quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Mais que um desabafo

Tenho com o futebol relação muito saudável. Nunca xinguei ninguém na hora de torcer, nunca me desgastei pensando nas alegrias que ele deixou de me dar, jamais olhei de lado para os que adoram outro time e, ainda que possa ser acusado de total apatia, só tiro um sarro usando o jogo como tema quando tenho certa intimidade com o interlocutor.

Nos casos em que não costumo segurar a onda, procuro ter em mente uma palavra que faço soar internamente como um mantra: parcimônia. Questão de educação, ainda que vocês não acreditem. Mas no exato momento em que escrevo estas linhas sou obrigado a ver um corintiano desfilando na redação com a camisa do Barcelona, o que quase me faz deixar de lado esses princípios que me são tão caros. Na verdade, ainda que tenha sido por um instante, deixei. Ah! Se deixei. Na terceira vez em que cruzei com ele, disparei:

_ Pô, essa daí é de um campeão legítimo, hein?

Sarrinho de nada. Se tratava de um amigo. Mas para não colocar a amizade em risco apertei um pouco o passo - já que estava de passagem - e na sequência não fiz força alguma para ouvir a resposta. Olha, não levem muito em conta essa minha rigidez moral. A minha regra pra esse tipo jogo é simples: Jamais permitir que a brincadeira derrote os bons modos.

Fazer essa espécie de auto-análise ludopédica foi o jeito que encontrei para tratar tão amarga derrota. Não me lembro em passado recente jogo que tenha despertado tamanho sarcasmo nos secadores, independentemente do seu nível de crueldade. Foi um embate que serviu pra muitas coisas. Pra mostrar quais são os santistas que gostam de analisar o jogo, e quais os que diante de uma possibilidade histórica se transformam numa espécie de "Pacheco", se é que os mais novos irão lembrar do famoso torcedor que era Brasil de qualquer jeito.

Aos mais entusiasmados andei dizendo que estavam exagerando por razão simples: Ou a vitória santista não seria muito provável ou tudo que andávamos falando do Barcelona de Pep Guardiola até ali era um tremendo exagero. Espero um desconto para o tom dessa nossa conversa, uma vez que ela não deixa de ser também um desabafo. Abro o coração pra dizer que esse jogo com o Barça me fez repensar muitas das minhas teorias.

Sempre acreditei e defendi o futebol limpo, mas toda aquela cortesia dos santistas, a todo instante fazendo questão de levantar os adversários do chão, de passar a mão em suas cabeças, chegou a me irritar. Jamais serei a favor de entradas duras ou desleais mas um pouco de virilidade não compromete a qualidade do jogo.

Por outro lado, me peguei pensando que diante de adversário de recursos tão leais e bonitos qualquer falta soava como tremenda deselegância, e ninguém ali queria ser chamado de brucutu. Seria muito bom se essa aura se instalasse na maioria das partidas. Mas pedir pra todo mundo jogar um pouco como o Barcelona é demais.

Quero crer que para nós, que vimos o jogo por esse vértice doloroso, tenha ficado alguma herança. Pelo que foi dito houve um ensinamento em tudo isso. Não me recordo de um jogo em que os derrotados, em uníssono, tenham dito que a derrota lhes ensinou. Muricy disse, Neymar disse, Ganso disse. No mais é acreditar nas palavras de Fernando Pessoa que dizia que
" conformar-se é submeter-se, e vencer é conformar-se, ser vencido. Por isso...vence só quem nunca consegue."

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Para o Doutor Sócrates

O último domingo, Magrão, o dia da tua partida, durou uns dez anos. E como foi difícil atravessá-lo. No sábado, um tanto sorrateiro até, entrei na igreja de Santo Antonio do Embaré e rezei por ti. Algo me dizia que precisavas disso.

Ali, em meio a quietude inquietante dos templos, tive comigo a certeza de que mesmo muito baixinho, quase em silêncio, todas as preces que estavam sendo ditas em teu nome, juntas, seriam capazes de fazer mais barulho do que todos os estádios cheios que um dia tua elegância foi capaz de emocionar.

De lá pra cá, tanto foi dito, escrito e mostrado em teu nome. Tua figura, de repente, ganhou uma onipresença, e como ela te fez justiça. O velho Michel, na segunda, batucou um texto bonito, como sempre, falando dessa coisa inestimável - mas nem sempre percebida - que é estar ao lado de um gênio. Eu li, e fiquei lembrando de você, ali, sentado na cadeira ao lado da minha, humildemente envaidecido com a maneira como levamos o compromisso de fazer um programa de televisão juntos toda semana. Como foi bacana meu amigo.

Admirava em segredo a tua devoção com esse nosso encontro semanal por saber muito bem que eras esse tipo de pessoa rara que por motivo nenhum nesse mundo aceita fazer o que não gosta, e muito menos o que não lhe dá prazer.

Teimosamente vou te esperar no corredor que leva ao estúdio, mesmo sabendo que não vais chegar. Fecho os olhos agora e vejo você se aproximar, sem pressa, e dizer com um sorriso no rosto: "Fala Véio Mussa". Magrão, você não gostava da limitação dos scripts e dos roteiros e esse ditador terno aqui sabe que ficou te devendo um pouco de anarquia, no melhor dos sentidos. Teria sido a melhor maneira de provar que tinha me rendido ao seu estilo.

Quando dizia que esse teu jeito de não se preocupar com a vida me causava inveja não se tratava de uma metáfora. Saiba que vou carregar esse ensinamento comigo mesmo que ele não passe de um plano mirabolante que eu jamais seja capaz de colocar em prática.

Que saudade eu já sentia de invadir as madrugadas em tua companhia em uma mesa de bar, e nem preciso dizer que o nosso Xico também. Pra alguém que tinha orgulho da boemia se perder numa madrugada faz todo sentido, mais até do que essa coisa de partires num domingo em que o Corinthians ganhou um título. Que importa isso, se te perdemos um pouco?

Digo um pouco pois sei que vais continuar por aí, teu rosto permanecerá estampado nas camisas dos jovens de corpo e espírito. És uma bandeira. E pensar que nas nossas noites inundadas de risos, conversas, ideias e ideais, vinham à nossa mesa os bêbados te saudar. Os caretas a confessar a adoração pelo Doutor, apesar das juras de amor por um time que não era o teu. E vinham as moças, os velhos, a implorar uma fotografia. Vinham os loucos pedir pra beijar tua mão. E nos embasbacava a tua habilidade pra lidar com tudo isso, como quem dava um daqueles toques de calcanhar, surpreendentes, quase impossíveis.

Parta em paz. Você merece mais do que essa terra pode te dar. A ladainha do futebol permanecerá a mesma e do jeito que a coisa vai tua imagem e teus lances parecerão cada vez mais geniais. Ficará a tua lição de que o homem deve estar sempre acima de qualquer time. Ficará a tua lição de quem teve a coragem de fazer tudo que quis. o exemplo de ser sempre você mesmo. De agir em absoluta sintonia com o que se pensa. Nem que fosse por dez segundos, como gostavas de dizer.

Você, Magrão, foi a mais pura tradução do que a inteligência é capaz de fazer quando se une à arte de jogar bola. Acostumar com a ideia de que você deixou nosso time vai ser jogo duro, ô se vai.

Com carinho, do Véio Mussa.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Magrão, nosso time é para sempre !

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Não dá pra se gabar do Gabão

Não quero ser um desmancha-prazeres. E se, por acaso, o termo lhe soar antiquado, posso apelar para uma época mais recente - que já vou avisando também não será moderna - onde os sujeitos dados a esse tipo de desprazer eram tidos como aqueles que "cortam o barato". Fui claro? Temo que não! Mas explico.

Hoje é dia de jogo da seleção brasileira. Não se espante caso tenha esquecido. Eles já foram muito importantes, quase inesquecíveis. Não são mais. Portanto, não se trata da sua memória e eu espero que isso de alguma forma o tranquilize.

A partir das quatro horas da tarde, horário de Brasília, narradores e comentaristas irão usar de todo seu poder de sedução para capturar sua atenção. As análises serão abundantes. Teorias sobre como Mano Menezes poderá tirar proveito de um jogo contra o Gabão não faltarão. Mas não se deixem levar por quimeras táticas, no que diz respeito ao futebol o embate será de pouca valia.

O papel da seleção na tarde de hoje será o de um "grande convidado". A definição não é minha. Foi dada por um diretor da Federação de Futebol do Gabão ao comentar o amistoso. Pode soar estranho mas será exatamente esse o papel da nossa seleção já que a partida marca a inauguração do novo estádio de Libreville, a capital daquele país.

Mas não pensem que o suposto cachê de um milhão de dólares será pago pelo país africano. Há mais gente envolvida nesse jogo. Não se trata de uma tabelinha e sim de uma triangulação. O novo estádio, que no ano que vem será o palco da grande final da Copa das Nações Africanas, foi um presente dos chineses.Para explicar essa jogada só entrando nos detalhes de um outro jogo, muito mais pesado e muito mais lucrativo do que o futebol, por incrível que isso possa parecer.

A nossa seleção, que dessa vez terá somente jogadores que atuam fora do Brasil, empresta a sua popularidade para melhorar a imagem dos asiáticos que vão expandindo cada vez mais seus negócios pelo continente africano. Fico aqui com essas coisas todas na cabeça e sinto pelos torcedores humildes que estarão na arquibancada sem o direito de ver ao menos Kaká, que acabou cortado por contusão, e poderia dar algum brilho a esse nosso escrete e ser, de alguma forma, útil ao Mano.

Sabe, não se trata mesmo de cortar o barato ou de ser um desmancha-prazeres. Mas é triste, muito triste, constatar como o nosso futebol está sendo usado. Senti uma certa melancolia na segunda quando li que a seleção tinha se reunido em Frankfurt, na Alemanha, e que os vinte e um convocados depois de um almoço seguiriam para a capital do Gabão, com jogadores convocados pela primeira vez como o lateral Alex Sandro, o meia Dudu... Fiquei imaginando a falta de intimidade ali, por mais que o clima que se respira seja de amizade, companheirismo.

Pasmem. Os chineses, pelo que andei lendo por aí, construíram cinquenta e dois estádios no continente africano e devem entregar mais nove até o fnal do ano que vem. Estádios que seguem um mesmo padrão de arquitetura. Estádios sem alma. Dizem que os que foram construídos em Gana, distantes menos de quinhentos quilômetros um do outro, são idênticos. Imagine você indo ao Rio de Janeiro ver um jogo, e depois a Minas Gerais, e depois a Salvador, entrando em arenas absolutamente iguais. Não faz sentido. É muita pobreza no meio de tantas cifras milionárias.

