sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Mora na filosofia


Sem firulas. Pode dizer. Quando você ouviu que o Palmeiras tinha contratado Vanderlei Luxemburgo ficou meio sem entender nada e o ocorrido de certa forma lhe intriga até agora, é, ou não é? Mas relaxe, acho que a coisa pode ser encarada como normal. Era difícil mesmo acreditar nos rumores a respeito e creio que isso explica em boa parte essa sensação, da qual partilho, vale a pena dizer. Provavelmente já tínhamos convencido nosso imaginário de que o lugar seria de Sampaoli. E mesmo depois de as tratativas com o argentino terem ido por água abaixo nossa cabeça insistia em trabalhar com possibilidades do mesmo quilate ou que fossem na mesma linha. 

Talvez o Palmeiras tenha sido sob certa ótica até mais ousado, o que não quer dizer mais preciso, ao optar por um velho conhecido. À parte todas as questões que cercam a volta dele ao clube é imperioso reconhecer que sempre é de alguma valia ter no comando alguém identificado com a camisa que vai defender. Ainda que isso não baste, obviamente. Luxemburgo é figura rara. Conhece como poucos o futebol brasileiro e tem um faro pra lá de apurado para sacar quais são os ventos que costumam mover a crônica esportiva. Aquela mistura de experiência com malandragem que as vezes se revela um bom escudo para quem vive nesse meio. 

Mas para ser ainda mais justo com Luxemburgo é preciso admitir que se trata de alguém cuja vida pessoal - em dado momento - turvou de certa forma sua vida profissional. Uma questão sempre delicada demais. Mas seja como for Luxa deu um jeito de passar por cima de tudo e seguir no ofício. Conseguiu se livrar até daquela imagem de treinador que queria tomar conta de tudo, mandar além das quatro linhas. E esse pode ser um detalhe capaz de fazer dessa volta dele a redenção total. E digo isso porque com o Palmeiras querendo colocar limites no poder de certos diretores, ao novo treinador restará o campo. E nisso, todo mundo diz , o homem sempre foi um mestre.  

E não estou dizendo isso da boca pra fora não. Ao longo da carreira não foram poucas as vezes em que perguntei - ou testemunhei gente perguntar - a jogadores e ex-jogadores qual tinha sido o treinador que mais lhes marcou e, devo dizer, não foram poucas as vezes em que a resposta que ouvi foi a mesma e contundente: Luxemburgo. Seu extenso hall de títulos brasileiros deveria ser suficiente para amparar a escolha, mas Luxemburgo tem um cartel que vai muito além e faz dele um dos técnicos mais vitoriosos do nosso futebol. 

Dirigiu a seleção. Bem ou mal construiu uma trajetória que o fez treinador do Real Madrid.  Ao contrário de muitos, não faço pouco caso do que Luxa fez à frente do Vasco. Como entendo os que dizem que se tratou apenas de trabalho mediano. Mas, às vezes, só com nota pra passar a gente se mantém no jogo ou, nesse caso, volta para ele. Luxa, voltou.  E, pra ser mais claro, na minha opinião pensará mais em atacar do que Felipão e Mano juntos. Além do mais, qual outro treinador seria capaz de dizer ao partir que não chegou a um acordo com o time que dirigia nem financeira nem filosoficamente? Só ele.  Mora na filosofia?

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Um Brasileirão pra durar


Era uma vez o campeonato Brasileiro de 2019, que graças ao futebol apresentado pelo Flamengo tem tudo pra ser mais lembrado do que muitos outros. Antes dele qual teria sido o mais marcante? O que fez triunfar o Palmeiras da era Parmalat seria sério candidato. Tivemos também as edições enaltecidas por acontecimentos. Caso do tri do São Paulo no final da primeira década dos anos dois mil. Mas se tivesse realmente que apontar um talvez escolhesse o do Cruzeiro de 2003, quando o time mineiro sobrou. Fez cem pontos e mais de uma centena de gols sob o comando de Vanderlei Luxemburgo, e  ao fim dele tinha treze pontos a mais do que o vice-líder Santos. A essa altura pode parecer afronta citar o Cruzeiro nessa condição, pouco depois de o time mineiro fazer sua torcida viver o calvário de um descenso com requintes de crueldade . 

Mas há nessa edição do Brasileirão que se vai uma riqueza de personagens que pode ser decisiva pra que ele ganhe ares mais perenes. Muita gente ao lembrar daquele Cruzeiro imediatamente lembrará do papel que teve o meia Alex, mas talvez sofra um tanto para lembrar outros jogadores daquele time que mereciam estar ao lado de Alex. Aristizábal, Edu Dracena. O que não será o caso do time rubro-negro. Suspeito que ao longo de um bom tempo o torcedor do Flamengo ao falar de Gabigol fatalmente se lembrará de Bruno Henrique, e de Arrascaeta, e de muitos outros. De Jesus nem se fala. E o vice-campeão brasileiro também irá contribuir pra isso. Não com um hall tão extenso de nomes pretensamente duradouros.  Mas o argentino Sampaoli, é de se supor, sozinho, dará conta disso. 

A história pode vir a diluir nomes como o do venezuelano Soteldo, tão importante para o time da Vila nesse segundo semestre. O nome do próprio Marinho, outro que foi muito bem, cheio de atitude. Mas o nome de Sampaoli soará mais insistente que esses seja qual for o rumo que ele tomar  depois de ter colocado um ponto final no que , se bem administrado, poderia ter sido mais duradouro e promissor ainda. O capítulo final escrito em plena Vila Belmiro com goleada retumbante sobre o cortejado Flamengo só fez essa sensação de perenidade crescer. Espero como muita gente por aí que essa edição de 2019 - com seus Jorges estrangeiros - tenha mesmo sido um divisor de águas e deixe como nobre legado  uma melhora do nosso futebol. Que semeie naqueles que se encarregam do espetáculo uma dose a mais de ousadia. E por que não dizer de fantasia? 

Gostaria de poder afirmar, mirando o Palmeiras, que dinheiro não é tudo. Mas não é bem assim. O Flamengo ao mesmo tempo em que areja o nosso futebol nos expõe ao risco de um desequilíbrio de forças, de uma polarização entre os muito abastados e aqueles que vivem com modestos orçamentos. Veneno que minou o jogo de bola desde que alguns passaram a ver nele , antes de tudo , um grande negócio. Como costuma ser dito por aí: quem gosta de futebol somos nós. Eles gostam é de dinheiro. E digo isso pois termino esse Brasileirão com a impressão de que ele só foi assim, porque alguém em algum momento pensou mais nele do que na grana. 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Um devoto do futebol arte


Neste momento em que a qualidade e os métodos dos nossos treinadores são tão questionados me pareceu muito simbólica a partida de Otacílio Pires de Camargo, o técnico Cilinho. Confesso certo incômodo ao ter dado de de cara com manchetes que o definiam como o técnico dos "Menudos do Morumbi", quando ele foi na verdade bem mais do que isso. Não é fácil defini-lo, existia uma certa complexidade na sua figura. Era orgulhoso de sua veia de boêmio. Gostava de contar que quando ia ao sul um dos programas que cumpria era ir tomar umas e outras com Lupicínio Rodrigues que, segundo ele, era assíduo frequentador de um mercado de Porto Alegre. 

Cilinho era um cara do interior e moldado pelo futebol do interior numa época em que isso era sinônimo de certa excelência. Diria que ele tinha algo de Fernando Diniz, um treinador que destoava dos outros. O São Paulo realmente teve um peso na trajetória de Cilinho, foi o grande que lhe abriu as portas depois de ter visto o que ele andava fazendo. Uma aposta que deu muito certo. Segundo Cilinho foi por causa do sucesso com o tricolor que a questão do uso dos cones nos treinamentos ganhou tanta importância. Os usava para ajudar a mostrar o posicionamento que queria de seus jogadores em campo. Acontece que a boa fase do time do Morumbi gerou certa espionagem. E os espiões quando puseram os olhos sobre o trabalho dele deram de cara com os cones sem entender bem o que viam. 

Enfim, os cones ganharam fama. Cilinho beirava a poesia, certa vez disse ao amigo e repórter Dorival Bramont que o futebol era um ato de amor, e aproveitou pra dizer também que gostava de usá-lo para abrir caminhos para os outros, o que explica o apreço que tinha por trabalhar com jovens. Não faz muito tempo dei de cara com uma antiga matéria que mostrava o famoso time do São Paulo acompanhando um espetáculo de circo. Imaginem quem tinha levado o time  lá? Ele! Cilinho afirmava que o ambiente enriqueceria seus jogadores, os faria se relacionar com o mundo artístico. Jamais teve dúvida de que o futebol devia , antes de qualquer outra coisa, ser um espetáculo. 

