quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Ah, moleque!



Depois de ter visto as cenas lamentáveis na arquibancada do Maracanã na terça vou preferir falar do que pode dar vida ao jogo de bola. A molecada. O futebol nos homens é uma outra coisa. É profissão. É um tudo ou nada. É um balé de movimentos premeditados. Algo que raramente se satisfaz com o ato de se divertir. Isso explica muito da graça cativante que se descortina quando damos de cara com algum moleque desafiando tudo isso. Já vimos tantos. Não esquecemos nunca a precocidade daquele que se fez o Rei. E que continua, até hoje, sendo  o mais novo a entrar em campo pela Seleção e a marcar um gol vestindo a camisa dela.  Chego a pensar que um dos segredos de Pelé foi justamente o de conseguir preservar em si a capacidade de jogar futebol como quem brinca. Persistiu nele algo de moleque. Algo que, olhando bem, o maior de todos os camisas dez deixava transparecer no sorriso. Uma aura que se renova agora na figura de Endrick que acaba de debutar na Seleção. 

A jóia palmeirense recém envolvida em polpuda transação irá se juntar a outros meninos, alguns já nem tão meninos assim, que o mercado se encarregou de levar pra longe de nós. Será uma questão de tempo para que outros sigam pela mesma trilha drenando do nosso futebol essa força capaz de lhe dar outra vida.  Os homens de negócio do mundo da bola, preocupados que estão com as cifras, não os buscam exatamente pelo que jogam. Os buscam pelo que podem vir a render. E nesse sentido quanto mais cedo melhor. Não tardará e  jogadores como o santista Marcos Leonardo seguirão pelo mesmo caminho. E assim vamos ficando cada vez mais sem esse combustível essencial da juventude. Imaginem o nosso futebol se Vini Jr estivesse aqui... Vitor Roque...Rodrygo. Um fluxo que não só não nos deixa remoçar como nos envelhece. 



A última janela de transações internacionais reforçou esse viés. Um sem fim de jogadores já bem rodados têm desembarcado aqui. E ainda que ostentem trajetórias de se admirar - o que está muito longe de ser o caso da maioria - de uma forma ou de outra fazem nosso futebol perder o viço. Se trata de uma equação inevitável. Só mesmo a inocência dos jovens para driblar o ar sério e modorrento que tanto insiste em ser a cara do nosso futebol atual. Quero crer que muitos por aí, como eu, andam saudosos de um sentimento que se perdeu. Aquela ansiedade boa que se sentia quando um jogo ia começar e trazíamos conosco a certeza de que lá estaria alguém que poderia nos deslumbrar. Lembro de viver muito essa sensação nos tempos do Zico. Como era bom poder esperar isso do futebol. 

Mas hoje  alguém começa a nos dar esse prazer e o tal do mercado logo aparece na área com sua mão impiedosa levando o talento pra um lugar em que nossa conexão com ele já não pode ser tão íntima. Sem dizer que na maior parte das vezes quando se fala de um jovem talento se fala também do cuidado que é preciso ter com ele. Que tem de ser colocado pra jogar com cuidado, que não se pode queimar etapas. Mas, estranhamente, ao mesmo tempo eles já assinaram contratos para amarrá-los, já viram as empresas esportivas lhes seduzirem com seu mundo de sonhos e suas chuteiras exclusivas. Tem de colocar é a molecada pra jogar. Ainda mais quando a juventude chega pedindo passagem.             

Nenhum comentário: