quinta-feira, 29 de junho de 2023

Um santista fervoroso



Ricardinho, um amigo meu,  é santista fervoroso.  Mas me espanta com a maneira positiva que costuma encarar a realidade do time que ele escolheu como dele. Já o vi de conversa com outros santistas que, mesmo sendo menos fervorosos, não conseguiam esconder o temor com o futuro do time, enquanto Ricardinho ia tentando mostrar que nada andava tão mal assim. Elogiava o poder de ataque embutido num trio formado por nomes como Mendoza, Marcos Leonardo e Soteldo.  Eu escutava tudo quieto e não lhe tirava a razão. Quando a retórica não encaixava ou soava forçada, quase inevitavelmente , o Ricardinho apelava pra velha história de que há times piores na parada. 

Ainda não encontrei o Ricardinho pra saber se o cataclisma que atingiu a Vila Belmiro dias atrás colocou por terra suas convicções. Diria que tão perigoso quanto acreditar nesse tipo de argumento, de que há times piores, é acreditar em um outro que tomava por normal um presidente de clube não entender muito de futebol considerando a coisa um detalhe já que o mesmo vinha se provando um exímio administrador. Deixando no ar que essa condição poderia bastar para levar um clube ao sucesso. Quando o que basta, de verdade, é transferir essa realidade para qualquer outra situação e ela se revelará surreal. Digamos, um presidente de metalúrgica que não conheça minimamente o mercado de metais. Como acabaria? Por mais que conte em seu elenco com um notável especialista do ramo. Coisa, aliás, que o time do Ricardinho por tudo que tem sido visto ainda não encontrou. 

O resultado da fórmula não resta dúvida  é o que aí está. Sem dizer que a essa altura nem mesmo as contas andam tão bem das pernas. Mas a realidade atual do time do Santos antes de lhe ameaçar o futuro ou qualquer coisa assim mina a confiança do grupo. Não é pra menos. E pior do que  não estar confiante é estar ameaçado. E quando digo isso obviamente não estou falando de rebaixamento. Falo da selvageria  que bem antes do clássico um tanto fatal já rondava o elenco alvinegro e continua rondando.  Não será com violência que a situação se transformará, embora uma parcela mínima acredite nessa hipótese. Um parcela tão perversa que historicamente nunca deixou de aproveitar a deixa para tirar proveito do caos. 

Mais legítimos do que esses são os santistas que amando o clube jamais tomaram qualquer atitude que pudesse redundar em desserviço. Legítima nessa hora também se faz a indignação. Protestos pensados de forma inteligente, pacíficos, e que nem por isso deixarão de ser contundentes, são muito bem vindos. necessários para ser mais claro. Como não será com jogadores pensando no próprio umbigo que o Santos mudará o rumo da história. Um time de jovens sendo seduzidos  por chances na Seleção, ou por uma endinheirada carreira de boleiro que se descortina. Normal que diante desse quadro um ou outro peça pra sair. E talvez essa seja a atitude mais leal nessa hora. E deve valer pra todas as esferas. Cabe aí um exercício de reflexão de todos os envolvidos nessa realidade dura, estampada no jogo vazio de logo mais contra o Blooming. E não é que eu estava quase acabando de batucar estas linhas e dei de cara com o Ricardinho. Bastou lhe lançar um olhar interrogativo e ele imediatamente disparou: Agora a vaca foi pro brejo. Nem sei o que pensar. 

sexta-feira, 23 de junho de 2023

A grande aposta



Se o futebol já não é o mesmo, olhar pra nossa Seleção é a melhor maneira de se convencer que o que passou passou. Os tempos são verdadeiramente outros. A cada dia um jogo de seleção fica mais distante  do que é estar diante de um bom jogo entre clubes. Chega a ser desleal. Tá certo que isso é coisa que vale mais para o futebol europeu do que para o nosso. Mas quando se trata de seleções falta de magnetismo é meio geral pelo que sinto. Como é fato que amistosos, no nosso caso, há muito tempo parecem ter os adversários escolhidos para que fiquem ausentes de peso. Digo isso com respeito a seleções como a da Guiné.  Senegal se fez respeitar. E o Marrocos pode ter sido um erro de cálculo. A realidade empurra a todos nós para aquela condição de torcedores de Copa do Mundo. E preparem-se porque até elas já não serão como eram. 

