quinta-feira, 28 de setembro de 2023

O ocaso do Migué



Devo ser mesmo um romântico em matéria de futebol. Digo isso porque um dos mais acalorados papos sobre futebol que travei nos últimos dias versava sobre o que pode um time de futebol além do planejamento. Cornetava o Flamengo que na primeira partida da decisão da Copa do Brasil mal conseguiu fazer cocegas no São Paulo. Meu interlocutor defendia com unhas e dentes a tese de que essa falta de combatividade tinha sido fruto da disposição tática dos jogadores em campo, enfim, da maneira que o treinador tinha decidido armar o time. Não que eu inocentasse o técnico mas tinha pra mim que naquilo tudo havia uma questão individual. Uma falta de disposição para, uma vez naufragado o esquema, tentar buscar uma maneira alternativa de equilibrar o jogo. O que de uma maneira rasa seria apostar um pouco no bom e velho resolver na raça. 

Não ignoro as imensas dificuldades que costumam brotar de escolhas táticas que não vingam. O que estava querendo defender é que para além do quatro quatro dois - ou algo que o valha - existirá sempre a questão anímica. Para ser mais direto, sem ânimo sempre foi difícil chegar a algum lugar. Imagine então quando se trata desse futebol físico dos dias de hoje. Essa filosofada a respeito me fez pensar também que um treinador sensível, diante de um quadro desses, poderia muito bem, humildemente, optar por uma estratégia que tornasse o time menos exposto, e em última instância exigisse uma dose menor de atitude. Não consigo entender que durante noventa minutos um time não seja capaz, minimamente, de morder um pouco o adversário. Se é que me entendem. 

 Quando alguém toma conta de uma partida a coisa complica. É fato. Mas quero crer que uma boa leitura de jogo, um bom tempo de bola aqui e ali irão permitir umas beliscadas no adversário. E não estou falando em com isso chegar a um jogo igual. E é óbvio que para ter algum efeito esse tipo de reação não pode partir de um único jogador. Embora toda contribuição seja bem vinda e possa dar algum fruto. Agora, se quem está em campo não quer jogar é outra história. Só fico me perguntando se quem acompanha o futebol pelas entranhas, os analistas de desempenho, munidos de todo o aparato digital que têm à disposição não enxergam os abismos que toda a falta de ânimo pode provocar. Foi-se o tempo em que os espertos podiam dar o popular migué. Podiam ficar nessa de ser chinelinho. Os mapas de calor estão aí pra desmascarar aqueles que em campo podem se fazer uma fria para os ditos companheiros. 

E pelo que li esta semana a FIFA acaba de aprovar a chuteira inteligente. É, meus amigos, o avanço tecnológico é como a burrice, não tem limites. Esse novo aparato, pasmem, servirá para medir o desempenho dos membros inferiores. Olha que perigo! O invento servirá, por exemplo, para analisar tempo de bola, velocidade do chute, distância percorrida, aceleração e até analisar as mudanças de direção. Não pensem por isso que esse mundo favorece mesmo a informação. Hoje em dia os clubes se negam até mesmo a fornecer a lista de relacionados para um jogo. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é  outra coisa. Mas, voltando a questão do ânimo, da disposição, é bom que os malandros de bola fiquem espertos porque do jeito que a coisa vai irão de ter de correr nem que seja pra dar um migué nas máquinas.  

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

O valente Sampaoli



Para além das grandes questões que cercam o futebol não há como não se render a um bom personagem. O que não quer dizer que um personagem dito bom venha a ser um sujeito gente fina. A sedução de um personagem se dá de forma mais complexa do que isso. O que me leva a crer que mesmo o futebol com todo seu apelo e encanto seria menor na ausência deles. Não colocaria, no entanto, Jorge Sampaoli na galeria dos grandes personagens. Mas há nele um traço que me desperta interesse. É um personagem intrigante. Ainda não tenho claro se é  um treinador  acima da média, ou alguém que se colocou nesse universo com certa pompa depois de ter sido exímio em extrair todos os dividendos de momentos como a conquista da Copa América com a seleção chilena quase uma década atrás. 

