quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Tudo de bom...

Nunca fui um sujeito de ar superlativo na hora em que as crendices de final de ano quase nos convencem de que é possível aproveitar a onda e tascar no universo um sem fim de pedidos. Ao contrário, o momento costuma me levar a uma certa consciência da nossa pequenez. De modo que me contento, ou contentaria, em me ver contemplado por coisas que o dinheiro não compra e que acabam tendo seu valor ofuscado. Na maioria das vezes por cifras. Assim sendo, diante de tudo que tenho visto por aí na hora em que os fogos de artíficio começarem a encher o céu de brilho e fumaça, e depois de reverenciar coisas que considero indispensáveis, como saúde e paz, discretamente cruzarei os dedos e pedirei que as pessoas passem a pensar um pouco mais antes de sair por aí dizendo o que pensam. 

Uma dose de reflexão, ainda que mínima, nos livraria de ouvir cretinices imensas. Suponho, ao menos. Prezo muito a liberdade, portanto, jamais  teria a inocência de pedir ou ousaria rogar que as pessoas parassem de pensar asneiras. Mas um tantinho só de simancol já seria de grande utilidade, faria muita gente por aí guardar pra si parte das pérolas que andam lhe povoando as cabeças. Sem contar que dariam  ao mundo um mínimo verniz de civilidade. Muito embora, na minha opinião, no geral, a cada dia que passa nos considerar civilizados soe um tanto pretensioso.

E talvez seja o caso de esclarecer-lhes que este humor um tanto conflitante com o que sugere a época do ano foi inspirado na declaração grotesca dada pelo presidente do colombiano Deportes Tolima dias atrás, o digníssimo Sr Gabriel Camargo. O homem nem corou quando afirmou que o futebol feminino é um tremendo terreno fértil para o lesbianismo. Talvez fosse o caso de perguntar ao mandatário: e o futebol masculino, com o supra sumo de seus cartolas todos encrencados, seria terreno fértil para o que? Triste é saber ainda que a declaração foi dada na Colômbia que, com o Atlético Huila, acaba de conquistar a Libertadores Feminina. O time colombiano venceu o Santos na final. 
Lucas Figueiredo/CBF

Mas no fundo de todo esse descontentamento estava a obrigação imposta pela Conmebol de que a partir de 2019 todo time que dispute a Libertadores tenha também uma equipe feminina. As declarações, embora lamentáveis, talvez não tivessem mexido tanto comigo se o futebol feminino por aqui não tivesse atravessado mais um ano mostrando a velha fibra de sempre. Em matéria de ranking já vivemos dias melhores, não resta dúvida. Mas a campanha da nossa seleção feminina na Copa América deu gosto de ver. Um título conquistado de maneira invicta e com nossas meninas fazendo ao menos três gols em cada partida, inclusive na final contra a Colômbia, vencida por três a zero.  

Sei que as condições estão longe do ideal mas algo me diz que houve algum avanço. E essa imposição da Conmebol de alguma forma irá acelerar um pouco o processo. Graças ao suor das nossas jogadoras temos um lugar garantido na Olimpíada de Tokyo e na Copa do Mundo de Futebol Feminino que será realizada em junho na França e que será um dos grandes eventos esportivos do ano que está chegando.  Por essas e outras talvez seja o caso de mandar pra escanteio a imbecilidade de certos cartolas e deixar que a vibração do nosso time feminino dite o tom dos pedidos. Enfim, tudo de bom... pra quem faz por merecer.   

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Pontos de vista

 

Quando Raphael Veiga andava esquecido no Palmeiras um velho amigo de redação não cansava de encher a bola dele. Santista que é, não se conformava que o clube não tivesse olhos pra ele, que ninguém fosse lá conversar. Atravessou boa parte da temporada passada insistindo nisso e o tempo se encarregou de mostrar que estava coberto de razão. Adoro conversar com o figura, que é dono de um olhar treinado e que, acreditem, costuma fazer pouco dos medalhões, cuja capacidade conhece de cor e salteado. Dez minutos de papo e o sujeito fatalmente o faz  olhar - com outros olhos - pra uns três ou quatro jogadores que andam por aí sem serem notados. Em geral, garotos, distantes - ainda - da fama e que por isso mesmo o mundo da bola e a crônica costumam esnobar. O fato é que o futebol brasileiro descobriu, ou redescobriu Rapahel Veiga, com justiça, mas tal achado jamais será novidade pro meu amigo aqui. E o futebol está cheios de casos do tipo. 

Raro é ver um treinador com o moral do Sampaoli baixar na nossa área.  Se a intenção era causar furor deu certo. A mim chega a intrigar que uma administração contestada tenha se mostrado tão precisa na hora de escolher os nomes para comandar o time da Vila Belmiro.  Jair Ventura chegou quando era nome dos mais cobiçados. E por essa razão imagino que convencê-lo tenha sido também uma prova de bom uso  do que o  Santos representa. Mas que os envolvidos em tal louvor não pensem que se trata de algo que pode durar pra sempre. Depois veio o Cuca e, ainda que o time não tenha acabado na Libertadores, em algum momento, sob o comando dele, a torcida pôde se divertir achando que era possível - não provável - estragar a festa palmeirense. Enfim, pode-se falar o que quiser de Jorge Sampaoli. Pode-se até duvidar do atual momento que atravessa, mas que é um nome de respeito isso é. 

De resto, como dizem, o título de mais querido nunca coube tão bem ao Flamengo. O rubro-negro anda tão sedutor que Marinho não se aguentou e mandou algo no estilo me chama que eu vou. Vejam só. Seduzido também andou Felipe Melo. Sabe, intimidação sempre fez parte do universo esportivo. Mas de minha parte não tenho apreço por nada e ninguém que faça o futebol ficar meio parecido com rugby ou, em última instância, lhe empreste um certo clima de MMA. Gosto mesmo é de saber que um cara como Fernando Diniz  voltou a ter um time pra chamar de seu. Coisa que interpreto como aceite de ousadia, de topar  trilhar um caminho diferente. Mas a bola da vez é o atacante Pablo. 

Gostei da sinceridade dele ao dizer pra um repórter depois da conquista do título da Sul-Americana que precisava daquilo, tinha doze anos de clube. Expôs assim a veia pouco indulgente do futebol. Um cara que andou fazendo tudo o que ele fez não deveria ter essa dependência. Mas o jogo é cruel nesse sentido e ter consciência disso jamais irá fazer mal a qualquer boleiro.  Há coisas que custam a mudar. Está aí o Felipão com seu estilo e sua história pra provar, pra mostrar que antigas receitas continuam sendo de uma eficácia danada. Mas acho que não dá pra não reconhecer o valor de uma nova geração de treinadores que aos poucos vai entrando em cena. Seria brigar com a história. O pecado da ausência de resultados continuará não sendo perdoado. A gente tá cansado de saber que o que é dado aos medalhões é só um tempo um tanto maior para as orações. Vai que rola algum milagre.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Surpresas


Javier Soriano/ AFP

Não era exatamente minha vontade começar escrevendo sobre o jogo que decidiu a Libertadores. O assunto se impôs, creiam. E aí vai ele. Entendo perfeitamente os descontentes com o desenlace da pendenga. Os que se negaram veementemente a assistir a decisão em terras espanholas.  Leve  em conta também que esse espaço de tempo que se situa entre o final da temporada e o final do ano é um desafio para quem escreve. Os acontecimentos dignos de nota rareiam, os que se dão são explorados até o caroço -  talvez nesse filão se encaixe o Boca x River - e , por outro lado, as negociatas que vão sendo tramadas nos bastidores podem de uma hora pra outra provocar uma grande notícia. 