Deixava entrever em seu papo uma vaidade nobre. Um orgulho de certo meio campo do XV de Jaú montado por ele e reconhecido na ocasião como o melhor do futebol paulista. A respeito dos cones disse certa vez, que em dado momento eram tão eficientes que tinha a sensação de que se trabalhasse bem durante a semana talvez no domingo nem precisasse estar com o time. Se sentia realizado ao perceber que um comandado seu nem precisava mais olhar para o companheiro para saber em que parte do campo estaria. E sobre a famosa história do espelho com Careca,  esclareceu. Vendo a fase que o jogador atravessava lhe perguntou se poderia contratar um nove. Careca o autorizou. Na sequência Cilinho lhe disse que tinha encontrado um amigo em comum e este havia lhe enviado um presente. O jogador o abriu e deu de cara com um espelho. Ainda mirava a própria imagem quando Cilinho conclui dizendo que era aquele o jogador que ele queria. Ah, não tô a fim de estátua, também disse Cilinho certa vez . 

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Devemos comemorar ?

Carl de Souza/AFP


Faz tempo me convenci de que esse papo de que somos o país do futebol não é bem assim. Que abraçamos o jogo de bola com a alma e que ele tem um papel seminal na nossa cultura não resta dúvida. Ter se tornado o maior vencedor de Copas potencializou essa nossa ligação com ele. Mas basta se aproximar de um país como a Itália, ou desembarcar num domingo de sol em Buenos Aires e assistir ao que se desenrola nos gramados dos parques da capital argentina pra sacar que não estamos sozinhos nessa, que temos rivais à altura. E como temos. E, sobre o entusiasmo com relação ao jogo, quanto mais o tempo passa mais eu me convenço de que perdemos de goelada para os argentinos. Ou alguém aí tem visto por aqui algo na linha do que se vê por lá com a turba cantando nas arquibancadas do começo ao fim seja qual for o enredo que esteja sendo visto acontecer no gramado?  

Abordo a questão  por tentar até agora achar um norte para entender melhor as imagens registradas no dia em que o Flamengo partiu para a capital peruana para disputar a final da Libertadores. Claro que é preciso levar em conta que se tratava de um feriado, que os flamenguistas não se viam numa situação como essa há quase quarenta anos, que a campanha no Brasileirão tem provocado nos torcedores do time da Gávea uma euforia colossal. Mas mesmo que tudo isso sirva de explicação é preciso reconhecer que o atual momento rubro-negro fez o futebol brasileiro pulsar de um modo que já não é comum. E como foi bonito de ver. Não só a partida mais o torcedor brasileiro fazendo samba no Peru ditando o ritmo impondo seu astral. Se há um acerto nessa história de jogo único pra decidir o principal título do futebol do nosso continente é forçar esse movimento, concentrar a emoção. E se já estava meio sem entender as imagens da partida pra Lima o que se deu na volta foi tão impactante quanto. Uma mar de gente tomando um dos lugares mais simbólicos da pra lá de simbólica cidade do Rio de Janeiro. 

É claro que se trata do clube mais popular de um país imenso. Turbinado por uma sequência de conquistas meio que sem precedente na história do futebol brasileiro. Sou um tanto cético com relação a tudo o que se diz sobre o que esse Flamengo de Jorge Jesus poder ter provocado no nosso futebol. E ainda que não tenha lembrança de ter visto algo parecido em toda a vida considero o nosso jeitinho de lidar com o futebol uma coisa muito difícil de mudar assim meio da noite pro dia. Mas torço sinceramente pra estar errado.  Levo em conta pra chegar a essa conclusão que a permanência não só de Jorge Jesus mas a de  Jorge Sampaoli, técnico do Santos,  seriam fundamentais para que o processo em curso não sofresse uma ruptura. E essa possibilidade  neste momento não soa provável. De qualquer forma a festa flamenguista , se não foi o apogeu de um novo momento do nosso futebol, foi pelo menos uma grande prova de que ele tem salvação. Digo tudo isso sem deixar de levar em conta que podemos estar vendo também o primeiro grande sintoma de um desequilíbrio financeiro. Fala-se que o faturamento do time da Gávea pode beirar um bilhão em breve. O que isso significaria? Devemos comemorar?

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A sedução das tabelas


Lembro bem que na minha época de moleque gostava de organizar campeonatos de futebol de botão. Mas quase todas as vezes - apesar do grande número de times - por trás de todos eles existiam apenas duas figuras que se enfrentavam: eu e meu irmão. E o mais louco de tudo ao lembrar disso tanto tempo depois é resgatar da memória também comentários do tipo: esse time tá bem, aquele outro está mal, quando na verdade quem estava por trás das equipes citadas podia ser a mesma pessoa. Alguns campeonatos duravam semanas. E se fazíamos comentários do tipo, lembro bem, era porque uma das grandes curtições era tecer a tabela de classificação. E acho que só esse passado explica a relação que continuo tendo com tabelas até hoje. Vira e mexe me pego olhando a do Brasileirão, entre outras. Mas é dela que eu quero falar. Sei que se houver entre os leitores um torcedor do Avaí , corro o risco de que me mande passear, abandone a leitura imediatamente, sabedor que é da condição do time dele. Enterrado na lanterna há uma eternidade de rodadas. 

O que está longe de ser o caso de Flamengo, Palmeiras e Santos, os três primeiros colocados cujas pontuações estão entre as maiores da história recente de pontos corridos do Brasileirão para suas colocações. Mas entre eles e o Avaí existe um mundo a ser explorado. Tenho gostado particularmente de olhar o Vasco, posudo como seu comandante, a essa altura cavando um lugar no meio da tabela. É muito? Não. Mas me parece mais do que o reconhecimento que é dado ao time e ao trabalho de seu treinador, Vanderlei Luxemburgo, que se segue longe do olimpo mostrou que mesmo ausente de grandes conquistas está longe de ser um comum.  A essa hora, apesar de ter um jogo a mais, ostenta a mesma pontuação do Bahia vira e mexe elogiado com entusiasmo pela crítica. Os azedos dirão que há jeitos e jeitos de garantir  um lugar desse na tabela, o que é verdade.  Como é verdade que não se fica no meio dela por puro acaso. 

E mais, as linhas que determinam o limiar entre ficar ou cair pra segundona também inspiram reflexões e garantem boa diversão aos amantes de uma tabela como eu. Cruzeiro e Fluminense parecem fadados a um desgostoso duelo particular. Estão na fronteira do descenso, um do lado de fora e o outro no de dentro. A tabela , meus amigos, é sempre um bom parâmetro. O caro leitor ao lembrar do Grêmio, por exemplo, é capaz de recordar dele um tanto vacilante. Caiu na Libertadores, acaba de perder em casa para um Flamengo reserva, mas basta ir lá dar uma olhada na tábua pra que o fôlego e a arrancada pós trauma continental do tricolor gaúcho - apesar dos pesares - se faça explícita. 

Assim como olhando a bendita  é preciso reconhecer o que vem fazendo o Fortaleza, para quem permanecer na primeira divisão já seria um feito. Dá pra dizer também que a tabela é um dos charmes de um torneio por pontos corridos. Ainda que um charme discreto que os amantes do velho mata-mata terão sempre dificuldade em reconhecer. E , além do mais, tem uma outra virtude, nos garante boas doses de emoção e diversão mesmo depois de o título já estar decidido. O que pelo andar da carruagem pode acontecer depois de amanhã.

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

O outro lado

Foto: Alexandre Cassiano/O Globo


Achei muito estranho o embate verbal que se deu entre o técnico do Botafogo e o do Flamengo depois do jogo entre os dois times dias atrás. Poderia dizer deselegante, mas estranho soa mais preciso e vocês irão entender a razão. Até já vimos gente por aí reclamar do anti-jogo do adversário. Mas Jorge Jesus, o treinador rubro-negro não usou meias palavras, afirmou que o time de Alberto Valentim tinha baixado o sarrafo no dele.  E aí está uma coisa difícil de medir. À parte certos lances que não deixam dúvidas, e quem é do ramo facilmente os identifica, onde é que o jogo pesado pra cima de alguém se torna desleal? 

E se digo isso é porque vendo a partida considero que não é tão fácil assim comprar nem a ideia de um e nem a suposta inocência do outro. Valentim apresentou lá seu argumentos, fez questão de dizer que o time dele tinha sido aguerrido, o que poderia servir para elucidar o que se viu em campo, mas no fim foi muito mal quando depois de contestar os termos usados pelo técnico adversário colocou no fim da frase um aqui no Brasil que, de imediato, lhe inseriu num grupo de profissionais que infelizmente só cresce e que teima em fazer essa distinção entre os daqui e os de lá. 

Mas acho que é preciso levar em conta um outro detalhe. O talento de Jesus para esse tipo de embate.  Já havia dado provas de excelência nesse sentido nos dias em que antecederam o encontro do time dele com o de Renato Gaúcho, por sua vez exímio nessa arte como sabemos. Recordo esse detalhe só para levantar a hipótese de que o tipo de jogo apresentado pelo Botafogo não tenha sido exatamente desleal, estava dentro do aceitável, mesmo estando longe de ser um jogo leve, pensado pra bola. Mas eis que Jesus viu nele a deixa que precisava para proteger seu time. E quem tem um time fino como ele tem não pode perder uma deixa dessa. É, ou não é, cabível o raciocínio? 

Enfim, acho necessário ter isso em mente, pesar a condição privilegiada que o português conquistou. Se alguém tem voz hoje no futebol brasileiro é ele, visto como o tal. Não erra e nem é desleal ao perceber tudo isso. Acho que se uns duvidam de que ele possa ensiná-los algo ligado às táticas não deveriam duvidar de que há algo a aprender com Jesus e que tem a ver com a questão humana. É o tipo de papo que pode não colar pra um jogo que se dê em Rosário , na Argentina, ou em La Bombonera, que fica lá também. E se afirmo isso é porque não ouvi nesse zum zum zum todo alguém que tivesse dito, categoricamente: olha não foi bem assim.  E sacar onde há esse espaço de manobra não deixa de ser notável. 

Enfim, a minha intenção é a de provocar alguma reflexão. E querem ver outra coisa que pode existir por trás de si e pelo que sei até hoje ninguém levantou a hipótese? Essas modificações que vira e mexe Sampaoli faz no time santista. Em espacial a que mexe com a posição do Victor Ferraz. Talvez nem o argentino ache que é o ideal, mas talvez tenha convicção de que com ela tira a equipe da zona de conforto, força seus comandados a expandir os limites. É normal que uma ideia bem defendida ganhe um ar de verdade. Mas é preciso sempre ter em mente que tudo, simplesmente tudo, tem um outro lado.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

O fator Sampaoli



Sampaoli tem algo de incógnito para mim.  Não seus esquemas , nem sua trajetória.  Mas o que o levou a desembarcar por aqui.  A diretoria que o contratou tinha outro plano, Abel Braga. Vejam só. E isso me intrigava e intriga, também por que sua chegada - tão acertada - destoa do resto, das contas não aprovadas, das renovações de contrato sempre com um ar de novela e que deixam, por exemplo, o clube à beira de perder um zagueiro que é parte essencial do que o time tem sido. Isso sem falar em contratações como a do peruano Cueva.  

Muito é dito sobre o treinador e , talvez, o tamanho dele de certa forma não nos deixe analisar o elenco santista de modo justo. Pois na grande mídia o midas santista é o argentino. Mas não fossem os jogadores a carregar o piano e a aceitar, com empenho, a proposta intensa do treinador a ótima posição na tabela simplesmente não existiria. Ou alguém duvida disso? E quando digo que Sampaoli me soava um tanto incógnito era  amparado no fato de não conseguir ter uma ideia clara de como ele encarava esse momento da carreira. 

O futebol brasileiro era mesmo um desafio? O que lhe ofereciam na época em outros cantos não soava tão atraente quanto? O que ele pensa que nosso futebol pode lhe dar, o que quer dele?  Até onde seria capaz de ir para colocar um título brasileiro no currículo?  Toparia, pra isso, comandar outro clube? Talvez se ele desse à imprensa a chance de uma conversa em particular alguém conseguisse tirar dele algo nesse sentido. Mas Jorge Sampaoli não concede entrevistas exclusivas. E não quero aqui julgar o que é um direito dele. Mas me cabe dizer que talvez as coletivas não permitam aos jornalistas a proximidade e a profundidade de um papo que tivesse a intenção de versar sobre essas questões. Em último caso , durante elas o técnico terá sempre a premissa de em dado momento dizer que não são temas para serem tratados ali. 

Um detalhe que soava meio na contramão do sujeito totalmente integrado à cidade, que vai para o treino de bicicleta, que é visto na praia jogando futevôlei, que faz questão de receber a molecada que acompanha os trabalhos do time empoleirada nos muros do centro de treinamento santista. Como não combina com esse perfil ler, como li tempos atrás, que ele fazia questão de que seu estafe direto mantivesse certa distância de outros funcionários da comissão.  Sampaoli também nunca fez questão de ser amável com a diretoria, muito pelo contrário. Com tantas críticas a fazer a ela como lhe tirar a razão? Discurso aliás reforçado pelo Superintendente de futebol do clube dias atrás. 

Mas tudo isso foi por terra depois de ouvir a coletiva que Sampaoli concedeu após a vitória contra o Bahia, quando falou da cidade e , mesmo nessa situação coletiva, conseguiu , ser profundo sobre o ficar ou não ficar no Santos. Sampaoli está na condição de exigir mais e parece claro que a presidência não lhe está à altura. Independentemente desse fica ou não fica a situação é muito clara: faltando sete rodadas para o fim do Brasileirão o Santos segue classificado para a Libertadores do ano que vem. O que fatalmente será visto como um grande feito de Sampaoli. Mas a questão que ronda o torcedor é: o que restará na ausência dele?


quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Carta ao Tio Nelson



Estava há tempos para escrever ao senhor. A estima continua a de sempre, diria até que o que tenho visto se dar no nosso  jogo de bola a tem feito maior. Escrever isso me exige certa coragem pois sabendo de seu gênio ácido talvez me diga que ficou desapontado porque não esperava que eu, depois de velho, virasse um bajulador. É que o senhor não faz ideia de como a coisa anda. Aquela beleza insuportável que o senhor usava para descrever certos lances - como aquele do Rivellino pra cima do Alcir num jogo entre o seu Fluminense e o Vasco - é coisa que praticamente não existe mais. Adorei reler  outro dia aquela coisa de que o gol é anterior a si mesmo, que nasce muito antes da finalização pra rede. E os míticos gols de falta? Viraram mosca branca. E quando damos de cara com um é muitas vezes sem aquela trajetória improvável que instintivamente nos fazia unir as mãos como quem ensaia uma oração. 

Outro dia o Zenon foi ao programa, com seu estilo incomparável. É bonito vê-lo até hoje tão vaidoso do futebol que jogava. Orgulhoso de um dia ter envergado uma camisa dez. Mas tenho lembrado muito do senhor principalmente por causa da chegada do tal árbitro de vídeo.  Um calvário infinitamente maior do que a burrice do VT que o senhor identificou tão bem.  Vou me convencendo de que o melhor mesmo sobre o futebol é não vê-lo por inteiro. E é aí que sua lembrança e saudade crescem. Fico lembrando que sua visão não era assim nenhuma maravilha. 

Agora se enxerga tudo. E, creia, quando a câmera em si não basta o sujeito vai lá, dá um toque na tela e saca , como num passe de mágica, um efeito chamado lupa. E eu lhe pergunto, onde já se viu querer ver o futebol com lupa? Isso só podia redundar na mais incômoda das cegueiras. Aproveito pra dizer também que ando relendo umas coisas do seu irmão. Acho uma injustiça que quase ninguém se lembre que o Maracanã carrega o nome dele. Ainda mais agora que o Flamengo o tem feito pulsar lindamente.  Por falar no Mário,  nos últimos meses já reli umas dez vezes a crônica em que descreve o Telê. Sabe, o tempo passou e hoje em dia quando se fala nele é só como o técnico  que levou o São Paulo a conquistar o mundo ou sobre o homem por trás da mítica seleção de 82. Quase nunca sobre o jogador que se garantiu em campo ao lado de gigantes. 

Aí a gente pega o que se escreve sobre o jogo de bola, a gente presta atenção no que andam dizendo dele e acaba com qualquer dúvida. O discurso sobre o futebol virou algo que flerta com científico. Bate uma tristeza.  Mas tio, é isso, não tem como não sentir saudade de quem a gente gosta. Dava tudo pra saber como é que o senhor traduziria esse tal de Jorge Jesus ou o Ganso que anda pagando de xerife lá no seu  Fluminense. E nem vou falar da seleção que tá que é um desquite só com o povão. 

Veja só, essa é outra palavra do seu tempo que quase não ouço mais: Povão! Acho que um dia, bem lá pra frente , um jogador qualquer terá um ataque de sinceridade como o Carille do Corinthians ensaiou outro dia e dirá que jogar esses amistosos com a Seleção era algo insuportável. Ter de viajar para Cingapura, jogar em estádios de futebol americano, ouvir o discurso messiânico do Tite. Mas só uma coisa une o tempo que foi teu e esse agora, a capacidade humana de suportar o cotidiano com doses mínimas de sinceridade.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Nós, sob os olhos do VAR


Você pode não fazer ideia mas o tal do VAR - o árbitro de vídeo - mais do que desnudar o que anda se desenhando em campo anda é revelando nossa índole, nosso jeitão. Não sou muito chegado a essa coisa de traçar um perfil e colocar um país de mais de duzentos milhões de pessoas inteiro dentro dele. Mas pensem nas reações que temos visto, nas questões que têm sido levantadas. Sei que aquele pênalti dado pro Flamengo, como muitos outros , foi difícil de engolir.  Agora, mais difícil de engolir ainda foi saber que a Comissão de Esportes da Câmara dos Deputados em Brasília recebeu na semana que passou três pedidos de audiência pública para tratar da questão. Isso mesmo , não estou delirando não. Pior do que isso só mesmo ter ficado sabendo horas depois que os três pedidos tinham sido analisados e aprovados.