Mas vejam como a coisa anda feia pro lado do torcedor. Desde o início dos tempos  cornetar o treinador da Seleção Brasileira é um dos maiores prazeres que o jogo de bola oferece , só perdendo para o prazer de cornetar o juiz. E não é que a CBF agora, ao aceitar essa condição de que Carlo Ancelotti só assuma o escrete nacional no ano que vem, roubará dos torcedores até isso. Cornetar alguém que sabidamente estará no posto de passagem está longe de proporcionar o mesmo barato.  Que o presidente da CBF apostou alto é difícil de discordar. Mas, desconfiado que sou,  vou ter a coisa como certa só quando o nobre italiano desembarcar por estas bandas e puder ser visto vestindo agasalho lá pros lados da Granja Comary.  

Prova de que Ancelotti está muito acima dos outros é que não vimos até agora nenhum coro bradar contra essa coisa de entregar o comando da Seleção Brasileira a um estrangeiro. O que vem a ser ao mesmo tempo a constatação de que para quem comanda o nosso futebol não há entre os treinadores brasileiros alguém com envergadura suficiente para assumir o cargo.  E se em tempos muito recentes vimos aqui entre nós ser ensaiada uma renovação nesse sentido ela parece ter se dissolvido. No Brasileirão, por exemplo, há dois nomes que pairam revestidos de excelência já faz um bom tempo. Um é o treinador do Palmeiras, Abel Ferreira. O outro, o do Fortaleza, Juan Pablo Vojvoda. Dois estrangeiros. Mas no meio de tudo isso fica a impressão de que a CBF com essa sua grande aposta não quer se colocar em rota de colisão com os clubes. Uma lógica que tira do jogo um nome como Dorival Júnior que, gostem ou não, dá a impressão de viver sua maturidade profissional. 

E por falar em treinadores, seguem aí na cena do  futebol brasileiro dois que passaram pelo comando da Seleção. Um é Vanderlei Luxemburgo. O outro, Luiz Felipe Scolari.  O primeiro, se não teve o sucesso do segundo no posto, conseguiu algo pra lá de raro que é ter comandado o Real Madrid, hoje justamente sob a batuta de Ancelotti. Enfim, de minha parte vos digo que acho essa história toda muito esquisita.  Mas fico pensando que se um dia Carlo Ancelotti vier fatalmente fará o torcedor brasileiro, cornetando ou não, resgatar parte da fantasia que um dia a Seleção Brasileira tão bem representou. 

quinta-feira, 8 de junho de 2023

Quem sabe perder?



Desde sempre lidar com a derrota foi um desafio. Não por acaso ao longo dos tempos ouvimos tanto por aí que o que importa é competir e não vencer. Não necessariamente nessa ordem. Afinal, em algum momento, profissionais ou não, perdemos. E inevitavelmente talvez o tenhamos feito de forma retumbante porque como escreveu certa vez o mestre Nelson Rodrigues até a mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeariana. E traz consigo todos os céus e abismos nela contidos, ouso complementar. Acho que a questão visivelmente extrapola a questão esportiva. Vejo que  em especial  os mais novos têm mostrado uma dificuldade imensa de lidar com a frustração. Vira e mexe dou de cara com artigos falando sobre isso. E a derrota, pra destituir a definição da mesma de qualquer coisa mais rebuscada, é uma frustração. Se enquadra nisso, embora a frustração possa ter  evidentemente outras naturezas. Ele nunca aceitou perder é algo muitas vezes dito em tom de aprovação. Ou não é? 

Falo disso depois de ter testemunhado o que se deu dias atrás na final do segundo torneio de futebol 

mais importante do velho continente, a Europa League. A decisão feita em jogo único teve prorrogação e acabou nos pênaltis o que pode ter ampliado em cada atleta a expectativa da vitória. Vá lá.  E se cito esse episódio é para dizer que não é algo que se dê por aqui apenas, como costumamos  ser levados a crer. Aliás, as mazelas costumam ser universais e o jogo evidenciou isso também porque a atuação do árbitro foi um tanto terrível e se tratava de um profissional acostumado a apitar jogos do campeonato inglês que, gosto sempre de lembrar, é tido como modelo para quase tudo no mundo da bola.  


Por um instante achei que a coisa se daria de modo diferente . Pois os jogadores do campeão Sevilla, depois de se esbaldarem nas comemorações do título não sei bem se por vontade própria ou orientados pela organização se postaram em duas linhas formando um corredor pelo qual passaram os vice campeões da Roma. Os jogadores do time italiano cruzaram esse corredor sob aplausos adversários. Até ali um exemplo de comportamento esportivo.  Mas eis que muitos jogadores da Roma ao receberem as medalhas de prata iam longo as arrancando do pescoço. Alguns só a colocaram depois da insistência da figura que tinha a missão de entregá-las. E ainda assim iam tratando de tirar a medalha de cena poucos passos depois quando ainda estavam na mira das câmeras que iam exibindo a repulsa deles ao vice-campeonato. 


