soam como aquele argumento gasto que defende que certas coisas devem ser tratadas internamente? Não que Ederson tenha sido polido. Mas o goleiro fazia uma crítica onde esse tipo de tom vira logo algo quase natural. A explicação dada para essa realidade que praticamente isola o time nacional dos grandes esquadrões do planeta é tão batida quando dizer que o futebol que se pratica por lá de tão diferente parece outro esporte. Como é fato que quem cuida disso deveria estar empenhado em achar uma solução. Só assim pra saber de verdade a quantas anda nosso futebol. Enfim, como disse, Juninho, o coordenador da Seleção, "não tem mágica".  

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

No futuro ( para Formiga)



Não quero parecer cruel. Tenho a maior simpatia pela atual treinadora da Seleção Brasileira Feminina, Pia Sundhage, que para além de sua história pessoal já deu várias mostras de que é uma figura especial.  Mas  a ouvindo justificar o fato de ter deixado a icônica jogadora Formiga apenas por quinze minutos em campo no amistoso contra a Índia - despedida da jogadora brasileira -  senti necessidade de mostrar um outro lado a respeito da justificativa dada por Pia. Disse ela que assim foi feito porque Formiga não estava no futuro do time nacional feminino. 

Ora, Formiga pode não ter alcançado a popularidade de Marta mas é sem dúvida alguma um dos grandes nomes do futebol feminino brasileiro e, creio, não seria exagero dizer mundial. Entendo os motivos alegados para essa breve permanência em campo. Mas defendo que a coisa tivesse sido tratada de outra forma porque não tenho dúvida de que Formiga estará no futuro da Seleção Feminina, irá pairar com sua história exemplar e números impressionantes sobre as atletas que virão.  

Estará no futuro como todos aqueles que de alguma forma se mostraram para lá de raros ao exercer seus ofícios. Não quero ficar aqui embasando meus argumentos  em números, lembrando das sete copas que ela disputou. É justamente por ter essa certeza de que ela estará no futuro que considero que talvez o ideal fosse ter perguntado a ela quanto tempo gostaria de ficar em campo numa data especial como a de ontem. Em que momento, inclusive.

Humilde como Formiga já provou que é, não duvido, acabaria dizendo que para ela bastariam alguns poucos minutos, talvez até menos de quinze.  Alguém por aí poderia dizer que é um disparate dizer uma coisa dessas. Uma jogadora determinando uma questão dessas seria inverter as coisas, tirar o comando de Pia. É claro que sei das obrigações que assombram a treinadora, dos objetivos, até da falta de tempo. Mas momentos e pessoas singulares merecem, igualmente, tratamento singular.  E Formiga não deve estar nem aí pra essa coisa toda. Pode ostentar e desfrutar a serenidade daqueles que sabem que tem um lugar garantido na história, no futuro.  

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

A tal final da Libertadores



Embora imprevisível o futebol dá pistas dos caminhos que toma, pistas traiçoeiras muitas vezes, é verdade. A presença de Flamengo e Palmeiras na final da Libertadores revela um pouco disso. São dois times que há tempos se impuseram no cenário do futebol nacional. Uma lógica intimamente ligada à grana, mas ela - ainda bem - não explica tudo.  Já vi , e tenho certeza de que o leitor também, times endinheirados sem brilho e, consequentemente, sem conquistas. Não é o caso dos dois finalistas do torneio continental.  Cada um a seu modo tratou de ratificar com títulos a própria fama. 

Que a montagem do time carioca parece ter sido feita com maior precisão quase não tenho dúvidas.  Como não tenho também que o passar do tempo tornou essa diferença menor, não diria invisível. Vivemos um tempo meio esquisito em que a crônica se deixou levar pela contundência. Alguns se envaidecem por cravar resultados. Ponderar, em geral, passou a ser definido como coisa de quem fica em cima do muro. Não diria que o Flamengo chega melhor, mas é um time que na minha opinião tem mais a oferecer. Sou um tipo estranho, acredito cegamente no triunfo da talento sobre o pragmatismo, ainda que saiba que quando se trata do bom e velho jogo de bola um sempre depende de uma dose do outro . 



E não me entendam mal, no caso dessa final da Libertadores os dois times têm talento em doses consideráveis. E, não à toa, desde que foi definido o embate pairou sobre todas as conversas. Foi praticamente impossível falar em um dos dois times sem se render a uma análise que levasse em conta a partida que se dará no lendário estádio Centenário, em Montevidéu, no Uruguai, na tarde do próximo sábado. Abel , o treinador palmeirense foi criticado no meio da semana passada ao colocar em campo um time reserva para encarar o São Paulo num jogo de muito peso.  A torcida fez cara feia. Mas na breve entrevista concedida depois da derrota para o tricolor mostrou uma convicção extrema no planejamento feito pelo clube. Tem a seu favor uma vantagem, se ainda não conhece o futebol brasileiro com mais profundidade - embora sempre faça questão de  deixar nas entrelinhas que já o decifrou - vive pela segunda vez a realidade de levar o Palmeiras à decisão do desejado torneio continental.  Não é mais um novato nesse sentido e experiência nunca é demais. 

Do lado rubro-negro, se falei de talento e pragmatismo, foi pensando em Michael e sua fase incendiária. Não queria esse dilema pra mim. Renato Gaúcho, o treinador do time da Gávea, ganha bem para tratar dele.  Só digo que em algum momento gostaria de vê-lo em campo. E sei que nesse capítulo final de Libertadores ninguém ao se colocar ali perto da linha central para entrar no jogo seria tão capaz de mexer com os ânimos.  Esperamos um jogo sublime. Há história pra isso. Como há nisso certa inocência. Um jogo com ar de tira teima simplesmente entre os dois últimos vencedores do torneio. O que pode fazê-lo mais pegado e estudado do que jogado. Será mesmo um jogão? Que dirão seus falastrões treinadores quando esse Flamengo e Palmeiras tiver virado história? Isso também tenho muita curiosidade de saber. A ver!

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

A leviandade das arquibancadas



Certa vez ao ser designado para cobrir um jogo do São Paulo, no estádio do Morumbi, me vi precisando contornar um grande problema para uma equipe de reportagem com uma missão dessa, gravar o jogo fora das cabines, que naquele dia, não sei bem porque razão estavam todas ocupadas.  Ao recordar agora juraria que não era uma partida de muito apelo, pois o espaço do anel abaixo onde acabamos instalando o tripé e a câmera estava com um número até baixo de torcedores. Pois foi ali que presenciei uma das cenas mais grotescas da minha vida de repórter esportivo. Em dado momento vi um torcedor se aproximar da grade de ferro que separava aquele parte do estádio de uma outra ao lado, onde estava um torcedor adversário. 

Imaginamos  que estávamos prestes a nos tornar testemunhas de mais um bate boca. Mas o que se deu foi infinitamente mais lamentável. Insatisfeitos em somente proferir ofensas os dois passaram cuspir um no outro.  Isso foi mais ou menos no primeiro terço do segundo tempo e, pasmem, assim continuaram até o final da partida. Ignorando totalmente a mesma.  Por essas e outras o ocorrido com o menino Bruninho dias atrás nas dependências da Vila Belmiro  me indignou, entristeceu , mas de forma alguma me causou espanto.  O que também é infinitamente triste. Sobre o fato muito já foi dito, o que me força à humildade de achar que talvez não possa trazer grandes contribuições nesse sentido. 

Mas uma confissão pode ser que caia bem. Diante de fatos como esse me pego às vezes cercado por um certo desencantamento com o fato de dedicar praticamente toda uma vida profissional a esse esporte pródigo em produzir coisas do tipo. Se há algo a comemorar nesses tempos pandêmicos que atravessamos é ter passado quase dois anos sem dar de cara com manchetes noticiando briga entre torcidas. Muitas vezes com registros fatais.  Mas o mundo está mudando e torço, portanto, para que essas transformações convençam e intimidem aqueles que seguem pensando que as dependências de um estádio ainda são uma terra de ninguém. Onde vale tudo. Um universo fora da lei flertando muitas vezes com o bárbaro. O que sejamos sinceros não é novidade para ninguém.  

Arrisco a afirmar categoricamente que não há entre aqueles que vão a estádios com frequência alguém que não tenha testemunhado uma cena de racismo, de homofobia ou de assédio. E isso é grave, muito grave. Mais do que se levantar contra obras de autores consagrados apontando o que nelas poderia haver de inadequado para os tempos atuais , o que é uma insânia,  deveríamos perceber que importa é mudar comportamentos. O que deve ser feito com disciplina extrema, pois como o caso Bruninho evidenciou também o número de pessoas que fez questão de aplaudir o que via foi maior do que o dos que fizeram questão de tratar o fato de maneira bárbara. Como diz um sábio amigo , o mundo está cheio de pessoas boas, mas a capacidade de  destruição das más é o problema. Em outras palavras, basta muitas vezes um ou dois espíritos de porco no meio de muitos bem intencionados para que o circo pegue fogo. E a arquibancada não pode ser uma terra de ninguém.

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Mistérios do futebol



Há muitos mistérios a rondar o futebol. Um deles, intrigante, é o que faz um jogador render muito mais num time modesto do que em um time grande. Exemplos são muitos. Tenho certeza de que o nobre leitor tem bons exemplos guardados na memória. E muito pode ser dito a esse respeito. A cobrança maior, o bafo da torcida, o fato de se deparar com um nível técnico sensivelmente mais alto. E, vejam, estou falando de times que vivem nossa realidade não de atletas que saíram do Brasil para jogar no exterior. Caso no qual, aliás, se encaixaria Gabriel Barbosa, que ao voltar da Europa virou ídolo do Flamengo. Ainda que no Brasileirão não figure no topo da tabela dos artilheiros. 

No topo está Gilberto, atacante do Bahia, e que de certa forma poderia ser visto assim. Passou pelo Internacional, pelo São Paulo e, no primeiro caso, vindo de um time de menor expressão. Não despontou. Batucando estas linhas acabei lembrando, por exemplo, do frisson causado pelo meia Piá quando vestiu a camisa da Ponte Preta. Dava gosto. A temporada com o time de Campinas lhe valeu a ida para o Corinthians, onde desembarcou  com toda a pompa mas sem conseguir dar conta de toda a expectativa que o cercava. Já havia passado pelo Santos em duas oportunidades, inclusive.  

Poderíamos falar de times mesmo, muitas vezes formados majoritariamente por atletas que desenharam caminhos desse tipo.  Outro dia conversando com o lendário Roberto Rivellino acabamos caindo no assunto. Riva ouviu, ouviu. E eu ali na ânsia de descobrir o que ele ia dizer, imaginando que com tudo o que sabe poderia dissolver de uma vez por todas esse mistério.  Ponderou apenas que ao estar num clube menor o bom futebol costuma ser, quase sempre,  a única maneira de ir - ou voltar - a um time de maior expressão. Há uma velha máxima que diz que muita facilidade amolece o espirito, da qual nunca duvidei. 

É fato que a vida de nababo que os grandes clubes oferecem aos seus jogadores hoje em dia poderia muito bem ter sua parcela de influência nessa realidade. Diziam na época que o Real Madrid dos galácticos acabou ruindo um pouco por causa disso, lembra? O clube era obrigado a fazer contratos milionários, que por sua vez tinham de ser longos. Chegou uma hora em que todo mundo ali tinha ainda três ou quatro anos de contrato, ganhando muito. Em outras palavras, estavam com o burro na sombra. É um jeito raso de ver o fato, talvez.  Mas como o intrincado da realidade a faz difícil de explicar, vai saber. E por falar em artilheiros, o que é sempre bom. Gilberto, dizem, anda na mira do Santos, do Corinthians e do São Paulo.  Se rolar, veremos como se sai. Mas talvez não haja nada de mistério nisso tudo, só as forças que atuam sobre os homens, e os interesses de sempre. Vai ver sou eu que ando meio místico.   

