quarta-feira, 26 de abril de 2017

O passado e o presente do futebol



Somos um povo sem memória. Até os mais esquecidos devem lembrar de ter ouvido essa frase ao menos uma vez na vida. E vou além, digo que como se não bastasse não tê-la, muitas vezes a temos transformada, imprecisa, moldada para vender o peixe de quem tinha mais poder quando foi escrita. O mote me vem agora porque o momento soa propício para defender um ponto de vista que trago comigo faz tempo. Não é de hoje que tenho a sensação de que se tem uma coisa para a qual o amor do brasileiro pelo futebol serviu foi para ajudar a preservar a sua memória. E assim driblar um pouco essa nossa mazela. 

O único temor que alimento ao defender este ponto de vista é ter sido influenciado pelo fato de durante boa parte de minha vida profissional ter andado às voltas com esse tipo de trabalho. O que pode ter me dado uma visão equivocada. Claro que nem todos os esforços realizados nesse sentido tiveram a divulgação ou a metodologia ideal. Mas nas últimas décadas dei de cara com um verdadeiro batalhão se ocupando de escrever sobre desde o mais nobre artilheiro até aquele que nem todos conhecem, mas que para determinado grupo ou autor foi o maioral. E o mesmo vi se dar com a história de times. 

No final de semana que se aproxima uma das páginas mais cantadas do futebol brasileiro estará em evidência e será incansavelmente revisitada. O lendário título paulista de 1977 que, vencido pelo Corinthians pôs fim a um longo jejum de títulos e, dizem, só fez crescer a legião de fiéis do time do Parque São Jorge, hoje pomposamente instalado em Itaquera. Por uma dessas coincidências do destino os dois finalistas daquele torneio, Corinthians e Ponte Preta, praticamente exatos quarenta anos depois, ficarão frente a frente para disputar outra final do mesmo campeonato. Campeonato que muita gente por aí preferia que já nem existisse mais. 

E há ainda uma outra questão que vem junto com essa fixação pelas coisas do futebol, por sua memória e que me incomoda muito. A comparação que, em geral, acaba sendo feita entre o passado e o presente, quando nem sempre uma coisa tem a ver com a outra. Procurar analogias é do jogo, adorna o papo, mas elas precisam, como tudo, de bom senso. A própria importância do futebol hoje é diferente. Basta dizer que a marca de 138 mil torcedores registrada no segundo jogo das finais de 1977 é, simplesmente, até hoje e, provavelmente será pra sempre, a maior da história do Morumbi.  

Quem pegar os jornais daquela época verá que a cidade de São Paulo parou, aulas foram suspensas nas escolas. Houve um verdadeiro frenesi. Ou seja, um passado bem preservado, é rico, necessário e revelador.  Deixa claro, por exemplo, que contestar a arbitragem  foi desde sempre um sintoma do jogo. A Ponte e o Corinthians atuais pouco têm daquele tempo, como o futebol que veremos no Moisés Lucarelli parecerá outro. Mas será um momento perfeito pra desfrutar daquela que, talvez, seja a grande virtude de se ter a memória bem preservada: poder entender e sentir melhor o que o futuro nos trará. 

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Tite no Cartão Verde! Um convite.


Elogiar Tite neste momento é chover no molhado. Mas se há alguma liberdade permitida ao jornalista, além da informação, é o relato do vivido ao se apurar um fato ou notícia. O que não costuma ser comum. Valoroso nestes dias atuais é ter opinião. Vivemos na era da opinião. Costumo dizer aos amigos de ofício, ou aos que se interessam por ele, que atualmente quando alguém abre o jornal, se é que ainda abre, o sujeito vai primeiro nas linhas onde repousam opiniões... deixando pra depois a própria notícia. 

Mas é justamente um relato do vivido que quero deixar aqui como convite pra que vocês acompanhem o papo que o time do Cartão Verde travou com o técnico da seleção, e que será exibido nesta quinta às 22h30, pela TV Cultura. Tite tem neste momento um sem fim de escudos. Classificou a seleção para a próxima Copa com a rapidez que ninguém ainda tinha feito, caiu nas graças da torcida, inclusive daquela considerada mais azeda, fez o futebol brasileiro voltar a figurar no topo do ranking da FIFA, mas segue sendo o profissional de sempre, que se apresenta pro papo desarmado. 

Estampada no olhar e na fala firme está a segurança de quem venceu todas as etapas. Da segundona do Gaúcho ao degrau que costuma ser visto como sinônimo de glória. E só quem vive o meio do futebol sabe como isso é raro. Tite achava que chegaria lá antes? Achava. Mas mesmo tendo admitido a frustração fez questão de dizer a si mesmo: " agora não vai ficar chorando pelos cantos. vai trabalhar!" E foi !