Não que eu ache que valha a pena alimentar esse papo de que esse ou aquele time anda sendo ajudado pela ferramenta, mas tinha algo de piada  no fato de os três requerimentos terem sido feitos por parlamentares flamenguistas.  Interessante é não ter nenhum torcedor do América entre eles, ou do Bonsucesso.  Digo isso pra que não me tirem por um tolo que acha que a arbitragem não tenda a ser caseira ou que em certas situações não acabe mesmo pendendo para esse ou aquele lado. Sejamos sinceros, Corinthians e Flamengo têm uma dimensão nesse nosso universo da bola que os distingue de todos os outros, queiram os adversários ou não.  E, ora, se não são iguais, correrão sempre o risco de serem tratados de modo singular, para o bem e para o mal.

Se essa distinção pesa ou não na hora de arbitrar é apenas um viés dessa história. Ainda que um viés dos mais importantes. Não é justo, não é o ideal, mas é puramente possível. Se você acha que estou exagerando procure um ex-jogador que tenha defendido um time pequeno e pergunte a ele sobre como as coisas costumam se dar dentro de campo diante de times de outra envergadura, digamos. Neste país onde o futebol está em tudo e tem ao longo da história tido um papel preponderante na hora de eleger pessoas e  onde elas muitas vezes não pensam duas vezes para cometer o suicídio de votar pensando no clube para o qual  torcem não deveríamos mesmo encontrar motivos para pensar que a coisa pudesse se dar de outra forma.  Essa questão do VAR por mais que esteja inserida em algo de grande apelo não deveria nem passar perto de Brasília, tantas são as coisas urgentes que o país tem pra resolver.

Causa ainda mais indignação saber que os requerimentos lá feitos, ao que tudo indica, devem ter sido pensados não com a intenção de ajudar mas com a intenção de colocar seus autores sob os holofotes. E o mesmo raciocínio vale para o caso do projeto de lei apresentado por certa figura pedindo a proibição do VAR no Rio de Janeiro. Ah! E o pau de selfie também. Vejam só o que certos homens públicos consideram prioridade! E é por isso que eu não me dou ao trabalho de citar nomes, embora não fosse má ideia citá-los e assim dar uma cara a todo esse ridículo. Se o VAR vai dar conta da missão que tem não sei, mas já se revelou muito preciso pra desnudar a nossa maneira perversa de pensar e agir e, ao que tudo indica, com a mínima possibilidade de ter cometido um erro de interpretação.  

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Quanto vale um amistoso da Seleção?

Pedro Martins/ MoWa Press


O futebol e sua dose de crueldade.. Quem diria que veríamos Tite passar de uma quase unanimidade a treinador imensamente contestado. O futebol praticado pela seleção é autopsiado a cada vez que o time brasileiro entra em campo. Abundam teorias a respeito do modo como o Brasil joga. Mas há algo acontecendo com o time que representa o país que não tem estado sob olhar  dos comentaristas e nem sob o olhar do torcedor, que em outros tempos tinha o escrete nacional como uma versão ampliada de tudo o que o time do coração representava e poderia proporcionar. Algo urdido nos bastidores, e que de tão profundo tem escapado até aos poucos jornalistas que ainda praticam a louvável versão investigativa do ofício. 

Às vezes, quando a conversa sobre futebol descamba para o comportamento sempre duvidoso dos cartolas costumo brincar dizendo que quem gosta de futebol somos nós, eles, que têm o futebol como um grande negócio, gostam mesmo é de dinheiro. Seria inocência acreditar que se de uma hora pra outra um craque avaliado em dezenas de milhões de euros deixa de jogar bem acabe, em pouco tempo, perdendo seu lugar entre os convocados. E talvez um levantamento sobre os empresários que estiveram por trás de cada  jogador da seleção nos últimos tempos nos desse uma ideia mais clara de como as coisas andam e qual a lógica que as convocações escondem. 

Mas não é só isso, imagino que quando Ricardo Teixeira, no apagar das luzes, vendeu os direitos de transmissão dos amistosos da Seleção Brasileira até 2022, os endinheirados que fizeram negócio com ele cresceram os olhos, como se diz. Mas o tempo passou e o time brasileiro perdeu o apelo, não se fez campeão do mundo ou algo do tipo, muito menos mostrou um futebol que o fizesse querer ser visto de perto por gente que, teoricamente, está muito distante do Brasil. Ainda que nem nós estejamos perto dela, muito pelo contrário. Pra ser mais claro, deixou de despertar o interesse daqueles que detém esse mercado. 

Desse modo se fez inevitável para quem tem os direitos ir vende-los em Cingapura, ou na Arábia Saudita, onde a seleção irá se apresentar no mês que vem. Quanto valia um amistoso da seleção na hora do negócio, quanto vale hoje, quem sabe ? Podemos realmente ter dificuldade para marcar um encontro com essa ou aquela seleção de renome da Europa como relatou o estafe brasileiro tempos atrás. E mesmo  jogando o fino talvez não tivéssemos uma Alemanha pela frente, mas não estaríamos vendo o que temos visto. Em outros tempos diria que os destinos improváveis se explicavam muito pelo interesse dos donos dos direitos mas quando se vê os estádios em que a seleção joga cada vez mais vazios, ou mesmo improvisados, alguma coisa isso quer dizer. 

Mas quem será capaz de interpretar esses símbolos? No meio de tudo isso o desgaste de Tite é evidente mas não creio ser justo negar a ele um ciclo inteiro com a Seleção. Até porque ele é apenas uma pequena engrenagem no meio dessa lógica mercadológica que a tudo esmaga. Certo está o torcedor, em sua infinita sabedoria instintiva, ligando cada vez menos pra Seleção e cada vez mais para o clube com o qual esteve realmente envolvido desde sempre. Tem sido o que lhe resta. Ainda mais agora que  Brasileirão voltou a entrar em cena no meio da semana.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

O estrangeiro



Foto: Celso Pupo/Fotoarena/Lancepress!


Hoje volto a seguir a linha dos personagens aproveitando que o momento tem nos oferecido algumas possibilidades. Não que creia cegamente que o eleito dividirá a história do nosso jogo de bola em antes e depois dele. Nada disso.  Mas desde que aqui aportou o português Jorge Jesus tem alterado o rumo da prosa.  Tenho lá minhas dúvidas dos milagres que devemos creditar a ele. E não vou fazer firula pra tentar explicar. Ora, se ouvimos desde sempre que com pouco tempo de trabalho não dá pra fazer nada, que um treinador precisa tempo, então, por que achar que nesses míseros quatro meses Jesus foi capaz de elaborar tudo que andamos vendo sob o manto rubro-negro?

Que o time da Gávea anda jogando o fino só um insensível seria capaz de discordar. Não lhe tiro o mérito, mas sou levado a crer que muitos foram os fatores que colaboraram para que as coisas se dessem desse modo. Desde as contratações estelares feitas para as laterais - que até mesmo o mais desatento torcedor seria capaz de notar que eram mesmo algo que destoava do resto do time - passando pelas contratações quase mágicas do volante Gerson e do zagueiro espanhol Pablo Marí.  Sobre os dois estou convencido: quem assinou o contrato estava convicto de que fazia bom negócio, mas o que tem visto em campo certamente está além das melhores expectativas.

E explicação pra isso é provável só seja encontrada no céu, ou melhor, nos astros, para não parecer um trocadilho barato sobre um time cujo comandante atende pelo nome de Jesus. A tradução de tudo isso pra filosofia barata seria dizer que esse Flamengo que aí está deu uma liga jamais vista. O que não deixa de ser uma dádiva, e também não lhe tira o mérito. Mas a grande qualidade de seu treinador talvez seja a sensibilidade pra entender tudo isso, sacar que tudo está em plena sintonia, e fazer pouco caso daquele velho papo que se ouvia lá pros lados da Gávea de que fulano não podia jogar com sicrano coisa e tal. 

