quinta-feira, 28 de abril de 2022

Artimanha ou deselegância?



Se tem uma coisa que aprendi na vida é: quer conhecer bem alguém o convide para jogar uma partida de futebol.  O que se dá quando a bola rola  é impressionante. Em alguns casos uma transformação aterradora. Perigosa até. Conheço vários casos para corroborar essa minha tese. Personagens que no ambiente de trabalho  sempre foram de uma polidez exemplar, mas que ao vestir as chuteiras acabaram por se revelar verdadeiros bárbaros.  Não se trata de falar de gente que não costuma falar palavrão mas que quando a bola rola se revela um boca suja daqueles. 

Dá pra dizer que isso é quase do jogo. Eu mesmo ao longo do tempo fui me distanciando cada vez mais das peladas porque boa parte das vezes o que acabava encontrando por lá era um ambiente que chegava a ser hostil.  Uma pelada desarmada, dado ao mais puro sarro, é coisa rara. Os que batem um bola entenderão bem o que estou tentando dizer. Não discuto gosto, o que me desempolga pode bem ser o que move os outros.  Desconfio muito disso que, quase sempre, é interpretado como um modo de extravasar.  Vai dizer que nunca ouviu alguém dizer isso? 

Bom, mas essas evidências me vieram porque dia desses pele enésima vez, enquanto tomava um café na Padaria, ouvi alguém dizer que já não aguentava mais ver os acessos de fúria do treinador palmeirense, Abel Ferreira, na beirada do campo.  O próprio Abel não se furta a falar a respeito. Sendo muito direto, inclusive, admitindo se envergonhar ao dar de cara com as imagens depois. E deixando no ar que alimenta uma vontade infinita de mudar. Fato é que se de alguma forma tem se preocupado com isso a tática que anda utilizando não anda fazendo o menor efeito.  E olha que  Abel trata muito bem certos temas. Esta semana mesmo andou muito falado por isso. Mas essa é uma outra questão. 

Essa dualidade me intriga. Não faz muito tempo tive a chance de participar do programa Roda Viva que teve Abel Ferreira como entrevistado e posso vos assegurar que o homem foi realmente de fino trato. De uma gentileza poucas vezes vista. De atenção ímpar com todos, incluindo-se aí aqueles que se assomaram depois de terminado o programa para lhe pedir uma foto ou um autógrafo. A pessoa, que a meu lado na Padoca versava sobre o tema, se revelou indignada também com o fato de o treinador palmeirense ter vindo justamente de um ambiente em que rompantes como os que protagoniza aqui são pouco vistos. Não seria nenhuma heresia dizer que em linhas gerais treinadores europeus costumam, na média, se comportar melhor do que os brasileiros. O que deve valer também para jornalistas, advogados, políticos. Não estou aqui para maldizer ofícios. 

E é fato também que na comissão técnica de Abel outros já mostraram ser adeptos da mesma técnica. Ou seria artimanha? E acho que aí está a questão. Digo isso porque muito além do fator emocional que o futebol com excelência testa, sabemos todos que a intimidação sempre foi parte do jogo. O que no popular pode muito bem ser traduzido como ganhar no grito. Pedir pra que que alguém se cale ou se comporte como um iluminado diante de tudo que o futebol propõe seria um disparate. Mas sou capaz de defender que a coisa seja feita com alguma elegância. Elegância que fora dali Abel já provou que tem.

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Ninguém dribla um resultado



Não se pode analisar resultado. Trata-se quase de uma máxima. Muito ouvida no meio do jornalismo esportivo. E, em geral, usada quando alguém quer discordar do que está sendo dito, da análise que vai sendo elaborada. Conheço os tipos, creia. Não é de hoje que o tema me interessa. Mas a recém vista goleada do Palmeiras por oito a um em cima dos bolivianos do Independiente Petrolero fez com que eu, enfim, fosse adiante com o que era, até então, só uma intenção. Primeiro, os que usam a frase deveriam fazê-lo sem deixar de levar em conta  que o resultado simplesmente contamina tudo. É muito difícil driblar a influência que ele - de qualquer forma - exerce sobre nossas impressões a respeito de um jogo. 

Vou além,  é preciso ir um tanto no sentido inverso. Deve-se entender e enaltecer e descer a lenha se necessário for mas usando pra isso detalhes do jogo sem, no entanto, tratar o placar com desdém. Algo que muitas vezes vemos acontecer quando alguém resolve fazer uso  desse tipo de argumento.  O resultado em si reina absoluto e ponto.  Segundo, qualquer um que já tenha se dado a esforços de averiguar a história fatalmente notou que os  placares, mais do que o jogo em si, é que ficam para a posteridade. Por exemplo, muito se disse que se tratou da maior goleada do time palmeirense nos últimos vinte e seis anos.  Uma que tenha registrado um gol a menos pode ter sido infinitamente maior em vários sentidos, mas isso só um historiador raro será capaz de notar, e destacar, mas ainda assim fatalmente terá seus argumentos postos em xeque porque, afinal, o placar da outra foi maior e fim de papo. É um recorte do investigado, como dizem os historiadores.  E só um espírito de porco contestará. 

