sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Brasileirão: Epílogo

Como se não bastasse o futebol pobre na maior parte do tempo o Campeonato Brasileiro deste ano em seu epílogo ainda ofereceu aos interessados cenas capazes de virar o estômago de muito torcedor acostumado a sordidez das arquibancadas. E pra mim mais triste do que a violência é se descobrir num país que não evolui. Aqui  tudo acontece, e acontece de novo, e de novo. Os crimes são praticados no mesmo lugar, do mesmo jeito, pelos mesmos marginais.. Parece que não conseguimos tirar lições do que vivemos.

Deveríamos ter aprendido alguma coisa quando em 2009, também na última rodada do principal torneio de futebol do país, o estádio Couto Pereira virou cenário de uma verdadeira batalha campal entre torcedores e a polícia depois de encerrada a partida que rebaixou o time da casa, o Coritiba. Um jogo com ameaça real de rebaixamento jamais será um jogo como outro qualquer. Deveria ser, mas estamos todos cansados de saber que não é. E qualquer um que se diga responsável pelo nosso futebol tem a obrigação de estar ciente disso e agir. Mas quem verdadeiramente zela pelo nosso futebol?

A punição imposta ao Coritiba com o tempo praticamente se diluiu, quem lembra dos detalhes me dará razão. E a punição que veremos dessa vez deverá, como sempre, ser no máximo algo que beira a impunidade. Faz tempo que verdadeiros marginais foram se esconder debaixo de escudos de times. São figuras fáceis, frequentam sempre os mesmos lugares, dão bandeira a cada rodada, têm as fichas sujas, mas seguem lá sendo tratados como heróis. E ninguém faz nada, absolutamente nada.

Se não fosse a imprensa tempos atrás dedurar a presença daqueles mesmos torcedores que ficaram encarcerados na Bolívia -  acusados pela morte de um garoto de quatorze anos - naquela briga entre corintianos e vascaínos no recém inaugurado estádio Mané Garrincha, em Brasília, a CBF nem teria ficado sabendo, a Federação Paulista muito menos. E o Ministério do Esporte, se perguntado,  não me espantaria se dissesse que não era problema dele.

Diante dos fatos restou à Federação Paulista emitir uma nota banindo os tais torcedores dos estádios. Bom, aí restou a imprensa voltar lá pra ver que eles não estavam preocupados e continuavam na arquibancada... sem amolação maior. Mas pelo que tem sido visto e ouvido por aí o Ministro do Esporte anda mais preocupado com o atraso das noivas do que propriamente com o nosso futebol. Como bem disse um comentarista político dia desses, a impressão é que ele ainda não percebeu que mais do ninguém tem a obrigação de, no mínimo,  fazer o nosso futebol não ser motivo de vergonha. Não pega bem para um país que aceitou ficar exposto aos olhos do mundo e que reclama quando um certo secretário-geral diz que anda merecendo um chute no traseiro.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Por um sorteio porreta!


Amanhã quando o sorteio dos grupos do Mundial do ano que vem estiver encerrado a Copa de 2014 terá ganho  contornos definitivos. O prato que serve os analistas transbordará possibilidades. Teremos uma ideia muito clara daquilo que nos espera. Há um sem fim de observações a se fazer em torno do assunto.

É fato que se a FIFA tivesse tido um pouco mais de paciência, se tivesse aguardado o resultado das repescagens e não tivesse usado o ranking de outubro para definir os potes do sorteio teria evitado as manobras que se seguiram. Fosse o ranking de novembro - e não de outubro - o parâmetro, Portugal e Itália teriam se tornado cabeças-de chave e a França estaria no pote dois, ocupando o lugar que ficou com a Rússia. E ponto!

Mas essa questão do ranking me incomoda muito menos do que ouvir o secretário-geral da FIFA, Jerolme Valcke, até uns dias atrás fazer mistério com o destino da França que tinha seu destino indefinido. A campeã do mundo em 1998 poderia tanto ser colocada diretamente no pote dos sul-americanos e dos africanos, como entrar num sorteio que reuniria as nove seleções européias para definir qual delas ficaria no pote dos sul-americanos e africanos. 

Seria muito salutar que as regras todas tivessem sido definidas antes. Quanto menor a margem de manobra melhor. A opção, lógico, foi pela segunda possibilidade, um sorteio entre as nove seleções da Europa. Com o detalhe de que a seleção sorteada irá diretamente para um grupo que terá como cabeça-de-chave uma seleção sul-americana, que também será definida por sorteio.