Talvez tenham se inspirado no próprio treinador, José Mourinho. O português depois de reunir o time à vista das câmeras num ponto do gramado, sugerindo que estava ali a distribuir palavras que enaltecessem o que seus comandados tinham feito, logo tratou de se encaminhar - antes e sozinho - ao palco e receber sem colocar no pescoço a medalha que lhe cabia. Medalha que ele minutos depois ofereceria a um torcedor em gesto também flagrado pelas câmeras.  Mourinho é sem dúvida um vencedor, mas tenho pra mim que se alguém não sabe lidar sabiamente com a derrota dificilmente o fará com a vitória que, estamos cansados de saber, é infinitamente menos didática. 

quinta-feira, 1 de junho de 2023

O futebol moderno



Difícil saber o que seria exatamente a vanguarda do futebol mundial. Mas se ela existe provavelmente está intimamente ligada à grana de Estados Autocráticos que há pouco mais de uma década viram no futebol a ferramenta ideal para expandir sua área de influência. Daqui do hemisfério sul não foi difícil notar isso quando Nasser Al Khelaifi, presidente PSG e CEO de um fundo de investimentos ligado ao governo do Qatar não se intimidou diante das cifras que precisaria honrar para tirar Neymar do Barcelona e fazer dele o jogador mais caro da história na ocasião. Estava ali exposto pra quem quisesse ver que se tratava , acima de tudo, de um negócio de Estado. 

Daqui a alguns dias veremos o Manchester City em campo decidindo o principal torneio de clubes da Europa. E ninguém melhor do que o City , de Pep Guardiola, para exemplificar essa vanguarda. É fato que o resultado talvez não fosse o mesmo se a estrutura milionária colocada à disposição do treinador catalão não estivesse aliada a alguém como ele. Mas essa é outra história. Interessante é notar que a maior vítima de tudo isso até agora tenha sido justamente o Real Madrid, atual campeão europeu de clubes, que se viu encurralado no jogo de volta das semifinais de maneira poucas vezes vista. Justamente o Real, de Florentino Peres, que outrora com gastos estelares fez cair sobre o time madridista a fama de galáctico. Com toda a pompa e vaidade que ela guardava.  

Há um sem fim de questões que vêm na esteira de tudo isso. O futebol virou um tipo de negócio que dá a impressão de ser cada vez mais íntimo de grandes esquemas, sujeito à lavagem de dinheiro ou a conivência com questões pra lá de delicadas como a dos direitos humanos. Algo que a passagem do futebol mundial pelo Qatar durante a última Copa só fez ficar flagrante. Ninguém há de dizer que o futebol gerado por essa realidade não é de encher os olhos. Talvez fosse o caso de se perguntar o quanto ele pode ser considerado verdadeiramente real.  Seja como for é fácil demais entender porque é que dias atrás as manchetes anunciando o interesse do PSG em investir no Santos causou tanto eco. 

Ainda que seja um exercício desafiador compreender como seria possível ficar com a grana sem se render à lei das SAF recém instituída.  Não existiria negócio no mundo tão bom, ao menos pra uma das partes, do que usufruir de uma fortuna sem necessariamente entregar a galinha dos ovos de ouro. Talvez nos falte tempo para acompanhar de perto todos os desdobramentos causados pelo fato de o futebol ter ganho esse tamanho geopolítico e por estar à merce dos interesses de Estados como o de Abu Dabhi. O City chegou ser multado pela UEFA e se ver suspenso por duas temporadas da Champions League há cerca de três anos. E certamente não foi por ser bonzinho. 

O City se viu emaranhado nas questões do tal Fair Play financeiro. Um caso que  expôs totalmente a Premier League, símbolo mor nos dias atuais do que deve ser um torneio nacional. Em julho de 2020, meros cinco meses depois de a UEFA ter anunciado o banimento do City a Corte Arbitral do Esporte anulou a decisão. Se alguém no futebol mundial ainda pode prescindir da grana que jorra desse imenso jogo de interesses de Estado certamente não são alguns dos maiores clubes do mundo. Ao mesmo tempo que um sem fim de outros nem pensarão duas vezes diante da oportunidade de entrar no time.