quarta-feira, 30 de maio de 2018

Uma indignação imensa

Marcelo Pinto/APlateia

Sábado a tarde a TV mostrava o supra-sumo do futebol mundial. Real Madrid e Liverpool tinham semeado no nosso imaginário a possibilidade de um grande espetáculo, da diversão à vera  com um jogo de bola.  Mas as ruas estavam longe de ter o burburinho de sempre, e não era por causa daquela partida. Havia um país de terceiro mundo parando aos poucos lá fora. E era o nosso país. ​Ver o promissor egípcio, Salah, sair de campo chorando, lesionado, depois de rolar de braço dado com zagueiro Sérgio Ramos pelo gramado trouxe consigo um sentimento de tristeza. O jogo já não era o mesmo e o Brasil, talvez, também não.

O surrealismo que se revelava no enredo daquele confronto que se desenrolava num estádio distante de Kiev parecia transbordar e inundar nossa realidade. Como podia o goleiro do Liverpool ao repor a bola acertar o pé de Benzema dando um gol ao Real Madrid, que parecia tão acuado? Como podia alguém estender uma faixa pedindo intervenção militar no meio daquela caravana de caminhões que eu tinha visto recebendo acenos efusivos das calçadas e que soava cheia de sentido? Aí veio o gol incrível do Bale, o frango bizarro do tal goleiro do time inglês. E a única certeza que eu tinha é que estava diante de um daqueles momentos que se eterniza na gente. Como a morte do Tancredo, o deplorável confisco. 

Só não sabia se era pelo inusitado do jogo ou pela melancolia das notícias que o narrador ia se encarregando de salpicar entre uma jogada e outra que um suave desespero ia se fazendo presente. E o final de semana passou como se fosse um qualquer. Com o céu azul de outono infinitamente mais bonito do que uma final da Champions. Com as crianças construindo seus castelos de areia, vigiadas pelos pais que já não podiam dizer que não sabiam de nada. No final do domingo quando liguei o rádio pra ouvir as notícias do pós-rodada e dei de ouvidos com informes de última hora que  revelavam um governo que se desdobrava - ou dobrava - quis me surpreender. Mas seria inocência demais. 

E me vieram à mente, então, as palavras do lúcido, Eduardo Batista, técnico do Coritiba, nos alertando que  não deveríamos nem pensar em jogo diante de tudo que se descortina diante de nós. E que se hora dessas a bola parar de rolar, se não tiver jogo, não tem problema. Palavras que acusaram a cara de pau de quem anda comandando o que nosso destino tem de comum, o assassinato velado que certos homens púbicos cometem ao se corromper. O título que vai acima também saiu da boca de Eduardo Baptista, bem dito. Entre uma rodada e outra ficamos assim, correndo o risco de descobrir que só tinha nos restado o circo e que não tinham tido competência nem mesmo para nos deixar convictos de  poder comprar o pão. 

Para um povo que tem tanto pra se preocupar, tanto pra conquistar, se o Santos não vence, se o São Paulo está invicto, se o Flamengo ousou tomar pra si o lugar mais nobre da tabela, deve mesmo fazer cada vez menos sentido. Mas os postos voltaram a ter gasolina, embora eu não consiga crer que o Brasil tenha voltado a andar.  

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Chuteira preta, com Nuno Leal Maia

Foto: divulgação


O ator Nuno Leal Maia acaba de gravar a série de TV "Chuteira preta", que tem o futebol como tema. Estará no ar em breve pelo canal Prime Box. Ontem deu ao time do Cartão Verde a honra da visita. Nuno sabe de futebol e, o mais legal, tem um jeito muito original de interpretá-lo. Valeu, Nuno!





Nuno Leal Maia, santista hoje, outrora são -paulino !

Cartão Verde com Nuno Leal Maia (íntegra)


quarta-feira, 23 de maio de 2018

O fator Carille


Faz exatamente uma semana. Você irá se lembrar. A notícia do dia era a proposta milionária que um time da Arábia Saudita faria chegar ao técnico do Corinthians. Fábio Carille estava na Venezuela com o time pra enfrentar o Deportivo Lara. Desfrutava da condição de líder do grupo mas a diferença de apenas um ponto pro segundo colocado dava margem a certas preocupações. Ainda assim falou sobre o assunto, coisa que quem cobre o futebol sabe que a maior parte não faria. E foi claro. Disse que as pessoas que cuidam da carreira dele ainda não tinham lhe passado nada e o que ele sabia é o que a imprensa tinha noticiado por aqui.  Afirmou que estava com a cabeça no jogo e como havia na sequência uma partida pelo Brasileiro muito provavelmente teria algo dizer sobre o tema na segunda-feira. Mas a paciência dele se esgotou antes disso. 