Trata-se de algo muito nobre, esse se dar à tarefa de esmiuçar as coisas que se dão entre as quatro linhas. E se olharmos bem, ser minimalista é qualidade que anda cercando como nunca nossos analistas. No afã de querer explicar tudo, tenho noção de que o que  proponho aqui chega a ser quase um exercício de humildade em certo sentido. E não estranharia se isso viesse a conflitar com o perfil de alguns. Não se trata apenas da constatação de que um placar jamais poderá ser ignorado,  mas que a frase em si na verdade é mais elegante do que precisa.  O resultado de qualquer jeito, mesmo que não se admita, será o ponto de partida de tudo, mesmo quando usado para se tentar provar que ele não é o que parece. 

E aí é possível notar algo muito interessante. O emprego desse raciocínio, na maior parte das vezes, se dá quando se quer veladamente salvar a pele de alguém. Arrisco dizer que majoritariamente a de um treinador. Ou quando o enredo de um jogo se revela intrincado. Isso mesmo, porque quando há um, digamos, consenso de que ele de alguma forma não reflete o que foi o jogo ninguém costuma fazer uso da frase em questão. A coisa é tão maluca que nos leva a outra também muito  ouvida por aí, aquela que defende que não há placar injusto. Tendo a concordar mais com essa do que com a que deu início a essa reflexão que flerta um tanto com o que em literatura seria chamado de realismo fantástico. Seja como for, se quiserem me convencer melhor seria alegar que o placar não reflete o que foi  o jogo do que vir com essa outra batida de que não se pode analisar resultado porque, volto a dizer, quando alguém diz que se recusa a fazê-lo no fundo já fez.  


quinta-feira, 14 de abril de 2022

Sonhando com juiz importado



O juiz de futebol é por natureza um personagem sedutor.  E vai nisso algo que não é propriamente do homem, mas imposto sobre ele pelo ofício que exerce. Não é de espantar que muitos se mostrem intrigados ao pensar nas razões que levam alguém a aceitar essa bendita profissão. Mas vocação é vocação, por mais que as atuações de muitos deles quase nos convençam de que houve uma interpretação errada a respeito dela.  Não bastasse o desafio imenso de ter de colocar na linha Edmundos e Freds agora eles andam tendo de lidar  com essa sombra chamada árbitro de vídeo. 

Sabe-se lá o que vai no íntimo dos donos do apito. O quanto suas decisões têm de profissional ou pessoal. Imagino que é preciso beirar a iluminação para ouvir um sem fim de absurdos no ouvido a cada lance mais complicado e ainda assim apitar levando em conta apenas o que manda a regra.  Como imagino que no fundo agora, toda vez que a voz no ouvido lhe sugere ir até a cabine para olhar melhor determinado lance um frio lhes corra pela espinha. E a caminho da tal cabine, em segredo,  não pensem como era bom quando podiam decidir tudo solitariamente.  



Não deve ser por acaso que dias atrás, quando na final do Campeonato  Paulista, o árbitro Raphael Claus se viu nessa situação duas vezes  e voltou delas com as mesmas convicções que tinha ido, sem mudar nada do que tinha apitado, aquilo soou raro.  E quem acompanha futebol sabe que por mais que um certo estilo militar tenha se imposto nos últimos tempos a história do ofício foi construída com riqueza. Comportando ao longo do tempo  homens que exerceram a profissão das mais variadas formas.  Sendo em campo e com o apito, liberais, valentões, diplomatas, metódicos, vaidosos, falastrões.  

Dá até pra dizer que a regra é clara, como sempre defendeu um dos maiores nomes da arbitragem brasileira. Mas aplicá-la e interpretá-la  é de uma complexidade desafiadora. E explica muito da bagunça que andamos vendo por aí.  Mesmo assim, ninguém mais do que os árbitros podem dar uma contribuição tão grande para que o futebol evolua. Por isso dia desses quando se deu a notícia de que a CBF estaria disposta a contratar um árbitro europeu para cuidar da nossa arbitragem considerei o teor da notícia muito alvissareiro. É fato que ninguém deu a mínima. Talvez eu tenha sido o único inocente a acreditar. 

