quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Qual o lugar do nosso futebol?



Qual o lugar que verdadeiramente nos cabe no mundo da bola? Faz pouco mais de uma semana manchetes anunciavam que o Brasil tinha passado a França e assumido o segundo lugar no ranking da FIFA, atrás da Bélgica. De honroso mesmo nisso tudo só o fato de que figurar na lista atrás apenas do primeiro colocado é melhor do que estar lá embaixo. Dizer que o ranking não serve para nada seria um exagero.  Ele determina a posição das seleções em sorteios e tal. Mas no cotidiano do torcedor é algo inexpressivo, uma abstração.  Ao contrário da qualidade do futebol que se pratica aqui e que a cada rodada coloca à prova a paciência de quem insiste em assisti-lo. E o fato de os clubes brasileiros terem  dominado a reta final da Libertadores tampouco deve servir de parâmetro.  

O que não vale para os argentinos. As manchetes por lá não tardaram a anunciar que a atual temporada de Copas foi um tapa de realidade na cara do futebol argentino. Sem dúvida algo que soou mais verdadeiro do que nossa posição no ranking da Federação Internacional. Agora para saber o quão mais verdadeiro será preciso esperar.  É fato que há tempos os hermanos, com sua mistura para lá de precisa de raça e técnica, equilibraram as coisas. Mesmo com os times brasileiros lidando com cifras infinitamente maiores.  O que não deixa de ser , comparativamente,  aquele bom e velho doping financeiro, nem sempre eficiente e cujo custo aqui nos trópicos corroeu e continua corroendo as finanças dos clubes, e antes disso sua soberania. 

Sabendo disso - e como as coisas se dão - não seria demais pedir para que os torcedores de times como Atlético Mineiro e Palmeiras façam uma boa reflexão sobre o papel e o custo que poderão ter seus mecenas. Mas sei que um pedido desses em meio a euforia que os cerca vai soar como coisa de estraga prazeres. Seja como for, em matéria de futebol tenho a impressão clara de que estamos em algum lugar entre  a realidade combalida do futebol sul-americano e os endinheirados do futebol europeu, ainda que nossa diferença de faturamento para eles seja abissal. O que nos iguala de alguma forma é o jeito sempre duvidoso de se levar as coisas.  

Não fosse assim um time como o Barcelona não estaria vivendo a pindaíba atual.  E o Real Madrid vai pelo mesmo caminho. Saibam, os que ainda não sabem, que tudo o que temos pra deixar as coisas com um ar mais responsável é um verniz, que diante de um olhar atento mal consegue esconder os interesses outros que cercam  os grandes  times, mas não só eles. Outra coisa que iguala os daqui com os de lá  são os efeitos causados pela pandemia, o que pode sim estar diretamente ligado a esse momento de superioridade dos times brasileiros.  E está. Para os argentinos, por exemplo, as consequências foram muito mais severas. E normal que neste momento  quem fatura mais sofra menos.  

Talvez também fosse o caso de perguntar até que ponto os poderosos Flamengo , Palmeiras e Atlético Mineiro com suas cifras fora da curva representam verdadeiramente o futebol brasileiro.  Ainda que o caso do Flamengo mereça ser visto de forma distinta. E se alguém por ventura vier a considerar um exagero de minha parte dizer que somos um tanto parecidos com os que vivem do jogo de bola no velho continente não custa dizer que a UEFA vem articulando um fundo para ajudar os clubes com problemas financeiros. Algo em torno de sete bilhões de euros, ou mais de quarenta bilhões de reais. Dinheiro sobre o qual seriam cobrados juros baixos e cujas garantias de pagamento seriam as rendas de futuras competições. Soa, ou não lhe soa, familiar? Bom, pra não deixá-los sem resposta tomo a liberdade de dizer que o lugar que nos cabe no mundo da bola é esse meio termo entre pobres e ricos, mas com um prestígio sempre digno de contestação. 

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Skate, a onda. ( ou O Futebol que se cuide)



Já tive o prazer de contar aqui algumas de minhas memórias relacionadas ao surfe. Falar da época ancestral de quando ele entrou na minha vida. Relembrar as pranchas de isopor, motivo de cobiça da meninada, que eram turbinadas com quilhas feitas à mão usando como matéria prima a madeira de caixas de uva que íamos garimpar no final da feira. Bons tempos. E devo confessar que toda empolgação com o skate nessa Olimpíada singular que acabou há pouco anda me trazendo muitas lembranças. Descobri o skate praticamente na mesma época que descobri o surfe. Eu, não, toda a garotada que vivia ali nos limites entre o Gonzaguinha a a Vila Valença, em São Vicente. Se não estou enganado o limite entre os bairros era - e é ainda imagino - decretado pela ferrovia, que só chamávamos de linha do trem, hoje do moderno VLT. 