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

O Flamengo, o Peixe e a torcida




O coro xingando  Renato Gaúcho no Maracanã enquanto se desenhava a vitória do Athletico Paranaense que eliminou o Flamengo da Copa do Brasil foi das cenas mais impactantes dos últimos tempos. Sensação muito provavelmente realçada pela condição em que foi transmitida.  Com o áudio ambiente em destaque  e com a imagem do treinador e seu semblante pra lá de desconfortável em primeiro plano com a arquibancada que cantava o coro ao fundo.  Tudo sendo mostrado simultaneamente.  Arrisco dizer, inclusive, que pode ter sido esse, mais do que a derrota em si, o motivo dele ter entregado o cargo depois do jogo. O que não foi aceito pelos dirigentes. 

O que me faz pensar isso é que desde sempre existiu no trabalho do Renato Gaúcho essa mística com a torcida. Seus trabalhos sempre estiveram um tanto ancorados nessa relação desenhada desde os tempos de jogador.  Foi assim no Grêmio, é um pouco assim no Flamengo e também foi assim na época do Fluminense, ainda que com outra intensidade.  Mas naquele momento tudo isso pareceu ter caído por terra.  O calor da torcida tem um preço, que pode ser alto. Gabigol quis falar depois do jogo. O que não costuma ser normal.  Talvez tenha percebido que era preciso estabelecer um diálogo com a torcida naquele momento. Evitar que a ruptura fosse maior. O afastamento. 

Isso tudo pode apontar um caminho para o Santos nessa reta final de Brasileirão que se revela dos maiores desafios que o clube já viveu. Em poucas palavras: é preciso ter a torcida junto. Que uma vitória melhora qualquer relação todo mundo sabe. Duas, então, nem se fala. O jogo contra o Fluminense deixou isso muito claro. Depois do primeiro gol naquele duelo de tudo ou nada  deu-se uma verdadeira transformação. Claramente visível. No time e na arquibancada. Em uma situação dessas vale tudo. Um encontro com craques do passado, o capitão do BOPE, o sal grosso, a troca do executivo de futebol. 

Mas na minha modesta opinião cuidar da relação do time com a torcida  é crucial. Sabemos todos que a Vila faz tempo, desde antes da Pandemia,  já não fazia jus a velha alcunha de Alçapão.  Coisa que se resgatada seria uma vitamina danada. E olha que o time viveu bons momentos em sua história recente, ainda que improváveis como já dito aqui. Estou convencido que a essa altura nem se trata de uma questão numérica mas de animosidade. Que venham os verdadeiramente dispostos a colocar o time pra frente, a gritar mesmo quando no gramado a situação por ventura venha a se complicar.  

No final de semana a Vila será palco de mais um clássico, no qual o Peixe está longe de ser favorito.  O adversário será o Palmeiras que, criticado como poucos até semanas atrás, dá a impressão de que vive um embalo poderoso. O Grêmio que atravessa situação ainda pior que a do Santos e foi a última vítima do time palmeirense, depois de tudo o que viu acontecer em sua Arena, e ouvir o vice de futebol dizer que a torcida estará com o time até o fim, recebeu uma punição e jogará em casa com portões fechados e sem cota de ingressos quando for visitante. Mais acertado seria dizer que em momentos assim não poder contar com a torcida tem tudo para ser fatal. Os espertos aprendem com a lição dada aos outros. 

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

O que o futebol vai virar?



O preço dos ingressos escancara , mais do que qualquer outra coisa, como pensam os homens que comandam o futebol no nosso continente.  Não creio que  pensem de modo muito diferente dos outros. Mas fato é que na Europa, por exemplo,  o preço de um ingresso para jogos de primeira linha beira oitenta e cinco dólares, enquanto a final da Libertadores terá o ingresso mais barato custando cerca de duzentos dólares ou, um salário mínimo.  Os números bastariam para mostrar o abismo entre um e outro, mas há ainda nossa realidade social. O que faz esse abismo infinitamente maior, mais bárbaro. Ao mesmo tempo escancara a elitização do jogo. E a constatação é óbvia:  o futebol deixará de ser  popular.  

É questão de tempo que deixe de ser parte da cultura de massa. Não sou um expert em temas sociológicos mas acho que cabe o termo.  Na verdade os homens que cuidam do futebol nunca estiveram nem aí pra essa veia popular.  A exploraram de todas as formas. E não se importam que ela se perca desde que o faturamento continue subindo. E foi disso que se ocuparam ao criar o vampiresco sistema de sócio torcedor, ou ao fazer dos estádios Arenas pra poucos. Para eles se um dia a média de público despencar tanto faz, desde que o preço do ingresso seja uma fortuna e uns poucos abonados se encarreguem de não deixar o faturamento cair. Só irão mudar se um dia perceberem que deixando de ser  popular o futebol talvez veja minada sua capacidade de faturar. Aí pode ser tarde demais.  

Não duvido que o futebol se sustente sendo quase um luxo. Há um sem fim de modalidades endinheiradas para corroborar essa possibilidade. Vendo quanto passou a custar um ingresso, uma camisa de um time, sou levado a crer que um dia se amará o futebol como se ama carros importados, bolsas de grife que custam os olhos da cara. Sei que é chato ficar falando do tempo em que o Morumbi abrigava mais de cem mil torcedores nas tardes de domingo. Da poesia rude da velha geral do Maracanã. Até gente com saudade do tobogã do Pacaembu temos visto. Justo do tobogã sempre tão mal falado por ter tomado o espaço da velha concha acústica. Mas não se trata disso. Se trata de tentar entender qual será o preço de tudo que tem sido feito em nome do futebol. 

Do ponto de vista histórico, já disse outras vezes, o futebol é até novo. E sou capaz de dizer que o apogeu dele se deu por volta do fim dos anos setenta, início dos oitenta. Pouco depois do nosso jeito de tratar a bola ter definitivamente encantado o mundo.  E não me importa que daqui uns anos estas minhas palavras sejam lidas como foram lidas as de Lima Barreto que no século passado profetizou que o futebol era moda que não pegaria. Até acho que ele pode viver historicamente outro grande momento. Só sei que não será com essa receita, roubando dele o que sempre teve de mais belo: a veia popular, apaixonada. Enfim, é isso, toda vez que vejo um ingresso custando os olhos da cara me pergunto: o que é que o futebol vai virar? 