Homens de negócios. Estão todos lá, os chineses, de olhos crescidos pra cima tanta riqueza, pro mar de petróleo que se esconde sob o solo do Gabão. O ferro, o manganês, as madeiras, as coisas que um dia também arrancaram da nossa terra. Transações. O jogo continua. A nossa seleção entra em campo só pra dar o drible, entende? O mundo continua o de sempre. Importa é faturar.Não dá pra se gabar do Gabão.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O deserto de um zero a zero

Não é de hoje que eu cismo com o zero a zero. Ninguém merece ser castigado por este que é o placar mais miserável do futebol. E essa minha compaixão se faz maior quando eu lembro de toda provação reservada aos que - em plena oferta do pay-per-view - ainda teimam em acompanhar as pelejas das arquibancadas.

Um verdadeiro exército de românticos que faz questão de alimentar essa paixão que os arrebatou desde a mais tenra infância. Faço essa afirmação baseado no fato de jamais ter encontrado um torcedor que tenha se apaixonado pelo jogo depois de burro-velho.

E falo de um tipo que nada tem a ver com essa versão pós-moderna chamada sócio-torcedor. Falo do sujeito que ainda tem coragem de encarar filas, do cara que topa o desafio de ir, dias antes do jogo, ao Pacaembu, ao Morumbi, seja lá onde for, encarar uma fila dantesca, mal organizada, mal intencionada.Gente que aceita na boa o risco de sair de mãos abanando depois de tanto esforço, gente que aceita barganhar o preço dessa emoção com cambistas.

O embate do último domingo entre Vasco e São Paulo turbinou esse meu desconforto diante do referido placar. O duelo travado em São Januário é meu argumento maior para essa teoria insana, mas poética. Não há nada capaz de aplacar o vazio contido em uma partida de futebol sem gol.

Mesmo um cara como eu, que quando moleque tinha os goleiros em alta conta, que sonhava em fazer defesas como Manga, como Rodolfo Rodrigues, mesmo eu me peguei desiludido. Nem mesmo as fantásticas defesas do arqueiro tricolor Denis, honrando, no sentido mais literal da palavra, o posto que pertence ao lendário Rogério Ceni, me satisfez.

Há algo que uma partida sem gol não tem e que não é o próprio gol e sua emoção. Não me venham com obviedades, por favor. Guardem o sorrisinho cínico de quem sugere que um jogo de futebol sem gol, claro, não tem bola rede, não tem o abraço caloroso entre os atletas depois dele, não tem aquela explosão histérica da torcida. Não é nada disso. Futebol sem gol é festa de aniversário sem brigadeiro. Praia sem sol.

Futebol sem gol é obra inacabada, e aí está uma boa explicação para que, apesar de tudo, alguns jogos sem eles sejam lembrados. Para os do contra, deixo aqui a pergunta fatídica: Por que será que jogos repletos de gols nunca são questionados?

Vai me dizer que nunca existiu um 6 x 2, um 8 x 1 , um 5 x 2 que tenha sido ruim? Qual é a graça que se esconde em tamanho desequilíbrio? O que ocorre é que a fartura costuma esconder fraquezas. Será que os velhinhos, e nem tão velhinhos, do "board" da FIFA jamais pensaram em por um fim a esse castigo? É do jogo dirão.

É verdade, é do jogo. Sem o castigo a própria humanidade seria outra. Pensando bem, se o futebol sempre esteve a imitar a vida, não poderia estar livre desse infortúnio. Ainda que não lhes falte beleza, o que eu sei é que há um deserto imenso escondido em uma partida sem gol, pode notar.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Zero a zero no Ministério

A mudança no Ministério do Esporte deixa tudo na mesma. Seguimos sem motivo pra comemorar. Como precisamente apontou o amigo Juca Kfouri na sua coluna da Folha de hoje, contrariar os "comunistas" seria deixar Agnelo Queiroz, governador do Distrito Federal sob a mira, e ele agora é PT. Ainda assim quero acreditar que mesmo na ausência de tal contrariedade, de algum modo, o governador será alvejado, afinal, tudo aponta para ele. Quanto a Aldo Rebelo, que acaba de ser escolhido para administrar a pasta, vale dizer que semanas atrás foi goleado por Ana Arraes, mãe do governador de Pernambuco, na disputa por uma vaga no Tribunal de Contas da União. Sálario de 25 mil reais. O placar? 222 a 149. Acho interessante citar o fato porque mostra bem o foco dos nossos políticos, dos que nomeiam e dos que são nomeados. Aldo queria estar no TCU, acabou no Ministério do Esporte. Se perguntado, com certeza dirá que atendeu a um "chamado".

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Futebol em estado bruto

Bar do Zé Ladrão, dia desses, sete da noite. Enquanto o português - dono do lugar - segue teimando em convencer os desavisados de que é francês, a sua mais tradicional freguesia vai chegando. Alguns com a dor do dia sobre os ombros, mas não todos. Afinal, o Bar do Zé não é praia mas tá cheio de personagens que fizeram a invejável escolha de levar a vida...boiando.

Estava eu de passagem. Na pressa. Tinha pensado até em desviar a rota, usar a outra calçada, mas eis que a rua se revelou ausente de automóveis e ao atravessar fiquei cara a cara com o bajulado estabelecimento comercial. Num primeiro instante me contive. Parei na porta. Cumprimentei muitos dos presentes com um olhar festivo. Por incrível que possa parecer, resisti.

Mas não poderia negar ao seu Zé uma reverência maior. Senti no aperto de mão que ele estava louco pra falar do Corinthians. O empate com o Inter ainda fresco na memória praticamente lhe transbordava dos olhos. Acontece que a sabedoria do seu Zé é imensa e ele jamais cairia na arapuca de fazer um comentário futebolístico pra todo mundo ouvir, a liturgia do cargo não permite.

É quase como dizer que dono de bar que se preza não bebe, nem fala de futebol com entusiasmo. Fui amigo. Junto com o sorriso lhe recitei baixinho: " Eu te disse que o Alex ia dar caldo". Exemplarmente contido o Zé não deixou que a resposta fosse além de um sorriso.

Fiquei ali por uns minutos, num esforço tremendo para driblar as colocações e as gracinhas que os mais chegados costumam dizer a quem passa os dias debruçado sobre as coisas do futebol. Mas devo dizer que, como sempre, me diverti notando o micro-cosmos do futebol que se esconde em qualquer botequim. O jogo e sua onipresença.

Na minha breve permanência no recinto vi de tudo um pouco. O relaxamento pomposo que invadiu a alma dos torcedores do time da Vila, quando o Edson, de cabelos brancos como a mais tradicional camisa santista esnobou seu interlocutor dizendo:

_ Nem adianta me provocar. Ó, tô numa espécie de pré-temporada. Só vou voltar a falar sobre futebol em dezembro, tá?

Vi ali também o Botafogo carregando o fardo imenso de ser tido como um campeão improvável, sendo clássico ao seu modo.Vi o Palmeiras mexer com o brio dos seus torcedores, que confabulavam alvoroçados tentando entender o que tem se passado na Academia de Futebol, divididos entre o respeito e a repulsa pelo modo truculento de seu treinador, outrora tão vitorioso e familiar.

O que tenho dizer ao seu Zé, e naquele instante por respeito não pude, é algo muito simples. Que o Corinthians não caia no conto de que a tabela lhe reserva facilidades. E esse não é um ensinamento qualquer. Vi mais até, porque nos bares as maldades ludopédicas são ditas sem o menor pudor.

Vi o embate do tricolor com o Vasco sendo encarado mesmo como dose pra Leão. Maldade tamanha que o sujeito lá da porta, quando eu já estava de saída, interpretou assim:

_ Olha, se o Leão ganhar do Vasco eu não me empolgo, não! Não terá feito nada além de confirmar que é um técnico que costuma dar certo no início.

Depois parti, carregando comigo a certeza de que é cruel e explícita essa beleza do futebol que se destila nos bares.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A diferença quem faz são os homens

Há algo de intrigante no desempenho dos times do Rio neste Brasileirão. Mas o acontecido, talvez, tenha explicação. No ano passado, logo após conquistar o título com o Fluminense, Muricy Ramalho fez questão de dizer umas verdades. O então treinador do time das Laranjeiras, em pleno momento de festa, afirmou que esperava que o triunfo servisse para abrir os olhos da diretoria, que era preciso criar uma estrutura melhor para o futebol do Flu.

Muricy foi além, enalteceu a comissão técnica que, segundo ele, muitas vezes tinha se desdobrado para suprir tanta carência. Foi assim na lata mesmo! Muricy disse que se tratava de uma turma de guerreiros que muitas vezes tinha saído em busca de uma academia às pressas para fazer a recuperação dos atletas, já que o clube não tinha uma piscina ideal para isso. E olha o Fluminense aí, soltando o bafo no cangote das equipes mais bem colocadas do campeonato.

A estrutura atual do Vasco, do Botafogo e do Flamengo também estão longe de honrar toda a tradição desses clubes. Que uma estrutura de primeira faz diferença não resta dúvida. Mas, pra mim, a lição que fica é que apenas ela jamais será capaz de levar um clube aos títulos.

Poderíamos dizer que no caso do Palmeiras, que conta com uma boa estrutura, o elenco acabou comprometendo o trabalho da temporada? É possível. Mas o que dizer do São Paulo, que tem ótimo elenco e um centro de treinamento tido como modelo? Time, meus amigos, precisam e precisarão sempre dar liga.

Querem outro exemplo? O Santos! É bem provável que tudo que o clube santista conseguiu nos últimos tempos seja reflexo das altas somas investidas em infra-estrutura. Mas ainda que o título da Libertadores sirva de desculpa para um time pouco interessado e pouco vibrante, não dá pra negar que com hotel, campos de treinamento e tudo, o saldo do caro elenco santista anda no devedor.

Podemos citar ainda o enigmático caso do Cruzeiro, que nos últimos anos esteve na briga por todos os grandes títulos, era apontado como favorito ao Brasileirão no início da temporada atual, enaltecido por suas instalações esportivas, e agora aí está o time mineiro, à beira do vexame. Vale ressaltar que além de boa estrutura os cruzeirenses têm bom elenco.

Meu romantismo não é tão grande que me permita dizer que essa coisa de boa estrutura é bobagem. Claro que não é. Morro de curiosidade pra saber onde estariam os grandes do Rio nesse momento se tivessem estruturas melhores do que as atuais. Resposta que jamais virá, lógico.

Pois a minha explicação, senhores, é simples. E o melhor de tudo é que ela protege a grande mística do futebol. A minha explicação é: o poder dos homens. São os homens que fazem a diferença. Ainda bem! Imaginem como o jogo perderia a graça se ter tudo do bom e do melhor fosse garantia de título.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Se liga, peixe !

Neste mesmo espaço tempos atrás comentei a chegada do ex-jogador Romário ao Congresso. Vê-lo eleito deputado federal me causou temor e faço questão de lembrar a razão. Alguém que tenha desenhado a trajetória que ele desenhou nos gramados deveria pensar muito antes de permitir que as páginas mais recentes de sua biografia fossem escritas no campo político.