Na conversa não escondeu o receio que teve de ver a seleção colocar toda a trajetória que ele tinha construído a perder. Pagou pra ver. Figura neste momento num altar de onde os homens inevitavelmente são tirados, ou de onde, passado o tempo, deixam de ser fervorosamente cultuados. Consciente disso afirma sem titubear que está pronto até pra perder uma Copa. Mas evita que a esperança morra em nós quando afirma, por exemplo, que o que ele preza no último terço do campo não é técnico que determina, é o lúdico, o criativo. Confesso que chega a ser difícil de acreditar. E o poder de convencimento de Tite - como é de se supor também - não é pequeno. E como Tite está longe de ser mais do mesmo não ouso duvidar. Chego mesmo a torcer. Espero que gostem do programa.  

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Quando o futebol surpreende

O que se diz é que o futebol, mais do que qualquer outra modalidade, tem uma veia imprevisível. Um jogo em que tudo é possível, por mais que a grana trabalhe dia a após dia no sentido de formar esquadrões imbatíveis, ou de montar uma panelinha de afortunados. O sucesso da empreitada é indiscutível. Não é qualquer um que pode pedir lugar na patota dos abonados Chelsea, City, PSG, Real Madrid, Barcelona e por aí vai. Discutir a origem do dinheiro de cada um, como manda a etiqueta, é coisa que não se faz. Só que não é de acontecimentos dados neste panteão que quero falar, por mais que uma sapecada do PSG ou da Juventus pra cima da nobreza catalã da bola dê muito pano pra manga. 

O normal entre os endinheirados é, em geral, não existir diferenças gritantes. Mas, como se sabe também, isso não impede a ostentação ou a exibição de um invejável poder de compra, arma infalível pra se deixar claro quem se é ou, visto de outra forma, pra deixar claro que se está longe de ser qualquer um. Também não é do chocolate imposto pela Ponte ao poderosíssimo Palmeiras que quero falar. Mas admito que se trata, sim, de uma reflexão provocada pelo time de Campinas e seu placar de respeito pra cima dos palestrinos. 

É que há algo grandioso camuflado em resultados dessa estirpe. Não tenho medo de afirmar que desde os mais remotos tempos um resultado inesperado oxigena o futebol, dá a ele um vigor. É como se nos obrigasse a lembrar, a levar em conta, que ali entre as quatro linhas continua existindo lugar pro sonho, pro triunfo dos que podem menos. Quando um time dito pequeno triunfa sobre um outro cheio de recursos, de histórias e de poderes, deixa pairando no ar a beleza que se esconde no suor do trabalho diário. Dá luz a quem deu um duro danado e no fim de um dia de trabalho teve razão pra acreditar que valeu a pena tanta labuta. Na maior parte das vezes tudo volta a ser como antes depois de uma vitória desse tipo. Mas que a danada é bonita, ô se é.

Esta aí um dos jeitos que o futebol tem de imitar a vida. A vitória do pobre jamais terá a retumbância da vitória dos nobres. Porque diante dela os que tem voz costumam se ocupar mais com a explicação da derrota do que com a exultação do triunfo. E os mais atentos sabem bem a força que se fez, nos regulamentos dos Estaduais, para evitar surpresas do tipo. Mas elas resistem e isso é lindo. O pequeno que vence acordará sempre maior do que era. O resultado surpreendente é uma arma que o futebol tem pra nos avisar - vez ou outra -que também há mais mistérios entre o homem e bola do que pode imaginar nossa vã filosofia. Ah! E aproveito pra deixar aqui os parabéns ao tricolor Rodrigo Caio que teve, em campo, a coragem de remar contra a maré

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Pacaembu: a casa da mãe


A trajetória que o Santos desenhou ao longo dos últimos anos no Campeonato Paulista deve ser levada em conta. Não se trata de uma sequência qualquer, ainda que não sirva para aplacar o descontentamento da torcida com o time neste momento. Ao longo dos últimos oito anos os santistas viveram o início de temporada com direito a um cer to apogeu, mesmo que nem sempre a presença na final - ou a conquista do título - fosse garantia de que o resto do ano seria uma maravilha, o que nem sempre foi. Verdade também que a citada trajetória serve para amplificar o insucesso, ainda mais quando ele se dá com o time fazendo uma das piores campanhas dos últimos anos no torneio estadual. Se o vice no Brasileiro do ano passado foi surpreendente, cair nas quartas do Paulista foi o avesso disso. Por mais que parte da torcida santista, empapuçada de Estadual, não faça questão de esconder que anda querendo é a Libertadores. Desconfio, inclusive, que o desgosto venha exatamente daí, do fato da queda no Paulista sugerir que se não deu no Paulista, na Libertadores é que não vai dar.