E por transitar nesse mundo em que os resultados servem como uma espécie de maquiagem fantástica imagino que a essa altura os santistas o tenham em melhor conta do que os flamenguistas.  Não é pra menos. O que Sampaoli fez à frente do time santista é algo difícil de esquecer. E imagino que muitos dos que não nutrem simpatia por ele ao lembrar disso evitam ser cruéis a ponto de dizer que se trata de uma farsa. O que não é o caso, longe disso. Mas talvez também não seja o caso de tratá-lo como um extra classe, termo sisudo muito usado por boleiros.  Meu olhar de torcedor - no início um pouco levado pelo bom astral de momentos como aquele em que Sampaoli chamou pra ver um treino do time santista alguns meninos que acompanhavam tudo de cima de uma árvore - aos poucos foi descobrindo nele um certo ar fechado, de valentia. 

Para a formação dessa imagem contribuíram imensamente os relatos de que ele queria mesmo é saber da comissão dele, evitando outros profissionais. Alguns com lugar de honra na história do clube. Mas o que soava como exagero acabou corroborado pelos acontecimentos envolvendo a comissão dele no Flamengo. Agora mesmo antes de começar a escrever estas linhas tinha dado de cara com manchetes nada abonadoras. Pudera. Às vésperas de decidir a Copa do Brasil levou a campo um time pródigo de invenciones que unidas ao placar de três a zero a favor do adversário se fizeram de difícil defesa. E insisitiu nelas na hora de passar a decidir o título. Também tinha lido a declaração de Suso, jogador do Sevilla, da Espanha, que apontou Sampaoli simplesmente como o pior treinador que já teve. Não sei se é crível, mas depois de tantas páginas vividas no futebol brasileiro, somos levados a supor que o chileno Vidal e o atacante Marinho pensam na mesma linha. 

Desde que chegou ao Brasil Sampaoli fez com que a imprensa tomasse ciência de que não dava entrevistas exclusivas. Protocolo que mais tarde viria a quebrar, para atender interesses que eram só dele.  Sobre a valentia, um dia me contaram - e isso claro pode ser apenas intriga de um desafeto - que certa vez foi visto desviando a rota de uma caminhada que fazia na praia de Santos ao perceber que ela desaguaria na mesma que vinha traçando o lendário Serginho Chulapa.  Adoro personagens e adoro lendas. Se é um treinador de primeira classe sigo sem saber. Mais fácil tem sido constatar que quer mesmo é se cercar dos seus. Coisa que se segue sendo levada adiante é porque quem o contrata não tem a valentia de encarar valentes nem mesmo quando os está pagando. E assim vão se formando personagens não exatamente grandes, mas intrigantes.

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

O jogo político



Na maior parte do tempo procuro ser polido. Mesmo quando tomado de indignação. É uma fração dos meus princípios que nem sempre fazem sentido. Ou melhor, parecem fazer cada vez menos. Acompanhar nos últimos dias a fritura que desembocou na retirada  de Ana Moser do Ministério do Esporte foi de doer. Faz algumas décadas que ando perto demais do esporte para não ter convicção de que ele é muito mais do que esse circo do qual faço parte. O esporte é muito mais do que as cifras que fazem muitos dos nossos semelhantes se sentirem deuses ou acharem que podem tudo. O esporte é muito mais do que toda a vaidade que pode se esconder atrás de marcas e medalhas e minha vivência me sugere que Ana Moser sabe muito bem disso. O esporte é sinônimo de saúde, de educação, de inclusão. E se for para ir mais fundo diria que é um grande instrumento para que as pessoas se conheçam melhor. É difícil tendo vivido no meio desse universo imaginar figura mais legítima do que Ana Moser para extrair do esporte tudo o que ele pode dar. 

Ela, que lembro bem, mal tinha parado de jogar e  já tinha implantado bem no seio de uma das maiores comunidades de São Paulo um projeto esportivo de cunho social. Isso quando  projetos do tipo eram raros. Por isso não me espantei quando dias antes de passar a testemunhar toda essa fritura deixei escapar um sorriso sincero e de satisfação ao dar de cara com a notícia de que ela estava, junto com o SESI, inaugurando um grande plano envolvendo o futebol feminino. Plano que irá criar vários núcleos pelo país dando a oportunidade de que o esporte passe a fazer parte da vida de muitas crianças e adolescentes. E se sorri , e estou certo de que sorri, foi por trazer comigo a certeza de que é esse o caminho. 