De lá pra cá Romário tem demonstrado muito interesse pelos assuntos que envolvem o Mundial que nosso país irá sediar. Esta semana, no Fórum Legislativo sobre a Copa 2014 realizado na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro falou em tom severo que o Brasil não pode se render aos interesses da FIFA, que "...precisamos colocar a FIFA em seu devido lugar".

O nobre deputado vem construindo frases de efeito que, muito provavelmente, não levarão a lugar algum. Um dia antes tinha postado em sua página no twitter o seguinte comentário: " Lei Geral da Copa é o seguinte...galera. O Brasil entra com aquilo, a FIFA entra com aquele outro aquilo... e o Brasil sifu...". O mesmo Romário que, segundo a Folha de São Paulo publicou na terça, é o único brasileiro entre os 22 integrantes do Comitê Técnico e de Desenvolvimento da entidade.

Escolhi o tema porque acredito que a mídia tem sido condescendente com o baixinho. Já ouvi por aí que ele está muito bem assessorado e, quando inaugurou seu site para fiscalizar as obras da Copa no início de agosto e lá colocou uma entrevista com o jornalista escocês Andrew Jennings, conquistou amplo espaço e elogios nos mais variados meios de comunicação. Jennings, pra quem não lembra, havia sido o responsável pela notícia do acordo feito com a justiça suiça no qual vários cartolas tinham sido obrigados a devolver dinheiro de propina recebido da falida ISL, e entre eles estaria Ricardo Teixeira.

Não quero desmerecer as atitudes de Romário, reconheço a importância de uma voz discordante a respeito do assunto no Congresso, mas acho que mesmo com toda a dificuldade por estar tendo que se situar em um ambiente totalmente novo e cheio de detalhes, um deputado federal bem intencionado pode muito mais. Até porque a essa altura lá se vai quase um ano do seu primeiro mandato.

Mas o que tem me causado maior incômodo é saber que Romário fechou acordo com uma emissora de TV e trabalhará como comentarista de futebol durante os Jogos Pan Americanos. Desconheço sua agenda, não imagino qual será a combinação de datas, e nem mesmo se ele terá direito a uma licença que o permitirá cumprir essa função. Acho isso simplesmente incompatível, seja qual for o argumento.

Arrisco-me a afirmar que os que votaram nele não esperavam vê-lo na condição de comentarista pelos próximos quatro anos. Como no Brasil o eleitor costuma aceitar todo tipo de falta de postura, estou ciente do risco enorme que corro de queimar a língua. Não vi, nem ouvi, ninguém falar nada a respeito disso. Classifico essa atitude de Romário como uma tremenda bola fora.

É claro que essa não é a única coisa esquisita que vemos por aí. Outra coisa que gostaria de comentar é a sucessão corintiana. Andrés Sanchez diz que não quer nem saber de reeleição, já nos bastidores vai deixando claro que quer continuar sendo o homem forte por trás do Itaquerão. O argumento seria o de que trabalhou muito por isso e que o novo estádio poderia virar alvo dos adversários, sofrer paralisações, e isso colocaria tudo a perder.

Ora, é muito fácil aceitar o fato de não ser mais o presidente desse jeito. Imaginem o Lula dizendo que estava em paz com sua saída mas que não abriria mão de continuar dando as cartas no famoso PAC, o nosso Programa de Aceleração do Crescimento, que de tão importante foi fundamental para sedimentar o perfil de gerenciadora e para eleger a atual presidente, Dilma Roussef.

Por mais que a gente saiba que nos bastidores os mais poderosos continuarão a ser os mais poderosos, colocar a coisa nesses termos é demais. A conclusão não pode ser outra. Se o futebol anda mais cara-de-pau do que a nossa política, não será o Romário que irá salvá-lo.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

E essa nossa seleção?

Muito se fala na relação dos brasileiros com a seleção. Relação que não seria a mesma de outros tempos. Mas se tudo muda, porque é que justamente a nossa relação com a seleção brasileira iria permanecer intacta, imutável?

Há pouco mais de dez anos eu estava envolvido na produção de um documentário sobre os trinta anos da conquista do tricampeonato mundial no México e lembro muito bem do entusiasmo do pessoal ao ouvir da boca do José Genoino, ainda um ícone ilibado da esquerda (eu disse que o tempo muda tudo), que naquela época quando a bola rolava não tinha ideologia que resistisse. Se não me engano o depoimento foi dado ao repórter Dorival Brammont. O poder de transformação do passar dos dias é tão poderoso que nem mesmo as ideologias restaram.

Seja como for, a frase de Genoino condensava de modo preciso a relação do povo com a seleção nos idos de 1970. Não vou ficar aqui papagaiando o que estamos cansados de ouvir. Que a seleção quase não joga no Brasil, que nossos grandes nomes partem cedo para o exterior, que nossos craques estão mais interessados nos milhões do que em defender a seleção.

Também não vou ter a petulância de apontar quais seriam as razões reais para esse estado atual de desinteresse pelo time canarinho. Quem sabe? Só posso usar da sinceridade e dizer que não tenho lembrança de ter visto um jogo contra a Argentina com tão pouco entusiasmo como foi o caso dos dois últimos. É bem verdade que a Argentina contribuiu pesadamente para esse meu desânimo. Mas vem aí a Costa Rica e depois o México. Isso por acaso lhes entusiasma?

Bom, acredito que só uma vez na era Mano Menezes essa relação pareceu revigorar. Foi na primeira convocação dele, quando mais do que nos últimos tempos, a seleção foi um retrato fiel da vontade popular. Depois disso, graças a Andrés Santos e Fernandinhos, esse contentamento, essa concordância, essa cumplicidade, só diminuiram. É a impressão que tenho.

E para piorar ainda mais temos esse conflito com os clubes, que ficam sem seus jogadores mais importantes em momentos-chave. Intuo que a única coisa capaz de zelar por essa relação seria resgatar a sua versão mais apaixonante e apaixonada. A única coisa capaz de mudar isso seria construir um time que nos fizesse lembrar da sublime seleção de setenta ou que nos arrebatasse como fez a de 82, o que não será viável sem uma dose gigantesca de ousadia que, infelizmente, não vislumbro em lugar algum.

O que ouvimos é que precisamos cautela para usar o talento de Lucas, que precisamos atenção porque um time mais ofensivo irá comprometer a nossa retomada de bola e diminuir o avanço dos laterais. Ou seja, por hora, tentam nos seduzir com um discurso desgastado de renovação, tentando esconder o óbvio. A grande estratégia dos homens que comandam a seleção brasileira atualmente é montar um time para vencer, nada mais que isso.

Ao contrário dos times, que muitas vezes calam torcidas com um triunfo, a seleção sempre precisou e precisa ir além. Mais do que qualquer outra equipe sua missão não é provar eficiência - como não deveria ser para ninguém que gosta de jogar bola - e sim fazer um povo feliz em grande estilo. Foi assim que nos acostumaram, foi assim que sempre nos venderam a ideia, e agora querem nos tirar essa oportunidade, essa alegria.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

De Loco todo mundo tem um pouco

Com a vossa permissão vou tratando aqui de misturar nesse caldeirão de palavras assuntos diferentes, pois que hoje acordei com um receio tremendo de ser visto como um chato. O que pode ser inevitável, eu sei. Devagar aí com a graça. Mas quero menos ainda que pese sobre essa minha cuca a culpa de não ter feito pelo menos meio artigo na intenção de obter a salvação.

Tô cansado de saber que o sujeito que se dá ao trabalho de falar sobre futebol com certa sobriedade e sem deslumbre está fadado a ser visto como um mala. Mas fazer o que se essa minha bendita consciência - seja lá o que isso for - não me dá sossego à alma?

O primeiro e mais agradável dos temas é o direito que qualquer um tem de perder gols. Não há nada nesse mundo que exista só com perfeição, o próprio mundo em si não me deixa mentir, e não seria o futebol a exceção. Você mesmo, se é metido a jogar bola, já deve ter tido seu momento Loco Abreu.

O jogador do Botafogo, que pode ser acusado de tudo menos de não ter estilo, pagou o mico? Pagou! Mas senhores, a bola é redonda e não perdoa a mínima imperfeição motora. O pior de tudo foi ver o lance do Loco Abreu comparado ao do Rivaldo. Na minha visão duas situações totalmente distintas.

O lance de Loco Abreu só esperava uma conclusão qualquer. O de Rivaldo exigia a escolha de uma maneira para concluí-lo. Ouvi de tudo, até especialista dizendo que naquela situação o camisa dez do tricolor tinha que ter enchido o pé. Rivaldo tentou o sublime. Teve a coragem de optar pelo mais difícil. Quem garante aos devotos do chutão que a bola não teria resvalado em alguém e ido parar nas arquibancadas?

E pra não dizerem que estou aqui puxando o saco do Rivaldo e pra manter viva a possibilidade de ser visto como um mala, aproveito pra dizer que nem tudo que ele faz me agrada. No jogo contra o Corinthians, por exemplo, que terminou num retumbante zero a zero, Rivaldo teve a última chance do jogo em uma cobrança de falta. Optou por bater direto pro gol e viu a bola se perder por cima do travessão adversário.

Naquela situação, ao contrário, o que me parecia mais inteligente era alçar a bola na área e deixar o bicho pegar, como fez Rogério Ceni no lance que levou o tricolor ao empate com o Botafogo no último domingo. Nem sempre a coragem de optar pelo mais difícil é sinônimo de inteligência. O grande jogador sempre se imagina capaz de tudo, só o equilíbrio o torna diferente. Jogar futebol é difícil como fez questão de lembrar o jogador do Botafogo depois da partida.

Feitas tais considerações, com as quais o nobre leitor pode concordar ou não, vou logo azedando a conversa pra não deixar passar em branco essa Lei Geral da Copa. A votação dela nos dará a medida exata do quanto estamos vendidos. Semanas atrás citei a visita de consultores alemães dizendo que o Brasil tinha que jogar duro com a FIFA. Volto a dizer, acho vergonhoso que tenha que vir alguém de fora nos dizer isso.

Veja tudo que o governo cedeu, o tamanho da cobiça dos cartolas. A entidade máxima do futebol não está brigando porque o nosso governo decidiu barrar o descalabro que é permitir a livre transferência de divisas, as isenções de impostos para a FIFA e seus comparsas. Nada disso. Teria ameaçado levar a Copa de 2014 para outro lugar porque a Lei enviada para o Congresso não retirou a meia entrada, porque o governo - que está bancando praticamente tudo - quer que as TVs que não são detentoras dos direitos do Mundial possam usar três por cento dos jogos e trinta segundos de eventos. Repito, três por cento e trinta segundos.