A ladainha na orelha do meu pai foi a mesma que acabou brindando a mim e a meu irmão com uma verdadeira Kamehameha, assinada pelo lendário surfista e shaper Homero Naldinho. Soubesse o que significaria jamais teria me desfeito dela. Pois bem, em matéria de skate o chororô nos valeu um autêntico DM. Que já não sei se era top mas era um skate que fazia brilhar os olhos da molecada. Não sei bem como, em torno do skate, foi se formando um grupo.  A única vontade que se igualava a de ter um skate era  a de ter  uma rampa para usá-lo. De modo que durante um bom tempo à noite nos dividíamos em grupos e saíamos atrás da matéria prima para tal: compensados de madeira. Um verdadeiro tesouro.  As vigas também eram garimpadas. De modo que a vaquinha que se fazia no final era só pra dar conta dos pregos. 

Disso nasceu ali na esquina da Quintino Bocaiúva com a Cândido Rodrigues uma das maiores rampas do pedaço, que mais tarde se tornaria ainda maior e seria transferida para o terreno baldio que ficava exatamente nessa esquina. E lá permaneceria até que fosse desalojada pela construtora que no lugar ergueu um prédio de três andares. A desilusão foi imensa. Em sua versão mais radical a rampa chegou a ter uma altura de quase dois andares. Um dos projetistas , o cara que processava tudo que a garotada encontrava de material era o Hélinho. Tinha uma mão incrível.  Lá vi andarem, para deleite de todos, caras como Dinho e Luciano Kid, que viria a ser o primeiro campeão brasileiro de street. Eram habituês do local. Figuras com lugar mais do que garantido quando tudo o que cercava o skate no Brasil era  mato.  

Tempos atrás lembro de ter visto um documentário, tenho a impressão de que estrangeiro, que traçava um perfil tão nobre de Dinho, que ao dar de cara com aquilo foi impossível evitar a nostalgia.  Enfim, é com alegria que vejo tudo o que anda acontecendo. Outro dia me peguei pensando se o Comitê Olímpico Internacional não se aproveitou em certo sentido de toda essa história, que não deve ser muito diferente da que  se desenhou pelo planeta, ainda que em momentos diferentes. A rebeldia nesse universo sempre foi uma marca e talvez valesse tentar ficar fora da grande máquina.  O que vale para o Comitê Brasileiro também. 

Não custa lembrar que não fosse o skate e o surfe terem debutado nesse olimpo não teríamos tido a tão cortejada melhor participação do Brasil na história dos Jogos. E tanto uma modalidade quanto outra andaram, não custa lembrar, com as próprias pernas. Respeitando seus valores, se provando capazes de cuidar muito bem dos seus torneios mundiais. Reconheço, claro, que a inclusão deles carrega consigo um reconhecimento , uma possibilidade de que os dois se façam ainda maiores. E isso soa justo, muito justo. ​Além de todo o talento de quem fez o skate neste momento ser o que é, há outros detalhes - e isso vale pro surfe também em algum grau - como a capacidade que os atletas, e a modalidade como um todo, tiveram de saber usar as novas tecnologias, não só pra se comunicar com os apaixonados, mas também para desnudar toda beleza das manobras e o estilo e a filosofia de vida que as cercam. O futebol que se cuide.  

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Messi, mais que um craque



Ele tem tudo pra ser sinônimo de uma era. Ouso dizer que não conheci até hoje ninguém que , em alguma medida ao menos, não tenha se rendido ao talento dele. Chego a considerar blasé que alguém, como já ouvi por aí, faça reparos à seu talento.  No entanto, certas considerações não chegam a ser raras.  Não é um bom cabeceador, por exemplo. Madre mia. Aposto que o caro leitor já ouviu gente questionando o que seria de Messi uma vez inserido em um outro time que não fosse como o Barcelona.  Algo que, digamos, chegava a considerar. Não exatamente por acreditar que fora do Camp Nou o argentino se revelaria menor, mas por sentir certo prazer nesse exercício de imaginação. Com ele indo pro PSG veremos, mas correremos o risco de ouvir que o PSG não é parâmetro já que tem também um elenco estelar. 

Mas que os incautos não deixem de ponderar em suas análises , a partir dessa ruptura entre ele e o clube catalão, que já não se trata de um menino.  Não ousaria duvidar  mesmo assim que esse Messi venha a nos surpreender. Talvez não com a mesma constância o que , volto a sugerir, seria normal.  Entre tantas contribuições há de se ressaltar que se ainda resta alguma mística em torno da camisa 10, devemos muito disso a ele. Messi soa desde sempre como um craque à moda antiga, e não só por isso.  Também pelo fato de até dias atrás ter sido jogador de um clube só. Há muito a considerar sobre essa questão é verdade. Poderia se dizer que ele ficou tão grande que acabou transformando as cifras que o cercavam numa espécie de prisão abstrata. Era bom demais pra que o deixassem sair, mas era acima de tudo um cara que não tinha preço. 

