terça-feira, 25 de julho de 2017

Um mito no gol

Foto: Rubens Chiri

O goleiro parece ocupar no futebol a mais singular das posições. A meta traz embutida no desafio de defende-la algo de único, que não está apenas no fato de quem aceita tal condição poder, ao contrário de todos os outros que estão ali, usar as mãos. E como se não bastasse o nível de regularidade absurdo que costuma se exigir deles o tempo ainda tratou de tornar a missão ainda mais desafiadora, porque como se sabe foi-se o tempo em que se exigia dos arqueiros habilidade apenas pra jogar com as mãos. E reza a lenda  que o gol costuma ser o destino dos que não têm talento suficiente para tratar a bola com os pés. Não era o caso de Waldir Peres, mítico goleiro do São Paulo, falecido no último domingo. 

Para os mais jovens a melhor maneira de explicar de quem se tratava é recorrer à definição dada pelo amigo e jornalista Celso Unzelte: Waldir Peres foi o Rogério Ceni da época dele. E se não fosse o Rogério até hoje seria o jogador que mais vezes vestiu a camisa do tricolor paulista. Foi com Waldir Peres misturando sua técnica apurada com uma dose generosa de malandragem que o São Paulo conquistou o Campeonato Brasileiro de 1977. E isso quando o time do Morumbi não tinha em sua galeria nenhum título de âmbito nacional. Nem Robertão, nem Rio-São Paulo, nada. Aos interessados em maiores detalhes sugiro recorrer à internet. Irão dar de cara com um retrato fiel do futebol brasileiro praticado nos anos 70. 

Waldir Peres esteve em três Copas do Mundo. Na de 1982 não foi perfeito no jogo de estreia, mas seguro e maduro que estava não deixou que um erro - insistentemente lembrado até hoje  - compromete-se seu futebol. Carrego comigo a impressão de que ele trazia nos olhos o desconforto dos homens que se sabem, de certa forma, injustiçados. E não seria sem razão. Para um goleiro de tamanha envergadura aquele detalhe do jogo contra a União Soviética merecia ter sido relevado, mesmo por aqueles que não o consideravam o melhor. 

No nosso último encontro recordo que lhe perguntaram porque sorria depois de levar um gol. E Waldir respondeu que não faria sentido chorar. O que me faz levar em conta que, talvez, o desconforto que citei aqui não passe de um engano. E não pense vocês também que ele acabou no gol por outra razão que não fosse talento. Digo isso, porque naquele dia, Rivellino, abusando da intimidade, depois de dizer que o Babão era terrível, um grande goleiro, afirmou que no dois toques Waldir era gênio, tinha facilidade pra jogar na linha. E eu, de minha parte, se escrevo estas linhas é porque quando era moleque adorava jogar no gol. E quando calhava de fazer uma grande defesa não perdia a chance de gritar bem alto: Waldir Peres!   

quarta-feira, 19 de julho de 2017

O enredo do Brasileirão


A arrancada do Corinthians nas primeiras rodadas do Brasileirão deixou no ar a possibilidade de o campeonato perder a graça. Não há dúvidas de que um desfecho relâmpago na corrida pelo título esfriaria tudo. Mas prefiro pensar, por hora, que apressado se faz tirar qualquer conclusão do que temos visto. Esse início maluco, desconfio, é apenas o futebol zombando - mais uma vez - da nossa pretensa e equivocada capacidade de prever o que ele nos reserva. Os corintianos nunca estiveram tão orgulhosos de serem tidos tempos atrás como a "quarta força". 

Por outro lado temos nisso um começo de Brasileirão surpreendente. E pra mim é essa uma das virtudes mais nobres desse jogo de bola. Assim, de repente, o Corinthians se revelou o time a ser batido. Um time com a fina capacidade de tirar máximo proveito do conjunto, um time comandado por um treinador que está longe de ser tido estrela. E esses detalhes devem ser levados em conta diante da realidade que temos vivido. Tenho a nítida sensação que a matemática, que tem tornado clara a diferença que separa o Corinthians dos outros, fará também multiplicar a pressão a cada nova rodada. Isso sem falar na secação dos adversários que a esta hora já anda elevada à décima potência. 


Por falar na nobre arte de secar vale aqui fazer alguma reflexão sobre a realidade vivida pelo time do São Paulo. De alguma forma parece existir aí uma prova do quanto os interessados em futebol resistem em concebê-lo como um jogo de alma impiedosa e imprevisível. Nesse sentido, desde que virar a mesa não se fez mais possível, temos visto de tudo. Times que tinham elenco pra não cair, mas caíram. Times que pareciam que jamais iriam cair, mas caíram. E ainda assim sinto pairar no ar certo desdém com relação a essa possibilidade quando se fala do São Paulo. Sou capaz de entender onde se amparam as opiniões, mas acho prudente levar a possibilidade em conta, até para que as atitudes para tirar o time desse limbo em que se encontra sejam mais contundentes. É isso que o momento pede. 