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Ricardo Piglia - Trecho de "Os anos felizes" - Diários de Emílio Renzi



A vida não se divide em capítulos, disse Emilio Renzi ao barman do El Cervatillo naquela tarde, com os cotovelos apoiados no balcão, em pé diante do espelho e das garrafas de uísque, vodca e tequila que se alinhavam nas prateleiras do bar. Sempre me intrigou o modo irreal mas matemático em que ordenamos os dias, disse. O próprio calendário já é uma prisão insensata sobre a experiência porque impõe uma ordem cronológica a uma duração que flui sem critério algum. 

O calendário aprisiona os dias, e é provável que essa mania classificatória tenha influenciado a moral dos homens, disse Renzi sorrindo para o barman. Falo por mim, disse, que escrevo um diário, e os diários só obedecem à progressão dos dias, meses e anos. Não há outra coisa que possa definir um diário, não é o material autobiográfico, não é a confissão íntima, nem sequer é o registro da vida de quem o escreve que o define; simplesmente, disse Renzi, é a ordenação do escrito pelos dias da semana e os meses do ano. Só isso, disse satisfeito. 

Você pode escrever qualquer coisa, por exemplo, uma progressão matemática, uma lista da lavanderia ou o relato minucioso de uma conversa num bar com o uruguaio que atende o balcão ou, como no meu caso, uma mistura inesperada de detalhes ou encontros com amigos ou testemunhos de acontecimentos vividos, tudo isso pode ser escrito, mas será um diário apenas e exclusivamente se você anotar o dia, o mês, o ano, ou uma dessas três formas de nos orientarmos na corrente do tempo. 

sábado, 23 de outubro de 2021

Hoje é dia do Rei

 

                

           O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. 
                                                               É fazer um gol como Pelé 

                                                            Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Em comum acordo



Tudo bem, o São Paulo ganhou o clássico contra o Corinthians! Mas se há uma maneira de perceber toda a manobra que o tricolor fez para trazer de volta ao comando do time o ídolo Rogério Ceni é notar que nunca na história desse país essa coisa de dizer que tudo se deu em comum acordo soou tão falsa. Faz algum tempo que esse, digamos, artifício de linguagem virou moda no futebol brasileiro. De modo geral a crônica tem feito vistas grossas, mas no caso do time do Morumbi não engoliu. A versão oficial não colou, nem poderia diante de todo o imediatismo que cercou a troca e escancarou o quanto tudo teve de premeditado.  

É fato que esse tipo de comportamento nasceu do velho jeitinho brasileiro. Bastou fazer soar a regra de qu uma coisa, creio, iremos concordar, há muito assunto bom que acaba ficando na peneira que chacoalha com a intenção de selecionar as notícias. Há temas que se impõem, forçam passagem, mas no minuto seguinte são esquecidos. Foi o caso do goleiro da Bélgica que meteu a boca no trombone criticando essa ideia que nos ronda de se fazer uma Copa do Mundo a cada dois anos. Pelo visto implodida horas atrás na reunião da FIFA, deixou isolado o presidente Infantino.  Courtois também gritou contra a insânia de um calendário que tem maltratado os atletas. Dito por aqui, como fez o treinador palmeirense, a coisa é até aceita, mas relevada.  Lá foi diferente. 

O goleiro belga viu três de seus companheiros de seleção serem autorizados a deixar a concentração por problemas físicos. O último deles, Lukaku, uma estrela. Trata-se de um tema sério.  Colocar em risco a saúde física dos jogadores é aceitar colocar o próprio espetáculo em risco.  Acho esse um grande tema. Primeiro em razão de que quase não se leva em conta que as lesões, talvez, não estejam só ligadas ao número de partidas, mas também às mudanças no jogo. Sabe-se que hoje se corre mais, se tem um número maior de lesões na cabeça, e que o jogo ganhou um aspecto preponderantemente físico. O que não se sabe é o custo de tudo isso.  

E não se fala que esse sintoma de calendários ainda mais esticados se deu quase que como um efeito colateral dos escândalos envolvendo o futebol e seus direitos de transmissão. Antes já acontecia com interesses políticos. Desde sempre se usou tal expediente. Mas diante da necessidade de se refazer contratos deu-se um jeito de oferecer mais aos interessados. Seria bom juntar os fatos que possam corroborar essa teoria. Estou convencido de que existem.  No mais, a graça do Brasileirão continua residindo na boa campanha de times como Bragantino e Fortaleza. E nessa dualidade entre Atlético Mineiro e Flamengo. 

A ver como os dois vão acabar as semifinais que começaram na noite de ontem. Mas vocês não precisam concordar comigo. Não temos necessidade alguma de chegar a um comum acordo.    e os times teriam limites para esse tipo de situação e , como num passe de mágica, ninguém mais manda treinador embora.  Todos civilizadamente se acertam. Transparência nunca foi um mandamento no futebol por mais que todos os cartolas gostem de dizer sorrindo que são adeptos.  Os treinadores que aceitam esse tipo de justificativa sem que ela seja verdadeira também têm lá sua culpa. Mas é sabido que ninguém gosta de ser visto como alguém que foi dispensado. Por mais que a gente saiba que é do jogo. 


quinta-feira, 14 de outubro de 2021

A retranca





Sou do tempo em que a Libertadores não desfrutava de toda essa pompa. E nem pensem que sou tão velho. Não faz tanto tempo. Falando nisso, sou do tempo em que ganhar o outrora chamado Paulistão dava direito a uma alegria muito parecida com a de ganhar um Brasileirão. Pode parecer exagero. Mas quem é da minha geração saberá do que estou falando. Os fatos, no entanto, mostram que não é só o prestígio de certos torneios que mudou. Mudou também a maneira de interpretar o futebol. E isso ficou muito claro pra mim depois que o Palmeiras eliminou o Atlético Mineiro do torneio continental.  Crédito que deve ser dado ao treinador do Palmeiras, Abel Ferreira. 

