quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Eu sou mais a Vila !


Não sou um romântico. Bom, talvez seja. Mas a questão de fundo não é essa. Faz tempo que o Pacaembu é tido como um caminho natural para o Santos. Tô pra conhecer alguém que não se derreta pelo charme dele. Eu mesmo sou um apaixonado confesso. Ainda outro dia estive lá para um compromisso profissional no meio da semana. Era um dia de céu azul, sem jogo, desses que só agigantam a beleza do velho Paulo Machado de Carvalho. Não resisti. Fiquei ali admirando o espaço sem cansar. Reinava um silêncio desses estrondosos, do mesmo tipo que se costuma encontrar em certos templos. 

No Pacaembu tudo  parece tão exato que só de ouvir falar de concessão, privatização, não tarda a bater em mim um certo temor. Tenho grande dificuldade para entender como será possível gastar ali, em nome da modernidade, um sem fim de milhões sem lhe roubar a alma. Como outros apaixonados acho que se alguém quisesse realmente fazer alguma coisa pelo Pacaembu deveria pensar em implodir o Tobogã e deitar-lhe novamente no ventre a saudosa concha acústica. Mas mesmo enredado em todo esse feitiço ainda defendo que o lugar do Santos é na Vila Belmiro. Estou consciente, no entanto, que faço parte de uma minoria absoluta. 

Não me entenda mal, eu também acho que o Santos precisa jogar em São Paulo. Precisa faturar. Expandir a marca. Sou capaz de compreender todos esses argumentos. Mas considero longe do ideal a forma como o tema tem sido tratado. Será difícil me convencer, por exemplo, que o fato de o time ter conseguido duas vitórias seguidas no Brasileiro não tenha na fórmula um pouco da mística da Vila. Que time bom ganha em qualquer lugar eu sei. Mas aí o time ganha as duas, ganha confiança, e tem de sair pra fazer um jogo importante fora. Injustiças à parte, onde seria mais factível vencer o Independiente por três a zero? 

A escolha pelo viés financeiro não se ampara. Chegar às quartas de final significaria faturar pouco mais de três milhões de reais, quando a renda do jogo não deu um milhão. Tanto se fala sobre os deslocamentos que cansam os times, da logística, coisa e tal. Aí na hora de enfrentar os argentinos permitem que eles desçam em São Paulo e lá fiquem. Ora, por que não fazer o adversário descer na capital e ter de enfrentar outra viagem, encarar o trânsito complicado e desgastante de São Paulo, descer a serra, quem sabe dar de cara com uma operação comboio, que vira e mexe faz Santos parecer tão distante quanto Barretos? 

Sem contar que com uma estratégia bem pensada, com jogos bem escolhidos, talvez a mística do Alçapão - em que não tardará o dia em que só eu irei acreditar - poderia ser potencializada. E quando se pergunta à boca pequena pro elenco  fica difícil encontrar uma voz que lhe diga que não prefere atuar na Vila. É claro, não fiz toda aquela declaração de amor ao Pacaembu no início à toa, fiz para tornar evidente que nenhum estádio, em tempo algum, será igual a outro.  Logo, dizer que jogar na Vila , ou fora dela, tanto faz, ou será uma inverdade, ou será uma maneira velada de não admitir o seu papel e sua história.  

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Torcedor de cátedra


O saudoso Zé do Rádio era, sem dúvida, um torcedor de cátedra

Gosto do papo cotidiano sobre futebol. Nem sempre educado. Quase sempre temperado de palavrões. Com o alcance brutal das coisas despidas de meias voltas. Outro dia dei de cara com o maior filósofo corintiano que conheço. Cabra simples. Mas que tem o time sempre muito bem pensado na cachola. Depois do boa tarde fui tirando uma onda. Disse ter percebido que nos últimos tempos ele tem evitado aparições nas rodas em que a conversa sobre futebol costuma correr solta. O sujeito teimou que não era nada disso e, sem perder tempo, foi soltando as pérolas que trazia consigo. Palavras dele, literais: tamô sem time, tamô mal, esse ano não vamô ganha nada. Mas... sei lá! Diz pra mim não é de cair o queixo? Nesse sei lá caberia o mundo, a costura de mais mil prosas. E o arremate ainda veio com aquele verniz opaco na forma de um aviso, o de que desde sempre o time dele tratou com essa condição de desacreditado. 

