sexta-feira, 26 de novembro de 2021

No futuro ( para Formiga)



Não quero parecer cruel. Tenho a maior simpatia pela atual treinadora da Seleção Brasileira Feminina, Pia Sundhage, que para além de sua história pessoal já deu várias mostras de que é uma figura especial.  Mas  a ouvindo justificar o fato de ter deixado a icônica jogadora Formiga apenas por quinze minutos em campo no amistoso contra a Índia - despedida da jogadora brasileira -  senti necessidade de mostrar um outro lado a respeito da justificativa dada por Pia. Disse ela que assim foi feito porque Formiga não estava no futuro do time nacional feminino. 

Ora, Formiga pode não ter alcançado a popularidade de Marta mas é sem dúvida alguma um dos grandes nomes do futebol feminino brasileiro e, creio, não seria exagero dizer mundial. Entendo os motivos alegados para essa breve permanência em campo. Mas defendo que a coisa tivesse sido tratada de outra forma porque não tenho dúvida de que Formiga estará no futuro da Seleção Feminina, irá pairar com sua história exemplar e números impressionantes sobre as atletas que virão.  

Estará no futuro como todos aqueles que de alguma forma se mostraram para lá de raros ao exercer seus ofícios. Não quero ficar aqui embasando meus argumentos  em números, lembrando das sete copas que ela disputou. É justamente por ter essa certeza de que ela estará no futuro que considero que talvez o ideal fosse ter perguntado a ela quanto tempo gostaria de ficar em campo numa data especial como a de ontem. Em que momento, inclusive.

Humilde como Formiga já provou que é, não duvido, acabaria dizendo que para ela bastariam alguns poucos minutos, talvez até menos de quinze.  Alguém por aí poderia dizer que é um disparate dizer uma coisa dessas. Uma jogadora determinando uma questão dessas seria inverter as coisas, tirar o comando de Pia. É claro que sei das obrigações que assombram a treinadora, dos objetivos, até da falta de tempo. Mas momentos e pessoas singulares merecem, igualmente, tratamento singular.  E Formiga não deve estar nem aí pra essa coisa toda. Pode ostentar e desfrutar a serenidade daqueles que sabem que tem um lugar garantido na história, no futuro.  

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

A tal final da Libertadores



Embora imprevisível o futebol dá pistas dos caminhos que toma, pistas traiçoeiras muitas vezes, é verdade. A presença de Flamengo e Palmeiras na final da Libertadores revela um pouco disso. São dois times que há tempos se impuseram no cenário do futebol nacional. Uma lógica intimamente ligada à grana, mas ela - ainda bem - não explica tudo.  Já vi , e tenho certeza de que o leitor também, times endinheirados sem brilho e, consequentemente, sem conquistas. Não é o caso dos dois finalistas do torneio continental.  Cada um a seu modo tratou de ratificar com títulos a própria fama. 

Que a montagem do time carioca parece ter sido feita com maior precisão quase não tenho dúvidas.  Como não tenho também que o passar do tempo tornou essa diferença menor, não diria invisível. Vivemos um tempo meio esquisito em que a crônica se deixou levar pela contundência. Alguns se envaidecem por cravar resultados. Ponderar, em geral, passou a ser definido como coisa de quem fica em cima do muro. Não diria que o Flamengo chega melhor, mas é um time que na minha opinião tem mais a oferecer. Sou um tipo estranho, acredito cegamente no triunfo da talento sobre o pragmatismo, ainda que saiba que quando se trata do bom e velho jogo de bola um sempre depende de uma dose do outro . 



E não me entendam mal, no caso dessa final da Libertadores os dois times têm talento em doses consideráveis. E, não à toa, desde que foi definido o embate pairou sobre todas as conversas. Foi praticamente impossível falar em um dos dois times sem se render a uma análise que levasse em conta a partida que se dará no lendário estádio Centenário, em Montevidéu, no Uruguai, na tarde do próximo sábado. Abel , o treinador palmeirense foi criticado no meio da semana passada ao colocar em campo um time reserva para encarar o São Paulo num jogo de muito peso.  A torcida fez cara feia. Mas na breve entrevista concedida depois da derrota para o tricolor mostrou uma convicção extrema no planejamento feito pelo clube. Tem a seu favor uma vantagem, se ainda não conhece o futebol brasileiro com mais profundidade - embora sempre faça questão de  deixar nas entrelinhas que já o decifrou - vive pela segunda vez a realidade de levar o Palmeiras à decisão do desejado torneio continental.  Não é mais um novato nesse sentido e experiência nunca é demais. 