O português nos obrigou a rever conceitos a respeito da retranca. Ou, no mínimo, a repensá-la. Vista por essa lente do tempo - que costuma transformar tudo - é possível concluir que a retranca já ocupou lugar mais nobre. Faz algumas décadas passou a ser vista de maneira meio maldita. Chutaria que isso se deu para valer nos últimos vinte anos, talvez um pouco mais. Qualquer um que tenha tido um aprendizado meio raiz do jogo de bola sabe que um time capaz de segurar a bronca sempre foi algo para se respeitar.  Mas alguma coisa se deu.  A retranca passou a ser sinônimo de algo menor, digo menor do que o que ela realmente pode representar. O Palmeiras está aí para provar. 

É possível que uma das razões dessa transformação tenha sido a invasão de visões muito táticas e técnicas que passaram a regar as conversas e os debates a respeito do futebol. Isso por mais que aquela ladainha da necessidade de fechar a casinha esteja sempre nos rondando e testando nossos nervos. Como anda testando nossos nervos o comportamento de Abel Ferreira. E essa realidade se impõe por mais que treinadores respeitados ao longo do tempo tenham insistido em dizer que foram buscar inspiração em outras modalidades, como o basquete por exemplo, onde a defesa sempre teve papel de destaque. 

Eu mesmo e minha ânsia por um futebol ousado me vi desafiado. Percebi meio encabulado que pode se ter um ideal de jogo, mas não se pode negar o que a retranca representa como estratégia. Usei a palavra ousado, para evitar dizer bonito. Pois no meio dos papos vi gente dizendo, para defender esse tipo de estratégia mais cautelosa, que futebol bonito não existe. O que existe é jogar bem. Entendo perfeitamente a colocação.  Se um time se sagrou campeão como não reconhecer que jogou bem? Ora, reconhecendo que é possível que se alcance objetivos sem necessariamente fazer questão do requinte. Da beleza.  

E na minha opinião a grande questão que cerca a retranca, e o que a impede de ser tratada de maneira mais clara, é um certo pudor de aceitá-la pra valer, dizendo que ao optar por ela se partiu da premissa de que o adversário era melhor. De outra maneira por que não apostar num jogo mais ofensivo, mais de igual para igual? Mas há egos e tradições demais a impedir esse tipo de transparência, de discurso.  Só uma coisa não dá pra negar: a retranca só floresce quando a capacidade de brilhar de um time de algum modo encontra limites. E que o que anda salvando Abel , por hora, é o prestígio atual da Libertadores.

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

O jogo é hoje



Pensando no que espera o torcedor santista hoje a noite foi inevitável lembrar da frase que inicia a canção é dá título a uma das músicas do genial violonista Paulinho Nogueira, que se não me falha a memória era corintiano. Durante os anos em que estudei violão as partituras de Paulinho frequentaram minha pasta. Juro que tentei executá-las  com a maior virtuosidade que me era possível. Por falar nisso, até hoje me arrependo de não ter aproveitado as oportunidades que tive pra falar com ele. Nos últimos anos de vida, muitas vezes em que ia correr no Parque da Água Branca, em São Paulo, o via no início das manhãs sentado sozinho num dos bancos do Parque, com ar de quem pensava na vida e tramava sem dar pistas alguma nova obra.  O resto da primeira estrofe da música, aliás, faz todo sentido, não só a primeira frase ou o título, que com reverência plagiei. Diz a canção: O jogo é hoje/nosso time não pode perder/ Se não puder na bola/ Não dá bola vai de sola/ Que a torcida não quer nem saber.  Faz  ou não faz todo sentido? 

E não só para os santistas, mas também para os torcedores do São Paulo, o adversário desta noite no Morumbi.  É jogo com ar de tudo ou nada. Ou, menos polidamente como sugere a canção, vai ou racha. Tem sido comum se ouvir por aí que os dois times vivem momentos parecidos, andam sendo assombrados pela fantasma do rebaixamento, morando  perto da fronteira da tabela que separa a agonia da salvação. Na minha modesta opinião, não se trata de uma afirmação muito precisa. Não é bem assim. Há uma certo abismo separando as duas equipes.  Vejo o elenco do tricolor com muito mais opções do que o elenco santista, sobre quem pesa um sem fim de fatores.  Uma incômoda sequência de dez jogos sem vencer.  Um técnico recém chegado que , pra complicar, só viu a situação da equipe piorar desde então.  Isso sem falar no desmanche que o time santista viveu nos últimos tempos. 

O São Paulo, queiram ou não, conseguiu dar uma respirada ao vencer o Paulista e ainda tem sobre ele um ar de esperança de que o time se reencontre.  Ainda que o mesmo venha testando de lá pra cá a paciência dos são-paulinos. Sem contar o fato de que jogará em casa e bem na hora em que poderá ter de volta a sua torcida.  Chega a ser cáustico que o clássico que ficou conhecido como SanSão ostente neste momento tão pouca força. O treinador santista já deixou claro a preocupação com os efeitos da pressão que os jogadores andam sentindo. O fato é que só há uma maneira a essa altura de neutralizá-la, vencendo.  E não só hoje a noite. Será preciso seguir vencendo.  Nunca dar à Vila um ar de alçapão foi tão crucial.  

Na história recente do Santos o torcedor se acostumou a sugerir, com um discreto sorriso no rosto, que pros lados de Urbano caldeira o raio costuma cair sim duas vezes no mesmo lugar. Mas a coisa mudou e será necessário, como já disse, torcer pra que o raio que nunca caiu na Vila realmente não caia. E neste momento há no ar do que a simples assombração do descenso. Notem que a tal segundona nunca andou tão ameaçadora. Foi-se o tempo em que uma vez lá se dava quase por certo que o time grande seria capaz de voltar ba temporada seguinte. Enfim, como cantou Paulinho Nogueira, o jogo é hoje.  E como também diz a obra: tá na hora da grande emoção.