O próprio fim da história que o ligava ao Barça foi um pouco isso. As cifras acabaram sendo um problema. A média de gols que ostenta ao se despedir é de respeito. Vejam,  0,86 gol por partida nunca seria algo modesto, mas saber que essa media se manteve assim ao fim de dezessete temporadas é de se tirar o chapéu. E não deixa de ser uma espécie de espelho de sua envergadura futebolística. Mas Messi, sabemos todos, tem muito mais do que números para o amparar. Muito mais do que quatro Ligas da Europa, três Mundiais ou dez taças do Campeonato Espanhol. Tem o requinte, a precisão, o estilo.  

Qualquer um que não seja alheio ao que tem se desenhado entre as quatro linhas buscará rápido na memória um momento em que esse camisa dez foi sublime. Acho interessante notar como no decorrer das últimas temporadas Messi mudou de comportamento. Tomou posições. Não tenho como dizer se foi pela idade que sempre nos deixa com a paciência mais curta, ou se foi a imprensa que acabou colocando sobre ele um outro tipo de olhar. Messi gosta de ser o dono do time é outra coisa que se ouve vira e mexe. Mas se ele não pode ser, quem poderia? Pois se o Barça se diz mais que um clube, Messi é mais que um craque.

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Escrevia...





                               " Escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível."

                                 Arthur Rimbaud

                                            

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

A sedução olímpica


Os Jogos Olímpicos , a meu ver, mereciam maior reverência. Acho uma pena, no sentido de dó mesmo, que o futebol continue rolando. Essa nossa jabuticaba. Não custa lembrar que em outros cantos do mundo a bola não está rolando e os interessados não precisam ficar com um olho lá e outro cá. Seria mais um benefício de termos aproveitado a pandemia para sincronizar nosso calendário ao do futebol europeu. Por falar em futebol, me obriguei a ficar uns dias meio desligado dele, na medida do possível,  para tratar  com o devido respeito uma outra coisa que merece ser reverenciada , férias. O que sei no mundo atual beira o luxo. 

Tenho gostado de notar que se esse mundão anda cada vez mais louco a Olimpíada segue seduzindo. Tem sido um prazer notar dentro de casa, por exemplo, o entusiasmo das crianças com o que anda rolando em Tóquio. Entusiasmo que só cresceu nos últimos dias.  É um sentimento dúbio, pois sou perfeitamente capaz de compreender declarações como a dada dias trás pela skatista , Karen Jonz, de que o esporte de alto rendimento é o oposto de saúde. Neste espaço , inclusive, já defendi algo que não deixa de ir na mesma linha que é questionar até que ponto o esporte profissional, muitas vezes com seu ar de vitória a qualquer preço, é fonte de valor moral.  Mas o esporte em si, em estado bruto é inquestionável. Nobre. E acima de tudo sedutor.  

Estou convencido, por tudo que tenho visto à minha volta - e não é de hoje - que ao final de cada edição um sem número de pessoas acaba se entregando ao esporte, seja de maneira profissional, ou não. Como estou convencido de que boa parte desse contingente é de crianças. E isso não tem preço.  E já que o futebol está aí, partilho com vocês também uma impressão sobre o mundo da bola.  Olhando a tabela passo a  achar que aos poucos vem se estabelecendo nesse universo uma nova ordem. Ver entre os dez primeiros colocados times como Fortaleza, Bragantino, Ceará, entre outros, não deixa de ser um prova de que as coisas mudam.  

Não duvido do que podem times como Flamengo e Corinthians que no final de semana fizeram um dos clássicos mais comentados da rodada. Mas aos poucos uma nova maneira de gerir o futebol vai se mostrando.  Ter o Bragantino como exemplo já virou até  meio clichê, mas não dá pra não aceitar que há ali algo que realmente o diferencia dos demais.  Nem que isso se resuma a ser visto de maneira distinta, o que não deixa de ser um feito, uma realização. Que o Flamengo tenha se tornado o que se tornou não deve espantar. Sendo um pouco mais exigente seria possível afirmar que tinha essa obrigação pelo que representa e fatura. 

O contraponto é justamente um time como o Corinthians se mostrar tão fragilizado, sem recursos pra reagir. E não tô falando do que se dá em campo, porque em matéria de futebol viver altos e baixos será sempre do jogo. Os ditos grandes, que pensam pequeno desde sempre que se cuidem. Há, pelo visto, outros caminhos ficando cada vez mais claros e que prometem desafiar a incompetência que reina nesse universo brasileiro da bola. Ainda que essa visão intimista traia aquele desejo bem intencionado de que o nosso velho futiba volte a desabrochar. E, por falar no tema, devo dizer que se tem uma coisa que chamou a atenção foi essa liderança do Palmeiras. A quem a nem tão velada rivalidade com o Flamengo tem feito um bem danado. E vamos em frente que ainda tem um tantinho de Olimpíada pra nos distrair.