Certeza que vi ainda mais robusta em mim quando há cerca de um mês, depois de me inscrever para nadar num espaço público de São Paulo, me deparei às sete horas da manhã com uma fila imensa. Uma fila de interessados em ocupar algumas poucas vagas que estavam sendo disponibilizadas no Centro Desportivo Baby Barioni. O nome é uma homenagem ao criador dos Jogos Abertos do Interior e pioneiro do basquete paulista. Um centro de muita tradição mas que esteve fechado desde 2014 e acabou entregue depois de quase uma década, em dezembro passado. Naquela manhã, naquela fila, me peguei dividido entre a tristeza e a alegria. O tratamento dispensado aos candidatos esteve longe de ser adequado, o que redundou em frustração para a maioria absoluta dos que resistiram por mais de duas horas. Muitos nem ficaram. Desistiram ao se deparar com o tamanho dela. E se digo que também experimentei alguma alegria foi por perceber de algum modo que o que era em mim teoria fazia sentido. Aquela pequena multidão disposta a nadar, a praticar exercícios. Gente de todas as idades. Uma situação que escancarou também a falta de espaços desse tipo. 

Fico imaginando o impacto que isso poderia ter nos índices que medem a saúde da população.  De minha parte gostaria de estar ali pela atmosfera do lugar, por sua história. Ao contrário de muitos poderia pagar uma academia. E o que vi ali sei que Ana Moser viu muito antes de mim. Uma pasta dessa importância feita moeda de troca. Não por acaso a cerimônia de posse do novo Ministro foi feita ontem a portas fechadas. E ninguém se envergonha. Ninguém se levanta. Os espertos de sempre se justificam dizendo sem corar que é do jogo. E a gente feito gado, nós, a nação, os filhos dela, que poderiam crescer mais saudáveis, mais educados, vão levando outra bola nas costas.   


Foto: Ricardo Stuckert

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

O desafio de jogar fora de casa



É bem capaz de o nobre leitor, que quando moleque andou aprontando das suas com a bola no pé, lembre com riqueza de detalhes o que era jogar na casa do adversário. Na minha época quase sempre isso significava encarar a molecada da rua de trás, ou algum outro time formado nas redondezas e que não tivesse entre os seus a patota que costumava formar quase todo dia no prédio ou na praia pra uma pelada. Era coisa simples mas que dava ao jogo de bola um ar diferente. Coisa que a molecada resumia em "jogar um contra". O termo é interessante porque deixa transparecer que os amigos  de todo dia não se enquadravam exatamente na condição de adversários mesmo que estivessem do outro lado. Ninguém dizia que ia jogar um contra se do outro lado estivessem os colegas de rotina. 

Em outras palavras, quando se tratava de um contra a coisa pesava. Entrava no caldeirão do jogo de bola, a honra, a possibilidade de entradas desleais. A intimidação pode não ser bonita como um drible mas em campo costuma ser recurso muito eficaz. Digo tudo isso para fazê-los atentar para o fato de que jogar fora é um desafio mesmo para profissionais. Talvez o viés que mais aproxime o futebol celebridade do futebol descompromissado da infância. Os são paulinos já tiveram muitas chances pra notar a dificuldade da coisa. O tricolor paulista até agora não sabe o que é ganhar fora de casa neste Brasileirão. Nem quando Dorival Júnior chegou com todo o gás conseguiu fazer o time dele protagonizar tal façanha. 

E dizer façanha não é exagero. Vejam. Das vinte e duas rodadas disputadas até agora o mais normal tem sido que os visitantes triunfem em dois de cada dez jogos. Vinte por cento. É muito pouco. Em uma única rodada esse índice alcançou a metade das partidas. Foi na décima primeira. E notem. Das cinco vitórias fora quatro se deram pelo placar mínimo. A exceção foi o Corinthians que conseguiu fazer dois gols no Santos. Entre essas vitórias pelo placar mínimo está uma do Botafogo. Analisar esse tipo de dado dá pista sobre o que tem feito o líder do Brasileirão andar muito na frente. O Botafogo ostenta no cartel cinco vitórias longe de casa. O Palmeiras tem três. Mas o Flamengo mesmo com toda a ebulição que se vê pros lados da Gávea acaba de chegar a cinco também. 