Melhor seria que a Copa fosse mesmo parar nos EUA, assim poderíamos alimentar a ilusão de ter resgatado uma parte ínfima que fosse da nossa soberania. De outro modo me restará a certeza de ter sido derrotado muito antes da bola ter começado a rolar, e sabe-se lá onde.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Pobreza coletiva

Entrevistas coletivas são, em geral, muito chatas. Nessa realidade infértil que se abateu sobre o futebol em nome da modernidade - em que já não é possível ao jornalista tramar uma pauta e decidir soberanamente que jogador irá ouvir - esse tipo de entrevista virou um mal necessário. O resultado está aí para quem ainda tiver paciência para ver ou ouvir.

A coletiva concedida por Neymar na última segunda foi uma prova cabal dessa teoria. O jovem jogador santista teve os nervos testados. Precisou repetir infinitamente as mesmas coisas, provocado por perguntas feitas de maneiras diferentes mas que giravam em torno de uma só questão. Como dizem os espanhóis, Neymar ficou "aburrido". Não era pra menos.

A culpa de tudo isso não é dos jornalistas, ou só dos jornalistas. A eles só resta, ou restou, aquele momento. Uns perguntam o mesmo porque querem a interpelação gravada na sua própria voz, outros se distraíram no momento em que ela foi respondida pela primera vez, há também os que concluiram que as respostas anteriores não esgotaram o tema, e assim a roda da mesmice passa a girar de maneira irritante e descontrolada. Seria demais pedir aos repórteres que não repitam questões sobre um mesmo tema. Embora eu ache que esse dia não tardará.

Agora, imaginem que os treinadores, jogadores ou dirigentes quando vão gravar, em geral, atendem veículos em separado. Primeiro falam pra TV, depois para as rádios e finalmente para o pessoal da mídia impressa. Pensam o quê? Jogar em times de primeira linha não é só andar de carrão, flertar com mulheres bonitas e fazer um considerável pé de meia. A vida de boleiro tem lá suas penitências, e são muitas, eu sei. Todo ofício tem.

Muitos ali têm sido levados dia após a dia a repercutir essa ladainha da saída do Neymar só por causa das notícias que chegam até nós vindas dos sites e jornais esportivos da Espanha. O Caro leitor já notou que os furos nunca saem de um veículo como o "El País", por exemplo, hoje considerado um dos jornais mais respeitados do mundo? Nada disso.

Elas, as notícias bombásticas, sempre partem dos "ilibados" diários esportivos da Espanha que só faltam estampar as bandeiras do Real e do Barça como se fossem logotipos da empresa. Tenham a santa paciência. Não resta dúvida de que a permanência de Neymar tem sido de grande valia não apenas para o Santos mas também para o futebol brasileiro.

Acredito que a única razão que poderia amparar e provocar um desejo de partida em Neymar seria o fato de querer ser reconhecido como o melhor do mundo. Um desejo pra lá de legítimo. Não podemos ser inocentes. Pra brigar por esse título só mesmo atravessando o Atlântico, pois a FIFA parece não ter olhos para a América.

E pedir que Neymar dê conta disso, mude essa realidade, é pedir para que ele aceite brigar com moinhos de vento. Enquanto isso, ficamos todos nós, que nem sabemos ao certo onde vamos almoçar amanhã, querendo saber de Neymar o que ele fará depois da Libertadores do ano que vem.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Futebol pelego

Que os dirigentes não queiram colocar fogo no circo dá pra entender. Eles são partes atuantes dessa imensa festa chamada futebol brasileiro. Uma boa prova disso é que o Ministério do Esporte abriu o cofre para o Sindafebol, o Sindicato Nacional das Associações de Futebol, que pelo que o Google me diz aqui nem mesmo um site tem.

Os mais de seis milhões de reais foram repassados com a intenção de que o Sindafebol coloque em andamento um projeto visando a Copa de 2014, cujo objetivo é cadastrar torcidas organizadas, mesmo sem ter a mínima experiência pra isso. Oito meses se passaram desde a assinatura do contrato e até agora tudo continua no papel.

Mustafá Contursi, figuras das mais conhecidas no mundo da cartolagem e presidente do Sindicato se apressou em dizer que não era bem assim, não estava apenas recebendo dinheiro, e que havia uma contrapartida. É verdade, ela existe, e é de dois por cento do valor do convênio. Ou seja, para receber os mais de seis milhões o Sindafebol terá que gastar cento e vinte seis mil reais. Mas não era exatamente sobre os cartolas que eu queira versar.Acabei levado pela indignação.

Queria falar da atitude dos nossos atletas. Na minha vida de repórter o que mais escutei foram histórias de jogadores que depois de trabalhar ficaram sem ver a cor do dinheiro. E nesse time de maus pagadores jogam todos,grandes e pequenos. Pois acabamos de ver os jogadores da Espanha colocarem em curso a quarta greve da história do futebol naquele país. Uma das grandes bandeiras era fazer com que o fundo criado para salvar os atletas, vítimas de calote, tivesse recursos suficientes para cumprir sua função.

E pensar que nós aqui, no terror do nosso subdesenvolvimento, na eterna condição de país do futuro, do futebol e tal, nem fundo temos. Não seria uma boa hora pra pensar nisso? Os movimentos do mundo estão aí pra nos ensinar, ao menos. Mas vocês são capazes de imaginar algumas das estrelas da nossa seleção dando a cara a tapa,como fez o Puyol e tantos outros lá na Espanha?

Vale lembrar que no mundo da bola os bem pagos são minoria, as cifras estampadas nos jornais criam um mundo de fantasia. O fato é que os caras bateram o pé e fizeram os manda-chuvas garantirem o pagamento de cinquenta milhões de euros que os clubes ainda deviam a mais de duzentos jogadores que ficaram com salários atrasados da última temporada.

Eles também conseguiram ampliar o valor do fundo para cobrir salários de jogadores de clubes em dificuldades financeiras e incluir no acordo uma clausula que põe fim aos contratos se os clubes ficarem em dívida com o atleta por mais de três meses.

Na Itália a bola só irá rolou na última sexta depois de encerrada uma greve, que se não foi tão contundente e eficaz como a da Espanha, mostrou que os jogadores são capazes de se mobilizar para lutar por seus interesses. Eles se negaram a pagar sozinhos um tal "imposto de solidariedade" criado pelo premiê Silvio Berlusconi, que é também o presidente de honra do Milan.

Outra preocupação dos italianos foi exigir garantias de que os clubes irão preservar atletas em fim de contrato, ou que não façam parte dos planos dos times, e de que eles não serão transferidos contra sua vontade, além de ter assegurado o direito de continuar treinando com o restante do grupo.

Não é só o nosso jeito de jogar que anda frágil, é nossa maneira de lidar com o futebol também. Pelo visto estamos ficando para trás. O que somos capazes de copiar dos europeus em matéria de bola? Planos de marketing extravagantes, o jeito pesado de jogar?

Fossemos nós um povo que cuida bem dos seus direitos não seria exagerado dizer que os nossos jogadores de futebol teriam vergonha de encarar a torcida de cabeça erguida, olho no olho. Fossemos nós esse outro tipo de povo. Mas de alguma forma somos todos pelegos,no amor,na vida,e isso por si só é capaz de explicar o futebol que temos. E, olha, não foi por falta de alguém para apontar o caminho, não é mesmo meu nobre Doutor Sócrates? E viva a nossa independência fantasiosa, a nossa democracia.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

A seleção no Bar do Zé

Se um dia vocês passarem por lá não se deixem levar pela aparência. O Bar do Zé Ladrão é família. Normalmente, aos domingos, por volta das cinco e meia da tarde já está com as portas de ferro arriadas. Mas no último domingo, com o Mano Menezes fazendo sua estréia em competições oficiais no comando da seleção o Zé entrou no clima que ronda as licitações para a Copa de 2014 e flexibilizou o horário de fechamento. Dizem que a tática não redundou em aumento do faturamento uma vez que o futebol apresentado pela seleção brasileira abateu o ânimo dos presentes, inclusive o daqueles que antes da bola rolar demonstravam uma insensata euforia.

Dizem mais, muitos foram embora antes do apito final e os que restaram não tardaram a deixar o local. O que o Zé achou bom. Mas o fato que eu vos relato se deu mais de setenta e duas horas depois, o que deixa claro que se o futebol da nossa seleção não serviu para o divertimento, foi pra lá de eficaz para provocar e manter as discussões vivas. E o papo corria numa boa quando Curió se encarregou do primeiro rompante:
_ Eu não aguento é essa ladainha da imprensa. Pô, já ouvi e li de tudo. Que foi um fracasso. Que a gente não deve esperar que a seleção dê show. Esses caras tão forçando a barra. Zero a zero é fracasso? Fracasso seria perder, levar de três ou quatro. Aí vá lá!

Nisso o sujeito que trabalha no açougue - cujo nome infelizmente não me recordo - decidiu entrar na conversa:

_ Olha, meu chapa. Sei não.

Curió entrou de sola, não deu chance pro cara prosseguir:

_ Não entra numas de defender, não. Vamos ser honestos. Se a gente não pode esperar show do Brasil pode esperar show de quem? Só da Espanha? Se é assim, vamos parar com esse papo de futebol arte. Vamos mandar colocar um anúncio no jornal avisando que o futebol arte morreu.

O cara do açougue tentou de novo:

_ O futebol bonito tá lá, só não virou.

_ Não virou? Vou te dizer uma coisa. O bonito reside no simples. Pelé era simples na maior parte do tempo. Agora esses caras usam três brincos em cada orelha. Nada contra, de verdade. Mas os caras são enfeitados, entende? Quem joga futebol é o homem, sacou? Não esquece disso.

Foi aí que o Curió percebeu que eu tava ligado no papo. Não deu outra, virou a sua metralhadora verbal pra mim.

_ E aí, tu é jornalista esportivo, não vai falar nada?

Pensei comigo: Como jornalista vira alvo fácil. Mas mesmo esse meu breve silêncio irritou o cara:

_Vai dizer que não é? Esse seria teu time?

_ Curió, só vou te dizer uma coisa: Jamais negaria a batuta ao Ganso se tivesse uma orquestra.

_ Jornalista metido a erudito é f...

Abençoado seja o rapaz do açougue que decidiu voltar pro campo de batalha e me salvou:

_ O Curió não tá errado, não. Os caras exageram. Pra mim o Robinho venceu faz tempo.
Mas é geral. Vocês não viram a Argentina, o Uruguai?

_ Ô meu chapa, não foge do assunto. Nós estamos falando do Brasil. Se liga.

Vi que tinha jeito, quase implorei:

_ O Zé vê quanto é o meu café aqui, que eu vô embora!

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Santos: Outra vez a América

O juiz mira o céu e apita.
Com dez minutos de jogo Ganso já tinha esbanjado categoria.
O Santos vacila. O Peñarol chega.

Depois de ver lançamento pra Zé Love dar em nada,
Ganso fecha a cara, pede toque de bola.

O tal juiz deixa no ar a velha impressão de quem esqueceu os cartões em casa.
Novo passe primoroso de Ganso. Neymar é agarrado. Pouco depois, num lance de Pelé,
o menino usa a sola pra tirar de campo seu mais implacável marcador.

