quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

O Flu e outros campeões



A temporada terá chegado ao fim pra valer quando o Fluminense amanhã sair de cena. Por mais que o fim do Brasileirão deixe no ar um sentimento de circo sendo desmontado. E não resta dúvida de que o time de Fernando Diniz deu enorme contribuição para ela com seu inédito título da Libertadores e a boa vitória sobre o Al Ahly que lhe colocou na final do Mundial de Clubes. O jogo de bola nos dias atuais , infelizmente, nos impõe um exercício de humildade. Ou, melhor dizendo, nos obriga a nos encerrar na própria realidade. Confrontar o nosso futebol com o europeu, não é de hoje, pode revelar um abismo de difícil transposição. Sabemos disso, mas sabemos também que o jogo adora driblar a razão ou qualquer coisa que o valha e acabamos por alimentar - meio que por instinto - a possibilidade de ver o improvável.  

É bem capaz que você tenha ouvido muitas vezes pregadores não tricolores dizerem que Diniz precisava de um grande título para ancorá-lo. Pois agora ele o tem. O que talvez já não tenha é o cargo de treinador da Seleção Brasileira uma vez que a CBF neste momento teve seu presidente destituído pela justiça comum e o interventor em exercício corre contra o relógio para convocar eleições. Diante dessa realidade  o trato com Carlo Ancelotti, desde sempre de ares tão etéreos, pode ter evaporado, como se evaporou praticamente metade do tempo que se tinha para fazer nossa Seleção ser o outra na próxima Copa. A Diniz diria que, por mais que chegar lá ainda soe como reconhecimento,  a Seleção tem pouco a lhe oferecer neste momento. O que é ao mesmo tempo uma prova de que ela já não é o que foi um dia. 



Tratar de fazer a carreira em clubes ainda mais sólida é o que verdadeiramente pode lhe ampliar os horizontes. Cito o título conquistado mas sigo acreditando que a maior contribuição de Diniz segue  sendo a originalidade. Esse jeito que nos obriga a pensar o jogo. Insistir em ser diferente desde sempre guarda uma dose de coragem. E por falar na temporada, maduro, o Palmeiras soube fazê-la um tanto dele também. Talvez nem todos vejam valor nisso, mas considero títulos seguidos algo notável. E aí está o time da Academia de Futebol na nobre condição de bicampeão brasileiro. Se muitos argumentos o futebol trata de desfazer diria que a trajetória de Abel Ferreira nos faz ver que pode ser mesmo essencial manter um treinador.  Mas é fato que acreditaria mais nessa virtude tivesse o treinador vivido ao longo do tempo percalços desses que valem por uma frigideira. Não foi o caso. Abel, ainda que tenha se visto às voltas com momentos mais desafiadores esteve sempre escudado , se não pelos resultados, pelas conquistas que obteve. Tantas que lhe valeram como uma blindagem. 



E resultado, já que o assunto é a temporada, alcançou também o São Paulo, campeão da Copa do Brasil deste ano. Bater o Flamengo na final já teria sido de aplaudir.  Mas o tricolor assinado por Dorival Júnior chegou lá depois de ter deixado pelo caminho dois rivais gigantes: Palmeiras e Corinthians. O que seria justificativa para qualquer euforia. O alto número de lesões, é fato, talvez tenha nos impedido de ver o que poderia o elenco tricolor que muitas vezes em campo me pareceu se contentar com o domínio do jogo sem fazer muita questão do gol. Mas é só uma impressão. Está aí. Na condição de campeão.  E pelo visto de bem com a torcida que se encarregou de dar ao time do Morumbi uma média de público invejável. O que nunca será pouco.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

O futuro santista



Não bastasse a vergonha do rebaixamento os santistas tiveram de lidar também com a vergonha por alguns não saberem lidar com essa condição. Vale dizer que isso não é exclusividade dos santistas. Historicamente os rebaixamentos têm deixado essa marca. Ainda estão frescas na minha memória a batalha campal que se deu no estádio Couto Pereira, por exemplo, no final da temporada de 2009 quando o time dono da casa caiu. O que se deu depois também não foi novidade. Multas e perdas de mandos de campo, que num primeiro momento soavam muito bem impostas, sendo descaradamente abrandadas até quase deixar de existir. Um rebaixamento pode não ser o fim do mundo mas que os santistas não se iludam. Ou achem que o exemplo de outros grandes clubes que caíram pode lhe servir. 

Não é bem assim. A musculatura financeira e social os distinguem. O rebaixamento do Corinthians, não custa lembrar, passado o impacto inicial virou praticamente um case de marketing para o clube. E, arrisco dizer, até para a crônica esportiva. Todos os jogos eram acompanhados com grande interesse. Mobilizavam um contingente considerável de torcedores que fizeram questão de acompanhar cada jogo onde quer que fosse. Não que eu duvide do que pode o torcedor santista. E quero lhe crer tão fiel quanto outros. Mas a realidade tem tudo para ser mais solitária. Uma vez que não deverá despertar todo esse interesse da mídia. Realidade que exigirá que o elegido para cuidar deste futuro santista tão incerto neste momento o pense com os pés no chão. 