E vos digo que o que mais me chamou atenção no jogo de ida das semifinais da Libertadores contra o Grêmio não foi, como diriam os mais antigos, o fato de o Flamengo ter se assenhorado do jogo e sim o nível de precisão do time. Devem ter pintado um erro aqui e ali mas quando o estiloso árbitro Nestor Pitana apitou o fim da partida tinha comigo a sensação de ter visto um time que não errou. Preciso, como poucas vezes vi.  E há ainda outra questão que vale ressaltar, a capacidade que o português mostrou de lidar de igual pra igual com a retórica malandra de seu oponente, Renato Gaúcho. Sabemos todos que nesse quesito - embora tenhamos muitos no cargo que se enquadram perfeitamente naquele velho estilo fala-muito - o treinador gremista tem estilo irretocável, ainda que de conteúdo muitas vezes duvidoso.

Mas Jesus lhe fez frente e é bom que Renato se cuide porque uma vez concretizado o que muitos por aí dão como provável o português, ao que tudo indica, não se furtará a lhe tirar uma casquinha. E a igualdade que Jesus conseguiu impor nesse velado bate-boca através da mídia diz muito. Pode ser uma boa prova de que o treinador rubro-negro ainda que não figure - como fez questão de apontar seu opositor - entre os grandes treinadores da Europa, captou muito bem o espírito da coisa, do nosso futebol e soube perfeitamente fazer disso um trunfo a mais, quando já tem muitos.  Volto a dizer: Renato que se cuide.


* artigo escrito para o jornal " A Tribuna", de Santos/SP

terça-feira, 8 de outubro de 2019

futebol não é pecado


Ypiranga x Bahia - dec 30 -arquivo Infantes Aurinegros


O trecho abaixo é da matéria de Felipe Pereira, do portal UOL, sobre Irmã Dulce, que a partir do próximo domingo será declarada santa pela Igreja Católica, modo como já é vista e tratada pelos baianos há  muito tempo. Entre as dez curiosidades da vida de Irmã Dulce listadas pela reportagem
uma trata do futebol.

" Primeira devoção foi ao futebol A morte da mãe obrigou o pai de Irmã Dulce a ser mais presente, e ele escolheu o futebol para unir a família. Todo domingo, ele levava as cinco crianças para o Campo da Graça, principal estádio da Bahia na época. A garota se tornou torcedora ferrenha do Ypiranga. Na década de 1920, o clube conquistou o campeonato estadual cinco vezes e era o principal rival do Vitória. Irmã Dulce gostava tanto de futebol que, quando aprontava alguma travessura, era proibida de ver os jogos. Esse era, para ela, o pior castigo.... "



Link para a matéria completa:

Fã de futebol, indicada ao Nobel...

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Um personagem original


O futebol brasileiro não empobreceu apenas no que diz respeito ao jogo, anda pobre de personagens. Coisas distintas embora intimamente ligadas. À parte a visível contribuição que tem dado em termos técnicos, Fernando Diniz, agora treinador do São Paulo, tem além de tudo se revelado um personagem de contornos singulares e por esse motivo importante. A afirmação poderia ser embasada tão somente no modo de atuação das equipes que tem comandado nos últimos anos e das quais o audacioso Audax provavelmente seja a maior expressão, ainda que Diniz tenha mostrado estilo antes, ao iniciar a carreira de treinador em times modestos que fizeram ele - logo de cara - bicampeão da Copa Paulista.

Mas acredito que o melhor retrato que possa ser traçado desse profissional esteja num detalhe sobre o qual tenho a impressão até de já ter citado. Se deu em palestra recente organizada pela CBF. Falaram por lá, exatamente nessa ordem, o técnico da Seleção Brasileira, Tite, depois o técnico Santista, Jorge Sampaoli e, por último, Fernando Diniz. A simples presença dele por lá já era muito significativa, esclarecedora. Todos sabemos que há um sem fim de nomes que poderiam ter lhe ocupado o lugar sem que isso causasse a menor estranheza. Sob certa ótica o que seria de se estranhar era justamente a presença de Fernando Diniz entre eles. Estava ali, ainda que totalmente despercebida,  uma prova do reconhecimento de sua importância para o futebol brasileiro. Qualquer outro nome soaria como mais do mesmo, Diniz, não.

É certo que ele está atrás de outros triunfos, mas inteligente que é deve ter consciência de que ganhar campeonatos amplificará sua liberdade e lhe trará horizontes muito mais largos na hora de pensar seus times. Mas além do significado de sua presença lá, o novo treinador do time do Morumbi tratou de deixar muito claro o que lhe faz diferente dos demais. Enquanto Tite e Sampaoli trilharam o caminho das explanações táticas ancorados em power points, Diniz subiu ao palco e de microfone em punho foi logo avisando que não usaria nenhum material daquele tipo para lhe dar suporte e desenhou um discurso que tinha como ponto de partida a angustia. Isso mesmo meus amigos, a angústia, que lhe tinha sido uma grande adversária nos tempos de jogador e que ele, de alguma forma, não queria que viesse a vitimar seus comandados. É, ou não é original?

De ar tímido, formado em Psicologia, visivelmente preocupado com sua formação intelectual - a não ser para aqueles para os quais a conquista de um título soa como a conquista do paraíso - Fernando Diniz não precisa se preocupar em provar coisa alguma.  Só os que não conseguiram ver o dna do que ele pensa refletido no modo de atuar do Athlético Paranaense pré Tiago Nunes, ou não perceberam o quão personalista era aquele Fluminense recém treinado por ele é que irão parir dúvidas a respeito da escolha feita pelo São Paulo.  Em última instância talvez o grande desafio de Diniz seja convencer o torcedor tricolor de que ele vale a aposta.  Outra grande distinção de Diniz está no fato de que neste momento de polarização em que se coloca Sampaoli e Jorge Jesus de um lado e os treinadores brasileiros de outro fica muito claro que o novo técnico do São Paulo não se parece em nada com os seus compatriotas.


* artigo escrito para o jornal " A Tribuna", de Santos/SP

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

O direito de torcer


Daqui alguns dias talvez você dê de cara com está notícia: o Irã finalmente permitiu que mulheres assistam a jogos no estádio. Se estiver diante de uma tela provavelmente a informação virá acompanhada de cenas de mulheres na arquibancada do estádio Azadi, em Teerã, o maior do país, sorrindo, acenando com entusiasmo. O governo, chamado de moderado , durante a Copa do Mundo da  Rússia até deixou que mulheres  fossem a esse mesmo estádio para acompanhar  os jogos do país contra as seleções de Espanha e Portugal, mas num telão.

Se a expectativa se tornar realidade o fato deve se dar no próximo dia dez de outubro quando o Irã receberá a seleção do Cambodja, em partida válida pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2022.  Mas o que talvez não seja devidamente lembrado é que o anuncio da liberação feito pelo Ministério do Esporte não foi  exatamente por vontade própria. Há tempos a FIFA pressiona o país  ameaçando, inclusive, exclui-lo do próximo Mundial. 

Mas por trás de toda essa novela está a morte aterradora de uma jovem de vinte e nove anos, Sahar Khodayari, que em março,  disfarçada de homem, tentou entrar em um estádio. Queria ver o time dela, o Esteghalal Teerã, um dos clubes mais populares do país, enfrentar o al-Ain dos Emirados Árabes Unidos. Acabou presa e libertada dias mais tarde sob fiança. Mas no início de setembro ateou fogo ao próprio corpo diante do Tribunal Revolucionário Islâmico de Teerã. Corria o risco de pegar seis meses de prisão. Internada em um hospital, Sahar teve a morte anunciada justamente um mês antes da data do jogo entre Irã e Cambodja.

Relatos como o do jornalista iraniano-canadense, Maziyar Bahari, falam  que a família foi duramente intimidada e a jovem imediatamente enterrada, pois já tinha causado problemas demais. O moderado presidente iraniano havia acenado com algumas medidas nesse sentido. Tribunas extras para mulheres em vários estádios de Teerã, mas foi vencido pela resistência dos clérigos. A proibição vigora desde 1981, fruto da legislação instituída depois da revolução no final dos anos setenta. A liberação não será assim uma outra revolução. Haverá entradas separadas para as mulheres, reforço considerável na segurança. 

Mas basta pensar na realidade das mulheres por aqui para encontrar alguns parâmetros. Pense o quanto os estádios brasileiros "liberados" podem ser considerados desconfortáveis para as mulheres e será possível ter uma pequena noção do que as espera por lá. E, por favor, se forem fazer esse exercício de imaginação pensem em uma mulher chegando a um dos nossos estádios desacompanhada. Há muito a ser feito nesse sentido, é só lembrar do "Brasileirão" feminino jogado em gramados  terríveis, desse nosso jeito macho pseudo-moderno. 