De minha parte devo dizer que mesmo com todo o desencanto e descontentamento a final argentina da Libertadores me ganhou. Algo me dizia que o que veria seria um jogo esquisito, cuja alma tinha sido subtraída. Que nada. A partida me surpreendeu desde o início, quando o River me fez acreditar que não estava num bom dia.  Creio que até o Boca e sua torcida ao ver o que se desenhava no gramado do Santiago Bernabeu partilharam da minha impressão. Um jogo erguido com a fina mistura de técnica e coração. Seria bom que a história registrasse com mão firme a falta de capacidade e de caráter dos cartolas sul-americanos no episódio. Se digo isso é por achar que ela cometerá a injustiça de guardar mais a emoção do encontro do que a realidade bizarra que cercou a realização do mesmo. 
Albari Rosa/ Gazeta do Povo

E por falar em final de temporada vale registrar que se pra nós, brasileiros, ela só se encerrou na noite de ontem foi graças ao Atlético Paranaense, dono de um futebol vistoso, bom de se ver. Escrevo antes do jogo de ida. Mas nem mesmo uma noite infeliz vivida na Arena da Baixada tiraria do Furacão a condição de time elogiável. Sou um admirador confesso do técnico Fernando Diniz. Sei que essa coisa de detectar no time paranaense a herança deixada por ele já virou um lugar comum. Mas nunca foi tão fácil de percebê-la quanto no jogo de ida contra o time colombiano.  Não creio estar vendo coisa, como dizem por aí. Esse lance do toque de bola atrás, muitas vezes dentro da grande área, que exige sangue frio até de quem assiste o embate, é tão nobre e singular que desestabiliza o adversário, o desorganiza inevitavelmente. 

Primeiramente ou, principalmente, por colocá-lo diante de uma situação singular. E se há algo que pode tirar alguém da zona de conforto é ter de lidar com o novo. Cabe também um elogio ao time do Júnior Barranquilha que mostrou, como o Atlético, um jeito de jogar maduro. Consciente do que queria fazer em campo. Com jogadores capazes de apostar boa parte das vezes na ousadia, sem que isso soasse fora de lugar. Algo que tem sido verdadeiramente raro. E há um triunfo simbólico no fato de o Atlético Paranaense ter sido o último a sair de cena nesta temporada, depois de times como Palmeiras e Grêmio terem visto o sonho de conquista da Libertadores não se concretizar. Um segundo turno muito bom, aquela marcante vitória sobre o Flamengo com time reserva diante de um Maracanã lotado. Enfim, o Atlético Paranaense assim como o jogo de volta entre River e Boca foram pra mim gratas surpresas desse final de temporada. 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Os caprichos da história


Em matéria de história diria que a primeira impressão nem sempre é a que fica. De cara lembro aqui de um exemplo, que me parece claro, da acomodação que se dá com o passar dos anos.  Falo da Copa do Mundo de 1994. Recordo muito bem a insatisfação da torcida, a falta de empolgação com o time do Parreira. E olha que era um time que bem, ou mal, estava colocando um ponto final num jejum de Copas que já nos castigava havia mais de duas décadas. O descontentamento era imenso. E, portanto, não foi por acaso que o capitão Dunga na hora de erguer a taça se tornou também o primeiro capitão da história a proferir palavrões com ela em mãos. 

Poderia ser parte do estilo Dunga, poderia, não creio que foi o caso. Mas o tempo passou e hoje em dia quando se fala daquela seleção  as pessoas vão longo lembrando da dupla Bebeto e Romário com um sorriso no rosto. Enfim, a coisa se dá com uma boa vontade que não lembro ter visto enquanto o fato se dava. E isso não é exclusividade do futebol, nada disso. Sabidamente a história não costuma tratar os fatos  exatamente como boa parte de nós os enxerga. E o que me fez lembrar disso foi certa curiosidade sobre a forma como a história irá tratar esse Palmeiras que acabamos de ver triunfar, com certa incontinência de continências. 

Dois títulos e um vice em três Brasileiros disputados é coisa que soa rara. Como raro foi o segundo turno da equipe. O que me deixou também  com a impressão de que as análises feitas a respeito do Corinthians do ano passado também traziam consigo uma dose de equívoco. A saber. Diziam aos quatro ventos que um primeiro turno como aquele do Corinthians era coisa que não se veria tão cedo. Ponto de vista corroborado depois de um segundo turno com evidente queda de aproveitamento do time comandado por Fábio Carille, que trama sua volta ao parque São Jorge. 

Com esse Palmeiras de Felipão tivemos a prova de que não era bem assim, pois o time de Bruno Henrique, Dudu & cia fez um turno à altura aquele. E ainda ganha um corpo se levarmos em conta que suas quatorze vitórias e cinco empates  se deram no desenrolar do segundo semestre quando juram todos, ou quase todos, que o futebol dos times já se revela seriamente comprometido pelo desgaste do nosso calendário vampiresco.  É óbvio que o time alviverde tinha muito mais recursos, e por essa razão não soa tão surpreendente. Mas esse era um detalhe que ninguém levava em conta. 

Ninguém dizia à época, por exemplo, que seria preciso gastar muito dinheiro para fazer algo parecido com o que andava fazendo o Corinthians. Mesmo porque a história já mostrou que dinheiro nunca foi garantia direta de consagração.  Dizia-se que o que estávamos vendo era um ponto fora da curva e pronto.  Ao Palmeiras atual falta alguém com a envergadura de um Evair ou de um São Marcos. Mas o caminho está pavimentado. E a conquista de um título continental na temporada que virá certamente obrigará a história a se curvar a esse Palmeiras endinheirado dos dias que correm e coloca-lo em um lugar, em geral, reservado aos grandes esquadrões, algo que mesmo diante de todo o brilho tenho a impressão de que ela ainda não fez.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

O futebol é inocente

Há um texto de José Saramago intitulado O fator Deus. Nele o escritor português vai nos fazendo ver que quase todas as grandes atrocidades cometidas pelo homem foram feitas em nome do divino. E, no entanto, Deus está inocente, diz Saramago lá pelas tantas. O paralelo pode soar estranho, admito. Mas é que com o futebol se dá algo parecido. Em nome dele se comete absurdos imensos. E nos dois casos o universo de homens é infinitamente maior do que o daqueles que em nome de um, ou de outro, decretam a direção, o tom que terá a adoração. Em um estádio, por exemplo, uma imensa maioria se comporta de maneira minimamente civilizada, mas bastam uns poucos vândalos para dar outro rumo à história. 

Não se trata obviamente de querer que torcedores rivais se tratem por vossa excelência. Fato é  que nos dois universos os males que nos acometem dão a impressão de que andam aí desde sempre. Não há um mínimo sinal de evolução. No último final de semana o adiamento da partida decisiva da Copa Libertadores depois do ônibus com o time do Boca Juniors ter sido atacado por torcedores do River Plate na chegada ao estádio Monumental de Nuñez, em Buenos Aires, foi tido como uma vergonha mundial. Assim o classificou um dos principais jornais argentinos. Era a final mais importante do continente. O impacto foi enorme. Mas atos semelhantes acontecem quase rotineiramente. Não era preciso pensar muito pra se chegar à conclusão de que, depois do ocorrido na capital argentina, não havia mais condição de jogo. 

Mas a decisão do adiamento demorou uma eternidade para ser tomada. Desde o princípio  me convenci que depois daquilo seria impossível voltar a existir uma condição plena de igualdade entre os dois times. É como se nas atitudes em nome de Deus ou do futebol certos valores se fossem anulados. Ou melhor, é como se nesse contexto valores da maior grandeza tivessem seus sentidos diluídos permitindo que outros, muito menos nobres, lhes tomem o lugar. Ou quando se vê um garoto desferir um tapa na cara do adversário, como se viu em uma das semifinais da Copa do Brasil sub20, não estamos assistindo uma prova clara disso?  

Digo mais, não faz muito tempo se falou aos quatro ventos que nosso futebol, enfim, não toleraria mais os insultos dos jogadores aos árbitros. Coisa que se fez tão comum, tão trivial. Num primeiro momento dá pra dizer que o comportamento mudou um pouco. Os avisos foram constantes, mas visivelmente estamos de volta ao comportamento de antes.  E esse é só um pequeno sintoma. Sei que não falta por aí gente que acredita, sempre acreditou, piamente, que o futebol é uma guerra. Outro dia mesmo ouvi isso dito por um treinador consagrado. 

