quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Devemos comemorar ?

Carl de Souza/AFP


Faz tempo me convenci de que esse papo de que somos o país do futebol não é bem assim. Que abraçamos o jogo de bola com a alma e que ele tem um papel seminal na nossa cultura não resta dúvida. Ter se tornado o maior vencedor de Copas potencializou essa nossa ligação com ele. Mas basta se aproximar de um país como a Itália, ou desembarcar num domingo de sol em Buenos Aires e assistir ao que se desenrola nos gramados dos parques da capital argentina pra sacar que não estamos sozinhos nessa, que temos rivais à altura. E como temos. E, sobre o entusiasmo com relação ao jogo, quanto mais o tempo passa mais eu me convenço de que perdemos de goelada para os argentinos. Ou alguém aí tem visto por aqui algo na linha do que se vê por lá com a turba cantando nas arquibancadas do começo ao fim seja qual for o enredo que esteja sendo visto acontecer no gramado?  

Abordo a questão  por tentar até agora achar um norte para entender melhor as imagens registradas no dia em que o Flamengo partiu para a capital peruana para disputar a final da Libertadores. Claro que é preciso levar em conta que se tratava de um feriado, que os flamenguistas não se viam numa situação como essa há quase quarenta anos, que a campanha no Brasileirão tem provocado nos torcedores do time da Gávea uma euforia colossal. Mas mesmo que tudo isso sirva de explicação é preciso reconhecer que o atual momento rubro-negro fez o futebol brasileiro pulsar de um modo que já não é comum. E como foi bonito de ver. Não só a partida mais o torcedor brasileiro fazendo samba no Peru ditando o ritmo impondo seu astral. Se há um acerto nessa história de jogo único pra decidir o principal título do futebol do nosso continente é forçar esse movimento, concentrar a emoção. E se já estava meio sem entender as imagens da partida pra Lima o que se deu na volta foi tão impactante quanto. Uma mar de gente tomando um dos lugares mais simbólicos da pra lá de simbólica cidade do Rio de Janeiro. 

É claro que se trata do clube mais popular de um país imenso. Turbinado por uma sequência de conquistas meio que sem precedente na história do futebol brasileiro. Sou um tanto cético com relação a tudo o que se diz sobre o que esse Flamengo de Jorge Jesus poder ter provocado no nosso futebol. E ainda que não tenha lembrança de ter visto algo parecido em toda a vida considero o nosso jeitinho de lidar com o futebol uma coisa muito difícil de mudar assim meio da noite pro dia. Mas torço sinceramente pra estar errado.  Levo em conta pra chegar a essa conclusão que a permanência não só de Jorge Jesus mas a de  Jorge Sampaoli, técnico do Santos,  seriam fundamentais para que o processo em curso não sofresse uma ruptura. E essa possibilidade  neste momento não soa provável. De qualquer forma a festa flamenguista , se não foi o apogeu de um novo momento do nosso futebol, foi pelo menos uma grande prova de que ele tem salvação. Digo tudo isso sem deixar de levar em conta que podemos estar vendo também o primeiro grande sintoma de um desequilíbrio financeiro. Fala-se que o faturamento do time da Gávea pode beirar um bilhão em breve. O que isso significaria? Devemos comemorar?

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A sedução das tabelas


Lembro bem que na minha época de moleque gostava de organizar campeonatos de futebol de botão. Mas quase todas as vezes - apesar do grande número de times - por trás de todos eles existiam apenas duas figuras que se enfrentavam: eu e meu irmão. E o mais louco de tudo ao lembrar disso tanto tempo depois é resgatar da memória também comentários do tipo: esse time tá bem, aquele outro está mal, quando na verdade quem estava por trás das equipes citadas podia ser a mesma pessoa. Alguns campeonatos duravam semanas. E se fazíamos comentários do tipo, lembro bem, era porque uma das grandes curtições era tecer a tabela de classificação. E acho que só esse passado explica a relação que continuo tendo com tabelas até hoje. Vira e mexe me pego olhando a do Brasileirão, entre outras. Mas é dela que eu quero falar. Sei que se houver entre os leitores um torcedor do Avaí , corro o risco de que me mande passear, abandone a leitura imediatamente, sabedor que é da condição do time dele. Enterrado na lanterna há uma eternidade de rodadas. 