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Nossos futebóis



Há o futebol estabelecido e há o futebol que nos vai na alma, como sugeriu com sabedoria certa vez um dos nossos maiores poetas. O estabelecido anda daquele jeito. E sua realidade mordaz tem sido assunto aqui neste espaço, mesmo porque sem uma ligação com a mais pura realidade cotidiana sem alma acaba ficando a crônica. O que o futuro reserva ao jogo de bola saberemos só quando o cronômetro que solfeja a história andar. Mas do passado já sabemos quais são os frutos. E não são poucos. Há ainda por aí uma geração para a qual o jogo de bola, não é exagero, veio a ser motivo de vida. E não estou falando de nomes como o lendário goleiro italiano Buffon ou do baiano Magno Alves. Os dois já bem pra lá de quarentões e atuando. Falo de gente, digamos, com histórias comuns , ou quase. 

Gente como meu estimado Tio Afonso, o boleiro-mor da família. Um boa praça que, entre idas e vindas, e muito preparo de um pasto de berinjela destinado ao pós -jogo, não pensa em aposentadoria. Esteve em campo, dando aquela distribuída na meiúca, do alto de seus oitenta e dois e anda encarando a fisioterapia com disciplina de dar inveja, convencido de que o joelho vai parar de reclamar dessa insistência. Até infiltração já encarou pra ter condição de atuar.  E se digo que temo pelo futuro do jogo é por estar convencido de que é a prática que alimentou desde sempre tudo isso. E pelo que vejo ela vai , ainda que aos poucos, esmorecendo. Já não há espaço. Na maior parte das vezes a bola rola em campos de society.  

O barato de jogar num campo de verdade, com suas dimensões desafiadoras, vai virando coisa pra iniciados. Mas abençoado seja o society, a praia, e os terrenos baldios ainda não encampados por construtoras  que, seja como for, ainda nos fazem acreditar que o futebol seguirá arrebanhando novos adeptos e ajudando a manter os antigos. Essa vontade de render homenagem aos resistentes me veio depois de ter dado de cara com a notícia de que no Suriname uma figura singular havia se tornado  o jogador mais velho a atuar profissionalmente.  Não sei se viram essa. 

Ronnie Brunswijk, aos sessenta anos e cento e noventa e oito dias, vestiu a camisa do Inter Moengo Tapoe, pela Liga da Concacaf.  À parte o que a história pode conter de vaidade trata-se de uma pérola.  Ainda que o tal seja o Presidente e dono do clube poderia  ter ficado de fora. Mesmo porque não se tratou de uma apresentação honrosa. O time dele foi goleado por seis a zero. É fato que se trata de um sujeito para lá de controverso. Foi segurança de um ditador que governou o país, chegou ser condenado na Holanda por tráfico de cocaína e no final do jogo em questão apareceu distribuindo dinheiro no vestiário adversário. Vai entender.  

De qualquer forma por um instante fui convencido de que se trata de um desses casos em que o futebol não sai da pessoa. Seja como for em matéria de amor pelo futebol sou muito mais o meu tio cuja história é, além de tudo, infinitamente menos controversa.  Do ponto de vista da coordenação motora jogar bola esconde uma complexidade considerável. Em outras palavras, machuca mesmo. Por isso quis render tributo, jogar alguma luz sobre a paixão que o cerca e ainda faz muito pelo futebol. Já que pelo viés oficial ele tem honrado pouco os apaixonados por ele.     

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

O futebol já não nos diverte



Há tempos a qualidade dos jogos do nosso futebol virou tema constante. Não era para menos. Peço perdão até se farei o torcedor recordar insistentes penitências vividas por causa da paixão pelo esporte bretão.  E ainda que esteja longe de ser novidade que as paixões trazem consigo vez ou outra boas doses de dor, a coisa anda passando dos limites.  Ninguém merece doar quarenta e cinco minutos da vida para ter em troca  um par de chutes a gol. E vejam que se fazem cada vez menos raras situações em que nem um mísero chute perigoso se passa a ter direito. Está aí o recente primeiro tempo do Santos contra o Bahia que não me deixa mentir.  Ou o jogo mesmo entre Palmeiras e Atlético Mineiro pela Libertadores. Dois times considerados o que temos de melhor. 

Uma realidade que vai se fazendo tão cruel que é impossível pensar que não terá um efeito destrutivo sobre a relação com o torcedor. E só mesmo um sem fim de sessões analíticas pra desvendar a razão maior que faz o torcedor assim tão apaixonado, ainda que a palavra mais sensata pra isso talvez fosse dependente. Agora aqui, batucando estas linhas, me ocorre que tudo venha a ser muito mais simples e não passe puro hábito. O hábito que um velho pensador disse, e muito bem, que é a nossa segunda educação.  No fim o que vou defender pode dar uma embolada na cabeça de quem lê uma vez que times como Flamengo e Atlético Mineiro são apontados como responsáveis por darem um toque de excelência ao nosso futebol. Despertando os olhares até daqueles que  torcem por outras camisas.  Coisa cada vez mais rara, mas desde sempre o melhor dos sintomas do jogo de bola.  

E o que infelizmente pode servir de contraponto ao que andei defendendo aqui. A saber, que aos poucos uma nova ordem vai se impondo no panorama futebolístico do nosso país. Momentos como o do Fortaleza diante do São Paulo no jogo de volta das quartas de final da Copa do Brasil, seria um exemplo. Mas acho bom esclarecer que quando digo isso penso mais no clube como um todo, do que no que se dá em campo. Prova disso é que o time cearense até eliminar o São Paulo amargava uma sequência de seis jogos sem vitória. Mas se vou costurando o meio de campo aqui como se fosse um Zizinho - que há cem anos nascia para fazer do futebol algo que é o avesso do que andamos vendo - é pra chegar à grande questão. Uma certa transformação a que essa pobreza futebolística fatalmente nos condena. 

Começo a perceber que mais do que o jogo, passo a me divertir como nunca com uma visão mais macro, pra usar um termo meio catedrático. Percebo que a história do time vai tendo mais graça do que o próprio futebol. O drama de um treinador, a postura do presidente, a fase que promete decepções nunca vividas. Ainda que aí tudo não passe de um grande drama. Para além das quatro linhas há mais graça do que dentro delas. Tá certo, isso sempre existiu, as histórias dos times, as dos homens. O jogo é tudo isso. Mas o detalhe está no peso que  certas coisas dessas passaram a ter.  