Talvez ele se defenda dizendo que era só uma figura de linguagem. Sou até capaz de entender, desde que na hora de orientar seus jogadores nos vestiários ele os lembrem de que a guerra jamais legitimará indecências. Esse lado impiedoso, cego, ausente de valores exposto pelo futebol me incomoda cada vez mais. Por outro lado, nunca deixei de estar ciente, como diz um sábio amigo, de que o grande barato do jogo de bola é o homem por trás o jogo. E isso explica todo o caos do mundo e dos gramados. Do alto dos meus pecados minha fé me diz , que apesar dos pesares, como sugeriu Saramago a respeito de Deus, o futebol também segue lá inocente de todos os atos cometidos insanamente em seu nome.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O vestiário


É difícil discordar que o vestiário seja o ambiente central de um time, seu coração. O que explica muito de sua aura sacra e misteriosa. E pensar que não faz muito tempo jornalistas e radialistas com seus aparatos técnicos podiam frequentar esse templo. Entre craques e cabeças de bagre de toalhas na cintura - mas nem sempre - os homens da crônica cavavam suas informações, colhiam suas entrevistas.  Nem por isso ficavam sabendo de tudo. Mas a proximidade sempre foi o caminho mais curto para  chegar aos segredos.

E caminho curto aqui é só uma forma de dizer porque, não raro, as portas do tal lugar demoravam uma eternidade para se abrir. E quando era assim, sempre se imaginou, era porque andavam tratando de apagar qualquer vestígio do que o time ou a comissão técnica não queriam ver transformados em notícia. E era um jeito eficaz também de castigar um pouco  a imprensa quando a relação não andava às mil maravilhas, fato muito comum. 

Veja como são as coisas. Agora  me vem uma saudade imensa desse tempo, das longas esperas que se davam perto da porta do vestiário, ali embaixo de uma das escadarias que levam ao primeiro lance de arquibancada da Vila Belmiro. No aguardo da permissão para entrar a resenha corria solta, costurava-se grandes amizades. Era momento de encontrar amigos, coisa que a vida vai tornando cada vez mais complicada.  O tema me veio à cabeça nestes dias em que o São Paulo mandou o uruguaio Diego Aguirre embora.  Dias em que todo mundo queria saber qual era a real, o que andava se passando da porta pra dentro. 

E como o trabalho do jornalista é também o de estar atento às declarações, juntar fragmentos, ouvir o treinador escalado para substituí-lo se derreter pelo meia Nenê - supostamente o personagem que fez nascer entre os tricolores certos descontentamentos -  logo na primeira entrevista chamou a atenção de todos. Aí lembrei de ter ouvido Lugano, o diretor de relações institucionais do clube dizer que o biquinho de Nenê fazia parte do pacote, que ele fazia biquinho aqui, em Paris, no Qatar.  Lembrei do experiente radialista Wanderley Nogueira ter afirmado que essa coisa de dizer que o treinador perdeu o vestiário é contestável. 

E lembrei que naqueles velhos tempos, quando os jornalistas ainda podiam frequenta-los, uma coisa muito sintomática, que deixava todo mundo de orelha em pé, era quando as portas se abriam e a gente não encontrava lá dentro um determinado personagem, em geral, claro, aquele com grande potencial para ser a notícia. E lembrei também de uma declaração recente dada pelo respeitado e rude treinador italiano, Antônio Conte, que certa vez, como noticiado, precisou ser contido para não ir às vias de fato com o jogador Diego Costa. Isso depois de o time deles vencer o jogo por três a zero. 

Segundo Conte, vejam só, a gestão de um vestiário é mais importante que o conhecimento de um técnico.  Mas o que sabemos do vestiário? Hoje quando vemos cenas desse lugar sacro são aquelas fornecidas pela própria assessoria dos clubes. Imagens limpas , cirúrgicas na maior parte das vezes, a revelar as emoções permitidas. E o que se vê ali é o vestiário possível. Muito menos profundo do que aqueles que frequentamos um dia.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Feriadão tem Cartão !



TV CULTURA / AO VIVO

NOSSO TIME TE ESPERA!

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Futebol e intuição

  
Sei que amanhã tem o Santos no Maraca, sexta a seleção encarando o Uruguai.  Mas algo me incomoda. Estar ao lado da maioria. Ao longo da vida sempre me vi defendendo opiniões de minorias. Algo me diz que se trata de uma questão cármica. Mas quando se fala do tal árbitro adicional estou convencido de que não deveriam mesmo existir. E, portanto, desfruto neste momento a rara impressão de pensar como a maior parte dos que acompanham futebol. E não digo isso amparado apenas no que se deu no último clássico entre Corinthians e São Paulo, mas também.  De tanto se esconderem em momentos decisivos cheguei a pensar que tinham sido orientados para agir dessa maneira. Só podia ser. 

O nobre leitor que derrama seus olhar sobre estas linhas, como eu, deve se lembrar de um sem fim de outros lances pra lá de claros em que o adicional , pra usar um termo popular, se fingiu de morto. Ou fez cara de paisagem, que é um outro termo que vem a calhar.  Podemos ainda pensar de outro modo, que de tão expostos, talvez, os que ocupam o cargo estejam levando ao pé da letra uma orientação que sabemos comum quando se trata de apitar um jogo, aquela que diz que na dúvida deve-se deixar a bola rolar. Um tipo de recomendação que dada a velocidade em que se desenrola uma partida de futebol, se cumprida ao pé da letra, obrigará o sujeito a não tomar posição alguma e ficar na dele em nove entre dez lances. 

Diante de tamanha complexidade arrisco dizer que um árbitro de primeira linha precisa ter um nível de intuição descomunal. Quase um dom superior que surpreenda, principalmente, os atores do espetáculo, desde sempre dados a interpretações para confundir. Um dom que faça o maior dos espertos em campo ponderar - por um segundo que seja - que o homem a quem deram o apito é capaz de detectar uma malandragem de modo quase mediúnico. Seguindo essa trilha, não tardará, cairemos inevitavelmente no papel que as intenções ocupam no universo ludopédico. Pode parecer absurdo pedir pra contar com a intuição de um árbitro, mas notem que ao pedir para que um árbitro interprete a carga intencional embutida em um lance,  levando em conta a esperteza contida em cada boleiro, pedem algo muito semelhante em certo sentido. 

O que me faz crer que foi justamente querendo driblar toda essa complexidade que tempos atrás algum esperto optou pela controversa orientação, por exemplo, de que uma bola na mão dentro da área, seja intencional ou não, deveria ser encarada como penalidade. Dirão que não é bem assim. Mas fato é que não tardou e a rigidez de tal determinação foi sendo abrandada, não tinha jeito. Digo mais, até que a poeira assente a arbitragem seguirá na ordem do dia. Intuo até - nunca estive tão intuitivo - que os árbitros estão mais imprecisos do que nunca justamente pela realidade que se apresenta. Pois agora quando não é o Var propriamente dito que os assombra, os fazendo ficar frenéticos a olhos vistos, com a mão apertando nervosamente o fone contra o ouvido é a possibilidade do VAR que faz o serviço. Pra completar, o torcedor anda vendo o fantasma do erro e da má intenção em tudo quanto é canto

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Futebolês




Os novos termos que vão surgindo para, em tese, explicar o que se vê em campo me fizeram lembrar de uma certa noite. Não estava assim a praticar a boêmia. Mas razões não faltavam para que eu me sentisse amparado para desbravar a madrugada. Estava entre bambas. Na mesa comigo, de um lado o Doutor Sócrates, do outro Afonsinho. O cara que brigou com meio mundo para ter o direito de usar o cabelo comprido e , em última instância, para não ter o próprio destino decidido por cartolas.  Um rebelde no melhor sentido que a rebeldia pode ter. Enfim, uma noite dessas que se auto-tatua na nossa memória. 

Da conversa comprida e bem embalada, como um samba bom, ficaram poucos detalhes, mas um deles carreguei pra sempre, como se fosse um ensinamento. E era. E o recebi num momento desses em que o papo travado na mesa do bar  se funde com a algazarra do lugar, com todo mundo falando ao mesmo tempo. Foi em meio a esse burburinho típico que Afonsinho deixou transbordar a indignação. Disse que não tinha cabimento chamar jogador de peça. Nunca mais esqueci o dito, mesmo porque se afinava totalmente com o pretenso humanismo com o qual tive sempre a mania de encarar o mundo e o jogo de bola. E de lá pra cá toda vez que ouço alguém dizer isso por aí dou um jeito de matar em mim o ímpeto de avisar que isso não são modos, afinal, não sou o Afonsinho. 