Zé Love manda a bola pra lateral e estufa o peito.
Léo perde a melhor chance do primeiro tempo.

O placar em zero a zero sugere tensão,
mas na volta pro gramado,em menos de dois minutos:
um toque de letra de Ganso,um avanço perfeito de Arouca
e uma finalização fatal de Neymar. Um a zero.

O Santos começava a triunfar. Arouca renascia.

Diante do futebol consistente de Adriano e Danilo,
o segundo gol, de Danilo,pareceu fazer justiça.
Injusto foi o Deus do futebol fazer Durval
participar do gol do Peñarol.Dois a um.

Amar Zé Love foi difícil até o último minuto.
Como foi difícil ver Ganso deixar o gramado.

Estava decretada a festa santista...
quando Pelé entrou em campo pra dizer que torcer era uma ato sofrido.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

É no Pacaembu. Ufa!

Ele fez como sempre. Entrou e sentou na última banqueta que ficava bem no final do balcão. Os mais íntimos estavam cansados de saber que o lugar pra ele tinha um ar de tribuna. Toda vida disse pra quem quisesse ouvir que dali podia ficar de olho em tudo que se passava no recinto, mas os amigos estavam cansados de saber que, no fundo, a razão era outra, tudo não passava de superstição.

Não era novidade pra ninguém que ele alimentava a crença de que uma vez sentado ali o Santos não perdia. Quando dava o azar de pintar na área e encontrar o lugar ocupado não pensava duas vezes. Arrumava outra banqueta e dava um jeito de colar no intrometido, que não demorava para perceber a intimidade dele com o local e, mesmo contrariado, acabava dando o fora.

Pra diminuir a possibilidade desse infortúnio, mesmo em dias sem jogo ele fazia questão de marcar posição ali, na esperança de que o ritual o ajudasse a manter qualquer um bem longe dele. Mas ontem quando o Silvio chegou ao bar percebeu no ar a inquietação do amigo que, claro, ocupava a sagrada última banqueta do balcão.

_ Que cara é essa meu velho? Tá pensando no quê?
_ Pensando no quê, tô pensando no jogo do peixe.

Silvio, que é palmeirense, não perdeu a chance de tirar uma casquinha.

_ Não vê a hora, né? Acalma esse coração que o primeiro jogo é só na semana que vem. Pra que sofrer agora?

Maneco respondeu, primeiro, com um olhar meio de lado, sugerindo certo desprezo. Mas a resistência dele durou pouco.

_ Não não tô nem aí com o jogo. Ponho a maior fé que meu time tem futebol de sobra pra ganhar desse Peñarol. Mas essa possibilidade do Morumbi quase me pôs louco. Ainda bem que se ligaram.
_ Ué!? Cê acabou de dizer que o Santos tem futebol de sobra. Qualé?
_ Vê se entende. Até você que é palmeirense vai sacar. Tá tudo dando certo no Pacaembu. Não podemos jogar na Vila. Beleza! Agora, só de pensar em ter que jogar no Morumbi eu já passava mal. Só de pensar naquela arquibancada me dá desgosto. Não sou novo, mas em 62,63, eu tinha sete anos, sei lá onde estava com a cabeça, não lembro de nada. E olha que espremendo os miolos sou capaz até de me ver com meus irmãos brincando na frente da nossa casa no Marapé, e olha que naquela época eu tinha bem menos que isso. Fazer o quê, né? Se a gente pudesse escolher as memórias não seria ruim. Em 2003, então, acreditei piamente que veria o meu time campeão da Libertadores e tomamos aquelas duas traulitadas do Boca. Logo do Boca.

Sarrista de fama reconhecida, Silvio não deixou a oportunidade passar. Entre o amigo e a piada, ficou com a piada:

_Não sei porque é que tu sofre. A tua banquetinha, que fica quase na entrada do banheiro, não é mágica? Burro foi você ter deixado ela aí em 2003. Se tivesse aguentado mais um pouco esse arzinho com uma leve fragrância de xixi, a história seria outra.

Contrariado, Maneco tentou por um fim na conversa.

_ Engraçadinho, vai se divertir com o esquadrão do Felipão, vai! Aquilo que é time, né?
_Ué! Eu não te entendo, não é o futebol que vale? Vocês não tem um timão?
_ Um dia você vai entender de tudo que é feito o futebol. Um dia. Os torcedores do São Paulo não conseguem nem disfarçar a uruca em cima do Santos.Tremem só de pensar que outro time, e não o deles, será campeão da Libertadores. É coisa descarada. Aquilo lá seria uma arapuca, arapuca das boas. Ufa!
- Então, ter um time bom não resolve nada?
_ O que resolve é a fé, a fé! Um dia você vai entender. E ó, dessa vez não arredo pé daqui,não.

Maneco pagou a conta, se despediu dos outros. Mas antes tirou a banqueta do lugar... que só podia ser dele.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

FIFA: A grande dama

A quarta-feira da semana que vem será dia de eleição na FIFA. Uma mera formalidade. Joseph Blatter deverá ser reeleito, e mesmo ocupando o cargo há mais de uma década incluiu entre as suas promessas de campanha a intenção de "reconstruir a imagem da FIFA".

Também falou de reformas nos Comitês de ética, disciplinar e de apelação. Mas silenciou sobre o Comitê Executivo, principal orgão da entidade, cujos integrantes recentemente foram acusados de negociar votos para eleger futuras sedes de mundiais entre outras coisas.

Blatter chegou até mesmo a confessar já ter sido vítima de tentativa de suborno. Disse que quando era secretário-geral recebeu um envelope cheio de dinheiro e que não pôde recusá-lo por ter sido colocado no seu bolso. (Preparem-se porque o final da história é melhor)

Na impossibilidade da devolução, ao chegar à FIFA o entregou ao diretor financeiro que se encarregou de colocar o dinheiro na conta de um banco, de onde o mesmo seria sacado dias depois pelo próprio autor do suborno, que tinha sido avisado de que a quantia se encontrava lá, à sua disposição. Eu também gostaria de ter tido mais detalhes dessa história incrível mas Blatter é um homem atarefado, sem tempo para explicações menores.

Nestes dias que antecedem o pleito muita coisa tem sido dita. O fantasma da falência da ISL - o braço comercial da entidade, que durante vinte anos negociou os direitos de transmissão dos eventos organizados pela FIFA e naufragou em 2001 deixando uma dívida de 300 milhões de dólares - voltou a assombrar muita gente, inclusive, Ricardo Teixeira, presidente da CBF e do nosso Comitê Organizador da Copa de 2014.

O caso ISL, o segundo maior colapso financeiro da história da Suiça, terminou com a FIFA fazendo um acordo com a justiça. Vejam. Ninguém foi preso. Muita gente teria tido que devolver dinheiro. O problema é que o sigilo desse acordo vem sendo contestado na justiça por um jornalista.

Mas ainda que a vitória dele, tão improvável quanto a derrota de Blatter, revele todos os nomes e valores, qual seria o tamanho do dano que poderia causar à FIFA? Os cartolas do primeiro escalão são mestres em manter o jogo sob controle e estão cansados de dar provas disso.

O fato é que a FIFA, mais do que nunca, vai deixando de ser uma casa acima de qualquer suspeita. E não podemos esquecer, por um só momento que seja, de um detalhe: o nosso destino nunca esteve tão atrelado a ela.

A ruína da "grande dama" do futebol, financeira ou moral, também será nossa. É por essas e outras que a minha indignação vai ficando cada vez maior. Onde já se viu gastar bilhões do dinheiro público com estádios num país como o nosso?

Por mim podem jogar qualquer traço de ufanismo com relação a Copa de 2014 no lixo, ele não me serve. Para mim é tudo muito claro. Se um dia formos um país digno, reconhecido, de primeiro mundo - pra usar um clichê, uma vez que o primeiro mundo se encontra em plena convulsão - não terá sido por causa de uma Copa do Mundo, ou por causa de uma edição dos Jogos Olímpicos.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

O futebol no cotidiano

Peço licença para dividir com vocês um fato corriqueiro. Algo cotidiano, mas que poderia muito bem servir de base para estudos comportamentais profundos. Deu-se com um zelador palmeirense na intenção, não de arrebanhar mais um torcedor para o time pelo qual ele torce, e sim com a sacana intenção de evitar que o seu maior rival, de repente, conquistasse mais um adorador. A tática para direcionar o interesse do gringo saiu quase por instinto.

Nas rápidas conversas travadas com o estrangeiro que fazia pouco havia se mudado para o Brasil o futebol tinha se tornado assunto cada vez mais frequente. E o tal homem, recentemente inserido nessa nossa sociedade, ao que tudo indica, não teve a menor dificuldade para sacar que estava ali a chave para se enturmar, para entrar de vez nos papos mais animados do botequim que ele costumava frequentar com moderação discutível. Mas deixemos de rodeio e vamos direto ao que interessa nessa conversa.

No dia da final do Campeonato Paulista, com a cidade tomada de vez pelo clima de decisão, o papo na passagem pela portaria se estendeu além do normal. O gringo se mostrou um tanto dividido. O zelador não pensou duas vezes:

_Corinthians nunca. Não faça isso É a pior coisa que existe! Se afaste, se afaste!

Mal intencionado, mas de alma bondosa, o rei da guarita não encontrou coragem para sugerir que ele não se deixasse levar pelo momento decisivo e passasse a prestar a atenção num tal time do Parque Antártica porque o filme da goleada para o Coritiba não lhe saia da cabeça e ele se convenceu de que isso não era coisa que se faça.

Com certo esforço, é verdade, argumentou a favor do Santos. Disse se tratar de um time simpático, que estava jogando bem e que, ao que tudo indicava, era sério candidato ao título paulista. Imaginou que a oferta de uma alegria fácil poderia cooptá-lo de vez. Se o gringo não viraria palmeirense pelo menos corintiano também não iria ser.

Quando sacou que a conversa ia mesmo além do esperado se surpreendeu com alguns comentários do finlandês, que semanas atrás tinha confessado pouco ter visto futebol na vida. Elogiar a habilidade de Neymar era chover no molhado, mas enaltecer o posicionamento e o poder de marcação do Jonathan parecia além da conta. O cara só podia estar tomando umas aulas de bola. Não era possível.

Aproveitou a deixa e puxou a conversa pro seu lado. Perguntou, cheio de esperança, se o estrangeiro já tinha visto o Valdívia jogar. Mas o gringo fez uma cara de quem não sabia do que se tratava. Fechou o semblante. O zelador o socorreu, tentou explicar. O gringo quase teve uma convulsão. Enrolou a língua pra tentar dizer o tal nome e tudo que conseguiu pronunciar foi algo parecido com:

_ Vôdivia!? ......

Desencantado o palmeirense despistou. Disse que se tratava de um bom jogador que, infelizmente, ainda não tinha encontrado seu melhor futebol. E secretamente se auto-sacaneou pensando que se ele ainda não tinha encontrado devia ser porque não sabia onde o tinha deixado.