Vejam. Respeitoso com o Santos seria não pensar em SAF. Afinal, que bom negócio pode ser feito quando uma das partes está nas cordas? Contratações badaladas que costumam fazer mais bem a imagem dos cartolas do que ao clube não virão ao caso. O inédito descenso não foi uma cena fácil. E chegou a pesaru sobre ela algo de fajuto. Essa palavra outrora tão usada mas que parece condenada a um eterno banco de reservas depois do advento do fake. Mas a mim fajuto soa mais preciso. Não duvido do sentimento de quem estava ali em campo. Mas conversei muito a respeito com outras pessoas. E a impressão que ficou é que, de certo modo, esse era um final tão previsível que mesmo a desolação dos atletas ainda no gramado diante do ocorrido soava esquisita, quase forçada. Pareceu uma reação não de quem é abatido mas de quem precisa se mostrar assim. É fato que uns devem ter sentido o momento mais do que outros. E também é possível que outros ainda tenham sofrido muito. O técnico Marcelo Fernandes certamente está entre eles. 

Em tempo algum se poderá dizer que o rebaixamento foi uma surpresa. Não, não houve clube no futebol brasileiro para quem situação como esta pareceu só uma questão de tempo. Os indícios da queda foram visíveis nas últimas temporadas. Mas o futebol tem lá seus caprichos e revestiu isso tudo de momentos que lidos com euforia e oportunismo fizeram a derrocada ser apontada como coisa de pessimistas. Um caldo fatal engrossado por seguidas administrações que nem perto do aceitável passaram. Nada pode ser mais triste do que chegar a esse momento e precisar reconhecer que ele foi merecido. E qualquer pessoa de bom senso diante de tudo o que se viu nesta temporada não irá discordar de tal veredito. Que o Santos volte o mais rápido possível a espelhar o brilho que a história lhe deu, infelizmente, não a história recente.    

 

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

O naufrágio botafoguense



O vivido pelo Botafogo é de uma complexidade Shakesperiana, como disse certa vez o genial Nelson Rodrigues a respeito da mais simples pelada. Gostei de ver dia desses o historiador, Luiz Antônio Simas, fazer uma muito pertinente observação a respeito da frase que, de tão precisa, ficou famosa quando se trata do time da estrela solitária. Tenho certeza de que o nobre leitor já a deve ter ouvido. É aquela que diz: Há coisas que só acontecem ao Botafogo. Uma tentativa de explicar o inexplicável. E como a história recente do Botafogo tem sido mais de percalços do que de glórias passou-se a ter a impressão de que ela foi cunhada para momentos tristes. Não é o caso. 

A frase original, do também genial, Paulo Mendes Campos, aliás, tinha cunho pessoal como cabe bem às crônicas. Dizia: Há coisas que só acontecem ao Botafogo e a mim.  Ou seja, como bem lembrou Simas, trata-se de uma ode ao triunfo não ao fracasso. A crônica intitulada " O Botafogo e eu" foi publicada três dias depois de o Botafogo conquistar o Campeonato Carioca de 1957 vencendo o Fluminense por seis a dois diante das quase cem mil pessoas que estavam no Maracanã. Cinco gols de Paulo Valentim, que terminou o torneio como artilheiro,  um de Garrincha. Isso diante de um Flu que tinha Castilho no gol, Telê, Escurinho. 

Na mesma crônica Mendes Campos diz que o Botafogo não se dá bem com os limites do sistema tático e diz que o time teria de ser como ele, dramaticamente inventado na hora. Vai saber o que seria capaz de livrar o Botafogo dessa sina de ser, digamos, tão original. E a essa altura uma vitória sobre o Internacional só tornaria a coisa ainda mais intrigante. O que temos acompanhando praticamente esgotou o arsenal do batalhão de comentaristas que dia a pós dia encara as trincheiras da crônica esportiva no afã de tentar traduzir o jogo de bola de alguma forma. Se não pelo viés da realidade, pelo imaginativo. Mas nem assim sobrou munição. 

Tanto que outro dia vi um ex-boleiro, agora comentarista, pedir licença para dizer que quando jogava e o time começava a viver coisa parecida o jeito era reunir o elenco e perguntar se alguém ali estava em dívida com coisas que pudessem ser ditas do além. E pediam pra que se um deles se considerasse nesta condição - mesmo sem ter de confessar isso ou falar a respeito - que desse um jeito de cuidar da questão. Nesse sentido é interessante notar que na mesma crônica encontramos  uma frase que diz o seguinte: O Botafogo põe a gravata e vai à macumba cuidar de seu destino. E na sequência, pra não deixar que tudo perca seu ar testemunhal, Mendes Campos tece esta maravilha: eu meto o calção de banho e vou à praia discutir com Deus. Lindo, não? 

Vejam, o futebol é tão dado a essas coisas que ainda no ano passado a diretoria de patrimônio do Vasco precisou vir a publico esclarecer que não passava de boato a notícia de que teria sido descoberto um sapo enterrado em São Januário durante a instalação do busto em homenagem a Roberto Dinamite. Uma história que remete aos anos 1930. Esse Botafogo talvez espelhe só o bom e velho futebol nos mostrando que ele é que é de outro mundo. Ou talvez, como também escreveu Mendes Campos, o Botafogo seja um menino perdido na poética dramaticidade do futebol.