E o mesmo se dá quando ouço alguém chamar um elenco de plantel. Outro coisa que Afonsinho disse não suportar. Mas se já falamos no último terço do campo, em jogadores extremos, em jogador que tem minutagem e importamos até a expressão clean sheet para falar de um goleiro que não tem levado gol, chamar um elenco de plantel ou um jogador de peça poderia não ser o maior dos pecados. Mas pra mim é.  Talvez o nobre leitor pense diferente. Cada um na sua. 


Bom, para equilibrar um pouco o tom aqui do nosso encontro vou dividir com vocês algo que me chamou a atenção no último domingo de manhãzinha quando parei para dar uma olhada numa pelada que estava sendo disputada na areia da praia e que eu sei é meio a contra-mão de tudo que andei lamentando. Ali o papo é outro. Duvido que na pelada alguém chame um sujeito de peça ou diga que seu time tem um plantel. Trata-se de futebol em estado bruto onde mesmo sem intenção as jogadas são para valentes. Lembro uma vez que vinha caminhando e presenciei uma dividida de bola entre dois jogadores - e se não tivesse tomado algum cuidado teria me envolvido nela. 


O lance se deu quase na linha da água. Uma dividida monstruosa. Depois do embate um dos boleiros soltou um quase grito e colocou a mão na perna. Quando olhei o que vi foi um vergão enorme e uma canela sobre a qual não tinha restado um único pelo. Imaginei que apenas chuteiras fossem capazes de produzir tal estrago.  Os dois estavam descalços. Era como se tivessem passado um barbeador no lugar. A lembrança me pareceu muito apropriada quando notei os nomes dos, digamos, zagueiros que guardavam cada um dos gols da pelada que estava rolando. Posição comum nesses jogos de praia. Os dois tinham os nomes estampados nos uniformes. Um requinte. Um se chamava Jazon, quase como o personagem macabro daquele velho filme de terror, e o outro, Severo. Cá comigo pensei: tá louco, dois zagueiros de intimidar.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

O grande jogo

Quatro anos depois, um ciclo inteiro, a FIFA decidiu liberar os 100 milhões de dólares do fundo do legado da Copa que aqui foi realizada. Parece muito dinheiro, e é. Mas perto dos cinco bilhões que dizem que a entidade faturou ganha ares de mixaria. Sem contar que meu jeito desconfiado sempre me faz crer que se disseram ter faturado cinco bi é porque devem ter faturado bem mais. Está pra nascer entre os endinheirados quem goste de ter suas cifras noticiadas com precisão cirúrgica. Mas o encontro entre os poderosos realizado na sexta passada micou.

Os europeus  não toparam a ideia de um Mundial de Clubes mais robusto, nem aderiram à tal Liga das Nações, que teria um ar de Mini Copa. E olha que a bufunfa envolvida na proposta como já citei aqui tem tamanho sedutor, vinte e cinco bilhões de dólares. Noventa e quatro bilhões, se traduzida para nossa surrada moedinha. No caso do Mundial de Clubes os cartolas do velho continente enxergaram uma certa ameaça à Liga dos Campeões. Pra seduzir os dirigentes dos principais clubes. Gente graúda do Barcelona , Real Madrid , Bayern de Munique e outras vedetes, Gianni Infantino, o presidente da FIFA, teria até prometido a participação deles nas primeiras edições do torneio mesmo que não conseguissem chegar lá através de critérios técnicos.  Isso é que é fair-play, não é?  Um jeito, digamos, esperto de seduzir os patrocinadores e se livrar das surpresas que o futebol costuma decretar.  

No caso da Liga das Nações a origem do dinheiro teria causado preocupação. Embora exista dinheiro japonês na parada há também grana saudita. E como se sabe a situação anda pesando por lá depois da morte de um jornalista dentro da embaixada do país na Turquia. Sendo mais realista do que cruel vos digo o seguinte. Basta uma pesquisa rápida pra se certificar de que o mundo do futebol nunca ligou muito para o origem do dinheiro que lhe sustenta. O que eles não gostam é de ficar dando bandeira, ainda mais depois de tudo que o futebol mundial, a dona FIFA e suas Confederações viveram nos últimos tempos.  De decidido mesmo só que a sede do Mundial de Futebol de Areia será o Paraguai e o Mundial de Futsal de 2020 na Lituânia.  

Sabe como é, se faz necessário alargar as fronteiras, uma vez que a África já foi devidamente explorada. Por aqui essa centena de milhões de dólares seriam suficientes pra se construir campos em determinadas regiões, unindo de alguma forma a prática do esporte à educação.  Mas duvido que seja possível constatar algum dia que por ter sediado uma Copa nosso futebol evoluiu.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Brasileirão rodada 31 - Segue o jogo

O momento de decisão colocará uma dose de Brasileirão na sua sexta-feira. E a decisão da qual eu falo é a eleição, não vá se confundir. O São Paulo estará em campo amanhã às sete e meia da noite, no Barradão, correndo contra o relógio pra mostrar ao seu torcedor que se o título tinha mesmo um quê de sonho a vaga na Libertadores ainda não lhe escapou das mãos. Garantir-se no torneio continental será uma espécie de tabua de salvação, um antídoto para não se afogar em águas revoltas e, de quebra, se livrar daquele tipo de torcedor que gosta de dar a certas metas  o peso de uma obrigação. Do outro lado estará o Vitória que eu diria tem como principal trunfo seu treinador. Carpegiani é o tipo de comandante que sabe muito bem como dar alma a um time. E nada mais capaz de complicar a vida de alguém do que um oponente que pode contar com esse tipo de virtude. 

Quando os dois estiverem saindo de campo Vasco e Internacional estarão entrando no gramado de São Januário.  E depois do empate colorado no Beira-Rio não soa exagerado dizer que o time vascaíno, se quiser sair melhor do que entrou, precisará fazer uma exibição quase redentora depois de ter naufragado na última rodada na Ilha do retiro.  O Santos, nas mãos do técnico Cuca, ganhou horizontes e pelo que se desenhou até aqui fará um duelo um tanto particular com o Atlético Mineiro pelo direito de jogar a Libertadores do ano que vem. E se tem alguém que pode provar o potencial do atual técnico santista é justamente o time mineiro que com ele  chegou onde jamais havia chegado. Como não é exagero dizer que o time da Vila anda melhor do que o clube. Mas permanência de Cuca, que ao que tem sido visto aumentaria as chances de um sucesso futuro, desafia o presidente santista, até o momento mais hábil em aumentar do que em diminuir a temperatura ambiente.  No sábado o Santos recebe o Fluminense, na Vila Belmiro, e  depois de fazer sua parte terá de esperar a noite de segunda, quando nosso país já terá um novo presidente, para saber a quantas ficará essa queda de braço. O Atlético Mineiro fará, em Fortaleza, contra o Ceará, a partida que fechará a rodada. 

Da parte dos dois imagino que caiba muito bem aí uma torcida para o Grêmio continuar se distraindo com a Libertadores depois de ter conseguido um grande resultado anteontem no Monumental de Nuñez  diante um River Plate pintado pela crônica como um bicho papão. O que dá ao jogo entre Grêmio e Sport um ar de obstáculo. Malandro, Renato Gaúcho sabe que é bom não dar bobeira e  exigir de um provável time reserva que faça do encontro com o time pernambucano o jogo de suas vidas.  Mas a cereja do bolo será o aguardado Flamengo e Palmeiras que se dará no Maracanã. Um tira teima interessante entre o líder e o vice-líder. Que façam um jogo a altura do que a partida representa, espero. Ao Flamengo a vitória dará um certo ar de renascimento e ao Palmeiras uma aura de ainda mais imbatível na luta pelo título. Sinceramente, até entendo a grita de Felipão e companhia, mas se alguma ausência lhe tirar o Palmeiras do caminho, não creio que terá sido a Deyverson, Lucas Lima ou Mayke, a de Bruno Henrique, talvez


* artigo escrito para o jornal " A Tribuna", Santos

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Um modo sublime de ver e encarar o futebol


César Menotti, campeão do mundo com a Seleção Argentina em 1978, está prestes  a completar 80 anos. Se você gosta de futebol e da complexidade que os homens dão ao tal... não se arrependerá de visitar o link abaixo. 