O passado dos pontos corridos tem deixado claro que o calvário do descenso, via de regra, não tem se dado somente pela falta de um time competitivo mas principalmente por uma combinação de fatores que juntos levam ao abismo da degola. E fatores pra formar este caldo não faltam à história recente do time do Morumbi. Corinthians e São Paulo, cuja rivalidade nos últimos anos foi às alturas, provam neste momento que o Brasileirão que andamos testemunhando pode não ser uma maravilha mas tá longe de ter até aqui um enredo banal.                    

terça-feira, 18 de julho de 2017

Brasil ...o país dos impunes!


Na Espanha, Sandro Rosell, ex-presidente do Barcelona está na cadeia. E o presidente da Federação Espanhola, Angel Maria Villar, foi preso na manhã de hoje. A história dele não soaria estranha aos nossos ouvidos. Em maio foi reeleito pela oitava vez, sem ter tido de lidar com oposição alguma.
Villar foi acusado dos crimes de administração desleal, apropriação indébita, corrupção, falsificação de documentos, entre outros, todos relacionados à organização de partidas internacionais.


Enquanto isso, no Brasil...


quinta-feira, 13 de julho de 2017

Futebol: uma perspectiva histórica














Traçar um panorama histórico do futebol é algo ambicioso. Mas vou correr o risco, assim driblo também a indignação de ter visto tudo que aconteceu no clássico entre Vasco e Flamengo. A teoria que alimento está baseada em sintomas à primeira vista simples, como o desencanto cada vez mais  perceptível nos papos sobre o jogo de bola. Os mais velhos talvez digam que esse ranço sempre existiu. Mas aí eu volto no tempo e recordo o papel que o futebol teve na minha formação, recordo o lugar que o jogo ocupava no coração da meninada. Os da minha geração tiveram o jogo de bola como um grande catalisador, como algo que nos dava uma certa unidade. 

Certamente não foi por acaso que em determinado momento no nosso país verdadeiras multidões tenham tomado o rumo dos estádios que vira e mexe eram vistos pulsando ao ritmo de mais de cem mil corações. Hoje em dia se disseca o futebol, mas nada como mirá-lo sob a perspectiva do tempo para entender o que estamos passando. Visto pelo viés histórico o futebol em nós é um sopro. Com esse jeitão supostamente organizado teria pouco mais de cento e vinte anos. E se levarmos em conta a origem nobre - o que o impedia de ser de todos - e que demorou mais de duas décadas para que pudesse ser praticado por negros e se espalhasse pelas várzeas essa trajetória se encurta ainda mais.

Por essas e outras acredito que o que estamos vivendo hoje em dia é uma espécie de ocaso do futebol como grande expressão de nossa cultura. E não me espanta que seja assim tendo em vista como foi e é tratado ao longo do tempo. O apogeu possivelmente tenha se dado nos anos 70 o que explicaria o surgimento de uma seleção como a que tivemos na primeira Copa do México. O que explica também a insatisfação geral dos que são da geração que antecedeu a minha. Quem viu o futebol em todo o seu esplendor não tem como se contentar com o que está aí. Isso me parece claro. De lá pra cá o corpo lúdico do futebol foi tomado pelo futebol de resultado, pelas Arenas e pelos programas de sócios-torcedores com suas vocações elitistas, aterrorizado pelas torcidas organizadas, cuja violência é fenômeno nascido nos anos 90. 

Não acho por isso que o futebol vai acabar. Seguirá movimentando cifras cada vez  maiores, produzindo celebridades, nos divertindo na medida do possível. Mas jamais voltará a ser o que foi, até porque nosso país e os homens também já não são como foram um dia.  

terça-feira, 11 de julho de 2017

O futebol... esse nosso espelho


"Em 2014 e 2015, apenas 3% de todos os crimes cometidos no futebol, dentro e fora dos estádios, foram levados até as últimas consequências. No mesmo período, apenas 5% dos crimes em geral foram punidos até as últimas consequências. No trânsito, apenas 8% dos delitos foram levados até as últimas consequências. E nas lutas históricas, seculares, da posse da terra entre lavradores e latifundiários, somente 3% dos crimes foram apurados até o fim. Falamos do futebol, mas na realidade estamos falando da impunidade brasileira"


As palavras são do sociólogo, Mauricio Murad, que estuda a violência no futebol há 26 anos.

Uma... de um craque !