O que está longe de ser o caso de Flamengo, Palmeiras e Santos, os três primeiros colocados cujas pontuações estão entre as maiores da história recente de pontos corridos do Brasileirão para suas colocações. Mas entre eles e o Avaí existe um mundo a ser explorado. Tenho gostado particularmente de olhar o Vasco, posudo como seu comandante, a essa altura cavando um lugar no meio da tabela. É muito? Não. Mas me parece mais do que o reconhecimento que é dado ao time e ao trabalho de seu treinador, Vanderlei Luxemburgo, que se segue longe do olimpo mostrou que mesmo ausente de grandes conquistas está longe de ser um comum.  A essa hora, apesar de ter um jogo a mais, ostenta a mesma pontuação do Bahia vira e mexe elogiado com entusiasmo pela crítica. Os azedos dirão que há jeitos e jeitos de garantir  um lugar desse na tabela, o que é verdade.  Como é verdade que não se fica no meio dela por puro acaso. 

E mais, as linhas que determinam o limiar entre ficar ou cair pra segundona também inspiram reflexões e garantem boa diversão aos amantes de uma tabela como eu. Cruzeiro e Fluminense parecem fadados a um desgostoso duelo particular. Estão na fronteira do descenso, um do lado de fora e o outro no de dentro. A tabela , meus amigos, é sempre um bom parâmetro. O caro leitor ao lembrar do Grêmio, por exemplo, é capaz de recordar dele um tanto vacilante. Caiu na Libertadores, acaba de perder em casa para um Flamengo reserva, mas basta ir lá dar uma olhada na tábua pra que o fôlego e a arrancada pós trauma continental do tricolor gaúcho - apesar dos pesares - se faça explícita. 

Assim como olhando a bendita  é preciso reconhecer o que vem fazendo o Fortaleza, para quem permanecer na primeira divisão já seria um feito. Dá pra dizer também que a tabela é um dos charmes de um torneio por pontos corridos. Ainda que um charme discreto que os amantes do velho mata-mata terão sempre dificuldade em reconhecer. E , além do mais, tem uma outra virtude, nos garante boas doses de emoção e diversão mesmo depois de o título já estar decidido. O que pelo andar da carruagem pode acontecer depois de amanhã.

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

O outro lado

Foto: Alexandre Cassiano/O Globo


Achei muito estranho o embate verbal que se deu entre o técnico do Botafogo e o do Flamengo depois do jogo entre os dois times dias atrás. Poderia dizer deselegante, mas estranho soa mais preciso e vocês irão entender a razão. Até já vimos gente por aí reclamar do anti-jogo do adversário. Mas Jorge Jesus, o treinador rubro-negro não usou meias palavras, afirmou que o time de Alberto Valentim tinha baixado o sarrafo no dele.  E aí está uma coisa difícil de medir. À parte certos lances que não deixam dúvidas, e quem é do ramo facilmente os identifica, onde é que o jogo pesado pra cima de alguém se torna desleal? 

E se digo isso é porque vendo a partida considero que não é tão fácil assim comprar nem a ideia de um e nem a suposta inocência do outro. Valentim apresentou lá seu argumentos, fez questão de dizer que o time dele tinha sido aguerrido, o que poderia servir para elucidar o que se viu em campo, mas no fim foi muito mal quando depois de contestar os termos usados pelo técnico adversário colocou no fim da frase um aqui no Brasil que, de imediato, lhe inseriu num grupo de profissionais que infelizmente só cresce e que teima em fazer essa distinção entre os daqui e os de lá. 

Mas acho que é preciso levar em conta um outro detalhe. O talento de Jesus para esse tipo de embate.  Já havia dado provas de excelência nesse sentido nos dias em que antecederam o encontro do time dele com o de Renato Gaúcho, por sua vez exímio nessa arte como sabemos. Recordo esse detalhe só para levantar a hipótese de que o tipo de jogo apresentado pelo Botafogo não tenha sido exatamente desleal, estava dentro do aceitável, mesmo estando longe de ser um jogo leve, pensado pra bola. Mas eis que Jesus viu nele a deixa que precisava para proteger seu time. E quem tem um time fino como ele tem não pode perder uma deixa dessa. É, ou não é, cabível o raciocínio? 