Mas tão irreal como imaginar as moças sendo recebidas com flores por aqui é imaginar que essa questão cultural pudesse ser neutralizada com as armas de que dispõe a FIFA. Forçar mudanças, talvez. E, por isso, nesse sentido não me parece desprovido de razão afirmar que se a principal entidade do futebol mundial tivesse exigido essa liberação a essa altura, mesmo sem saber, teria salvado uma vida. E o cultuado Esteghalal Teerã teria a essa hora uma apaixonada torcedora a mais. 

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

O gol que falta


Rubens Chiri- sãopaulofc.net


Vou contar uma história do tempo em que praticamente todos os treinos eram abertos para a imprensa. Rogério Ceni já era um reconhecido batedor de faltas. E uma vez encerrados os trabalhos reservava um tempo para aprimorar o fundamento que lhe fazia a fama. Coisa que quase nenhum repórter se dava a acompanhar. A essa altura, espremidos pelo tempo, tinham outras prioridades. Mas recordo bem de certo dia ter acompanhado tudo de perto. Provavelmente por estar preparando algum material ligado a esse tipo de treinamento ou a respeito do próprio arqueiro tricolor. 

Rogério tinha ali com ele alguns companheiros de time, a quem desafiava. E quem não gostaria de uma chance pra mostrar que poderia encará-lo nesse quesito? E era também uma maneira de dar um ar descontraído ao treinamento. Um jeito de afinar os movimentos brincando, tirando um sarro. O desafio diante do grande artefato de metal que imitava a barreira adversária não era exatamente colocar a bola no gol. Isso era fácil. Ganhava a parada quem conseguisse acertar o travessão! Dispensavam até o goleiro. Um descrente pode achar que ficamos ali um tempo sem ver alguém realizar tal façanha. Mas não, bastaram algumas cobranças e pimba! Rogério carimbou o travessão. E com uma força que permitia imaginar muito bem o desafio que representaria a qualquer um que tivesse a missão de defender a meta. Além dele naquele dia não vi mais ninguém conseguir. 

Digo isso tudo porque acabei de dar de cara com uma manchete evidenciando o quanto um gol de falta tem sido coisa rara no futebol brasileiro. Durante todo o primeiro turno foram apenas nove. Dois deles marcados por um zagueiro. Rafael Vaz, do Goiás. Perguntado sobre a quase proeza, Vaz, afirmou que a marca é fruto de muita dedicação e que costuma cobrar umas trinta ou quarenta por dia toda vez que acaba um treino. Ou seja, a receita pra se fazer um gol de falta continua a mesma, por mais que um gênio como Rivellino defenda ardorosamente a teoria de que nem a insistência é capaz de redimir a ausência do dom.  

E entendo a indignação dele toda vez que alguém lembra que pela seleção o último gol de falta foi marcado há quase meia década. Isso mesmo, cinco longos anos. Foi em 2014 em um amistoso contra a Colômbia. No Brasileirão as contas revelam que do ano passado para cá a média de gols de falta caiu de 0,71 para 0,47. Número que beira a pior marca da década, 0,44, registrada em 2016. As razões apontadas para essa escassez são muitas. Vão desde as mudanças implementadas nos treinamentos, que passaram a ser ditados pelos preparadores físicos e pelos fisiologistas, passando pelos rasos gramados atuais,o que impede, segundo alguns, que o pé do cobrador toque a bola muito por baixo. 

Citam também a melhor preparação dos goleiros, que além de mais ágeis estão mais altos. Difícil é saber o quanto hoje em dia um jogador profissional considera que valha a pena se dedicar a esse tipo de coisa. Um gol de falta pode não ter a exuberância de um gol de bicicleta nem a dose cavalar de surpresa contida num gol feito com um belo chute de primeira. Mas mesmo ensaiado à exaustão um gol de falta tem o frescor do improviso. Portanto, se dia desses seu time marcar um do tipo, seja um torcedor sensível, e lhe honre com uma comemoração à altura.



* artigo escrito para o Jornal "A Tribuna", de Santos/SP

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

O treinador



O treinador foi desde sempre personagem dos mais intrigantes do mundo do futebol. Graças a eles temos sido condenados a vira e mexe dar de cara com aquela velha questão que nos interroga a respeito da capacidade deles de ganhar, ou não, uma partida. Mas não quero ressuscitar esse questionamento que, enfim, sumiu das conversas para a salvação de todos. Outro lugar comum é dizer que eles ganharam importância demais. Um raciocínio com o qual é difícil não concordar quando se olha o futebol sob a perspectiva das últimas duas décadas. Os mais velhos irão lembrar que quando os anos noventa saíram de cena já tínhamos visto Luxemburgo viver dias de rei. Mas basta se entregar ao noticiário dos últimos dias e ficará comprovado  que os treinadores continuam desfrutando de um status invejável. 

Não que a chegada de Mano Menezes ao Palmeiras não merecesse muita atenção, ou que o discurso duro de Rogério Ceni depois da goleada sofrida para o Grêmio não fosse tema da maior importância. Entender onde mora exatamente esse exagero não é tarefa fácil, exige uma grande reflexão sobre o modus operandi da mídia, ou das possibilidades que a realidade lhe dá nos dias de hoje. Em linhas gerais, é possível que uma pergunta ajude a deixar mais claro o que quero dizer: quantas outras pessoas deveriam ser ouvidas a respeito de tudo que envolve a chegada de Mano ao Palmeiras ou a respeito do beco  sem saída com que Rogério Ceni se deparou ao aceitar ir para o Cruzeiro? 

A conclusão a que chego é que os treinadores pelo protagonismo que lhes foi dado são hoje a parte mais exposta dessa engrenagem. Jogadores torcem cada vez mais o nariz para conceder uma entrevista. No fundo o que os treinadores vivem é muito parecido com o que vive qualquer ser humano, inclusive os craques, altos e baixos. E isso vale para nomes que hoje soam grandiosos, como Osvaldo Brandão, João Saldanha, Aymoré Moreira e tantos outros. Mas talvez Telê Santana seja o mais indicado para apontar esse viés tão humano e imperfeito do qual nem os treinadores de futebol escapam. Não só porque também o viveu, mas principalmente por sua história ter se dado mais recentemente. Era a figura maior por trás da inesquecível seleção brasileira de 1982 mas contestado até o dia em que, à frente do São Paulo, conquistou a América e o mundo. Triunfos que definiram pra sempre o lugar de Telê nesse panteão. 

E os mais detalhistas irão lembrar o quanto o destino precisou ser caprichoso para que ele seguisse como técnico do tricolor na época. Falo disso porque neste momento em que dois estrangeiros ocupam a ponta da tabela do Brasileirão dando a impressão de que o fato incomoda muitos dos nossos treinadores, acho importante apontar que esse filtro do tempo deve ser a grande baliza. Sucesso efêmero muitos tiveram, mas para que um dia um Sampaoli ou um Jorge Jesus ocupem um lugar como o que a nossa história reservou ao húngaro Bela Guttmann, por exemplo, vai chão. Mas o que ninguém diz, e que ouvi dia desses de alguém que conhece bem o mundo do futebol, é que é quase uma ilusão achar que hoje em dia os treinadores têm muito poder. Esse, na verdade ,  está nas mãos dos diretores e dos agentes. 

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Secador: modo de pensar





Torcer é algo muito pessoal. Cada um tem seu estilo. Mas se você torce fatalmente você seca. Nem sempre com a mesma pegada. Conheço torcedores discretos que são secadores fervorosos. E secadores discretos que são torcedores fervorosos, embora o segundo caso seja mais raro. Nos últimos dias me vi cercado por secadores entusiasmados. Um efeito colateral da derrota do Palmeiras para o Grêmio pela Libertadores. Houve, para dar sentido a tudo isso, o fato de o Palmeiras se encontrar naquela condição de time a ser batido, menos pela beleza de seu futebol e mais pelo poderio financeiro. Posto que o Flamengo lhe roubou de vez dias depois no Maracanã provocando a queda de Felipão, o simpático.

E esse clima de secação descarada se renovou dias depois quando o Corinthians ficou frente a frente com o Fluminense pela Copa Sul-Americana. Não com a mesma intensidade, até porque a alquimia dessa coisa de secar pede na porção um resultado que o valide, aí o treco expande. O que não se deu. Mas  a sensação que me ficou é que Felipão moldou um time nada sedutor. O que é fatal para atrair secadores. Não são todos, pois existem os convictos, mas sou levado a crer que um time que joga de forma reconhecidamente bonita costuma diminuir muito essa torcida contra.

O Santista também se viu no último final de semana - depois de bater a Chape com um gol contra - nessa condição de secador. O rito  pedia aquela gorada pra cima do Flamengo que iria pegar quem? O Palmeiras! De onde se conclui que o secador é um sujeito totalmente livre de bandeiras. Mas só não podemos achar que o ato de secar não tem nenhuma lógica. Como tem. E das melhores, simples. Pra levar adiante o rito,  se precisar cruzar os dedos a favor desse ou daquele o fará sem a menor cerimônia. O secador é , com a licença do termo, um ateu futebolístico, ou melhor, um agnóstico. Afinal, não é assim um descrente de tudo.

