quinta-feira, 26 de outubro de 2023

De olho na tabela !



Não sei se você é desses que gosta de analisar uma tabela, ou se só a procura quando quer tirar alguma dúvida. Ou pra se certificar sobre qual o tamanho da sombra que a zona do descenso anda projetando no escrete que ama. Ou, mais poeticamente, sobre quem precisa derramar aquela velha e boa secada, sem a qual o jogo de bola ganharia ares de orquestra de câmara. Eu sempre tive uma queda por elas. Já disse aqui que quando menino junto com meu irmão dispuvamos longos campeonatos de futebol de botão com cada um de nós cuidando de dar vida a uns dez times. E zelar pela tabela de classificação colocava a brincadeira em outro patamar. E agora que a atual edição do Brasileirão vai caminhando pro fim as resenhas vão se apoiando cada vez mais na tabela. E a deste ano em especial anda sendo de um magnetismo absurdo em seus extremos. Em outras palavras, na parte alta e na parte baixa. 

E olha que o Botafogo tem feito de tudo pra jogar uma água nessa fogueira. Vejam vocês, mesmo levando em conta que possa não vir a ser o campeão, seria necessária uma dose cavalar de pessimismo pra não dizer que uma das vagas diretas na Libertadores do ano que vem ficará com ele. Restam , então, outras três. E pra elas o que a tabela mostra é uma fartura de interessados. Tite chegou ao Flamengo e disse com todas as letras que a missão dele no Flamengo de cara é fazer o rubro-negro ficar com uma delas. O Palmeiras por sua vez, mesmo não tendo um ano tão medonho como seu rival carioca  também precisa de uma. Pois se terminar o ano sem uma delas só amplificaria o descontentamento da torcida e escancararia o quanto o planejamento esteve longe do ideal. E diante disso nem supostas contratações sendo providenciadas surtirão tanto efeito. 

Ocorre que mesmo sendo possível acomodar essas exigências com a boa campanha do Bragantino  há muitos interessados em melar essa lógica. O Grêmio tá no páreo, o Athlético Paranaense. E dependendo do desfecho da rodada que começou ontem e segue hoje e do desfecho dos torneios continentais Fortaleza e Fluminense poderão acabar por ter o Brasileirão como grande meta pra salvar o ano. Mas é a parte de baixo que dá pano pra uma reflexão ainda mais provocadora, por assim dizer. Levando em conta os que estão na zona de rebaixamento e os que estão a poucos pontos dela é possível ver muitos campões brasileiros. Campeões continentais e, pasmem, até mesmo campeões mundiais de clubes.

Mas como dizer que o campeonato brasileiro está entre os melhores do mundo a essa altura pode provocar risos, muitos acabam por apontar essa riqueza de patentes como prova de que se não se trata do melhor se trata do mais disputado. Quem imaginaria um Real Madrid, ou um Bayer de Munique vivendo essa experiência desabonadora? De minha parte prefiro crer que o que a tabela escancara é  prova cabal de como são mal administrados muitos dos principais clubes do nosso país. Pra quem ainda ficar com dúvida sugiro pegar trechos do debate travado entre os candidatos a presidência do Corinthians promovido pela TV Gazeta dias atrás em que o despreparo para tão impoluto cargo se fez flagrante. Não que seja diferente em outros grandes clubes. Outra lição que tiro disso tudo também é como acabamos por nos divertir com o que deveria nos envergonhar. 

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

O homem por trás do jogo



Nunca vou esquecer o que me falou certa vez o amigo Xico Sá sobre a maneira pra lá de original que ele sempre teve de encarar o futebol. Disse ele no fundo de uma madrugada: Vladir, o que interessa é o homem por trás do jogo. Definição tão precisa que já recorri a ela várias vezes no afã de tentar explicar em que ponto tento colocar o meu olhar também boa parte das vezes em que o ofício me exige decifrar o jogo. Mas interessante é notar como este viés costuma passar longe do mundo da bola. Ao longo da carreira conheci profissionais no futebol que se mostraram muito humanos, mas que se mostraram preocupados com o homem, muito poucos. Cilinho foi um desses. Ficou até famoso por isso. Como alguém preocupado com o desenvolvimento intelectual dos jogadores que comandava. Tinha notadamente o olhar bem pra lá das quatro linhas. Perfil que o fez entrar para a história com esse rótulo. Exibia também vocação para a boêmia. Mas isso é detalhe. 

Foi um dos melhores em seu tempo. Foi dele a criação do time do São Paulo que acabaria reconhecido como os "Menudos do Morumbi", menção a uma jovem banda porto riquenha que fazia muito sucesso na época. Outro nessa rara linha é Fernando Diniz, sobre quem muito tem sido dito. Dias atrás mesmo, quando o time dele garantiu a classificação para a final da Libertadores batendo o Internacional de virada, dei de cara com uma matéria que enaltecia todo o cuidado que o treinador tinha dispensado ao jovem John Kennedy, um dos personagens centrais da histórica vitória no Beira Rio. Diniz, visivelmente emocionado falou sobre o camisa nove. E a matéria resgatava ainda uma bonita frase dele dita no ano passado quando Kennedy andava às voltas com problemas extra-campo. Preciso acolher a pessoa como um todo não só o jogador, afirmou então.

Também é interessante notar que tanto em um caso quanto no outro há certa afinidade. Em uma rápida pesquisa sobre Cilinho, vejam só, acabei me deparando com uma manchete que o definia como um "formador de homens". E não pensem que a coisa para por aí. A maneira de encarar o futebol também guarda semelhanças. Cilinho fazia questão de dizer que tinha compromisso com o futebol ofensivo. E se o time dos Menudos entrou para a história pela conquista de um título paulista entrou também pela forma como jogava. Cilinho, o homem que dava livros aos seus jogadores, gostava de dizer também que gostava de dar a eles liberdade. A impressão que tenho é que o pragmatismo de Diniz o impede de ser, digamos, liberal como Cilinho. 

Mas nos dois casos foi preciso que o caminho deles cruzasse com cartolas dispostos a lhes dar amparo. Sabemos todos, vimos nos últimos dias, que esse modo de pensar o jogo muitas vezes não acaba em vitórias. Outra diferença entre os dois é o fato de Diniz ter chegado ao comando da Seleção Brasileira e Cilinho não. Embora tenha estado quase lá. Dizem que foram oito encontros entre ele e a cúpula da CBF. Queriam testá-lo num Pré-Olímpico. Ele não aceitou. Tinha outras exigências, queria cuidar do trabalho de base. A coisa miou. Diniz, pelo visto não fez tantas exigências e paga neste momento preço altíssimo por ter topado comandar a Seleção. Enfim, duas histórias que dão amparo a essa filosofia boleiro-humanista, ao mostrar que não é só do lado de fora das quatro linhas que existe quem considere o homem por trás do jogo uma grande questão.    

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Do que é feito o futebol



Era uma tarde chuvosa. Dessas que costumam deixar a cidade mais silenciosa e por isso a algazarra se fez ainda mais fácil de notar. Foi o árbitro apitar o final do clássico contra o Palmeiras e os gritos ecoaram por todos os cantos. Nem todos politicamente corretos, mas deixando transparecer sentimentos desses que costumam ficar presos na garganta. Uma euforia dessas que a gente costuma ver quando um time conquista um título. Fato é que que naquela tarde os santistas, talvez sem perceber, podem ter sido brindados com sensação tão valiosa quanto. Afinal, vai saber do que é feito o futebol. Cansamos de ouvir por aí muitas vezes que ganhar um clássico é como ganhar um campeonato. Pode não se tratar só de figura de linguagem. 

Mas é dessa essência do jogo que quero falar. Quatro rodadas atrás, ou mais precisamente antes de Marcelo Fernandes assumir o comando técnico, o Santos era um time sem alma.  E isso, ouso dizer, era mais assustador do que a falta de resultados. E em matéria de futebol faz tempo que os insucessos são instintivamente relacionados com a falta de dinheiro. Na temporada que estamos acompanhando mesmo, Flamengo e Palmeiras são cobrados e vistos com indignação porque apesar do astronômico faturamento não brilham, não vencem. Por isso Marcelo Fernandes representa neste momento também um triunfo sobre todo esse discurso. Conseguir fazer pairar no ar a possibilidade de que o futebol a essa altura não esteja subjugado a grana é muita coisa. 

Só ele saberá a receita exata na qual apostou. Mas sou levado a crer que nela deve haver ingredientes como paixão ao ofício, determinação, confiança e mais um sem fim de coisas que jamais irão constar em planilhas contábeis. Lembro bem de ver o zagueiro Marcelo Fernandes em campo. Na época eu era um repórter em início de carreira mas que vivia colado no time santista. Se eu escrevesse aqui que era um craque estaria carregando na tinta. Mas Marcelo sempre foi em campo o que é hoje. Um cara que vibra, que dá a vida pelo time, que jogava pro time. E que soube desde sempre que o futebol é feito de outras coisas que não exatamente o requinte. Arrisco dizer mais, talvez tenha desenhado uma trajetória que o convenceu desses valores ao suar na várzea e mais tarde ter ido viver o futebol nem sempre em times fartos de glamour. 