O finlandês ouviu tudo com muita atenção. Não prometeu torcer para o Santos e nem deu alguma pista de que tinha entendido como devia ficar longe do Corinthians. Mas não partiu sem antes contar algumas aventuras vividas como volante de um time formado por alguns amigos da empresa marítima para a qual trabalha. Deixou no ar uma insinuação de que tinha deixado de ser um leigo no assunto. O zelador estava quase acreditando naquele semi-discurso quando veio a frase fatal:

_ Bom, Palmeiras, Corinthians. É tudo igual!

O zelador se despediu, com respeito. Mas em silêncio lamentou que o gringo não tivesse entendido absolutamente nada.

_ Palmeiras, Corinthians, tudo igual. Vê se pode? - disse indignado o zelador quando terminou de me contar a história.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A bola está com a Dilma

Em matéria de política as notícias não têm sido nada alvissareiras. Em caso de dúvida dê um passeio pelas páginas que tratam do assunto e tire as suas próprias conclusões. Tão desoladoras quanto elas têm sido os fatos envolvendo o futebol e a política. Na era Lula os nossos dirigentes nadaram de braçada e ganharam motivos de sobra para espantar os fantasmas outrora saídos de uma CPI que acabou esvaziada mas que serviu para expor os horrores escondidos no ventre do futebol nacional.

Entre as tantas ajudas dadas pelo ex-presidente aos cartolas está, inclusive, a assinatura de uma medida provisória autorizando o Corinthians a fazer parte da loteria batizada de Timemania mesmo depois do clube ter perdido o prazo de inscrição. Foi por isso que dias atrás o título de uma matéria que encontrei na internet me chamou a atenção.

O título dizia: "Estilo Dilma contrasta com "boleiragem" de Lula e já vira obstáculo para cartolas". O texto afirmava que os envolvidos com a Copa de 2014 eram os mais atingidos por essa mudança de estilo. Afirmava ainda que "o tom agora" era " mais de cobrança do que ajuda incondicional". É pouco eu sei. Mas talvez se trate da melhor notícia envolvendo futebol e política que eu li nos últimos tempos. Uma pena se tratar mais de uma versão do que, provavelmente, de um fato.

Eu estava no Palácio do Planalto em 2008 quando Lula recebeu os primeiros brasileiros campeões do mundo em um evento para celebrar os cinquenta anos do feito. Durante quase uma hora Lula costurou os principais momentos daquela conquista, com suas impressões pessoais e amarrou todas essas coisas com elogios individuais, sem deixar um deles sequer sem uma citação entusiasmada. Tudo com cara de improviso. Lance de mestre.

Na ocasião prometeu a todos uma aposentadoria que ainda não veio, e nem sei se deveria. O que eu sei é que promessa é promessa e não se deve fazer sem a certeza de poder cumprir. E isso nada tem a ver com religião, hein? Lula conquistou todos ali, estava claro no rosto de cada um, fossem eles jogadores ou não.

A oportunidade de acompanhar o ex-presidente de perto ao longo dos seus mandatos não tive, mas não creio cometer pecado se disser que naquele momento o seu discurso "boleiro" atingiu o auge. Em razão desse histórico de cumplicidade entre a nossa maior autoridade e os nossos dirigentes é que dar de cara com um título desses renovou em mim alguma esperança. Poder imaginar os nossos cartolas receosos de levar uma virada me alegra.

Dilma pode até não marcar o gol, mas o simples fato de deixar claro quem está com a bola já me faz levantar entusiasmado na arquibancada. E digo mais, não resta dúvida de que a trama que trouxe a Copa de 2014 para o Brasil é o resultado mais palpável dessa relação que se estabeleceu entre o poder executivo e os poderosos do mundo da bola. Eles têm muito em comum. Não deve ser por acaso que dos vinte e sete partidos em atividade no Brasil dez deles são presididos pelas mesmas pessoas há mais de uma década, alguns há mais de duas.

Só um louco para não levar em conta que na hora da festa todos os envolvidos farão questão de receber de volta as ajudas e os louros por ter jogado na defesa de tão custoso e problemático espetáculo. Dilma, ao tratar o assunto com o tom gerencial que ele exige, dá pistas de que poderá se revelar um tipo de jogadora que Lula não foi.

Melhor que isso só mesmo se fosse possível trocar as nossas eleições presidenciais de ano. Do contrário, teremos eternamente que lidar com essa realidade perversa que coloca no mesmo calendário a Copa e as eleições. Futebol e política quanto mais distantes melhor. Não para eles, claro, mas para nós.

quinta-feira, 24 de março de 2011

O Majestoso

O cara é frequentador de estádios, conhece muito bem as malandragens e os segredos das arquibancadas. Autêntico arquibaldo. Mas quando ficou sabendo que o próximo clássico entre São Paulo e Corinthians teria a Arena Barueri como cenário, arregalou os olhos e disse:

_Tá louco? Eu não vou. Não vai dar certo.

Eu, que acompanhava tudo a meia distância quis saber a razão. Por que alguém que já se dispôs a acompanhar o Corinthians em visitas que se insinuavam nada cordiais se negaria a assistir um jogo em uma Arena tão perto e com nível de conforto até acima da média? A resposta veio rápida:

_ Os acessos. Ali é tudo muito espremido pra sair e chegar.

Não acho e não quero acreditar que ouvia uma profecia, mas a cena retrata a realidade atual do clássico que um dia foi apelidado de "Majestoso" pelo jornalista Tomas Mazzoni. Pode não se tratar do confronto de histórico mais violento mas é de longe o mais aquecido, porque como se não bastassem as rusgas legítimas que passaram a ser alimentadas em campo desde o longínquo primeiro embate nos idos de 1936, nos últimos anos dirigentes de ambos os lados, e alguns jogadores também, têm feito o possível e o impossível para deixar claro o quanto uma vitória sobre o arquirival se tornou questão de honra.

Na história recente desse clássico a partida do dia 15 de fevereiro de 2009 tem papel importante. Foi pouco antes dela que a diretoria do São Paulo - amparada em solicitação dos responsáveis pela segurança - decidiu entregar aos rivais apenas dez por cento das entradas, deixando para trás a praxe de dividir a carga de ingressos. Andres Sanchez, presidente do Corinthians, jurou nunca mais jogar no Morumbi, e tem cumprido a promessa.

Ocorre que nos últimos tempos, alugar o Morumbi para shows se tornou uma ótima fonte de renda para o tricolor e, por essa razão, no próximo final de semana serão os integrantes da banda Iron Maiden, e não os atletas do time tricolor, os encarregados de ocupar aquele gramado.

Diante dessa situação só restou procurar um outro lugar para encarar o Corinthians. O Pacaembu, com o mando preservado e seus respectivos números de ingressos, talvez fosse a decisão mais acertada. Mas lógico que essa rivalidade incendiada, mais por vaidade do que por futebol, tornou essa saída inviável.

Pra ajudar, a partida será disputada no momento em que os corintianos gozam a felicidade de um tabu que já dura onze jogos. Coisas do futebol. Antes disso foi o Corinthians quem amargou um jejum daqueles. Entre 2003 e 2007 saiu de campo treze vezes sem o prazer de derrotar o rival.

Trata-se de dois grande times, com envergadura para figurar entre os maiores do mundo, e que não têm deixado o torcedor sem gols. Prova disso é que nesses últimos onze jogos, que construíram o tabu que o time do Parque São Jorge defende, apenas uma vez saíram de campo deixando pra trás um placar de zero a zero.

Dirão os sãopaulinos que isso só aconteceu porque naquele dia o juiz anulou um gol legítimo marcado por Adriano. Ele mesmo, o Imperador! Os corintianos, por sua vez, vão preferir lembrar do dia em que, jogando no Morumbi por obrigação, viram Ronaldo, o Fenômeno, dar o passe para o primeiro e depois marcar o segundo gol numa vitória por dois a zero que está prestes a completar um ano.

E pensar que o mítico título do Paulistão de 77 foi conquistado pelo Corinthians no Morumbi, hein? Não tenho nada contra essa rivalidade, apenas gostaria que ela fosse mais inteligente, e não acabasse transformada numa ameaçada velada à beleza do Majestoso.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Vida, minha vida

Vida? Vida é essa água me batendo na cara antes das seis da manhã, avisando do dia que se aprontou e me espera muito além da porta do barraco porque o mundo é um cabra vexado que não espera ninguém, que não tem uma estação de nome sossego.

Se faz calor o sol não tarda a tirar o suor da pele da gente nesse ônibus lotado. Se frio faz, antes do primeiro passo se instala na nossa alma a sensação gelada de quem tem pouco. De quem tenta barrar o vento com roupa fina de tão gasta. Temperatura baixa que se entranha com facilidade entre os vãos das nossas calças puídas. Sofreguidão com destino certo: o batente.

A obrigação sem direito a bom dia ou boa tarde. Um cansaço que se abate sobre o corpo tal qual prestação que espera pagamento. A comida requentada tragada num canto. Trazida de longe. Comida cujo acompanhamento é um olhar espantado prum mundo muito além desse nosso, um mundo que passa a bordo dos carros, dos ternos, dos luxos fugazes de quase tudo que se compra com o dinheiro que a gente mesmo trabalhando a vida inteira não terá.

Como eu aqui, com os companheiros, não tenho nem sirene pra avisar que a jornada diária chegou ao fim, nem cartão de ponto, nem vale-refeição, nem registro. Entro e saio desse ofício meio marginal sem carteira, sem fundo, sem garantia. Mas somos gente, e gente do bem sempre que chega ao fim de alguma tarefa, mesmo por pura obrigação ou necessidade, sente no peito uma ponta de orgulho. Um gosto bom de ter cumprido um papel. Sentimento que ajuda a voltar pra multidão com alguma ilusão. E isso, acreditem, faz muita diferença.

Faz a gente se dissolver melhor na massa. Eu queria era contar pra mãe dessa vida que essa gente inventou aqui. Uma vida maluca em que se passa os dias sem plantar nada, sem ter horizonte pra olhar e, pior, sem nada pra colher depois de tanto esforço.

Na novela, que a mulher insiste em ver antes de dormir, há um resquício daquele mundo que a gente viu passar nesse transe diário de ir e voltar. Pistas de um mundo que o pessoal aqui ao redor não enxerga como nosso.

E se é dia de jogo, sempre dá pra lembrar com alguma felicidade da vida que existia quando, ainda menino, a gente sonhava que era a bola que nos daria outras possibilidades.

Depois é só um sonho doído. Uma noite que distrai e assusta esse meu corpo exausto, que já não vê madrugada, um tanto judiado por alguns tragos que não consigo abandonar. Um corpo ausente de grandes pecados, ausente da boêmia.

Lá no fundo é como se eu, de tão maduro, não conseguisse esquecer, nem por um só segundo, que antes das seis da manhã, um novo jorro de água voltará a jogar a vida na minha cara.