Estamos todos cansados de saber que o secador tem, como quando está na condição de torcedor, um sem fim de rituais banais e esquisitos. Ou usar a mesma meia de lã, em pleno verão todo dia de jogo não é coisa de matusquela,  como diziam antigamente? Do jeito que está o Brasileirão o Flamengo no final de semana será o grande alvo dessa turba pra quem a tabela de classificação de um campeonato é quase um oráculo. E quem conhece bem o raciocínio de um secador sabe que ele não esmorece diante de nada, nem mesmo diante do mega desafio de ter de secar o líder quando este, além de tudo, no conforto de uma óbvia inversão de mando de campo, terá pela frente o lanterna do campeonato.


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", de Santos

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Ele sonhou ser jogador



Esta semana tomei um Uber. No caminho com o tempo de viagem esticado pela vagar do trânsito da metrópole fiquei sabendo que o rapaz que me conduzia um dia tinha levado adiante o velho sonho de ser jogador de futebol. Lamentou a falta de vivência dele na época. Mas quem pode fazer tudo certo quando se tem quinze anos e pra dar conta disso topa ir morar sozinho, em outra cidade de outro Estado? Resistiu até onde deu. Mas o que me chamou  atenção no papo não foi exatamente essa história de enredo muito comum. Foi o que ouvi dele quando começamos a nos aproximar do destino. Disse que uma das prioridades que tinha era voltar pra academia, cuidar do corpo, se dar a chance de ter uma vida longa e com qualidade. Totalmente ciente de que passar boa parte do dia sentado, dirigindo, exigia um contraponto. Mas porque é que uma conversa tão trivial teria razão para estar aqui ? 

Digo a vocês que ela esconde a razão maior para que se trate o esporte como algo realmente valioso. O futebol ao qual ele se entregou um dia cheio de expectativas não fará dele o jogador que sonhou mas lhe deu uma consciência da necessidade de cuidar do corpo que nenhuma aula teórica seria capaz. E é disso que se fala quando se tenta promover a prática esportiva. E se trago o tema pra cá é pra fazer uma reflexão do meu próprio ofício. E ofícios são sempre imperativos. Tiveram seus dogmas e os parâmetros para exercê-lo definidos muito antes da nossa chegada. Mas sempre me incomodou, e continua me incomodando, que se trabalhe com ele praticamente ignorando essas questões e a  própria educação física. Talvez não seja, e sei que não é, exatamente o que um telespectador , um ouvinte ou um leitor procura quando vai atrás de um programa esportivo ou algo do tipo.

 Mas é preciso de alguma forma despertar a reflexão porque chegam a ser coisas totalmente distintas o esporte profissional e o amador. O primeiro deles muitas vezes com valores discutíveis do ponto de vista moral. E o outro cheio de apelo, que pode se dar o direito - nobre - de desdenhar de triunfos. É o esporte que realmente se revela um veículo pra que tomemos consciência do próprio corpo, dos benefícios da disciplina, palavra que sempre soa tão careta, e da interação que permite com o outro. O esporte é entre tantas outras coisas um meio para se fazer amigos, construir um círculo social com laços fortes, cheio de boas memórias. Daí a necessidade de fazer a criança tomar contato com ele rápido, de forma prazerosa. E dizem os especialistas, quanto mais cedo for maior será a probabilidade que o carregue com ela por toda a vida.

 Quanto mais rodados ficamos mais improvável que isso aconteça. Não sou ficcionista. Sei que qualquer tentativa nesse sentido depois dos cinquenta tem um quê de castigo. Enquanto batuco estas linhas duas coisas que já li e jamais esqueci me vieram à cabeça. Uma que o hábito é a nossa segunda educação. Logo, mudar hábitos é se reeducar. A outra que, ao contrário do que muita gente pensa, não é a cabeça que convence o corpo. Não tem essa de dizer "agora eu vou" e tudo se resolve. Nada disso. É o corpo que convence a cabeça. Você vai lá, pratica esporte, e a cabeça, as sensações irão lhe convencer de que é uma boa, que dá um barato bom e saudável. Enfim, reflexões de quem se sente na obrigação de falar do esporte como nem sempre se fala. 

* artigo escrito para o jornal " A Tribuna", de Santos/SP

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Quem manda no futebol?




Até outro dia eu estava praticamente convencido de que a International Board, o órgão que cuida das regras, de dizer o que pode e o que não pode no jogo de bola, mandava e ponto. Aparando, claro, um descontentamento aqui outro acolá. Mas eis que ele foi peitado pelos cartolas do futebol inglês. E o que aconteceu por lá deve nos servir não só de lição como pode nos dar um norte nessa questão tão urgente que tem sido a utilização do VAR no Brasil. O cuidado com que o tema foi tratado por eles é um verdadeiro tapa na nossa cara. No ano passado usaram a Copa da Inglaterra e a Copa da Liga Inglesa como laboratório. Testaram o sistema em jogos da principal divisão sem que houvesse conversas  entre a cabine e o árbitro que apitava o jogo, ou reversão em virtude do que estavam vendo. Enfim, se certificaram de que a novidade não geraria o caos, como temos visto.

Situação totalmente diferente da que vivemos, primeiro com o presidente da CBF na época prometendo que o VAR seria implantado quase que imediatamente.  Não sei se lembram, mas foi depois daquele gol de mão anotado por Jô que deu ao Corinthians a vitória sobre o Vasco. Pura bravata. Quando muito tempo depois tudo estava decidido, na hora de pagar a conta foi aquele quiprocó. Mas a lição vai muito além do cuidado, do planejamento. Está também na coragem e nos pontos precisos  preservados pelos ingleses. Sim, eles preservaram antigas normas que a meu ver jamais deveriam ter sido alteradas. 

Sobre as mudanças não terem sido bem digeridas pelo Board o diretor técnico da Premier League foi direto. Afirmou que se trata de um assunto a ser definido pelas autoridades do futebol na Inglaterra, não por eles. E quando digo normas antigas, falo de apontar o impedimento quando ele se torna óbvio e, principalmente, preservar a interpretação na hora marcar penalidades em lances de bola na mão. Forçar os zagueiros a manter os braços atrás do corpo é algo antinatural, disseram. E lá, onde praticamente todas as arenas possuem telões, será mostrado o replay quando a marcação for alterada. E , vejam o detalhe, pela TV os telespectadores acompanharão as mesmas imagens usadas pelo VAR. O que evita esse limbo criado aqui, um verdadeiro vácuo, em que nem pela TV e nem da arquibancada é possível saber com exatidão o que está se passando.  

Outros cuidados são um desafio, desses que mesmo se tratando do futebol inglês prefiro ver para crer, como determinar a verificação das jogadas e tomar a decisão antes da celebração dos jogadores chegar ao fim. Mas é bom não duvidar. Seria quase humilhação pra nós. Mais do que a lição imposta por uma tecnologia, fica nesse capítulo também uma lição de postura. Peitar os poderosos exige coragem. Fica o exemplo para a CBF em relação à FIFA e ao Board, como também aos clubes brasileiros, sempre uns cordeirinhos,  que em nome de preservar a boa relação e os lucros aceitam colocar em risco o próprio negócio. Pode parecer exagero. Tudo bem, que o futebol não vai acabar não vai, mas como já disse se essa bagunça continuar a perda será inevitável. Se não perder grana, vai perder em emoção. E em matéria de futebol , emoção é dinheiro. Ou não é?


* artigo escrito para o jornal " A tribuna", de santos

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Cartão Verde - 26 anos no ar



Passa lá, diz o que achou!           








quinta-feira, 8 de agosto de 2019

A terra da fantasia


"Estão todos na terra da fantasia". A frase foi dita por Jurgen Klopp o atual técnico campeão de clubes da Europa, comandante do Liverpool. A cutucada veio em hora oportuna. Pouco antes de o time dele disputar a Supercopa da Inglaterra com o Manchester City, do notável Pep Guardiola. Klopp afirmou que o adversário estava entre os quatro times que podiam se dar ao luxo de gastar um rio de dinheiro a cada janela de transferências. Pep se defendeu dizendo que não era bem assim, que existia o fair play financeiro para equilibrar as forças. 

Mas essa coisa de terra da fantasia é termo muito apropriado. Está pra nascer o economista capaz de elucidar a lógica que move o mercado do futebol. Os números, creio, até já desfilaram aqui.  Notem. A receita dos  quatro grandes clubes de São Paulo nos últimos dez anos aumentou em setenta por cento. Seria muito salutar que o salto tivesse sido dado em virtude de administrações primorosas. Mas sabemos que não é o caso.  A negociação dos direitos de transmissão dos jogos é apontada como a grande responsável pelo salto, mas ela também tem lá seus detalhes singulares. Incrível também é ficar sabendo que apesar desse faturamento inflado as dívidas desses clubes cresceram na mesma proporção. 