Que os santistas não se iludam. O Bragantino será adversário dos mais duros. O internacional idem. E nisso está a beleza do que tem sido visto. Tempos atrás o Santos estaria entrando em campo já um pouco batido. Não é mais o caso. E tão importante quanto isso é não esquecer, sejam quais forem as alegrias que o destino reserve aos santistas, que o clube foi levado até à beira do abismo por quem o comanda. Há maneiras e maneiras de perder um jogo. O Santos andava perdendo da mais lastimável. E blindado aqui dessas euforias que podem se revelar traiçoeiras eu vos digo que se Marcelo Fernandes e aqueles que com ele chegaram - o experiente preparador físico, Carlito Macedo - conseguirem fazer o Santos seguir onde sempre esteve terão feito um trabalho memorável. Poderão legitimamente comemorar como quem ganha um título. E mesmo sem vaga na Libertadores, ou seja lá o que for, sou levado a acreditar que estarão felizes, se sentindo cumpridores do dever porque no fundo sabem, nunca esqueceram, do que é feito o futebol.

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

É o Tite, mano !



Somos reféns da própria história. Não há como fugir disso. Voltamos a amores. Voltamos a lugares. E ao agir assim desafiamos o que disse certa vez um literato que fez questão de avisar que não deveríamos voltar jamais a um lugar em que fomos felizes, sob risco de não encontrar por lá o que tivemos da outra vez. Mas voltar a algo que deu certo é coisa que ao longo do tempo tem pautado a história dos clubes brasileiros. Filosofando aqui sou levado a crer que por se tratar justamente de algo tão cercado de paixão. Algo do qual o homem costuma ser tão escravo quanto é da própria história. A novela que vimos nos últimos dias envolvendo os treinadores Mano Menezes e Tite evidenciou  essa realidade. 

O primeiro comandou o Corinthians num dos momentos mais emblemáticos de toda a história alvinegra. A queda para a Série B, verdadeira tragédia no momento em que se deu, viria a se transformar em uma espécie de catalisador que fez a fiel torcida mostrar toda a sua força. E à frente dessa recondução triunfal à elite do futebol brasileiro estava o gaúcho Mano Menezes credenciado por já ter vivido com o Grêmio esse tipo de epopeia. O título paulista e o da Copa do Brasil conquistados na sequência sedimentariam de vez a imagem dele no imaginário dos corintianos. 

Tite, por sua vez, que é gaúcho como Mano e tem praticamente a mesma idade, chegou ao Corinthians na condição de velho conhecido. Já tinha passado por lá no início dos anos dois mil e ao voltar, ao contrário de Mano, trazia no currículo um título nacional de primeira divisão e até um título sul-americano. Mas com o Corinthians alcançou e deu ao clube outra dimensão. Fez do time do Parque São Jorge campeão da Libertadores e campeão Mundial de clubes. E só quem é capaz de compreender o que significava para um time como o Corinthians a ausência desses títulos será capaz de compreender o que significa e significou a conquista deles. Não é por acaso que Tite virou uma espécie de deus do time alvinegro. 

Ele, e Mano, tiveram passagens tão fortes pelo clube que nem mesmo as que foram desenhadas pelos dois tempos depois, ao voltar, sem qualquer grande êxito, mudaram o rumo das coisas. Nada me tira da cabeça que pelo momento em que se deu a demissão de Luxemburgo, e por outras informações que circularam, a ideia da direção corintiana era trazer Tite de volta. O desenrolar da história a fez se contentar com Mano. E do mesmo modo que o Flamengo - que dizem tem tudo encaminhado com Tite - não é o Corinthians. Mano Menezes não é o Tite. E mais do que preferir esse ou aquele o que a torcida do Corinthians deve cobrar é que esse abismo que hoje existe entre os dois clubes , no mínimo, diminua consideravelmente. 

O Corinthians tem história, torcida, triunfos pra isso. A falta, é obvia, é de competência administrativa. Normal que o torcedor tenha sua preferência. Como é preciso admitir que as passagens dos dois acabaram os levando à Seleção Brasileira e isso é prova de alguma excelência. E se Mano não teve a longevidade de Tite não custa lembrar que acabou demitido quando o trabalho dele na Seleção passava a ser amplamente respeitado pela crônica esportiva. Tite, por sua vez, dirão os críticos, esteve em duas Copas e saiu das duas muito criticado. Mas aí eu diria , sem titubear: mas é o Tite, mano!