Não tardou e, no dia seguinte, ali na praia, água de cocô na mão, não dei de cara com o Cláudio que lá trabalha, são paulino, que entre um golpe e outro na casca dura da fruta deve andar com um sorriso no rosto que não se via há dezenas e dezenas de rodadas. Mas é bom que se diga que se trata de simpatia rara, dessas que jamais foi ameaçada pela fase dura que o time do Morumbi atravessou. E só um tricolor pra saber como o verbo no passado posto aqui soa como sinônimo de alívio. Devia-se, aliás, cunhar a expressão torcedor de cátedra. Pois nesses tipos é ela que cabe. Nos dias atuais em que a interpretação do jogo é banhada em números e afins os que ainda sabem destilar o bate bola usando como receita uma precisa combinação de coração e vivência e nada mais deveriam sair por aí dando aula. 

Agora mesmo deixei o lugar em que costumo almoçar e pude provar o gosto que o senhor Luiz Felipe Scolari anda dando aos palmeirenses. Entre o tempo que a máquina levou pra ler o código de barras da comanda e o rapaz me perguntar se queria o CPF na nota ouvi o avesso do que sugeriam artigos na internet e as matérias de jornal que tinha acabado de ler. Todas fazendo questão de lembrar que o Palmeiras  conquistar o Brasileirão a essa hora tem algo de quimera. Aí está o lance, o torcedor faz pouco caso do óbvio. É preciso entender essa lição. E olha que o papo desprezou os gols do Deyverson e as evidências de que Dudu está voltando  a ser aquele. O foco estava lá na frente. O encontro com o Botafogo - que o time tinha ontem à noite - era só uma breve escala.

Era dar conta dele e partir pro embate com o Inter no domingo. Ponderei que o time Colorado andava bem. Que estava dando um jeito de deixar o Beira-Rio lotado e que tudo indicava que guardava para o solene momento a estreia do atacante Guerrero. Ouviu tudo aquilo com o semblante de quem ouve um número de protocolo numa ligação de telemarketing. A teoria era: ganhar do Inter e aí segura, e ponto. Mas e o Beira-Rio, lotado? E o Guerrero esfregando as mãos pra brilhar na estreia? A réplica foi curta. Se esse ano já ganharam até na Bombonera não faria sentido nenhum ver temor nisso tudo. A gente sempre pode discordar. Arrisco até dizer que na maior parte das vezes em papos de futebol se faz isso só de picuinha. Mas isso é coisa para um torcedor de cátedra não pra um jornalista de carteirinha como eu. Bom, aí ele me deu boa tarde e foi cuidar da vida com cara de quem está louco pra ver o que vai dar domingo. 


quarta-feira, 15 de agosto de 2018

E aí, o Santos cai ?

Nos últimos dias a pergunta que mais ouvi foi aquela que o torcedor santista, se não ouviu, talvez tenha proferido. E aí, o Santos cai? Os homens que comandam o clube, se já não estão, deveriam ficar de cabelo em pé. O motivo é óbvio: o simples fato de a questão andar nas cabeças e nas bocas  torna evidente o momento preocupante que o time atravessa. Não tardará para que alguém lembre que situação parecida o torcedor santista viveu na temporada passada quando ao fim dela acabou garantindo essa vaga na Libertadores. Vaga que Cuca e o elenco terão de defender na próxima semana encarando o Independiente, em Avellaneda. 

Tratar a temporada anterior e a presente como se fossem iguais pode ser fatal. A reflexão que faço é a seguinte, mas pra chegar até ela é preciso driblar certos dogmas porque quando se trata de futebol a impressão que tenho é a de que é muito raro que um clube preste tire lições da história vivida por um outro. O que não deixa de ser um dos muitos sintomas pouco nobres causado pela rivalidade.  Mas há sim um sem fim de exemplos que poderiam ser lembrados. Um deles, por exemplo, é o de que o Palmeiras em uma das vezes em que foi castigado com um rebaixamento era visto quase de maneira unânime como um time que não daria ao torcedor esse imenso dissabor. Diziam aqui e acolá: não é time pra cair. Pois caiu! 

Mas o grande  exemplo pra ser levado em conta na minha opinião é o do atual líder do Brasileirão, o São Paulo, que acaba de voltar a figurar na ponta da tabela depois de cento e quarenta e três rodas longe dela.  O calvário vivido pelo tricolor nos últimos tempos não foi, na minha visão, predominantemente técnico. Esteve em muitas ocasiões, inclusive, bem distante disso. Foi, antes de qualquer outra coisa, uma requintada mistura de elencos que não deram liga com um momento político conturbado, de administrações equivocadas e decisões desastradas. É possível que um time esteja acima de tudo isso? Certamente é. Mas o normal é que um certo caos político torne tudo muito mais difícil. E para embasar a urgência do momento poderia citar aqui várias notícias que andam preocupando os torcedores do time da Vila. Nesse sentido, não pode haver sintoma mais agudo do que um mandatário - em um brevíssimo espaço de tempo - ver cair por terra a convicção de boa parte daqueles que o ajudaram a se eleger. 