Enfim, acho necessário ter isso em mente, pesar a condição privilegiada que o português conquistou. Se alguém tem voz hoje no futebol brasileiro é ele, visto como o tal. Não erra e nem é desleal ao perceber tudo isso. Acho que se uns duvidam de que ele possa ensiná-los algo ligado às táticas não deveriam duvidar de que há algo a aprender com Jesus e que tem a ver com a questão humana. É o tipo de papo que pode não colar pra um jogo que se dê em Rosário , na Argentina, ou em La Bombonera, que fica lá também. E se afirmo isso é porque não ouvi nesse zum zum zum todo alguém que tivesse dito, categoricamente: olha não foi bem assim.  E sacar onde há esse espaço de manobra não deixa de ser notável. 

Enfim, a minha intenção é a de provocar alguma reflexão. E querem ver outra coisa que pode existir por trás de si e pelo que sei até hoje ninguém levantou a hipótese? Essas modificações que vira e mexe Sampaoli faz no time santista. Em espacial a que mexe com a posição do Victor Ferraz. Talvez nem o argentino ache que é o ideal, mas talvez tenha convicção de que com ela tira a equipe da zona de conforto, força seus comandados a expandir os limites. É normal que uma ideia bem defendida ganhe um ar de verdade. Mas é preciso sempre ter em mente que tudo, simplesmente tudo, tem um outro lado.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

O fator Sampaoli



Sampaoli tem algo de incógnito para mim.  Não seus esquemas , nem sua trajetória.  Mas o que o levou a desembarcar por aqui.  A diretoria que o contratou tinha outro plano, Abel Braga. Vejam só. E isso me intrigava e intriga, também por que sua chegada - tão acertada - destoa do resto, das contas não aprovadas, das renovações de contrato sempre com um ar de novela e que deixam, por exemplo, o clube à beira de perder um zagueiro que é parte essencial do que o time tem sido. Isso sem falar em contratações como a do peruano Cueva.  

Muito é dito sobre o treinador e , talvez, o tamanho dele de certa forma não nos deixe analisar o elenco santista de modo justo. Pois na grande mídia o midas santista é o argentino. Mas não fossem os jogadores a carregar o piano e a aceitar, com empenho, a proposta intensa do treinador a ótima posição na tabela simplesmente não existiria. Ou alguém duvida disso? E quando digo que Sampaoli me soava um tanto incógnito era  amparado no fato de não conseguir ter uma ideia clara de como ele encarava esse momento da carreira. 

O futebol brasileiro era mesmo um desafio? O que lhe ofereciam na época em outros cantos não soava tão atraente quanto? O que ele pensa que nosso futebol pode lhe dar, o que quer dele?  Até onde seria capaz de ir para colocar um título brasileiro no currículo?  Toparia, pra isso, comandar outro clube? Talvez se ele desse à imprensa a chance de uma conversa em particular alguém conseguisse tirar dele algo nesse sentido. Mas Jorge Sampaoli não concede entrevistas exclusivas. E não quero aqui julgar o que é um direito dele. Mas me cabe dizer que talvez as coletivas não permitam aos jornalistas a proximidade e a profundidade de um papo que tivesse a intenção de versar sobre essas questões. Em último caso , durante elas o técnico terá sempre a premissa de em dado momento dizer que não são temas para serem tratados ali. 

Um detalhe que soava meio na contramão do sujeito totalmente integrado à cidade, que vai para o treino de bicicleta, que é visto na praia jogando futevôlei, que faz questão de receber a molecada que acompanha os trabalhos do time empoleirada nos muros do centro de treinamento santista. Como não combina com esse perfil ler, como li tempos atrás, que ele fazia questão de que seu estafe direto mantivesse certa distância de outros funcionários da comissão.  Sampaoli também nunca fez questão de ser amável com a diretoria, muito pelo contrário. Com tantas críticas a fazer a ela como lhe tirar a razão? Discurso aliás reforçado pelo Superintendente de futebol do clube dias atrás. 

Mas tudo isso foi por terra depois de ouvir a coletiva que Sampaoli concedeu após a vitória contra o Bahia, quando falou da cidade e , mesmo nessa situação coletiva, conseguiu , ser profundo sobre o ficar ou não ficar no Santos. Sampaoli está na condição de exigir mais e parece claro que a presidência não lhe está à altura. Independentemente desse fica ou não fica a situação é muito clara: faltando sete rodadas para o fim do Brasileirão o Santos segue classificado para a Libertadores do ano que vem. O que fatalmente será visto como um grande feito de Sampaoli. Mas a questão que ronda o torcedor é: o que restará na ausência dele?