Entre todas as rodadas a única em que nenhum visitante conseguiu vencer foi a penúltima. Talvez a necessidade de pontos que vai alimentando a esperança de salvação de uns e os sonhos de outros vá tornando jogar em domínios adversários mais complicado ainda. Destaquei o percentual que mais vezes se repetiu ao longo do torneio, mas devo dizer que em seis oportunidades o número de triunfos fora chegou a três. O que pela ótica matemática, com alguma licença poética, pode significar um empate técnico com a porcentagem que mais se deu. A dos tais vinte por cento. Uma outra maneira de ver os números sugere que a porcentagem anda mesmo por aí, já que dos duzentos e dezessete jogos disputados até aqui cinquenta tiveram vitórias de visitantes.  Ou pouco mais de vinte três por cento. Três jogos ainda estão pra ser jogados. E já que me entreguei a esse devaneio matemático aproveito para lembrá-los  que se uma única vez esse coeficiente chegou a cinco, apenas duas esteve em quatro. A conclusão fica por conta de vocês. De nada tenho certeza, só de que jogar "um contra" era bom demais e dava ao jogo outra dimensão. 

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Torcer tem seu preço



Há uma coisa que se sobressai sobre todas as outras em matéria de futebol nesta temporada: o Botafogo. O time carioca com sua campanha de arrepiar tem desafiado os descrentes. O que andou fazendo até aqui deveria servir para que os adversários em campo e nas arquibancadas o respeitassem, mas sabemos todos que o jogo de bola é de uma crueldade tremenda. Se deixar escapar o título será lembrado pra sempre por isso. O primeiro turno quase irretocável de nada servirá. Só os mais apurados historiadores do futuro talvez venham a lhe fazer justiça. Contribuições, como disse, são muitas. Os gols de Tiquinho Soares... O magnetismo exercido sobre a torcida, que aos poucos foi se traduzindo num estádio botafoguense cada vez mais pulsante. 

O Botafogo este ano instituiu a classificação por comparação. A cada rodada mais do que comentar se ele venceu ou não, o que tem sido feito é olhar para os que estão na tabela abaixo dele e ver se conseguiram se aproximar. Durante muitas rodadas o resultado destas contas tem sido a constatação da incompetência por parte dos perseguidores. É preciso que se diga também que não menos surpreendente foi constatar que mesmo a saída de Luís  Castro do comando técnico do time não teve maiores consequências. Algo que muitos davam como certo, como davam também que a liderança do Bota não iria durar. Alguns podem disso concluir que, como se costuma dizer, técnico não ganha jogo. Bruno Lage, o atual comandante, terá não só de ganhar alguns mas administrar essa desconfiança que se traduz em terrível pressão. 

No jogo de ida contra o Defensa y Justicia pela Sul-Americana foi possível notar certo conflito entre Lage e a torcida que fez questão de mostrar seu descontentamento com certas escolhas do treinador. Mas aí veio o jogo contra o Bahia e tudo arrefeceu. Por falar em escolhas, vale destacar a temporada que vem fazendo o goleiro Lucas Perri, no torneio continental trocado por Gatito Fernándes. Na minha modesta opinião Gatito está longe de ser um arqueiro qualquer, mas vendo o que tenho visto estou convencido de que neste momento Perri está operando milagres. Em outras palavras, não discuto o uso de um time reserva... mas o goleiro talvez. Enfim, não sabemos o que será desse Botafogo, mas seja qual for o desenlace que o Brasileirão nos reserve - talvez fosse o caso de escrever lhe reserve -  a contribuição do time da estrela solitária é enorme. Tão grande que sejam quais forem os resultados a graça da coisa ainda seguirá sendo obra dele, o time a ser batido. 

Aos botafoguenses sugiro não ficar digerindo rancores. Não entrar nessa de pegar no pé do treinador. Brilhar além fronteiras teria sido bom, sonhar com títulos continentais. A Copa Sul-Americana agora é passado.  Não deixar escapar esse Brasileirão será muito maior. E se o poderio de ataque dá a impressão de já ter sido melhor, a defesa segue com números respeitáveis. E Diego Costa aí está. Além do mais, Tiquinho tá voltando. Imaginem o tamanho da onda que os botafoguenses  não poderão tirar de todo mundo. Já que o triunfo no Brasileirão será , de certa forma, o triunfo sobre a toda a secação que ao longo de trinta e oito rodadas terá sido exercida pelos interessados em uma possível derrocada. E digo mais, tenho um amigo botafoguense e não pensem que ele não está sofrendo. Torcer tem seu preço.