Diante do futebol opaco instintivamente se procura uma saída. E é bom notar que nos últimos anos a crônica esportiva ajudou como pôde insistindo em jogar luz sobre questões táticas , técnicas, científicas.  E a impressão que tenho um pouco também é que até esse viés do olhar, do discurso, anda se desgastando, perdendo o sentido.  Chego a arriscar que até esse burburinho envolvendo o VAR, a arbitragem, se dá um pouco em razão disso. É parte da mesma onda. Uma tentativa desesperada  de buscar graça em outros lances, já que o poder de sedução do jogo dá a impressão de ser cada vez menor.  O custo é alto, perigoso. Enfim, talvez seja só uma dificuldade minha em compreender que as coisas mudam. Mas se por acaso se afinarem com o que acabo de dizer, já sabem, não estão sozinhos.  

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

O treinador, essa entidade



O técnico de futebol é uma entidade indecifrável. Ao mesmo tempo magnética. Não resta dúvida de que o tempo lhes fez exigências. E elas foram sobretudo  táticas e técnicas. A tão lembrada questão que nos desafia a dizer se eles ganham ou não ganham jogo é a mais óbvia das provas de que é impossível determinar até onde vão os efeitos de seus ensinamentos. Sejam eles teóricos ou humanos. Quem acompanha de perto esse universo onde eles orbitam sabe também que de uns tempos para cá uma das maiores acusações que lhes imputam é a de terem se tornado celebridades. E aí vale notar que é uma acusação que recai também sobre a crônica esportiva que, segundo muitos, foi a grande culpada por tê-los alçado a essa condição. 

A coisa é tão complexa que confesso ficar um pouco intimidado diante do desafio de tentar decifrar todos os acontecimentos que os cercam.  E eles se sucedem com uma constância frenética. Coisa que não refresca nem mesmo quando ameaçada pela recente regra que determina alguns limites para trocas ao longo da temporada. Não quero me ater aqui a questão das demissões. Quero ir além delas. O que vejo é que da mesma forma que há uma nova ordem no futebol brasileiro colocando times teoricamente menores em posição de destaque, o mesmo pode ser percebido quando o assunto são os treinadores. É notório como nomes antes incontestes aos poucos foram perdendo espaço.  

Mas creio que também não seja o caso de falar de profissionais que neste momento desfrutam de prestígio, vivem bons momentos. Isso por mais que não consiga parar de tentar decifrar o quanto do sucesso de Renato Gaúcho é técnico e o quanto é humano, emocional. Minha tendência , de modo geral, é me interessar por questões ligadas ao homem. E, sendo celebridades ou não, é impossível negar que de alguma forma eles estão mais nus do que seus comandados. Em caso de dúvida note o quanto estamos mais cientes de seus perfis do que dos perfis da galera comandada por eles e cujo ofício é correr atrás da bola. Essa teoria só cai por terra, creio, quando falamos daquele artilheiro marrento que, querendo ou não,  faz questão de deixar evidente seu comportamento. 

Há algo muito além das escolhas feitas por clubes e dirigentes, há as escolhas feitas pelos próprios treinadores. Mas quando eles são o assunto é preciso esquecer qualquer traço ou possibilidade de eternidade. Está aí o Lisca pra nos mostrar. Não durou dois meses no Vasco, e eu aqui ainda pensando o quanto ele parecia afinado com o América Mineiro com o qual se destacou tanto.  O jovem português Antônio Oliveira outro dia mesmo recebia todos os louros pelo trabalho que desenvolvia à frente do Athlético Paranaense e já era. É uma equação sem solução. A mim já era estranho ver Lisca no comando do Vasco, depois de senti-lo tão afinado com o América Mineiro. E a afinidade parecia gigante com o time, Lisca parecia sedimentar uma trajetória de ascensão. E aí se deu que o homem  não durou nem dois meses em São Januário. 

Por essa ótica nem há muito a dizer sobre a demissão de Fernando Diniz do time santista. Dos roteiros todos o mais comum. Talvez  melhor fosse tentar esmiuçar as razões que fazem muita gente apontar certa incompatibilidade entre Carille e o Santos. Ainda mais agora que a coisa ferveu. Ao mesmo tempo, aí estão jovens como Marquinhos Santos que, aos quarenta e dois anos, já tem mais de uma década de estrada e pelo visto vai  construindo uma trajetória  de respeito longe dos grandes, mas por times de muita tradição, que retratam melhor que os endinheirados o nosso futebol. Ou o calvário de Sylvinho ao chegar ao Corinthians, depois também de ter construído um currículo que beira o impecável.  Mas vai saber o que , no fundo, se faz primordial na vida de um treinador de futebol, essa entidade indecifrável. 


* Artigo escrito para o jornal " A Tribuna",  Santos/SP 

 

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

A evidência da Seleção.



Como bem definiu o jornalista Celso Unzelte, a receita é simples.  Foi só respeitar a data, tirar o Brasileirão de cena e a Seleção Brasileira de futebol ganhou certa evidência. Em especial nos dias que antecederam a partida contra o Chile. Papelão não vale, não vem ao caso. É fato que a não liberação de certos convocados por suas ligas e, consequentemente, a convocação de jogadores que atuam no futebol brasileiro deu uma turbinada na receita.  Depois do Chile, a coisa mudou um pouco tivemos jogos no final de semana pelo Brasileirão, times entrando em campo no dia da Independência. Enfim, seja como for a impressão que me ficou é que tudo isso deu  uma arejada na relação do torcedor com a Seleção. Na Seleção propriamente não chego a dizer que foi o caso.  

Tite, mais do que nunca, se viu  cobrado por um tipo de jogo e de esquema, pra usar um adjetivo leve, mais vistoso. O que sabemos agora não o tocou, ao menos, de primeira. Em linhas gerais o Brasil esteve perto de perder a mão do jogo no primeiro tempo contra o Chile. E eu que não sou lá de reduzir minhas ponderações à questões táticas vi no time chileno uma qualidade que vivo cobrando do time brasileiro: atitude. Não as atitudes que abundaram no fim da partida, me entendam. Depois veio a Argentina o que é tido sempre como um filé mignon. Ou viria. Os uruguaios que me perdoem, apesar do fino trato que sempre dedicaram às carnes. 