Na coletiva depois do empate com o Sport, com a situação em aberto, disse que grande parte da imprensa mente demais. Se a proposta não tinha chegado como é que já se falava no valor do salário, no valor das luvas, e no tamanho que teria o contrato?  O desencadear dos acontecimentos merece reflexão. Até aí, apesar de toda a grita, não existia mesmo uma proposta oficial. Ela só chegou na última terça e emitida pelo Al-Wehda que nem era o time apontado no início da novela. Se não havia proposta, de onde saíram os números que andaram sendo ditos lá no primeiro dia? As criticas de Fábio Carille à imprensa foram duramente rebatidas. Ele pode ter dito o que disse de modo inapropriado. Mas parece evidente, não a mentira, mas uma certa falta de precisão. E essa parece uma questão muito pertinente diante do ocorrido. 



Não bastasse o trabalho irrepreensível à frente do time corintiano é notório que Carille construiu pra si a imagem de um profissional respeitoso e hábil para lidar com pessoas.  O que dá a esse ruído todo com a imprensa algo de intrigante. Semanas atrás quando encerrava a conversa com ele no programa Cartão Verde fiquei surpreso com a resposta que ele deu ao ser perguntado sobre qual aspecto deveria se aprimorar profissionalmente. Foi enfático. A seguir as palavras ditas por ele: algo que eu tenho que melhorar rapidamente é esse entendimento meu com a imprensa. Não tá fácil, mas tô tentando entender, tô tentando aprender. O que mais me incomoda é o que inventam. E inventam demais, isso é chato. Você tem que ficar respondendo por algo que você não falou, não discutiu em momento algum. 



Depois de tudo que Carille fez e vinha fazendo pelo Corinthians, ver o presidente do clube se mostrar quase indiferente à saída dele beirou o desrespeito. Culpá-lo por algo dito pelo pai dele algo pouco apropriado. Que um time de jornalistas seja mais difícil de domar que um time de futebol não me espanta. Como não me espanta que a imprensa com sua imprecisão tenha de certo modo abreviado a permanência dele no Corinthians. Carille é uma das raras boas surpresas que o futebol brasileiro nos deu nos últimos tempos. Tanto se fala sobre o papel do treinador. Acho que a partida dele pra Arábia é um bom momento pra se refletir sobre a imprensa e sobre o tratamento e a importância que o mundo da bola dá realmente aos treinadores.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Perdendo nas mesas de bar

Bar São Cristovão -Vila Madalena /SP


Outro dia escutei de um interlocutor uma teoria interessante. Travávamos um papo de contorno comum, que transitava entre o desgosto com as coisas de Brasília e o descontentamento com o futebol quando o sujeito me confidenciou que andava desconfiado de ter compreendido a razão de nos últimos tempos o brasileiro ter se entregado com tamanho fervor ao debate político. Fiz de conta que tinha acabado de ouvir algo trivial. Não dei pinta, não demonstrei espanto. Empolgado com a teoria que trazia consigo o homem tratou de ir revelando o que sustentava a descoberta. O que só fez meu interesse aumentar. Nada de muito complexo. O raciocínio era simples. 

Segundo ele a culpa era do futebol. O que temos visto se desenhar entre as quatro linhas está longe de dar caldo.  Foi-se o tempo em que o futebol tinha apelo suficiente pra alimentar conversas substanciosas. Como se não bastasse isso, ao mesmo tempo em que o futebol esfriou a política esquentou. Segundo o teórico que cruzou meu caminho basta um pouco de sensibilidade pra notar que atualmente ouve-se mais gente falando de política nas mesas de bar do que gente disposta a defender o time que escolheu como seu. Confesso, por um instante até me alegrei pois vi ali escondida uma boa notícia: o brasileiro anda mais interessado em política do que nunca. 

Mas fui levado a crer que a razão é outra, questão de instinto. Esse instinto que não nos permite ignorar o que nos ameaça. E diante da linha bem marcada que o técnico Tite trilhou desde que assumiu a seleção nem a recém divulgada lista de convocados terá conseguido mudar a realidade, até porque em termos de dar o que falar a política brasileira anda imbatível. E se o futebol brasileiro não anda gozando de muito prestígio tampouco a Copa do Mundo. Não sei se viram. Uma pesquisa divulgada dias trás mostrou que o desinteresse do brasileiro pela Copa aumentou consideravelmente. 

Em menos de dez anos a porcentagem de brasileiros que não querem nem saber do Mundial saltou de dezoito para quarenta e dois por cento. Ter visto uma Copa pelas entranhas, bem de perto, parece ter nos provocado um bode danado. Mas popular, ou não, a Copa está aí. Gosto, acima de tudo, da legitimidade que cerca a figura de Tite. Afinal, somos um país prodigo em consagrar ilegítimos. E quem sabe o time do Seo Adenor não consiga fazer o que nosso futebol por ora não tem conseguido: reconquistar o espaço perdido nos papos travados nas mesas de bar.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

O futuro é logo ali

The Argus - Roger Dean*



Você abre o seu jornal, agora no smartphone mesmo. Já faz algum tempo deixou de ler a edição impressa que lhe tomava um espaço danado na mesa e ainda exigia certa habilidade no trato com as páginas. Coisa que seu avô e seu pai faziam com maestria, mas uma arte que você no fundo sabe que nunca dominou. E essa limitação ainda lhe era literalmente jogada na cara toda vez que ainda insistia em abrir o jornal em uma manhã qualquer  quando o vento soprava com alguma valentia. Nas mãos do pai não. A vida não lhe deixa esquecer. A intimidade do velho com as folhas era tamanha que nas mãos dele pareciam imunes ao vento. 