A falta de apoio é corrosiva e a nossa realidade nacional tem feito questão de nos lembrar isso dia após dia. A legitimidade é coisa impossível sem o voto, mas em geral precisa ser mantida com certos preceitos que estão além dele. E que não se enganem os que têm o dever de colocar o Santos em bom caminho porque a história que têm nas mãos só será honrada com algo que vá além daquele sentimento de salvação e alívio que costuma tomar o peito de quem se afasta de uma zona de rebaixamento. Posso até cometer a quase imprudência de dizer: não cai. E se digo quase imprudência é porque ao pé da letra ninguém está à salvo do purgatório do descenso. Agora, se algum dos envolvidos com o time santista a essa altura dos acontecimentos em sã consciência anda pensando assim eu retiro prontamente o que aqui vai escrito. E por hora mais não digo

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Fotografia - Ansel Adams


Denali and Wonder Lake, Denali National Park, Alaska, 1948











quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Os nossos guris

O Brasileirão tem neste momento mais que um artilheiro, tem um xodó. Pedro, o camisa nove do Fluminense, anda encantando todo mundo. E não é pra menos, tem dado gosto vê-lo em campo.  Mas a pergunta que me vem diante dessa constatação é como seria a maneira mais precisa de tratar alguém como ele. Não se trata de um dilema temporal, é uma questão de tratamento mesmo. Não sei se já notaram, temos uma tendência a nos referir sobre os talentosos descobertos, digamos, na flor da idade como meninos. Quando o peso de uma grande camisa muito provavelmente já os fez de algum modo maduros. E o interessante é que esse modo de trata-los costuma durar um bocado. 

O tempo vai passando, passando e o jogador em questão muitas vezes segue por anos sendo visto - e interpretado - como um jovem talento. Ora, que são todos jovens não resta dúvida. E, além do mais, para alguém na minha condição de nascido pouco depois do meio dos anos sessenta continuarão nessa condição mesmo quando estiverem à beira de pendurar as chuteiras.  Isso explica a razão pela qual não foram poucas as vezes em que percebi um espanto brotar no meio de certas conversas quando vinha à tona, por exemplo, a idade atual de Neymar.  Como assim vinte e seis anos?, disseram alguns. 

Dá pra compreender. Alguém que passa a fazer sucesso tão cedo e de modo quase sempre contundente tem a imagem fortemente fixada no imaginário do torcedor.  E até por desejo se quer que aquela  boa primeira impressão, aquela meninice, perdurem. E nisso somos privilegiados. Há décadas tem sido parte da nossa história ver meninos de dezessete anos fazendo chover com a bola nos pés. Está aí o Rodrygo, do Santos,  para servir de amparo à minha teoria. Tão precoce e ao mesmo tempo tão capaz de dar conta da responsabilidade de ser o que o time da Vila Belmiro tem tido de mais alvissareiro nesta temporada. Na idade dele, dezessete, não há margem pra dúvida, pode chamar de menino, não tem erro.

Já no caso de Pedro, com suas dezenas de jogos pelo time profissional do time das Laranjeiras e seus vinte e um anos, é possível enxerga-lo como um profissional quase pronto no que diz respeito às potencialidades.  Ser maduro é outra coisa. E se o tema aqui se impôs, serei sincero, foi também como pretexto para encher a bola dessa garotada que de algum modo tem salvado o futebol brasileiro da modorra. Rodrygo, Pedro e também o corintiano Pedrinho, que bem poderia - pelo futebol que tem - ser chamado de Pedrão, são provas cabais de que há sim como driblar a falta de beleza do jogo, como lhe dar outra vida. 

E o mais cruel de tudo nem é o fato de que os caminhos usados pelos mercadores do jogo de bola muitas vezes não tenham o talento no sentido mais puro como principal requisito, mais cruel é saber que tudo isso nos condena a ver esses meninos em breve fazendo não a nossa alegria, e sim a de torcedores do outro lado do Atlântico.  E na ausência desse jeito de tratar a bola, na ausência desse arroubo que só a meninada é capaz de provocar, normal que o futebol brasileiro carregue consigo um certo ar de ultrapassado, quase velho.