A todos os que tem considerações a fazer sobre Tite acho apropriado dizer, nunca é demais, de sua legitimidade. Poucos chegaram ao comando da Seleção dessa forma. Acho justo , inclusive, que se tenha dado a ele mais um ciclo para trabalhar. Lógico que estou entre aqueles que gostaria de ver a Seleção Brasileira jogando de outra forma. Mas é sempre fácil arriscar a entrar na tormenta quando barco é dos outros. Tite não tem dilemas e isso não o incomoda. É do ramo, sabe o que está fazendo. Terá olhos , primeiro de tudo, para sua defesa, por mais que diga que anda preocupado pra valer com o tal último terço do campo. Como é preciso reconhecer que se a Seleção Brasileira tem uma qualidade, essa qualidade é a de ser competitiva. Coisa que ela só o é por uma razão, acima de todas as outras, se defende bem.  

E, outra coisa, tem sim um esquema bem definido. Sempre me rendi a jogadores em boa fase. Acho desde sempre um disparate quando um treinador de seleção praticamente fecha os olhos pra alguém que está voando. E geralmente só se fecha os olhos para voos dados por aqui. Na Europa quase sempre voos são impositivos. Por que será, né? Como sou capaz de entender que , às vezes, é preciso levar em conta a história do atleta, seu currículo. Só acho que na maioria das vezes o que se esconde por trás disso é o mercado, não o reconhecimento. Se é que me faço claro.  

E é preciso falar de Neymar também. De longe o grande nome do futebol brasileiro e da Seleção. E ponto. Tite, sabemos todos, sempre respeitou - para não dizer se curvou - o talento do hoje jogador do PSG. Mas é preciso entender que essa imagem que anda no imaginário do torcedor talvez seja maior que ele. Neymar foi à glória. Se tornou o jogador mais caro do mundo, o que não quer dizer o melhor. E apesar de todos os esforços o papel que tem desempenhado no time nacional está longe de ser o que se esperava. No jogo contra o Chile foi poupado de críticas pelo seu momento físico, por estar se preparando para uma nova temporada na Europa. A análise que faço está além desse período de jogos das Eliminatórias que se encerra hoje à noite. Apesar de tudo o que aconteceu no jogo, ou não jogo, contra a Argentina , fazia tempo que a Seleção não parecia tão nossa. Terminará seus compromissos na condição de líder do torneio classificatório. A única ameaça que se impõe é uma só: a realidade do futebol além do nosso continente. O que tem sido fatal.           

 

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Sobre homens e fantasmas



Há um fantasma que ronda inevitavelmente os que têm esse meu ofício. A possibilidade sempre presente de o tema escolhido caducar, ficar velho. Sem falar nas impossibilidades decretadas pelo espaço necessário entre o fechamento do jornal e o momento em que ele chega até suas mãos, ou sua tela. É pra lá de cruel saber que um jogo à noite dará o que falar, que seria material farto e quente para um encontro com o leitor pela manhã, mas o horário do fechamento não permite que se fale dele.  E assim está posto um jogo em que farejar um tema se revela tão desafiador quanto descrevê-lo com algum talento. 

Digo tudo isso para , de certa forma, justificar Pep Guardiola como personagem destas linhas. Talvez um feito dele como treinador não soasse tão perene quanto a postura dele sobre coisas que estão muito além do campo. E foi por causa delas que resolvi deixar de lado esse eterno dilema sobre o quanto um assunto pode se manter vivo. Não sei se viram mas dias atrás ao participar de um evento , digamos, de mercado, foi contundente. Disse não se interessar por outras formas de ganhar dinheiro que não seja com seu trabalho e arrematou o raciocínio dizendo que essa coisa de ganhar dinheiro dormindo não é c
om ele. 

E não foi só , se mostrou incomodado com os mecanismos sociais que insistentemente tem tornado os pobres cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos. Claro que tudo isso soou ainda mais contundente em razão do espaço em que essas coisas foram ditas. É fato que se ele não as tivesse dito um número infinitamente menor de pessoas teria ficado sabendo da tal palestra. Teria sido uma estratégia de desconstrução de quem a pensou? Talvez. Mas seja como for o tempo vai passando e Pep Guardiola vai se fazendo uma figura cada vez mais interessante.

Com uma sensibilidade rara para interpretar tudo que o cerca. Nesse mesmo evento reconheceu a importância do ego, normalmente tão mal dito. Ressaltou que as pessoas , seja em que área for, têm necessidade do reconhecimento. De alguma forma é a semente que provoca um trabalho bem feito. As medidas e os métodos são uma outra história. Podem colocar tudo a perder. Guardiola, pode parecer exagero eu sei, me parece a prova do quanto a formação de um homem é decisiva  na qualidade do seu jogo.  Se é que me entendem. 


Em futebol, especialmente, muitas vezes sem querer carregamos e alimentamos uma crença de que tudo se explica pelo talento, pelo dom. E não é bem assim. Há nesse catalão, um apuro, um comportamento que nos dá dá impressão de alguém, que mais do que qualquer outra coisa, quer é se ver desafiado. É isso que o move. Me deu essa impressão ao sair da Espanha para a Alemanha. Depois ao se transferir para o futebol inglês. E pelo que disse na tal palestra, pelos elogios ao futebol brasileiro, ao que tivemos de melhor, ao que sempre foi o espelho da excelência que um dia tivemos, que continua procurando novos horizontes. 


Deixou claro que dirigir uma seleção seria um jeito de ir além.  Ainda que tenha dito que as grandes seleções raramente terão um treinador de fora, deixou no ar que mesmo sabendo disso, ou considerando essa possibilidade, não é para ele algo distante. E não deve ser mesmo.  No fim fiquei com a nítida sensação de que trazer Guardiola para dirigir a seleção brasileira é infinitamente mais inviável pela mentalidade tacanha dos nossos cartolas do que outra coisa qualquer. 



* artigo escrito para o Jornal "A Tribuna", Santos /SP