* inspirado nas " Cartas à mãe" de Henfil

quarta-feira, 16 de março de 2011

O mito do equilíbrio

Era dia desses que nos faz dizer verdades o que vivia quando me pus a digitar este artigo. Não digo verdades no sentido mais absoluto da palavra porque não alimento tal pretensão. Digo verdade como algo que de tão evidente, tão óbvio, se torna incômodo. Dou um exemplo.

Dias atrás o fato dos quatro grandes times paulistas terminarem uma rodada do torneio estadual com o mesmo número de pontos causou exaltação. A igualdade numérica tomou ares de grande acontecimento. Especialistas logo se puseram a vasculhar os arquivos com a intenção de esclarecer o quanto essa situação era mesmo singular.

Ora, se a atual edição do Campeonato Paulista tem alguma virtude não é essa, e sim a de dinamitar de uma vez o mito do equilíbrio. Em geral nas conversas que ouço sempre há a sugestão de que o equilíbrio poderia nos reservar um tipo de paraíso ludopédico, um nirvana daqueles em que cada partida se tornaria mágica. Pura balela.

Poderíamos ter vinte times com o mesmo número de pontos que estaríamos do mesmo modo cercados por esse marasmo que anda rondando o futebol não é de hoje. Tivéssemos vinte Gansos, um em cada time, aí sim a história poderia mudar muito e o paraíso ludopédico, enfim, talvez se apresentasse.

O Paulistão está nivelado não resta dúvida, o futebol está cada vez mais nivelado, mas a qualidade técnica está longe, muito longe de ser impressionante. Nada tem dado um grande caldo, nem mesmo os clássicos, nada. Esse pretenso equilíbrio não deveria ser tratado como algo importante e vou dizer porque. Porque depois da rodada do último final de semana estou convicto de que só o talento dos jovens é que tem salvado o Paulistão da modorra.

Não que eu não respeite o chute preciso de Marcos Assunção ou a técnica apurada de Rogério Ceni. Agora, quando começo a imaginar o torneio sem o estilo e a leveza de Neymar, sem a categoria de Paulo Henrique Ganso, ou sem o momento mágico e preciso de um Lucas, resta quase nada.

E já que é pra dizer verdades (ou seriam obviedades?). Quero registrar aqui que o Santos pode até não conseguir, ou não querer, convencer Muricy Ramalho a assumir o time da Vila Belmiro. Mas um clube que conseguiu montar um elenco como o do Santos, que alimenta as pretensões que o Santos alimenta, tem a obrigação de fazer o possível - e quem sabe até o impossível - para trazer o treinador que conquistou quatro dos últimos seis campeonatos brasileiros.

Muricy tem bem mais do que títulos pra justificar esse esforço. Pra usar uma palavra que costuma aparecer com certa constância no vocabulário do próprio Muricy, pode até não dar liga. Ao passo que não tentar seria desdenhar de uma oportunidade que não se tem todo dia.

O detalhe nesse caso, é que o Santos talvez não tenha trinta dias para gastar, esperando que o treinador cumpra sua espécie de "quarentena" que, aliás, parece ser de muito respeito com o futebol e com o ser humano que passa a vida se dedicando a ele.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Futebol e carnaval

Toda vez que um carnaval chega ao fim eu me lembro da bela "Marcha da quarta feira de cinzas", música de Carlos Lyra. A versão que trago cravada na memória é interpretada por Vinicius e Toquinho. Obra de um lirismo absurdo. Pra mim uma prova contundente de que o saudosismo é capaz de produzir coisas maravilhosas, ao contrário do que costumam dizer os que fazem questão de se mostrar em total sintonia com a modernidade. Que fique claro, não é o meu caso. Tenho, aliás, sérias restrições no que diz respeito a modernidade.

É que nestes dias em que os desfiles de carnaval invadiram a grande mídia ouvi muita gente se deixar tomar por um certo saudosismo, o que reforçou a minha lembrança de tão sonora marchinha. Ouvi muita gente dizer por aí que o carnaval virou um grande negócio, que perdeu seu clima romântico, que já não é mais aquele.

E foi ouvindo tais observações, tais lamentos, que em dado momento a comparação com o futebol se fez inevitável. Uma similaridade que vai muito além dessas ricas campanhas para vender cerveja, que se alimentam nos dois casos de uma euforia muito parecida.

No futebol também tem sido assim. Há muita gente por aí saudosista, dizendo que o futebol não é mais aquele. Confesso que há muito tempo o carnaval deixou de ser sinônimo de diversão pra mim. Faz anos que me rendo apenas aos grandes truques de cena levados pra avenida, truques que jamais escapam da cobertura jornalística, justamente onde eu acabo sabendo deles. Foi o que aconteceu este ano com os integrantes daquela comissão de frente que subitamente perdiam suas cabeças. Achei o máximo. Grande sacada.

Seria muito bom se os homens da bola tomassem esse espírito emprestado e se esmerassem na tentativa de levar o jogo a outro patamar. Futebol não é carnaval dirão os puritanos. Realmente não é, mas e daí ? Vai me dizer que tudo já foi inventado em matéria de futebol ?

Partilho dessa ideia de que tanto no carnaval, quanto no futebol, existe algo que se perdeu. E acho triste essa encruzilhada atual em que os dois se encontram. Ambos nasceram sem dinheiro. Ambos ganharam o estrelato graças ao suor de gente simples que pensava, acima de tudo, em se divertir. Ambos tinham o improviso como dogma. Hoje não, no gramado ou na passarela quem cuida do show sabe muito bem que ele custou caro demais para ser colocado sob risco.

Apesar de tudo, arrisco dizer que o carnaval tem levado certa vantagem, afinal, nos seus grandes palcos continua se apresentando sempre com casa cheia. Não está exposto a um calendário canibal, ao menos até que um esperto qualquer cheio de dinheiro pra gastar não proponha fazer um desfile no meio do ano usando como maior argumento a flagrante ociosidade dos nossos sambódromos ao longo do ano.

Dirão os modernos que as cifras de um clássico ou a majestade de um desfile na Sapucaí nos dias atuais por si só provam a evolução do nosso futebol e do nosso carnaval. Compreendam, sempre tive certa dificuldade em acreditar que é preciso aceitar de tudo já que o mundo só anda pra frente.

O que sei é que enquanto os refrões de Carlinhos Lyra rondam minha cabeça dizendo que "ninguém mais ouve cantar canções/ ninguém passa mais brincando feliz/e nos corações/saudades e cinza foi o que restou", me recordo também dos versos de Caetano Veloso numa famosa canção que faz parte da trilha sonora do filme Tieta, aquela que diz "Futebol e carnaval/ Nada muda, é tudo escuro/Até onde eu me lembro/ Uma dor que é sempre igual".

Nos gramados ou nas passarelas, nós, brasileiros, estamos todos frente a frente com dois dos nossos maiores espelhos. E ainda bem que existe a arte para nos aclarar os sentidos.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Futebol. Do que se trata?

Não podia perder a deixa que a CBF deu ao se defender no caso da máfia do apito. Não sei se vocês viram isso. Mas para se livrar da pena e, principalmente, pra não ter de abrir o cofre, a nossa poderosa Confederação fez questão de dizer verdades e inverdades.

Escreveu em sua defesa que esse papo de tratar o jogo de bola como paixão nacional é "slogan para vender cerveja", que "o futebol não tem interesse social relevante". E foi além. Fez questão de dizer também que o futebol contribui "para a desinformação do povo, já de si mal aparelhado intelectualmente". Desculpem, mas aí está a pura verdade. Em especial na constatação do "mal aparelhado intelectualmente". Já desdenhar da nossa paixão ludopédica foi afronta, jogo baixo. Inverdade. Como inverdade me parece ser duvidar do "interesse social relevante" desse tipo jogo.

Por exemplo, esta semana a Argentina revirou um pouco mais a sujeira da ditadura imposta naquele país. A figura central dela era o general Jorge Rafael Videla, que com outros réus irá responder por rapto, ocultação e troca de identidade de algumas dezenas de crianças. Para muitos Videla atingiu o auge do poder quando fez da Argentina a sede da Copa do Mundo de 1978. Mundial que terminou com a própria seleção do país conquistando a taça.

Pois um livro lançado três anos atrás - "A vergonha de todos" - relata o fervor popular pelo evento em meio a um regime de terror. Afirma, inclusive, que naquela fatídica partida em que os donos da casa venceram o Peru por seis a zero, tirando o Brasil do caminho, o general Videla fez questão de visitar o vestiário dos peruanos antes do jogo, acompanhado pelo secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger. No discurso teria versado sobre a solidariedade entre os dois povos.

Ora, fosse o futebol um jogo simples, incapaz de mexer com o imaginário de um povo, não creio que generais e ditadores ao longo da história teriam gasto tanto tempo com ele.

Mas sugiro aproveitar a deixa da CBF pra tentar colocar o futebol no seu devido lugar. Como diria um amigo, filósofo do tipo que costuma brilhar pra valer no calor terno das discussões travadas sobre a luz difusa dos botequins: O barato do futebol é que é o homem que está ali. O homem com todas as suas contradições e possibilidades.

Pobre daquele que não vê como o jogo nos vai na alma, como fez questão de lembrar com toda a graça possível, o iluminado Carlos Drummond. Sim, porque o futebol reduzido ao resultado é e será sempre menor, coisa de gente "mal aparelhada".

Há nas entrelinhas de qualquer jogo o embate do homem consigo mesmo. Dar-se por contente com a vitória é aceitar o mínimo. Querem nos fazer acreditar que os derrotados perdem o direito a alegria e devem aceitar com resignação o sarro adversário. Nada disso. É perfeitamente possível ver seu time derrotado e ser feliz.

De que adiantou Nelson Rodrigues nos alertar de que o futebol é a coisa mais importante entre as coisas desimportantes, se o mundo continua cheio de babacas dispostos a arrumar confusão e a matar em nome do futebol? Não existe crime passional quando se trata de futebol. Existe é ignorância.

Os derrotados de hoje serão os vitoriosos de amanhã. Veja, quem diria que o Corinthians sem Roberto Carlos, sem Jucilei, sem Ronaldo, seria imediatamente vitorioso? Vou além, sem medo. Anote aí: Na minha opinião Liedson tem sido muito mais surpreendente do que Ronaldinho Gaúcho.

Que surpresa há em ver um atleta que já foi alçado duas vezes à condição de melhor jogador do mundo conquistar uma Taça Guanabara? Conseguir dar um pouco de alma a um time? Vá lá, o gol de falta que levou o rubro-negro ao título foi bonito, mas esteve longe de ser improvável.

Improvável era apostar que o tal "levezinho" do Corinthians, dois anos mais velho que Ronaldinho, iria fazer o que temos visto nas últimas cinco rodadas. Concordo com o que ouvi outro dia. Liédson anda fazendo gol até quando erra. E isso é demais. Deixemos de lado o futebol levado ao extremo. Vamos curtir o acontecido com um olhar sereno. Vamos aproveitar a deixa que a própria CBF nos deu e nos render ao supremo barato do futebol que é o fato do homem estar ali, totalmente nu, com suas possibilidades e contradições.