Nascer no Cairo, ser fêmea de cupim – 

Crônica de Rubem Braga


Conhece o vocábulo escardinchar? Qual o feminino de cupim? Qual o antônimo de póstumo? Como se chama o natural do Cairo?
O leitor que responder “não sei” a todas estas perguntas não passará provavelmente em nenhuma prova de Português de nenhum concurso oficial. Alias, se isso pode servir de algum consolo à sua ignorância, receberá um abraço de felicitações deste modesto cronista, seu semelhante e seu irmão.
Porque a verdade é que eu também não sei. Você dirá, meu caro professor de Português, que eu não deveria confessar isso; que é uma vergonha para mim, que vivo de escrever, não conhecer o meu instrumento de trabalho, que é a língua.
Concordo. Confesso que escrevo de palpite, como outras pessoas tocam piano de ouvido. De vez em quando um leitor culto se irrita comigo e me manda um recorte de crônica anotado, apontando erros de Português. Um deles chegou a me passar um telegrama, felicitando-me porque não encontrara, na minha crônica daquele dia, um só erro de Português; acrescentava que eu produzira uma “página de bom vernáculo, exemplar”. Tive vontade de responder: “Mera coincidência” — mas não o fiz para não entristecer o homem.
Espero que uma velhice tranqüila – no hospital ou na cadeia, com seus longos ócios — me permita um dia estudar com toda calma a nossa língua, e me penitenciar dos abusos que tenho praticado contra a sua pulcritude. (Sabem qual o superlativo de pulcro? Isto eu sei por acaso: pulquérrimo! Mas não é desanimador saber uma coisa dessas? Que me aconteceria se eu dissesse a uma bela dama: a senhora é pulquérrima? Eu poderia me queixar se o seu marido me descesse a mão?).
Alguém já me escreveu também — que eu sou um escoteiro ao contrário. “Cada dia você parece que tem de praticar a sua má ação — contra a língua”. Mas acho que isso é exagero.
Como também é exagero saber o que quer dizer escardinchar. Já estou mais perto dos cinqüenta que dos quarenta; vivo de meu trabalho quase sempre honrado, gozo de boa saúde e estou até gordo demais, pensando em meter um regime no organismo — e nunca soube o que fosse escardinchar. Espero que nunca, na minha vida, tenha escardinchado ninguém; se o fiz, mereço desculpas, pois nunca tive essa intenção.
Vários problemas e algumas mulheres já me tiraram o sono, mas não o feminino de cupim. Morrerei sem saber isso. E o pior é que não quero saber; nego-me terminantemente a saber, e, se o senhor é um desses cavalheiros que sabem qual é o feminino de cupim, tenha a bondade de não me cumprimentar.
Por que exigir essas coisas dos candidatos aos nossos cargos públicos? Por que fazer do estudo da língua portuguesa unia série de alçapões e adivinhas, como essas histórias que uma pessoa conta para “pegar” as outras? O habitante do Cairo pode ser cairense, cairei, caireta, cairota ou cairiri — e a única utilidade de saber qual a palavra certa será para decifrar um problema de palavras cruzadas. Vocês não acham que nossos funcionários públicos já gastam uma parte excessiva do expediente matando palavras cruzadas da “Última Hora” ou lendo o horóscopo e as histórias em quadrinhos de “O Globo?”.
No fundo o que esse tipo de gramático deseja é tornar a língua portuguesa odiosa; não alguma coisa através da qual as pessoas se entendam, ruas um instrumento de suplício e de opressão que ele, gramático, aplica sobre nós, os ignaros.
Mas a mim é que não me escardincham assim, sem mais nem menos: não sou fêmea de cupim nem antônimo do póstumo nenhum; e sou cachoeirense, de Cachoeiro, honradamente — de Cachoeiro de Itapemirim!
Rio, novembro, 1951
Texto extraído do livro “Ai de Ti, Copacabana”, Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1960, pág. 197.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

1982. A Copa que me pegou em cheio


No dia 05 de julho lá no prédio de três andares em que morávamos as brincadeiras, todas elas, cessaram mais ou menos meia hora antes do jogo entre Brasil e Itália.  A molecada andava numa alegria só.  O feitiço do futebol há tempos havia nos tomado. Mas até ali se materializava, ao menos pra mim, mais nas plásticas defesas do goleiro Manga, no astral dos "Meninos da Vila", no Flamengo do Zico. A Copa de 78 tinha ficado para trás e nossas cabeças frescas não tinham como entender tudo o que ela viria a significar, tudo que ela escondia. A de 82, não! Tinha ares de sonho. Uma espécie de ponte que nos dava a chance de flertar com o motivo que tinha levado a geração dos nossos pais, tios, a falar das seleções anteriores, em especial a de 70, como quem conta uma história de realismo fantástico.