Do lado rubro-negro, se falei de talento e pragmatismo, foi pensando em Michael e sua fase incendiária. Não queria esse dilema pra mim. Renato Gaúcho, o treinador do time da Gávea, ganha bem para tratar dele.  Só digo que em algum momento gostaria de vê-lo em campo. E sei que nesse capítulo final de Libertadores ninguém ao se colocar ali perto da linha central para entrar no jogo seria tão capaz de mexer com os ânimos.  Esperamos um jogo sublime. Há história pra isso. Como há nisso certa inocência. Um jogo com ar de tira teima simplesmente entre os dois últimos vencedores do torneio. O que pode fazê-lo mais pegado e estudado do que jogado. Será mesmo um jogão? Que dirão seus falastrões treinadores quando esse Flamengo e Palmeiras tiver virado história? Isso também tenho muita curiosidade de saber. A ver!

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

A leviandade das arquibancadas



Certa vez ao ser designado para cobrir um jogo do São Paulo, no estádio do Morumbi, me vi precisando contornar um grande problema para uma equipe de reportagem com uma missão dessa, gravar o jogo fora das cabines, que naquele dia, não sei bem porque razão estavam todas ocupadas.  Ao recordar agora juraria que não era uma partida de muito apelo, pois o espaço do anel abaixo onde acabamos instalando o tripé e a câmera estava com um número até baixo de torcedores. Pois foi ali que presenciei uma das cenas mais grotescas da minha vida de repórter esportivo. Em dado momento vi um torcedor se aproximar da grade de ferro que separava aquele parte do estádio de uma outra ao lado, onde estava um torcedor adversário. 

Imaginamos  que estávamos prestes a nos tornar testemunhas de mais um bate boca. Mas o que se deu foi infinitamente mais lamentável. Insatisfeitos em somente proferir ofensas os dois passaram cuspir um no outro.  Isso foi mais ou menos no primeiro terço do segundo tempo e, pasmem, assim continuaram até o final da partida. Ignorando totalmente a mesma.  Por essas e outras o ocorrido com o menino Bruninho dias atrás nas dependências da Vila Belmiro  me indignou, entristeceu , mas de forma alguma me causou espanto.  O que também é infinitamente triste. Sobre o fato muito já foi dito, o que me força à humildade de achar que talvez não possa trazer grandes contribuições nesse sentido. 

Mas uma confissão pode ser que caia bem. Diante de fatos como esse me pego às vezes cercado por um certo desencantamento com o fato de dedicar praticamente toda uma vida profissional a esse esporte pródigo em produzir coisas do tipo. Se há algo a comemorar nesses tempos pandêmicos que atravessamos é ter passado quase dois anos sem dar de cara com manchetes noticiando briga entre torcidas. Muitas vezes com registros fatais.  Mas o mundo está mudando e torço, portanto, para que essas transformações convençam e intimidem aqueles que seguem pensando que as dependências de um estádio ainda são uma terra de ninguém. Onde vale tudo. Um universo fora da lei flertando muitas vezes com o bárbaro. O que sejamos sinceros não é novidade para ninguém.  

Arrisco a afirmar categoricamente que não há entre aqueles que vão a estádios com frequência alguém que não tenha testemunhado uma cena de racismo, de homofobia ou de assédio. E isso é grave, muito grave. Mais do que se levantar contra obras de autores consagrados apontando o que nelas poderia haver de inadequado para os tempos atuais , o que é uma insânia,  deveríamos perceber que importa é mudar comportamentos. O que deve ser feito com disciplina extrema, pois como o caso Bruninho evidenciou também o número de pessoas que fez questão de aplaudir o que via foi maior do que o dos que fizeram questão de tratar o fato de maneira bárbara. Como diz um sábio amigo , o mundo está cheio de pessoas boas, mas a capacidade de  destruição das más é o problema. Em outras palavras, basta muitas vezes um ou dois espíritos de porco no meio de muitos bem intencionados para que o circo pegue fogo. E a arquibancada não pode ser uma terra de ninguém.

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Mistérios do futebol



Há muitos mistérios a rondar o futebol. Um deles, intrigante, é o que faz um jogador render muito mais num time modesto do que em um time grande. Exemplos são muitos. Tenho certeza de que o nobre leitor tem bons exemplos guardados na memória. E muito pode ser dito a esse respeito. A cobrança maior, o bafo da torcida, o fato de se deparar com um nível técnico sensivelmente mais alto. E, vejam, estou falando de times que vivem nossa realidade não de atletas que saíram do Brasil para jogar no exterior. Caso no qual, aliás, se encaixaria Gabriel Barbosa, que ao voltar da Europa virou ídolo do Flamengo. Ainda que no Brasileirão não figure no topo da tabela dos artilheiros. 

No topo está Gilberto, atacante do Bahia, e que de certa forma poderia ser visto assim. Passou pelo Internacional, pelo São Paulo e, no primeiro caso, vindo de um time de menor expressão. Não despontou. Batucando estas linhas acabei lembrando, por exemplo, do frisson causado pelo meia Piá quando vestiu a camisa da Ponte Preta. Dava gosto. A temporada com o time de Campinas lhe valeu a ida para o Corinthians, onde desembarcou  com toda a pompa mas sem conseguir dar conta de toda a expectativa que o cercava. Já havia passado pelo Santos em duas oportunidades, inclusive.  