Fato é que se trata de uma questão primordial. Diante da possibilidade já dava até pra imaginar a ladainha. Os diretamente atingidos se apressando em dizer que não seria preciso trazer ninguém de fora para isso. Algo na linha do que se deu quando os treinadores estrangeiros começaram a ganhar espaço no nosso futebol. Uma coisa é certa, não dá pra querer um futebol como o que se joga na Europa com a arbitragem que temos. Basta ser só um pouco realista pra aceitar que o nosso VAR tupiniquim se tornou o anticlímax do jogo de bola. 

Também se falou em um intercâmbio maior. Um recente acordo entre a Conmebol e a UEFA levou argentinos para trabalhar na Euro e trouxe espanhóis para atuar na Copa América. Donde concluo que os cartolas sul-americanos consideram os argentinos melhores do que os brasileiros. Sendo assim, deveríamos começar um intercâmbio com os hermanos apitadores já. Mas o que a CBF decidiu fazer foi trazer pra cuidar da questão um velho conhecido, o paulista, Wilson Seneme, que estava há mais de meia década cuidando da arbitragem na Conmebol. Enfim, algum descontente poderá dizer ainda: porque não trazer jornalistas esportivos também? E eu direi: Por que não? 

 

quinta-feira, 7 de abril de 2022

O Brasileirão vem aí

 



Se ao falar do Campeonato Paulista neste espaço na semana passada buscava jogar luz sobre um modo de fazer o mais velho dos torneios estaduais do nosso país voltar a merecer ter seu nome dito no aumentativo o Campeonato Brasileiro que começa depois de amanhã - e nos acompanhará até quando o ano desaguar na singular Copa do Mundo do Catar  - dispensa esse tipo de preocupação. Não que não necessite de cuidados. O futebol brasileiro precisa, e muitos.  Mas essa é outra história. O Brasileirão segue sendo Brasileirão e ponto. Por mais que a Libertadores nos últimos anos tenha colocado à prova sua capacidade de seduzir. 

É fato que o título do ano passado ter ido parar nas mãos do Atlético Mineiro ajudou a polir um pouco o glamour do nosso principal torneio de futebol.  Não só pelo fato de o time mineiro, campeão da primeira edição, ter voltado a conquistá-lo exato meio século depois, mas principalmente por ter deixado para trás Flamengo e Palmeiras. Dois times que não só eram tidos como favoritos como tinham, até então, ficado com os três últimos troféus. O Galo segue aí, inteiro, de técnico novo. Se conseguir manter a estrutura de um time de uma temporada para outra foi uma das coisas que fizeram Flamengo e Palmeiras atingirem o patamar atual o Atlético agora figura nesse time, ainda que sob novo comando. 

Uma condição que é também do atual vice-campeão Flamengo, em 2022 sob a direção do português, Paulo Souza, que vai começar o Brasileirão sentindo lhe pesar sob os ombros a queda para o Fluminense que impediu o rubro-negro de conquistar um pomposo tetra estadual inédito. Por mais que o uruguaio Arrascaeta ande jogando o fino o Brasileirão também será o palco no qual o mais cortejado elenco dos últimos tempos terá de provar que o que anda vivendo não é o seu ocaso.  

Já o Palmeiras, que terminou a edição passada atrás do Atlético e do Flamengo, não trocou de treinador.  Abel Ferreira, em entrevista recente até deixou transparecer que em 2021 o Palmeiras em determinado momento olhou o Brasileiro com certo desdém. Estava em condição de fazê-lo? Talvez. Mas certamente a essa altura o Brasileirão deve rondar o imaginário do treinador palmeirense porque  certamente cairia como uma cereja no bolo de uma das mais bem sucedidas trajetórias do futebol brasileiro dos últimos tempos. Desafio em nada menor do que têm o Galo e o Flamengo.  



O Fortaleza, quarto colocado, foi de longe a sensação do último Brasileirão. Segue comandado pelo argentino Juan Pablo Vojvoda e pelo visto não perdeu o embalo.  Acaba se se sagrar campeão da Copa do Nordeste, de maneira invicta, e ostenta números de respeito. Um desavisado que , de repente, dê de cara por aí com a classificação final da edição passada poderá tomar um susto ao passar os olhos sobre a tabela e ver, entre os dez primeiros, não só o Fortaleza mas também o Bragantino, o América Mineiro e o Atlético Goianiense. 

E que o Santos não se deixe levar pela ilusão de figurar entre eles.  Ter terminado o Brasileirão passado à frente de times como Internacional e São Paulo de modo algum deve servir de alento.  Daria pra dizer que o tricolor andou sofrendo tanto quanto o Santos no Brasileirão passado, acaba de ser atropelado na decisão estadual, mas imaginar que têm alguma semelhança neste momento seria pura miopia.  O Brasileirão é cada vez mais um longo caminho que não perdoa os fracos.