Frases celebres de Cesar Menotti

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

A velha casa e a Seleção


O fato se deu no dia em que o time de Tite voltou a campo. Atendi a um chamado da família que organizava um almoço na velha casa em que meus avós maternos passaram boa parte da vida. Uma construção que beira os noventa anos e que em breve dará lugar a uma nova. Um encontro simbólico para reverenciar um cenário tão presente nas nossas memórias e que daqui alguns dias só existirá mesmo nelas. Junto com a feijoada vieram um sem fim de cenas. As noites à espera dos balões que pudessem cair por perto para nosso divertimento, as reuniões de meninos na esquina contando casos de assombrações. Um clássico passatempo na época. E, claro, as muitas peladas travadas ali na rua, que nos tempos áureos trazia pintada no asfalto as linhas de um campinho. 

Situada na Zona Leste profunda da capital, não exatamente no sentido geográfico, mas no sentido cultural, cravada em reduto corintiano, a velha casa tem como um dos moradores, desde que meus avós partiram, meu Tio Afonso, sem sombra de dúvida o boleiro-mor da família. Daí ter me causado estranhamento que terminada a feijoada ele não tivesse se colocado em frente à TV para acompanhar a Seleção. Esquisito, muito esquisito. Quando entrei na sala, depois de ter apressado um pouco as últimas garfadas, o homem estava de costas pra TV, sentado na escada que dá pra calçada. Trata-se de uma construção muito antiga, como disse, dessas em que a sala de estar acaba quase no passeio. 

Mais surpreendente que isso foi notar que os dois filhos da minha prima, garotos na flor da idade, para usar uma expressão quase da idade da casa, não estavam nem aí pro jogo.  De celulares em punho se divertiam em paragens virtuais. Por um momento pensei que estava sendo duro demais ao interpretar a cena. Afinal, quem hoje em dia consegue vencer a tentação de colar os olhos nessa maquininha sedutora?  Que nada. Nem o tom notadamente exagerado do locutor -  para lances que estavam longe de empolgar - era capaz de fazer os dois tirarem os olhos das pequenas telas.  Pensei comigo: mas por que te surpreendes? 

Levantei e fui na direção do meu tio, quem sabe numa prosa rápida tiraria dele uma justificativa original pro descaso com o escrete nacional. Eis que me deparo com outra cena. Ao chegar ele se despedia do vizinho ao lado que saia de casa com os filhos. Pelo que deu tempo de ouvir deduzi que meu tio, mesmo tendo ignorado o jogo, havia perguntado se ele não ia ver.  O cara também sempre amou futebol. O que ouvi foi o boleiro-mor da família respondendo à própria pergunta com ar compreensivo. Você só quer saber do Corinthians, dizia. O riso discreto disparado de longe soou como um sim imenso. 

Detalhe, antes que o vizinho entrasse no carro vi que vestia a camisa dez da seleção, a camisa do Neymar. Isso mesmo. A realidade do futebol brasileiro me espanta, já não deveria, eu sei.  E o jogo foi  tão inexpressivo do ponto de vista técnico que nem o Tite, com aquele seu vocabulário rebuscado, se viu em condição de criar qualquer teoria para lhe agregar algum valor. Parti pouco depois com a nítida sensação de que a casa era de alguma forma uma metáfora da nossa seleção. O que talvez fique mais claro quando eu voltar, daqui algum tempo, e constatar que ela passou a ser outra, sendo ao mesmo tempo, aquela casa  de sempre. 

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Duelos e Sereias


Chego na área outra vez empolgado com o que o Brasileirão nos reserva.  Mas por mais que o grupo dos cinco primeiros colocados ostente pontuação que os coloca em outro patamar, pois há um verdadeiro degrau no número de pontos  de tais times e os que vêm depois,  é preciso incluir o clássico entre Santos e Corinthians entre as partidas que contribuem para essa dita empolgação. Mesmo porque um Santos e Corinthians nunca deixará de ser bom tempero a qualquer rodada que seja. Pelo que tenho sentido, do lugar em que estão os santistas olham pra cima. E os corintianos, um tanto escaldados, olham pra baixo.  É aquela coisa, vamos nos divertindo como é possível. 

E já que citei a tradição de um Santos e Corinthians, dá para dizer que a rodada trará diluída em si também a tradição do Gre-Nal. Isso porque o Palmeiras, exibindo fôlego de intimidar adversários e fazer sonhar sua torcida terá a missão de receber o Grêmio, no Pacaembu. E o tricolor gaúcho, na condição de quinto colocado sabe muito bem o que significará sair triunfante desse encontro. Não só por questões matemáticas mas, principalmente, por questões morais.  Conseguir dificultar a vida do time palmeirense tem sido algo raro.  Deixo aqui a minha solidariedade ao torcedor gremista que daria tudo pra poder contar com o futebol empolgante de Everton, o Cebolinha, que por causa de uma lesão não se apresentou à seleção brasileira que amanhã fará um nada atraente  amistoso com a insípida seleção da Arábia Saudita, cuja importância no mundo do futebol está infinitamente mais ligada à grana do que ao talento para lidar com a bola. 

Falo numa diluição do Gre-Nal porque teremos também o São Paulo indo ao estádio do Beira-Rio encarar o Internacional. O  vice-líder, que na última rodada foi vitimado em parte pelo desespero do Sport Recife em fugir da degola, se não mostra o fôlego de um Palmeira,  tem sido capaz de se segurar nessa disputa que tem sido ferrenha. Logo, aos gaúchos, colorados ou tricolores, está posta a possibilidade de se divertir não só com a vitória do próprio time como com um possível escorregão de seus grandes rivais.  É claro que o Brasileirão tem muito mais a oferecer, até porque a disputa na parte de baixo da tabela anda tão emocionante quanto, só não dá pra dizer que empolgue, mesmo em casos como o do Ceará que o Lisca Doido tratou de desatolar da zona do rebaixamento.  Embora por hora tenha voltado pra lá. 

E por falar em empolgação,  de empolgar também foram os capítulos finais do Campeonato Paulista de Futebol Feminino entre Santos e Corinthians, em especial o primeiro, que fez a Vila Belmiro receber o maior público da temporada. Não se trata num primeiro momento de ter uma modalidade endinheirada, mas ao menos com um calendário e um nível de organização que desperte a atenção de quem gosta de esporte e dê às meninas que vislumbrem nele um caminho a mínima possibilidade de um dia viver disso. Não suporto quando ouço alguém dizer que o futebol feminino não tem apelo, pois no fundo não se trata disso.  Se trata de cuidar de uma modalidade em que comprovadamente não nos falta nem vocação e nem talento. 

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

O futebol e seus caprichos

O futebol tem lá seus caprichos. E é bom que os tenha. Tivéssemos só o jogo jogado estaríamos perdidos. Houve um tempo em que um jornalista esportivo podia se gabar de ter um ofício de dar água na boca de muita gente. Tenho na memória um sem fim de ocasiões em que nós, do esporte, podíamos perceber na redação um certo olhar de inveja disparado pelos companheiros que tinham como missão falar dos fatos econômicos, de política ou de polícia.  O mundo pegando fogo e os folgados lá de caneta na mão e olhos na tela vendo um jogo nos monitores de televisão ou se preparando tranquilamente para se dirigir ao Morumbi ou ao Pacaembu para acompanhar um grande clássico. Mas é aquela coisa, como diz um dito popular, todo mundo vê as pingas que a gente toma, nunca os tombos que a gente leva. 

E se iniciei estas mal traçadas falando de caprichos foi por mirar no horizonte esse tão falado encontro entre São Paulo e Palmeiras,  amanhã. Uma rivalidade cheia de acontecimentos recentes, cujo próximo capítulo se vê adornado pela possibilidade de que represente também não só uma possível liderança, mas um passo fundamental para um triunfo nacional. E que o futebol tenha se incumbido de fazer o time comandado por Luiz Felipe Scolari  tomar a liderança tricolor justamente às vésperas do encontro dos dois só pode mesmo soar como capricho. Não tivesse todo torcedor uma fome insana, poderia aqui lembrar que para o são-paulino estar brigando pela ponta da tabela já deveria soar grandioso como uma vitória.  Como bem poderia o torcedor palmeirense se dar por satisfeito se visse o Palmeiras conquistar a Libertadores e o Brasileirão escapar. Mas a lógica que habita a mente de quem torce faz pouco caso da razão. De um lado e de outro as possibilidades de sarro diante do placar esperado são imensas. E isso é o que está por trás de toda as exigências de vitória. 