Como sempre acontece no futebol brasileiro a queda será intimamente ligada à capacidade de alguns. Se há um álibi pra isso é o fato de o time santista não ter perdido a vaga para uma equipe qualquer. A Ponte Preta - faz tempo - anda se mostrando time capaz de encarar os ditos grandes do nosso futebol. E ainda que eu ache que no segundo jogo, em especial no primeiro tempo, esqueceu um pouco disso, chega às semifinais com méritos. Há números provando isso e nem é o caso citar. Como acho ainda que no primeiro tempo, depois de ter aberto o placar, o Santos não parecia ter urgência de fazer o segundo gol, quando sob certa ótica deveria. Trata-se de um time maduro, seguro, entrosado, mas até esses devem ter, vez ou outra, o ímpeto de um trator. 

E me desculpem se o discurso soa velho e provinciano mas nada me tira da cabeça de que se tem uma coisa que o clima da Vila favorece é essa efervescência que não vi pós primeiro gol. Imagino o quanto um milhão e meio de renda faz diferença, mas quando será que vamos aprender que o dinheiro quase sempre joga contra o futebol? Tá pra nascer o dirigente que leve em conta o que se pode perder, não ganhar. E nesse sentido não só em termos financeiros. A menos que alguém acredite que não conseguir chegar onde os outros chamados grandes chegaram fará bem pra alguém. Dias atrás o volante santista Thiago Maia, esteve no programa Cartão Verde, na TV Cultura, que eu apresento, e diante da velha questão: Vila ou Pacaembu? Se saiu com uma resposta primorosa, dizendo que a Vila era como a casa dele e o Pacaembu como a casa da mãe. Ótima analogia. Concordo que a casa da nossa mãe costuma ser como a nossa, mas a verdade é que depois de algum tempo não existe nada como a casa da gente. Seja pra desfrutar as alegrias, seja pra sarar o que o destino tratou de nos reservar. E, além do mais, diante da dificuldade sempre é possível convidar a mãe pra ir até lá.  

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Torcer já não basta !

O Brasil como se sabe não é nação de fácil interpretação. Chego a ter compaixão dos ditos brasilianistas. Gente que formada em outras plagas baixa por aqui cheia de boas intenções e entrega. E acredito não cultivar esse sentimento sem razão. Ver o que se passa nestes trópicos e interpretar o que aqui se dá é uma coisa. Compreender, outra, bem mais complexa. Isso sem contar a mutação. Por certo o Brasil de hoje não é o Brasil de outros tempos. Tá aí o futebol pra comprovar. E se dúvida havia nesse sentido depois dos jogos das quartas de final do Campeonato Paulista devem ter caído por terra. O jogo de bola que encantava o torcedor agora o assombra. No pior dos sentidos. Ou não foram assombrosas as partidas que se deram? Talvez seja o caso de inocentar apenas a peleja entre Palmeiras e Novorizontino, desde que carreguemos conosco uma dose de complacência.

Gostaria muito que este amargor interpretativo fosse só um sintoma do saudosismo a que os anos nos condenam. O velho papo de que antigamente tudo era melhor. Mas não vem daí o meu desespero. Faz tempo aprendi com Tio Nelson que o futebol é só a coisa mais importante entre as coisas menos importantes. O que me aflige é a evidência de que o futebol segue sendo puro reflexo desse nosso catadão aqui, que ultrapassa os duzentos milhões. Nessa ladeira tem ido tudo o que nos é caro e necessário. Ou alguém aí da arquibancada seria capaz de levantar e gritar que não tem essa, que estou misturando as coisas, que socialmente estamos muito melhor do que futebolisticamente? Nada!

 Não há setor em que possamos dizer "jogamos por música". Nossa justiça, por exemplo, joga sem velocidade alguma. E nesse marasmo tome contra ataque. Dias atrás, enfim, o Superior Tribunal de Justiça validou a troca de informações entre o Ministério Público Federal e o Departamento de Justiça dos EUA no caso FIFA. Isso um ano e meio depois da prisão dos dirigentes na Suíça. Não comemorem! Alguém duvida que a essa hora a defesa já tenha na cabeça uma tática armada pra dar mais uma travada no jogo? 

Evidências de que as coisas aqui têm o padrão do futebol, infelizmente, não nos faltam. Nossa saúde, nossa (in)segurança, nossa política, que em matéria de involução tem deixado pra trás qualquer adversário. Nossos clubes, que sugados de seu poder nada falam ou fazem. E aí, inevitável, sempre me volta incômoda questão. Que paixão funda é essa que mesmo em face de tamanho desencanto não nos deixa parar de amar? Quem sabe algum brasilianista tenha a resposta. A verdade é tenho medo de perguntar porque ela pode vir óbvia e dilacerante: pra mudar... torcer já não basta, caro brasileiro!