sábado, 4 de novembro de 2023

Vojvoda, o original



Sei que vivemos em um país em que os títulos são decisivos para que alguém seja reconhecido como o tal. E quando não são os títulos é a grana. E quando não é a grana agora pode ser o número de seguidores. Por mais que eu seja de um tempo em que soaria pra lá de estranho se você viesse a dizer que alguém tinha seguidores. Mas deixemos as questões temporais de lado. Pois se tem uma coisa que desafia o tempo são personagens originais.  Falo num nível que faz certos homens ganharem um quê de inoxidáveis. E o que vou por fim citar aqui me faz recordar muito do Seo Antenor.  Nos finais de semana quando a molecada se encontrava no velho campinho que ficava entre a estrada de ferro e a pedreira ele sempre estava lá. 

E, meio sem que se soubesse como, depois de escolhido os times ele sempre se achegava ao escrete com o qual se sentia mais afinado e começava a dar instruções. Falava baixo, quase como se tivesse contando segredos. Mas aquilo caia tão bem nos ouvidos da molecada que não me lembro de alguém que não tenha se desdobrado pra tentar fazer a coisa minimamente do jeito que Antenor propunha. E o que era mais intrigante é que o homem não tinha pinta de boleiro. Não contava histórias de outros tempos. Durante a semana era visto executando tarefas banais como cuidar dos passarinhos ou da jardim da sua pequena casa. E quando não estava fazendo nada era visto sentado com a mulher numa cadeira de praia em frente ao portão de casa. Jamais na padaria onde a conversa dos mais velhos sobre futebol poderia facialmente ser confundida com uma algazarra. 

Vez por outra chegava ao campinho mais cedo do que todo mundo. Tirava um tufo de mato do pé da trave. Depois caminhava de cabeça baixa, parando aqui e ali para puxar com um dos pés um pouco de terra na tentativa de tapar ou reduzir buracos que podiam vitimar a garotada. E é em Juan Pablo Vojvoda, o técnico do Fortaleza, que vejo um pouco do Seo Antenor. Não tem pinta de boleiro. Quando o ouço falar é quase sempre com ar sóbrio. Lembro que quando começou a fazer certo sucesso foi flagrado pela imprensa saindo não sei se de casa ou do clube para ir ver uma pelada que estava sendo travada ali nas redondezas. Aos poucos foi construindo uma história de respeito. E depois de conquistar as últimas três edições do estadual acaba de levar o Fortaleza a uma decisão de torneio continental. Mas isso é detalhe se quisermos driblar essa história de enaltecer os homens por seus títulos. 

Vojvoda , por uma dessas singularidades do futebol brasileiro, chegou ao posto que ocupa sem ostentar um título de expressão sequer. Tinha levado o modesto Union La Calera, do Chile, à Libertadores é verdade. E com isso já teria credencial para ser tido como um personagem original. Mas foi além, fez com o time dele uma campanha incrível no Brasileirão de 2021 quando o Fortaleza figurou entre os quatro melhores do principal torneio de futebol do país. E mais, em evidência total, resistiu ao assédio dos ditos grandes. E ao agir assim seguiu por um caminho que quase nenhum dos nossos professores teve coragem de trilhar, e que o tem levado cada vez mais longe. Por isso Vojvoda, assim como fazia o velho Antenor, me dá a impressão de não estar muito interessado em copiar fórmulas. O que convenhamos sempre foi tática das mais nobres. E pra poucos.       

 

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