Mas, como ia dizendo, o tempo passou e as coisas mudaram. Hoje em dia ter de assistir um jogo por obrigação virou castigo. Como se não bastasse a escassez de talento há ainda um sem fim de  detalhes jogando contra. A arbitragem , por exemplo. Os homens do apito e seus comparsas parecem decididos a testar nossa paciência. Chego a pensar em motivos extremos como sabotagem e, em última instância, alucinação mesmo. Só isso explicaria. E essa fase brava ainda tem vindo acompanhada da pretensa modernidade do árbitro de vídeo. 

É de dar nos nervos ver o árbitro lá no meio, com cara de perdido, claramente incomodado com o equipamento de comunicação, dando a impressão de  estar dividido entre o que rola diante de seus olhos e da missa que andam lhe rezando no ouvido. O que semeia no ato de acompanhar a partida um  ar de dúvida e o incômodo de se saber que uma surpresa pode pintar a qualquer momento ditada por algo que só o pessoal que andou vasculhando o ocorrido em câmera lenta foi capaz de ver.  Daria tudo para ouvir essas conversas na íntegra. Não é à toa que negam. Mas há de chegar o dia em que teremos um futebol transparente. Por hora, temos de nos contentar com um caprichoso. O que diante de tudo que tem sido visto não é pouco, é verdade.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

O poder do caminhar




Não há homem valente se nunca tiver caminhado algumas centenas de quilômetros.Se você quiser saber a verdade sobre quem é, caminhe até que nenhuma pessoa saiba o seu nome. As viagens são o grande nivelador, o grande mestre, amargo como remédio, mais cruel que o espelho. Um longo estirão de estrada lhe ensina mais sobre você mesmo do que 100 anos de serena introspecção.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Sobre ser o melhor




Esse negócio de melhor do mundo é complicado. Veja, é difícil dizer que alguém tem sido melhor do que Cristiano Ronaldo. O argentino Lionel Messi perdeu o fôlego é fácil constatar. Mas quem não perderia diante desse português, verdadeiro fundista na modalidade de conquistar títulos? Não se deveria pautar escolhas tendo títulos como algo decisivo. Ao mesmo tempo é impossível não reconhecer o peso deles. Acho o Modric um grande jogador, do tipo que costuma levar desvantagem nesse tipo de disputa pelo estilo discreto. Mas esse sempre foi um traço de Messi , o que dá uma boa ideia do quanto o futebol dele se impôs. E quando se soma a um título europeu de clubes a condição de vice-campeão em uma Copa do Mundo fica difícil dizer que o dono de tais façanhas não estava credenciado para ser considerado o melhor do mundo. 

De qualquer modo, minha torcida foi sempre por Mohamed Salah. O egípcio pode não ser páreo pros outros nos quesitos aqui comentados, mas a meu ver foi o jogador que mais deu graça à temporada que vinha sendo julgada. Você talvez diga que o que estava em jogo não era um prêmio de jogador sensação. Certamente não era. Mas pelo que vi, e senti, ninguém provocou tamanha empolgação nos últimos tempos. E a prova de que o momento vivido por ele era mágico foi o desencanto que se abateu sobre todos na final da Liga dos Campeões, quando depois de um lance - fatídico como corre o risco de ser qualquer encontro com o espanhol Sérgio Ramos - acabou substituído. Na Copa todo mundo queria  ver Cristiano, Messi, Mbappé, não resta dúvida. Mas Salah tinha garantido um lugar nesse grupo. E gerou tamanha expectativa que fez muita gente imaginar que seu momento de alto brilho seria capaz até de incrementar a campanha do Egito no Mundial.  Exagero, como parece ter ficado óbvio. 

Enfim, o prêmio está em boas mãos. Agora, na qualidade de sonhador eu gostaria de ver reconhecidos atletas que mesmo sem títulos se mostram capazes de fazer muito pelo futebol.  Ser reconhecido quando se está imerso em conquistas é chover no molhado. E, olha, não dá pra entrar nesse papo de melhor  do mundo sem citar a brasileira recordista maior de troféus do tipo. Marta é imensa, não apenas por tudo o que representa mas, principalmente, por conseguir com seu talento tornar evidente o quanto o nosso país é incompetente quando o assunto é futebol feminino. Dona de seis títulos, imaginem como ela não poderia ser uma pessoa, digamos, dada a certos estrelismos. Exemplos, não nos faltam. Marta tem muito de Lionel Messi. Um futebol singular e certa simplicidade preservada. E não é difícil perceber que a contribuição dada por ela ao esporte está muito além das taças. Costumo brincar com os mais próximos dizendo que Marta, como Pelé, foi cruel, no bom sentido, com suas contemporâneas. Pepe, companheiro do Rei no Santos, para deixar claro isso definiu Pelé como um ET. O mesmo poderia ser dito por jogadoras como Cristiane e Formiga a respeito de Marta. É por essas e outras que faço uma observação. Muito se fala sobre nossos cinco títulos mundiais. Realmente se trata de algo notório, mas que por hora só faz do Brasil o dono do futebol mais vencedor. Ser o melhor, é outra coisa.
 .

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Perdendo a cabeça



É difícil imaginar qualquer arte sem um mínimo de improvisação. E nem sonho que o futebol um dia volte a ter a alma do jazz, por exemplo, em que a improvisação lhe cumpre quase o papel de alma.  Não estranhe se digo que seria uma volta pois estou convencido de que o jogo de bola um dia foi exatamente isso. O que deve ter se dado para valer quando os espertos ainda não tinham visto nele uma mina de dinheiro. Mesmo depois disso o futebol não deixou dúvida de que tinha esse dom preservado. Ou alguém aí imagina que um Garrincha se dava ao trabalho de ensaiar seus dribles antes de aplicar os mesmos com cruel severidade. Os mais doutos talvez façam questão de me lembrar que o homem das pernas tortas  tinha consigo um repertório de dribles ate limitado, coisa com a qual estou inteiramente de acordo. Mas seria descabido afirmar que não era capaz de usar cada um deles com a riqueza que um músico como Miles Davis era capaz de tratar certos esquetes, dando-lhes uma aura de frescor e ineditismo. Renovando-os de tal forma que o público jamais se cansava deles e jamais ousaria interpretar os tais como mera repetição. 

Se já andamos dando de cara até com jogador que se recusa a comemorar um gol, o que estaria faltando?  Nunca me convenci do argumento, por exemplo, que justifica dar um cartão amarelo para o jogador que depois de viver um dos momentos mais esperados do futebol decide tirar a camisa. Claro, o patrocinador não quer numa hora dessas ser colocado para fora da festa. Ocorre que praticamente sempre que o autor de uma proeza dessa natureza é perseguido pelas lentes no instante seguinte, seja para uma foto ou para uma filmagem, está cercado pelos companheiros, todos vestidos,  o que de alguma forma garante a não exclusão de quem pagou para colocar a marca no uniforme. Se um dia todos eles resolvessem comemorar de torso nu a história mudaria de figura. Aliás, falta até hoje uma boa matéria com os jogadores explicando mais profundamente a simbologia desse ato de tirar a camisa.  


Quando no último sábado o jogador do Ceará Samuel Xavier pra comemorar um gol  foi em direção à sua torcida e ao dar de cara com o mascote do time cearense lhe roubou a cabeça da fantasia para extravasar toda sua alegria, por um momento imaginei que alguém tinha, enfim, conseguido driblar a caretice. Que ingenuidade a minha. O árbitro não tardou a mostrar-lhe o cartão amarelo.  Colocou o mascote em risco ? Ora, só se ele não pudesse ter a identidade revelada. Excluiu o patrocinador do momento? O árbitro diria depois, citando a regra, que ele cobriu a cabeça. Mas a regra deve ter sido pensada para casos em que se usa uma máscara. O que poderia virar manifestação política.  Em última instância o dono do apito puniu foi o improviso, tão raro, tão capaz de dar outro sentido às conquistas. De quebra diminuiu um pouco a chance de algo novo se dar aos olhos daqueles que insistem em assistir a um jogo de futebol. Estamos fadados, pelo visto, aos dedos apontados para o céu com olhar de súplica, aos dedões na boca imitando chupetas, àquele gesto de ninar ou, pior de tudo, aos coraçõezinhos esboçados com indicadores e polegares.  Resta torcer para que o futebol  vez ou outra faça a boleirada esquecer a regra, perder a cabeça.  