Pequenas provas de que o tempo passou. Só na CBF as coisas permanecem as mesmas. A entidade ainda é presidida por Rogério Caboclo elegido por Del Nero pouco antes de a FIFA decretar o banimento dele do futebol para todo o sempre. A idade lhe fez indiferente a muitas coisas mas não conseguiu aniquilar seu interesse pelo jogo de bola. Por isso você adiantou as tarefas do dia. Chegou em casa mais cedo e agora está prestes a ver a mais nova criação da FIFA, essa espécie de Mini Copa. Oito seleções tiradas de um também recém criado torneio de nações que prometem divertir-lhe pelas próximas duas semanas.

No fundo o que espanta é como tudo foi feito a passos largos. Não faz muito tempo nem se cogitava mover as peças do futebol mundial de modo que a Copa pudesse ter seu papel minimamente ofuscado. Mas o que é que não se faz nessa vida por míseros 25 bilhões de dólares. Os poderosos do mundo árabe que um dia compraram os direitos da seleção brasileira, depois garantiram uma Copa no Qatar, não iriam mesmo parar por aí. Até porque nunca lhes faltou dinheiro pra comprar o mundo. Fato é que este outubro de 2021 soa futurista como nem mesmo os carros elétricos que prometiam inundar as ruas conseguiriam ser. 

Antes que soe o apito você se apressa em abrir sua cerveja vegana. Sabe-se lá o que é isso. Mas foi prometendo ser exatamente isso que ela lhe foi vendida e foi por isso que você se deixou seduzir por ela. Agora todo ano ímpar será assim. Essa tal Final 8, uma espécie de fase final do tal torneio de nações engolirá polpudas cifras da mídia e lhe condenará a assistir uns dez minutos de comercias antes que os pretensos melhores times do mundo desfilem suas capacidades raras na tela sensível ao toque de sua TV muito pra lá de Smart. Você envelheceu. E como dizia um antigo slogan da Coca Cola: é isso aí. Agora, o mundo é exatamente isso aí. Só faltava você querer que ele fosse o mesmo depois que a Copa do Mundo deixou de ser algo sagrado.   



* Roger Dean, ilustrador inglês, famoso por seus trabalhos para bandas, como Yes.  

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Don Andrés, um craque


A final da Copa do Rei semanas atrás serviu não só para afirmar a hegemonia do Barcelona na competição mas, principalmente, para tornar mais evidente o tamanho de Andrés Iniesta. Nada a ver com o gol bonito marcado por ele. Falo de algo que está infinitamente além de se marcar, ou não marcar, um gol desses que costumam fazer os gritos da torcida se misturarem ao som abafado que nasce com as expressões de espanto. Na ocasião, melhor do que vê-lo colocar a bola na rede suavemente, como se fosse um Coutinho, foi vê-lo se movimentar em campo construindo as tramas que levaram os companheiros dele a viverem também a alegria do gol.  É de impressionar a noção de espaço, o deslocamento extremamente correto, a velocidade impressa em cada movimento com precisão ímpar. Depois de tudo isso a imagem do oponente tendo de ir buscar a bola na  própria meta é só o ato final que faz soar como trovão a letalidade do que esse artista da bola é capaz. 

Na última sexta, Don Andrés, como os companheiros o chamam, chorou ao anunciar em entrevista coletiva que a temporada que está chegando ao fim será a última dele no Barcelona, onde não custa lembrar, está desde que era uma promessa das categorias de base. Não confirmou que seu destino será o futebol chinês como dizem por aí. Na minha concepção das coisas Iniesta é tão grande, tão significativo, tão superior, que deveria permanecer no clube até o fim. Passou lá vinte e dois dos trinta e três anos que tem de vida. Mas há sempre o dinheiro para justificar outros caminhos. Iniesta que no final de semana conquistou um título espanhol com o time catalão sem ter sofrido uma única derrota oferece como legado também a certeza de que craques de verdade não deixam espaço pra dúvidas. 

Outro de sua estirpe é Zidane, por exemplo. Por mais que tenha errado na ocasião, o considero um jogador que conseguiu ser elegante até na hora de dar aquela famosa cabeçada em Materazzi. Só um maluco seria capaz de questionar a condição de craque desse francês de origem argelina. O mesmo poderia ser dito de um jogador como o italiano Pirlo. Mas o mundo do futebol e seus rótulos, que servem de combustível para vender camisas e reforçar marcas, cometeu o desaforo de não ter dado até hoje a Iniesta, que é simplesmente o jogador espanhol com maior número de títulos da história, uma única coroação dessas individuais. Talvez lhe venham com uma tardia. Mas Iniesta está acima disso, como todo grande jogador. Como diz a música " O Craque", de Vicente Barreto e Celso Viáfora: muita mídia pode ser o céu/muita pode ser o breu / Muita mídia pode ser você virar patê.