Além do mais, se fossemos bem aparelhados intelectualmente escrever aqui que as derrotas futebolísticas não encerram nada seria desnecessário, e eu teria na mão um tema muito mais eloquente e grandioso para vos apresentar. Fazer o quê? O jogo da vida é feito de muitas bolas fora. Não dá pra negar.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Era uma vez o Clube dos 13 ?

Não há novidade no que vou dizer. O futebol é pródigo em dinamitar biografias. Risco elevado ao extremo quando alguém aceita o papel de dirigente. Patrícia Amorim, presidente do Flamengo, foi à sede da CBF receber um título vencido. A CBF queria cortejá-la ? Ou premiá-la por ter sinalizado em algum momento que se deixaria seduzir, apesar de ocupar uma das vice-presidências do Clube dos 13? Resta torcer para que as intenções do anfitrião sejam claras, ao menos, para a mandatária do time rubro-negro.

O fato é que o futebol visto pelo viés mercadológico em breve não será mais o mesmo. Homens vestindo ternos bem cortados entrarão em uma sala e entregarão suas propostas. A bola está com eles. Dirão a que horas você verá o seu time entrar em campo, quantas vezes, e para ser ainda mais cruel, terão decidido previamente quanto estão dispostos a pagar por essa sua paixão, quanto o seu encanto pelo futebol anda valendo no mercado.

A implosão do Clube dos 13, que cuidou dos interesses dos principais clubes do nosso futebol nos últimos vinte anos, sem dúvida, representa uma ruptura. Não é fácil aceitar derrotas, portanto, não causa espanto que na iminência dela os que se sentiram em perigo tenham se esmerado em tramar um jeito de driblar a tardia decisão do CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica - determinando que a era da preferência na hora de negociar os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro deveria ficar para trás, acabar.

Quem sou eu para dizer o que está certo ou errado? Os dissidentes de agora, amparados na sua importância, na dimensão expressiva de suas torcidas, podem mesmo se dar bem. Que investidor não gostaria de se aliar às duas maiores torcidas do país e mais alguns seletos convidados?

Mas, diante de tantas jogadas e artimanhas porque não determinar que seja qual for o modelo adotado deverá valer sempre a melhor oferta, afinal, quando o CADE decidiu pelo fim da preferência queria preservar o futebol, o direito de quem der o maior lance. Ora, se a regra pode ser mudada de acordo com o interesse aí fica fácil ganhar o jogo.

A intenção do Clube dos 13 não era passar a negociar cada mídia em separado? TV aberta, fechada, internet e tal ? Então, uma vez rachado o Clube dos 13, deveria se estabelecer que os clubes terão que, individualmente, ou não, negociar seus direitos de transmissão sem exclusividade, quem der mais leva. Não era essa a regra? Bom, regras nunca são claras meus amigos, por mais que tentem nos convencer do contrário.

Como ficará o futebol depois disso? Com os ricos mais ricos e os pobres mais pobres? O momento que a gente atravessa nos faz ver o óbvio: A grande tabelinha do futebol brasileiro é feita entre a TV Globo e a CBF. Ou vocês acham que podendo negociar com um time, ou alguns de cada vez, o interesse não será maior pelos que representam o filé? Aos que chegarem atrasados para o banquete, sem muito a oferecer, restarão migalhas.

Bendito ano de 1987, que viu a criação do Clube dos 13 e que viu nascer a malfadada Copa União que virou argumento para que as raposas apostassem na desunião dos clubes. Está decidido? Ainda não. Era uma vez o Clube dos 13 como a gente conheceu? Talvez. A partir de agora é um pouco cada um por si. Resta saber se vai dar Liga.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Caprichos do futebol

Eu sei que esta semana que está chegando ao fim foi do Ronaldo, cuja aposentadoria anunciada nos fez enxergar melhor a dimensão do Fenômeno. O sorriso do menino criado em Bento Ribeiro permanecerá incrustado no imaginário dos amantes da bola pra sempre. Mas o futebol é caprichoso e eu gosto de me render aos seus caprichos.

Falo do Sul-Americano sub-20 e sua garotada. No dia em que o Uruguai derrotou a Argentina por um a zero e garantiu a classificação para os Jogos de Londres a delicadeza da história aflorou. Os uruguaios garantiram ali a volta deles a uma Olimpíada depois de mais de oitenta anos. Isso muita gente se apressou em dizer. Os detalhes, no entanto, ficaram de fora, e é neles que reside a beleza desse momento.

Quando o futebol amadureceu no início do século passado os uruguaios, elegantemente, tiveram papel de destaque. Não sediaram a primeira Copa do Mundo por acaso. Eram na época bi-campeões olímpicos, donos de um futebol veloz e de um domínio de bola que impressionava até os ingleses. E foi justamente contra a Argentina nos Jogos de Amsterdã, em 1928, que eles conquistaram o ouro olímpico pela última vez.

Quatro anos antes, em Paris, já tinham enfrentado estádios lotados, com mais de sessenta mil pessoas, e só foram levar um gol na semifinal, quando venceram a Holanda, time da casa, por dois a um. Seria o primeiro e o único gol sofrido porque na final iriam garantir o ouro com uma vitória por três a zero sobre a Suiça.

A gente sabe que esse negócio de medalha de ouro é complicado. Só pode ser essa a explicação para o fato do nosso futebol não ter nos levado até hoje ao lugar mais alto do pódio olímpico. E olha que não foi por falta de craques. Vocês devem lembrar que recentemente Diego e Robinho também naufragaram nesse mar de tentativas.

Bom, a história segue caprichosa como sempre. Nossos garotos de agora podem ter cometido mais erros do que acertos diante da Argentina. Ouvi, de gente muito rodada, que a nossa seleção tinha deixado escapar a chance da vaga ali. Nada disso. A história nos reservou um final de arrepiar.

Não é sempre que se chega a um título entre seleções nacionais na última rodada, e condenando um adversário com a tradição do Uruguai a uma impiedosa goleada por seis a zero. O acontecido me fez pensar que nosso futebol é menos preciso quando amadurece. Acho que se distrai com a fama, perde aquela indispensável fome de bola.

Quem sabe chegará o dia em que teremos os mesmos olhos para o andar de baixo, pra garotada. Ainda não temos. Fosse essa façanha obra da seleção principal o oba-oba seria o de sempre, de torrar a paciência.

Naquele meio de semana que ficou pra trás, quando o prazer pequeno burguês da TV a cabo me permitiu escolher entre vários jogos. Corinthians e Ituano, pelo Paulista, Fluminenese e Argentinos Juniors, pela Libertadores e Argentina e Uruguai pelo Sul-Americano sub-20, todos no mesmo horário, não tive dúvidas, só me entreguei pra valer ao jogo da meninada. E afirmo - com a determinação de quem entra em uma dividida - que não me arrependi.

Vejam, a história tem sido tão rebuscada que mesmo tendo nos dado tanto em matéria de bola ainda não nos permite dizer que ganhamos tudo. Olho ainda neste instante, uma foto da garotada feliz, de taça na mão, na euforia da consagração, e me pergunto: Será essa a geração que nos levará a essa conquista que jamais experimentamos? Tramo um ponto final para este artigo rendido aos caprichos da história, que nos trouxeram Ronaldo, essa nova geração talentosa e que, por certo, nos trarão muito mais.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Árido Futebol

Esqueça de uma vez por todas o futebol romântico. Seu ambiente acolhedor. Os uniformes feitos de algodão. Os shorts apertados e curtos sem nada estampado no traseiro. Sou do tempo em que a cerveja ainda era uma consequência nada explícita do jogo de bola, do tempo em que curtíamos no intervalo, extasiados, na companhia segura dos nossos pais, uma velha e boa "caçulinha".

Mas o futebol, senhores, virou uma terra árida. Já não é possível chegar até a peleja relaxado, não conseguimos carregar pra arquibancada o astral sugerido pelos domingos. No fundo sabemos que a qualquer momento o bicho pode pegar, no pior dos sentidos. Até o sanduiche de pernil na porta do estádio é engolido com um olhar desconfiado que nos rouba o prazer do paladar. Como eram deliciosos os tremoços saboreados no Ulrico Mursa.

Dos idos de 1990 pra cá rolou muita paulada e muito blá-blá-blá. Os nossos promotores de justiça descobriram que as organizadas tinham o incrível poder de transformá-los em celebridades, elegíveis, inclusive. Ao longo dos últimos anos, como sempre, o futebol mexeu com o coração de milhões mas, infelizmente, deixou um rastro de algumas dezenas de mortos.

O vandalismo e as ameaças recentes envolvendo o Corinthians são apenas a ponta de um imenso iceberg. Responda de primeira: Você tem medo de ir ao estádio? Não!? Então saia por aí dizendo, sem medo de errar, que és alguém mais destemido do que a grande maioria. Um levantamento feito recentemente apontou que de cada cem brasileiros apenas um vai ao estádio e o principal motivo desse afastamento é a violência.

Quem está preocupado? O pay-per-view vai muito bem, obrigado. E se um dia o vazio dos estádios incomodar encheremos as arquibancadas por computador. A culpa não faz parte das regras que orientam o jogo dos donos do espetáculo. Só quem se dispõe a pegar um metrô, um trem, ou um ônibus em dia de clássico na imensa São Paulo é que sabe e sente o tamanho da dose de coragem necessária pra embarcar numa dessa. O que não se faz em nome de uma paixão. Seja ela cega ou não.

E não venham me falar em Estatuto do Torcedor porque depois dele - criado em 2003 - a coisa só piorou. Entre 2005 e 2008 foram vinte e cinco mortes ligadas ao futebol, direta ou indiretamente. Em nome da nossa segurança a Polícia Militar, já faz algum tempo, decidiu escoltar as torcidas organizadas até o campo de jogo. Seu desfile dantesco pelas ruas intimida o cidadão comum, paralisa o trânsito. A luz vermelha das viaturas acentua a imbecilidade de seus cantos belicosos repletos de ameaças.
Por causa deles as bandeiras tiveram que deixar os estádios, os radinhos de pilha tiveram que deixar os estádios e a geral nos pais de família na hora de entrar em um estádio é cada vez mais "fina". Quem é que vai salvar o nosso futebol desss falta de fair-paly marginal? Quem é que vai fazer o baderneiro bater ponto na delegacia na hora do jogo? É tanta baboseira que chegaram até a anunciar que a partir de 2010, isso mesmo 2010, pra frequentar os estádios o torcedor iria precisar se cadastrar, ser dono de uma carteirinha. Que criatividade, não? Ria, se puder. Ou chore. O futebol que nos tocou a alma está cada vez mais distante, cada vez mais pra trás.