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

O teor das entrevistas


Não sou velho mas sou do tempo em que um jornalista que ia a um treino de futebol tinha liberdade para escolher onde queria ficar e o jogador com o qual gostaria de falar. Contando assim pode dar a impressão de que foi quando Charles Miller pintou por aqui com uma boa de futebol debaixo do braço, mas essa era a realidade que se dava há menos de três décadas. E não houve gritaria capaz de impedir esse distanciamento entre a imprensa e os personagens do esporte  mais popular do nosso país. Em última instância não seria exagero dizer que a liberdade de imprensa tão reivindicada nos tempos atuais, em matéria de futebol, foi mandada pra escanteio. 

Logo, não deve causar espanto que as entrevistas concedidas com a intenção de saciar a necessidade dos veículos de comunicação venham cada vez mais revestidas de um linguajar previsível, quase cartorário. E como se não bastasse essa formalidade, essa comunicação de viés antes de tudo institucional, passamos a viver a sob a sombra do que se convencionou chamar de politicamente correto. Mas eis que outro dia dei de cara com uma declaração surpreendente, do tipo que não sobreviveria a peneira das assessorias e seria duramente reprovada em qualquer midia training, que pra quem não sabe é como uma simulação do contato de atletas - e profissionais em geral - com a imprensa. Cria-se a atmosfera de uma entrevista e ensinam como se comportar e o que dizer durante essa situação. 

A declaração de que falo passou despercebida. Foi dada por um dos nadadores brasileiros mais promissores da nova geração, Vinicius Lanza. Quando o repórter lhe perguntou a razão de ter se tornado nadador Lanza esbanjou sinceridade e disse: " Minha família tem tradição em pescaria. Os caras gostam de tomar uma na frente do rio e pescar. Então, meu pai, por segurança, me colocou na natação porque muitas vezes ele está só comigo no barco, foi uma forma de proteção mesmo. Tomei gosto pelo esporte, mostrei talento e fui levando. Já são dezoito anos nadando e estou feliz de estar chegando onde sempre sonhei". Lanza, que tem vinte e um anos, é a principal aposta do Brasil na natação para os Jogos Olímpicos de 2020. Por ínfimos cinco centésimos não esteve nos Jogos do Rio disputando os cem metros borboleta. 

Duas coisas merecem ser ditas. A primeira é que não foi por acaso que uma declaração sincera assim tenha se dado fora do futebol. Esse cerceamento pode até ser , de certa forma, algo que valha para todos os esportes que produzem personagens de apelo midiático, mas é infinitamente mais presente e duro no principal esporte do nosso país. E isso o empobrece. Quando se cobre outras modalidades a velha relação repórter atleta ainda é visivelmente mais intacta nesse sentido. E é óbvio que ela não traz só perigos. Rever essa relação de certa forma poderia humanizar um pouco mais o futebol, que anda tão profissional.  Quando o profissionalismo é do interesse dos que mandam nele, obviamente. Mas a segunda questão se faz ainda mais importante. O ensinamento maior que as palavras de Lanza revelam é a confirmação de que a chance da prática esportiva deve ser dada a todos.  O resto o esporte se encarrega de fazer. 

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

No embalo de Gabriel !


O Santos estará em campo hoje à noite para encarar o Grêmio, no Pacaembu. Mas fiquem tranquilos, não vou voltar a falar sobre a escolha do lugar do jogo. A bela vitória sobre o Vasco, em pleno Maracanã, sem dúvida terá feito do time dirigido por Cuca um tanto mais cascudo. E Gabriel a figurar entre os goleadores do torneio, depois de todo o bafo da arquibancada que andou sentindo, é motivo dos bons para o torcedor santista crer que é possível sim encarar o esquadrão de Renato Gaúcho. Não sei se é o caso de dizer de igual pra igual porque faz tempo que o tricolor gaúcho anda se mostrando diferente de tudo, mesmo quando se dá ao luxo de não levar a campo todos os titulares. 

Uma coisa o santista pode comemorar de antemão: o fato de Tite ter tornado impossível a presença de Everton no time gaúcho. Tem dado gosto ver o rapaz em campo.  O jogador do time gaúcho anda num momento desses raros, cuja prova maior é conseguir desenhar jogadas até certo ponto previsíveis, sem que seus marcadores  consigam, no entanto, evitar que ela seja concluída de maneira fatal. Mas essa não é a única pista que Everton nos tem dado de seu grande talento, ou grande fase, vai saber. Fato é que ele tem conseguido também ir muito além, se revelando ao mesmo tempo o contrário disso, aquele tipo de jogador capaz de finalizar um lance de maneira tão complexa e improvável que o marcador ao dar de cara com a bola na rede fica com uma cara de quem diz: como é que ele fez isso? 

Se o nobre leitor quiser um exemplo claro do que estou tentando dizer, caso não tenha na memória, é só ir buscar por aí o gol marcado por ele diante do Fluminense. Mas a euforia santista há de encontrar amparo também neste momento muito além da ausência de Everton. E não estou falando do fato de o time santista ter quebrado um belo tabu, ao  conseguir vencer o Vasco no Maracanã pela primeira vez desde os idos de 1969, quando Pelé marcou por lá o lendário milésimo gol. Isso pode não passar de um mero detalhe, mesmo porque há quem sustente que o milésimo gol do rei não foi aquele. A euforia santista pode se amparar na crença de um certo efeito contagiante que o bom momento vivido  por Gabriel pode ter. Ele é, de longe, o jogador de quem mais se espera aquele sempre bem vindo poder de desequilibrar partidas. Mas nomes como Bruno Henrique, Rodrygo e até Pituca e Dodô podem aproveitar a onda e engrossar o caldo. 

A perversão do momento é que uma arrancada agora pode deixar pairar no ar a impressão de que tudo vai bem na Vila Belmiro e isso qualquer torcedor atento sabe que não é verdade. Quando dias atrás o técnico Cuca, depois de dizer algumas verdades não encontrou amparo nem nas declarações do ex-executivo de futebol, Ricardo Gomes, e ainda ouviu o presidente do clube dizer em resposta que ele "cuida do time" , talvez não tenha imaginado o quanto seria bom que essa distinção ficasse bem clara, e que tenha sido feita pelo próprio mandatário. O desconforto inicial de Cuca, imagino, deve ter se traduzido em alívio, pois estes dias que correm têm deixado muito claro que o time anda bem melhor do que o clube.   

* artigo escrito para o jornal " A Tribuna" , de Santos

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Eu sou mais a Vila !


Não sou um romântico. Bom, talvez seja. Mas a questão de fundo não é essa. Faz tempo que o Pacaembu é tido como um caminho natural para o Santos. Tô pra conhecer alguém que não se derreta pelo charme dele. Eu mesmo sou um apaixonado confesso. Ainda outro dia estive lá para um compromisso profissional no meio da semana. Era um dia de céu azul, sem jogo, desses que só agigantam a beleza do velho Paulo Machado de Carvalho. Não resisti. Fiquei ali admirando o espaço sem cansar. Reinava um silêncio desses estrondosos, do mesmo tipo que se costuma encontrar em certos templos. 

No Pacaembu tudo  parece tão exato que só de ouvir falar de concessão, privatização, não tarda a bater em mim um certo temor. Tenho grande dificuldade para entender como será possível gastar ali, em nome da modernidade, um sem fim de milhões sem lhe roubar a alma. Como outros apaixonados acho que se alguém quisesse realmente fazer alguma coisa pelo Pacaembu deveria pensar em implodir o Tobogã e deitar-lhe novamente no ventre a saudosa concha acústica. Mas mesmo enredado em todo esse feitiço ainda defendo que o lugar do Santos é na Vila Belmiro. Estou consciente, no entanto, que faço parte de uma minoria absoluta. 

Não me entenda mal, eu também acho que o Santos precisa jogar em São Paulo. Precisa faturar. Expandir a marca. Sou capaz de compreender todos esses argumentos. Mas considero longe do ideal a forma como o tema tem sido tratado. Será difícil me convencer, por exemplo, que o fato de o time ter conseguido duas vitórias seguidas no Brasileiro não tenha na fórmula um pouco da mística da Vila. Que time bom ganha em qualquer lugar eu sei. Mas aí o time ganha as duas, ganha confiança, e tem de sair pra fazer um jogo importante fora. Injustiças à parte, onde seria mais factível vencer o Independiente por três a zero? 