Outra frase incrível, capaz de fazer o torcedor do Fluminense se sentir num sonho, foi dita pelo técnico do Peñarol depois de o time dele ser eliminado pelo tricolor carioca da Copa Sul-Americana. Na coletiva depois do jogo de volta - nova derrota, dessa vez por dois a um - Diego Lopez foi claro ao definir o que tinha vivido. Disse ele: foi mais difícil que o Flamengo. Time, aliás, que por estas bandas também poderia ser acusado pelos adversários de viver na terra da fantasia. Ou o torcedor rubro-negro não se sente num conto de fadas? Não ao ver o que anda vendo em campo, mas ao se dar conta de que o time dele agora tem Rafinha de um lado, Filipe Luiz do outro. Entre compras e vendas o time da Gávea movimentou apenas nesta temporada quase meio bilhão de reais, pra ser mais exato, 468 milhões. 

Olhando aqui do hemisfério sul dá pra dizer que Klopp falou de barriga cheia. No ano passado o time dele gastou como nunca, como avisava uma certa manchete tempos atrás. O quarteto apontado por ele - e que soa óbvio - é formado pelo Manchester City, pelo Barcelona, pelo PSG e pelo Real Madrid. Os quatro são os grandes protagonistas desse reino da fantasia. Talvez fizesse bem ao treinador alemão, sem dúvida um dos grandes treinadores do futebol mundial, tomar consciência de que se ele não está nesta terra da fantasia, está na condição de nobre com posses capazes de seduzir muita gente. O que nunca será pouco. 

E por falar em tricolor, o São Paulo acaba de colocar o seu torcedor nessa onda. A chegada de Daniel Alves, seja pra jogar na lateral ou no meio campo,  soa como um sonho. A festa foi grande e a expectativa também é. A crer no que foi dito por gente entendida no assunto o novo contratado do time do Morumbi é do tipo capaz de convencer um elenco inteiro da capacidade de triunfo. Uma espécie de agente catalisador da vitória. Que assim seja, porque o futebol brasileiro anda carente de fantasia. E com a cartolagem faturando cada vez mais alto nada mais justo do que deixar o torcedor se sentir parte dela. 


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", de Santos/SP

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

O feito de Sampaoli



Eis que cento e oito rodadas depois o Santos voltou a liderar o Brasileirão. Mais notável do que isso é perceber o time presente em tudo quanto é conversa que se trava sobre o jogo de bola. Agora de envaidecer mesmo é saber que o time santista se encontra nessa condição reconhecido como uma equipe que joga bonito. Ainda que seja verdade: nesse sentido o momento pobre que o nosso futebol atravessa ajuda a amplificar consideravelmente essa virtude. 

Não acho difícil de entender quando Sampaoli diz que o maior adversário da equipe a partir de agora pode ser a própria equipe. Qualquer pessoa envolvida com esporte sabe que chegar lá é uma coisa, se manter, outra, mais desafiadora ainda. Poderia citar o Palmeiras como exemplo, mas é preciso levar em consideração que  são realidades diferentes. O time da Vila tem foco total no Brasileiro enquanto o time alviverde disputa outros torneios ao mesmo tempo, um deles com apelo suficiente para rivalizar com o nacional.  

E há outros fatores que merecem atenção.  Certas caneladas que a direção santista vira e mexe insiste em dar. Dias atrás foi muito estranho ouvir Sampaoli dizer que não sabia da chegada de Paulo Autuori para ser o diretor de futebol do clube. Nada contra Autuori, que teve o conhecimento e a vivência no futebol exaltados pelo argentino quando falou sobre o assunto.  O Santos tem lá sua hierarquia, não é decisão para o treinador. Mas boa comunicação e transparência nunca são demais. 

O tipo de coisa que deixa no ar a impressão de que a excelência que tem sido vista em campo não se alcança fora dele. O momento é de contrapartida. Pois se o treinador colocou o time nessa condição merece ter atendidos seu pedidos de contratação, merece que lhe seja dado um atleta capaz de suprir o vazio deixado pela saída de Jean Lucas, que me impressionou com seu estilo elegante de tratar a bola e pelo visto ia se encaixando no elenco de maneira rara. 

Não se trata de pedir pra gastar o que não se tem. Embora saibamos todos que o Santos tem insistido em gastar caminhões de dinheiro com contratações que não seduziriam nem o mais inocente dos negociantes. Parte daquela lógica toda própria do mundo do futebol. E se falo de questões administrativas é porque em certo sentido estar ciente de que ao trazer Jorge Sampaoli para comandar o time se fez algo ousado e é preciso capitalizar em cima disso. 

As pessoas a essa altura já esqueceram que na época trazer para o futebol brasileiro um profissional com mercado na Europa, que tinha feito o Chile campeão de uma Copa América e que tinha acabado de comandar a seleção argentina em uma Copa do Mundo soava meio improvável. Mas toda essa euforia, é verdade, esconde um detalhe muito importante, o campeonato está no começo, o ano em que estamos é que dá a impressão de estar já lá na frente. 

 De qualquer forma, o momento do time santista é especial. Quando vi a Vila cheia no último domingo me veio à cabeça o fato de que em outros tempos até os torcedores dos outros times tinham vontade ver o time santista jogar. O Santos de Sampaoli deixa, por hora, a impressão de que pode fazer algo assim. O que  seria um feito fenomenal.

* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", de Santos/SP - 01/08/2019

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Ando com saudade



Se há uma verdade nessa era pós-árbitro de vídeo é que ele transformou todos nós em idiotas da objetividade, como bem escreveu o Ruy Castro dias atrás.  Éramos felizes e não sabíamos meus amigos. Como presumo que era feliz o Nelson Rodrigues, que cunhou o termo numa época em que os tais desfilavam por aí em absoluta minoria. Mas o tempo passou e a impressão que tenho é a de que foram aumentando, aumentando e já eram quase maioria quando essa citada tecnologia pintou na área pra resolver o jogo. Ou melhor, para embolar o meio de campo.

Na última rodada do Brasileirão, desgostoso com o que tinha acabado de ver a turma da arbitragem decretar no jogo entre o time dele e o Atlético Mineiro, o ex-goleiro e hoje treinador do Fortaleza, Rogério Ceni,  deixou no ar a seguinte questão: como é que você vai ser a favor de um instrumento que te atrasa o jogo em dez minutos e todos em lances interpretativos? A desafiadora  pergunta me fez pensar em outra:  como é que o futebol virou o que virou sendo tão dependente dessa bendita interpretação? 

Por essas e outras começo a suspeitar que algo se rompeu nessa cadeia e isso deveria ser motivo de muito estudo e cuidado por parte de quem tem o poder de decidir o destino do jogo de bola. A realidade não deixa dúvidas. É tarde demais pra se voltar atrás. E também não é o caso. Mas ou alguém dá um jeito de corrigir a rota ou o estrago a médio prazo irá se revelar. Essa questão da agilidade, ou da falta dela, que as palavras de Rogério Ceni fazem questão de apontar, é o sintoma mais evidente da falta de objetividade na hora de usar o recurso. 

E isso tem ficado claro, não só porque o tempo médio até a definição está muito acima do que se observa mundo afora, bem como as análises têm ido buscar suas justificativas em pontos cada vez mais distantes do lance que verdadeiramente deu origem a consulta através do VAR. Isso quando estamos todos cansados de saber que no rebuliço de uma bola aguardada dentro de área será sempre possível peneirar, de câmera na mão, um sem fim de violações à regra. Ou vão dizer que a coisa tem se dado dessa forma porque nosso futebol é muito mais complexo do que os outros? 

Sabe, eu sinto saudade do tempo em que até as análises táticas eram semeadas na crônica esportiva com parcimônia.  Saudade do tempo em que mesmo os grandes interpretes do jogo tinham a humildade de construir um ponto de vista que ia de encontro ao que rondava a cabeça do torcedor comum. Juarez Soares , que infelizmente nos deixou esta semana, era um mestre nisso. Hoje em dia muitas vezes tenho a impressão de que o torcedor não raro tem de se esforçar sobremaneira para compreender o que está sendo dito.  

Esse verniz catedrático com o qual andam cobrindo o futebol incomoda, ainda que comparado ao uso feito desse árbitro de vídeo que aí está seja claramente uma ameaça menor. Mas nem tudo está perdido. O futebol brasileiro ainda tem Everton Cebolinha pra exibir. Por pouco tempo ao que tudo indica. Mas tê-lo aqui entre nós até agora me surpreende. Ah! E não custa lembrar outra do Tio Nelson: o VT é burro!  Não se esqueçam disso.