Poderíamos falar de times mesmo, muitas vezes formados majoritariamente por atletas que desenharam caminhos desse tipo.  Outro dia conversando com o lendário Roberto Rivellino acabamos caindo no assunto. Riva ouviu, ouviu. E eu ali na ânsia de descobrir o que ele ia dizer, imaginando que com tudo o que sabe poderia dissolver de uma vez por todas esse mistério.  Ponderou apenas que ao estar num clube menor o bom futebol costuma ser, quase sempre,  a única maneira de ir - ou voltar - a um time de maior expressão. Há uma velha máxima que diz que muita facilidade amolece o espirito, da qual nunca duvidei. 

É fato que a vida de nababo que os grandes clubes oferecem aos seus jogadores hoje em dia poderia muito bem ter sua parcela de influência nessa realidade. Diziam na época que o Real Madrid dos galácticos acabou ruindo um pouco por causa disso, lembra? O clube era obrigado a fazer contratos milionários, que por sua vez tinham de ser longos. Chegou uma hora em que todo mundo ali tinha ainda três ou quatro anos de contrato, ganhando muito. Em outras palavras, estavam com o burro na sombra. É um jeito raso de ver o fato, talvez.  Mas como o intrincado da realidade a faz difícil de explicar, vai saber. E por falar em artilheiros, o que é sempre bom. Gilberto, dizem, anda na mira do Santos, do Corinthians e do São Paulo.  Se rolar, veremos como se sai. Mas talvez não haja nada de mistério nisso tudo, só as forças que atuam sobre os homens, e os interesses de sempre. Vai ver sou eu que ando meio místico.   

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

O Flamengo, o Peixe e a torcida




O coro xingando  Renato Gaúcho no Maracanã enquanto se desenhava a vitória do Athletico Paranaense que eliminou o Flamengo da Copa do Brasil foi das cenas mais impactantes dos últimos tempos. Sensação muito provavelmente realçada pela condição em que foi transmitida.  Com o áudio ambiente em destaque  e com a imagem do treinador e seu semblante pra lá de desconfortável em primeiro plano com a arquibancada que cantava o coro ao fundo.  Tudo sendo mostrado simultaneamente.  Arrisco dizer, inclusive, que pode ter sido esse, mais do que a derrota em si, o motivo dele ter entregado o cargo depois do jogo. O que não foi aceito pelos dirigentes. 

O que me faz pensar isso é que desde sempre existiu no trabalho do Renato Gaúcho essa mística com a torcida. Seus trabalhos sempre estiveram um tanto ancorados nessa relação desenhada desde os tempos de jogador.  Foi assim no Grêmio, é um pouco assim no Flamengo e também foi assim na época do Fluminense, ainda que com outra intensidade.  Mas naquele momento tudo isso pareceu ter caído por terra.  O calor da torcida tem um preço, que pode ser alto. Gabigol quis falar depois do jogo. O que não costuma ser normal.  Talvez tenha percebido que era preciso estabelecer um diálogo com a torcida naquele momento. Evitar que a ruptura fosse maior. O afastamento. 

Isso tudo pode apontar um caminho para o Santos nessa reta final de Brasileirão que se revela dos maiores desafios que o clube já viveu. Em poucas palavras: é preciso ter a torcida junto. Que uma vitória melhora qualquer relação todo mundo sabe. Duas, então, nem se fala. O jogo contra o Fluminense deixou isso muito claro. Depois do primeiro gol naquele duelo de tudo ou nada  deu-se uma verdadeira transformação. Claramente visível. No time e na arquibancada. Em uma situação dessas vale tudo. Um encontro com craques do passado, o capitão do BOPE, o sal grosso, a troca do executivo de futebol. 

Mas na minha modesta opinião cuidar da relação do time com a torcida  é crucial. Sabemos todos que a Vila faz tempo, desde antes da Pandemia,  já não fazia jus a velha alcunha de Alçapão.  Coisa que se resgatada seria uma vitamina danada. E olha que o time viveu bons momentos em sua história recente, ainda que improváveis como já dito aqui. Estou convencido que a essa altura nem se trata de uma questão numérica mas de animosidade. Que venham os verdadeiramente dispostos a colocar o time pra frente, a gritar mesmo quando no gramado a situação por ventura venha a se complicar.  

No final de semana a Vila será palco de mais um clássico, no qual o Peixe está longe de ser favorito.  O adversário será o Palmeiras que, criticado como poucos até semanas atrás, dá a impressão de que vive um embalo poderoso. O Grêmio que atravessa situação ainda pior que a do Santos e foi a última vítima do time palmeirense, depois de tudo o que viu acontecer em sua Arena, e ouvir o vice de futebol dizer que a torcida estará com o time até o fim, recebeu uma punição e jogará em casa com portões fechados e sem cota de ingressos quando for visitante. Mais acertado seria dizer que em momentos assim não poder contar com a torcida tem tudo para ser fatal. Os espertos aprendem com a lição dada aos outros.