A escolha pelo viés financeiro não se ampara. Chegar às quartas de final significaria faturar pouco mais de três milhões de reais, quando a renda do jogo não deu um milhão. Tanto se fala sobre os deslocamentos que cansam os times, da logística, coisa e tal. Aí na hora de enfrentar os argentinos permitem que eles desçam em São Paulo e lá fiquem. Ora, por que não fazer o adversário descer na capital e ter de enfrentar outra viagem, encarar o trânsito complicado e desgastante de São Paulo, descer a serra, quem sabe dar de cara com uma operação comboio, que vira e mexe faz Santos parecer tão distante quanto Barretos? 

Sem contar que com uma estratégia bem pensada, com jogos bem escolhidos, talvez a mística do Alçapão - em que não tardará o dia em que só eu irei acreditar - poderia ser potencializada. E quando se pergunta à boca pequena pro elenco  fica difícil encontrar uma voz que lhe diga que não prefere atuar na Vila. É claro, não fiz toda aquela declaração de amor ao Pacaembu no início à toa, fiz para tornar evidente que nenhum estádio, em tempo algum, será igual a outro.  Logo, dizer que jogar na Vila , ou fora dela, tanto faz, ou será uma inverdade, ou será uma maneira velada de não admitir o seu papel e sua história.  

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Torcedor de cátedra


O saudoso Zé do Rádio era, sem dúvida, um torcedor de cátedra

Gosto do papo cotidiano sobre futebol. Nem sempre educado. Quase sempre temperado de palavrões. Com o alcance brutal das coisas despidas de meias voltas. Outro dia dei de cara com o maior filósofo corintiano que conheço. Cabra simples. Mas que tem o time sempre muito bem pensado na cachola. Depois do boa tarde fui tirando uma onda. Disse ter percebido que nos últimos tempos ele tem evitado aparições nas rodas em que a conversa sobre futebol costuma correr solta. O sujeito teimou que não era nada disso e, sem perder tempo, foi soltando as pérolas que trazia consigo. Palavras dele, literais: tamô sem time, tamô mal, esse ano não vamô ganha nada. Mas... sei lá! Diz pra mim não é de cair o queixo? Nesse sei lá caberia o mundo, a costura de mais mil prosas. E o arremate ainda veio com aquele verniz opaco na forma de um aviso, o de que desde sempre o time dele tratou com essa condição de desacreditado. 

Não tardou e, no dia seguinte, ali na praia, água de cocô na mão, não dei de cara com o Cláudio que lá trabalha, são paulino, que entre um golpe e outro na casca dura da fruta deve andar com um sorriso no rosto que não se via há dezenas e dezenas de rodadas. Mas é bom que se diga que se trata de simpatia rara, dessas que jamais foi ameaçada pela fase dura que o time do Morumbi atravessou. E só um tricolor pra saber como o verbo no passado posto aqui soa como sinônimo de alívio. Devia-se, aliás, cunhar a expressão torcedor de cátedra. Pois nesses tipos é ela que cabe. Nos dias atuais em que a interpretação do jogo é banhada em números e afins os que ainda sabem destilar o bate bola usando como receita uma precisa combinação de coração e vivência e nada mais deveriam sair por aí dando aula. 

Agora mesmo deixei o lugar em que costumo almoçar e pude provar o gosto que o senhor Luiz Felipe Scolari anda dando aos palmeirenses. Entre o tempo que a máquina levou pra ler o código de barras da comanda e o rapaz me perguntar se queria o CPF na nota ouvi o avesso do que sugeriam artigos na internet e as matérias de jornal que tinha acabado de ler. Todas fazendo questão de lembrar que o Palmeiras  conquistar o Brasileirão a essa hora tem algo de quimera. Aí está o lance, o torcedor faz pouco caso do óbvio. É preciso entender essa lição. E olha que o papo desprezou os gols do Deyverson e as evidências de que Dudu está voltando  a ser aquele. O foco estava lá na frente. O encontro com o Botafogo - que o time tinha ontem à noite - era só uma breve escala.

Era dar conta dele e partir pro embate com o Inter no domingo. Ponderei que o time Colorado andava bem. Que estava dando um jeito de deixar o Beira-Rio lotado e que tudo indicava que guardava para o solene momento a estreia do atacante Guerrero. Ouviu tudo aquilo com o semblante de quem ouve um número de protocolo numa ligação de telemarketing. A teoria era: ganhar do Inter e aí segura, e ponto. Mas e o Beira-Rio, lotado? E o Guerrero esfregando as mãos pra brilhar na estreia? A réplica foi curta. Se esse ano já ganharam até na Bombonera não faria sentido nenhum ver temor nisso tudo. A gente sempre pode discordar. Arrisco até dizer que na maior parte das vezes em papos de futebol se faz isso só de picuinha. Mas isso é coisa para um torcedor de cátedra não pra um jornalista de carteirinha como eu. Bom, aí ele me deu boa tarde e foi cuidar da vida com cara de quem está louco pra ver o que vai dar domingo. 


quarta-feira, 15 de agosto de 2018

E aí, o Santos cai ?

Nos últimos dias a pergunta que mais ouvi foi aquela que o torcedor santista, se não ouviu, talvez tenha proferido. E aí, o Santos cai? Os homens que comandam o clube, se já não estão, deveriam ficar de cabelo em pé. O motivo é óbvio: o simples fato de a questão andar nas cabeças e nas bocas  torna evidente o momento preocupante que o time atravessa. Não tardará para que alguém lembre que situação parecida o torcedor santista viveu na temporada passada quando ao fim dela acabou garantindo essa vaga na Libertadores. Vaga que Cuca e o elenco terão de defender na próxima semana encarando o Independiente, em Avellaneda. 

Tratar a temporada anterior e a presente como se fossem iguais pode ser fatal. A reflexão que faço é a seguinte, mas pra chegar até ela é preciso driblar certos dogmas porque quando se trata de futebol a impressão que tenho é a de que é muito raro que um clube preste tire lições da história vivida por um outro. O que não deixa de ser um dos muitos sintomas pouco nobres causado pela rivalidade.  Mas há sim um sem fim de exemplos que poderiam ser lembrados. Um deles, por exemplo, é o de que o Palmeiras em uma das vezes em que foi castigado com um rebaixamento era visto quase de maneira unânime como um time que não daria ao torcedor esse imenso dissabor. Diziam aqui e acolá: não é time pra cair. Pois caiu! 

Mas o grande  exemplo pra ser levado em conta na minha opinião é o do atual líder do Brasileirão, o São Paulo, que acaba de voltar a figurar na ponta da tabela depois de cento e quarenta e três rodas longe dela.  O calvário vivido pelo tricolor nos últimos tempos não foi, na minha visão, predominantemente técnico. Esteve em muitas ocasiões, inclusive, bem distante disso. Foi, antes de qualquer outra coisa, uma requintada mistura de elencos que não deram liga com um momento político conturbado, de administrações equivocadas e decisões desastradas. É possível que um time esteja acima de tudo isso? Certamente é. Mas o normal é que um certo caos político torne tudo muito mais difícil. E para embasar a urgência do momento poderia citar aqui várias notícias que andam preocupando os torcedores do time da Vila. Nesse sentido, não pode haver sintoma mais agudo do que um mandatário - em um brevíssimo espaço de tempo - ver cair por terra a convicção de boa parte daqueles que o ajudaram a se eleger. 

A falta de apoio é corrosiva e a nossa realidade nacional tem feito questão de nos lembrar isso dia após dia. A legitimidade é coisa impossível sem o voto, mas em geral precisa ser mantida com certos preceitos que estão além dele. E que não se enganem os que têm o dever de colocar o Santos em bom caminho porque a história que têm nas mãos só será honrada com algo que vá além daquele sentimento de salvação e alívio que costuma tomar o peito de quem se afasta de uma zona de rebaixamento. Posso até cometer a quase imprudência de dizer: não cai. E se digo quase imprudência é porque ao pé da letra ninguém está à salvo do purgatório do descenso. Agora, se algum dos envolvidos com o time santista a essa altura dos acontecimentos em sã consciência anda pensando assim eu retiro prontamente o que aqui vai escrito. E por hora mais não digo