quinta-feira, 19 de outubro de 2023

O homem por trás do jogo



Nunca vou esquecer o que me falou certa vez o amigo Xico Sá sobre a maneira pra lá de original que ele sempre teve de encarar o futebol. Disse ele no fundo de uma madrugada: Vladir, o que interessa é o homem por trás do jogo. Definição tão precisa que já recorri a ela várias vezes no afã de tentar explicar em que ponto tento colocar o meu olhar também boa parte das vezes em que o ofício me exige decifrar o jogo. Mas interessante é notar como este viés costuma passar longe do mundo da bola. Ao longo da carreira conheci profissionais no futebol que se mostraram muito humanos, mas que se mostraram preocupados com o homem, muito poucos. Cilinho foi um desses. Ficou até famoso por isso. Como alguém preocupado com o desenvolvimento intelectual dos jogadores que comandava. Tinha notadamente o olhar bem pra lá das quatro linhas. Perfil que o fez entrar para a história com esse rótulo. Exibia também vocação para a boêmia. Mas isso é detalhe. 

Foi um dos melhores em seu tempo. Foi dele a criação do time do São Paulo que acabaria reconhecido como os "Menudos do Morumbi", menção a uma jovem banda porto riquenha que fazia muito sucesso na época. Outro nessa rara linha é Fernando Diniz, sobre quem muito tem sido dito. Dias atrás mesmo, quando o time dele garantiu a classificação para a final da Libertadores batendo o Internacional de virada, dei de cara com uma matéria que enaltecia todo o cuidado que o treinador tinha dispensado ao jovem John Kennedy, um dos personagens centrais da histórica vitória no Beira Rio. Diniz, visivelmente emocionado falou sobre o camisa nove. E a matéria resgatava ainda uma bonita frase dele dita no ano passado quando Kennedy andava às voltas com problemas extra-campo. Preciso acolher a pessoa como um todo não só o jogador, afirmou então.

Também é interessante notar que tanto em um caso quanto no outro há certa afinidade. Em uma rápida pesquisa sobre Cilinho, vejam só, acabei me deparando com uma manchete que o definia como um "formador de homens". E não pensem que a coisa para por aí. A maneira de encarar o futebol também guarda semelhanças. Cilinho fazia questão de dizer que tinha compromisso com o futebol ofensivo. E se o time dos Menudos entrou para a história pela conquista de um título paulista entrou também pela forma como jogava. Cilinho, o homem que dava livros aos seus jogadores, gostava de dizer também que gostava de dar a eles liberdade. A impressão que tenho é que o pragmatismo de Diniz o impede de ser, digamos, liberal como Cilinho. 

Mas nos dois casos foi preciso que o caminho deles cruzasse com cartolas dispostos a lhes dar amparo. Sabemos todos, vimos nos últimos dias, que esse modo de pensar o jogo muitas vezes não acaba em vitórias. Outra diferença entre os dois é o fato de Diniz ter chegado ao comando da Seleção Brasileira e Cilinho não. Embora tenha estado quase lá. Dizem que foram oito encontros entre ele e a cúpula da CBF. Queriam testá-lo num Pré-Olímpico. Ele não aceitou. Tinha outras exigências, queria cuidar do trabalho de base. A coisa miou. Diniz, pelo visto não fez tantas exigências e paga neste momento preço altíssimo por ter topado comandar a Seleção. Enfim, duas histórias que dão amparo a essa filosofia boleiro-humanista, ao mostrar que não é só do lado de fora das quatro linhas que existe quem considere o homem por trás do jogo uma grande questão.    

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