Um tempo em que eu jamais poderia imaginar que um dia a vida me daria a chance de tomar umas e outras com o Dr Sócrates. Eta vida louca! Que falta você faz nesse mundão maltratado, meu velho. E foi bem nessa época que alguém me disse que a melhor imagem daquela derrota tinha sido imaginada pelo escritor Joca Terron. Ele afirmava que começou a assistir ao jogo menino e quando a partida terminou era um homem de barba, maduro. Acho que foi o Xico Sá que contou essa. Quando ouvi achei perfeito, porque lembro bem que, ainda que tenha demorado um pouco, terminada a partida, consumada tão retumbante derrota, voltamos todos às brincadeiras. Mas havia no ar uma sensação que deixava tudo meio turvo e que eu não sabia interpretar. A vida se encarregaria de me mostrar que aquilo era o que se sente toda vez que a vida nos rouba uma alegria ou te tira alguma coisa que você quer muito.

Por falar em imagem. A que ficou mais forte em minha memória, e hoje eu sei que na de muita gente, foi a de Paulo Roberto Falcão, depois de marcar o gol de empate no segundo tempo. Empate que teria permitido a sequência daquele sonho, fosse qual fosse o fim. É a imagem que está aí em cima em plano aberto. Mas na transmissão, lembro bem, era um super close que dava às veias estufadas de Falcão o poder do mais absurdo dos gritos. E o cinegrafista, que gostaria muito de ter como creditar, respeitoso e imbuído por aquela emoção toda foi acompanhando a corrida dele histérica pelo gramado, cravando o momento pra sempre nas nossas cabeças. O Dr Sócrates, vira e mexe, insistia na tese de que a derrota, no final das contas, fez de alguma forma aquela seleção maior. Não é teoria fácil de aceitar, mas o Magrão tampouco era homem chegado a abraçar teorias simples. É possível. A única certeza que tenho é que eu tinha quinze anos e que aquela Copa me pegou em cheio, como nenhuma outra até hoje foi capaz de fazer. Ê Doutor ! Olha eu aqui na tua onda... desdenhando dos títulos.             

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Rogério Ceni: o preço da aposta

Rubens Chiri/São Paulo

Por mais que a imprensa, às vezes, possa se equivocar a respeito de alguns assuntos sou levado a crer que ela foi muito bem ao interpretar o que significava a chegada de Rogério Ceni ao comando do time do São Paulo. Exageros de avaliação à parte o que se ouviu foi um coro afirmando que aceitar a missão assim de primeira, sem ter passado algum tempo trabalhando em categorias menores não era o ideal. Aliás, está aí também a prova de que a trajetória dele como jogador desde o início lhe propiciou um respaldo sem igual. Poucos são os que se veriam nessa condição sem receber como resposta um imenso descrédito. Mas tendo visto o que Rogério foi capaz de fazer como goleiro mais sensato foi não duvidar. 

De sua chegada ao comando até ontem Rogério encontrou todo o respaldo que imaginava que teria. E protegido por esse respaldo conseguiu a façanha de emendar uma sequência de eliminações que talvez não deixasse em pé nem mesmo treinadores com uma Copa do Mundo no currículo. Do time com jeitão promissor que levou à campo no início do ano já não havia nem sinal. Rogério pode até dizer que não esperava viver tudo o que viveu, mas a probabilidade de tudo se dar como se deu era grande, e se ele não percebeu não foi por falta de aviso. Rogério tinha dito outro dia, categoricamente, que não desistiria do trabalho que empreendia. Um tipo de declaração que soaria mais valente se dada com o campeonato terminando. 


O futebol proposto por ele não vingou, mas foram nas declarações dadas pelo agora ex-treinador depois de cada revés que o descaminho se fez evidente. Quanto mais a situação complicava mais seu discurso parecia se apartar da realidade. E não podia existir sintoma pior. Rogério Ceni em sua passagem pelo comando do time tricolor criou uma espécie de elegia das derrotas. Ainda tenha sido com a boa intenção de enaltecer o que por ventura estivesse dando certo. Mas a estratégia acabou dando um motivo a mais para a torcida repensar o apoio ao eterno ídolo. 

Na derrota para o Flamengo a situação atingiu o ápice. Dizer que o árbitro tinha inventado uma falta, que a barreira do time dele estava a dez metros da bola, e ver todos esses argumentos caírem por terra quando à noite os programas de esporte colocaram em campo os recursos da tecnologia, tornou tudo muito óbvio. A passagem de Rogério Ceni pelo comando do time pode vir a custar uma temporada. Talvez não seja descabido pagar esse preço em nome de uma história bonita como a construída por ele. Só não era o momento. Como parece ter ficado bem claro.