Olha, se você ficou confuso tente encontrar amparo na frase do próprio secretário-geral ao comentar o assunto: "Não é fácil explicar, mas espero que todos entendam no fim". Pra ser sincero, acho que um grupo porreta reunindo o que o futebol tem de melhor daria à fase de grupos da Copa um ar mais interessante. Veremos se a sorte está ao nosso lado, seja lá o que isso signifique. 

De certo, por hora, apenas que o mundo agora nos enxerga através de um futebol que não é exatamente o nosso, um futebol onde os cartolas tem direito a segurança de chefes de estado, um futebol que pode se dar ao luxo de gastar algumas dezenas de  milhões de reais pra fazer um sorteio. O nosso futebol de verdade tem outra cara. 

Que um dia o mundo tenha olhos para aquilo que é nosso, que tem nosso jeito. Que o mundo um dia entenda a graça de um artilheiro peso-pesado como o Walter, do Goiás, o simbolismo de um Flávio Caça-Rato levando o Santinha ao seu primeiro título nacional. Que o mundo um dia venha para cá provar um sanduíche de pernil na porta do Morumba, a refrescância de um Chicabon comprado na arquibancada. Por que daqui em diante os holofotes estarão cada vez mais sobre esse circo que há tempos corre o mundo carregando seus interesses e nossas emoções.  

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Essa Copa é a nossa cara


Estamos cansados de saber do que o Brasil é capaz. E com a Copa chegando acredito que esse nosso jeitinho tem tudo pra ficar mais famoso do que nunca. Pois se há uma virtude nesses grandes eventos esportivos que decidimos abraçar é a capacidade que eles têm de escancarar a realidade e os hábitos do país que os sedia.

Não faz muito tempo o governo chinês se esmerou para receber os jogos olímpicos. Tratou de construir obras sensacionais, capazes de encantar o mundo. Quem não se lembra do estádio Ninho de Pássaro? Tudo parecia perfeito. Mas bastou a mídia internacional desembarcar por lá alguns dias antes da Olimpíada para que as notícias do ar irrespirável de Pequim rodassem o planeta, bem como o estranhamento com o hábito dos chineses de cuspir em qualquer lugar.

Ainda assim um dos traços mais lamentáveis da nossa cultura tem tudo para passar despercebido: a velha malandragem de tirar proveito do momento. Algo que o batalhão de turistas e profissionais que desembarcará por aqui talvez não perceba pela impossibilidade de comparar o presente ao passado mais recente.

Falo do hábito sacana do qual nem mesmo o sujeito que lhe vende coco verde ou cerveja ali na praia te poupa, mesmo jurando ser seu amigo do peito. De repente, o coco que era três passa a custar cinco. A cerveja que era cinco passa a custar sete, ou sei lá quanto. Mas porque ele não teria o direito de agir assim se no país inteiro é assim que a coisa funciona? E não pensem que não é.

As notícias dão conta de que na época da Copa as diárias dos nossos hotéis poderão custar até quinhentos por cento mais, segundo estudos da própria Embratur. E não serão só os hotéis. Acabo de ler também que, segundo um outro levantamento feito recentemente, nos últimos quatro meses houve um aumento de até seiscentos e vinte e seis por cento nos preços das passagens aéreas para destinos como Brasília e Fortaleza, duas sedes da próxima Copa.

Tomara que os que desembarcarem por aqui não acabem achando que se trata de uma forma revolucionária de economia liberal. A Copa já tem a nossa cara. O Brasil está todo ali. Na dinheirama que jorra do governo, no jogo político, nos interesses e adulações que insistem em parir elefantes brancos, no descaso com o que deveria ser prioridade. E, olha, se em junho do ano que vem, quase em pleno inverno, o seu amigo vendedor de coco lá na praia te disser que o precinho camarada já não é aquele, não se espante, principalmente, se ao questioná-lo o sujeito lhe responder dizendo:

_ É a Copa , Doutor. É a Copa!

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O futuro do futebol


Se há uma coisa que me intriga em matéria de futebol é o futuro dele. A todo momento ouvimos alguém falando em melhorá-lo, em torná-lo mais profissional, em dar mais conforto ao torcedor. Mas o que será do futebol daqui a trinta ou cinquenta anos? Não sei. Os entendidos podem ter ficado um tanto velhacos depois que um certo intelectual cravou, no início do século passado, que o futebol era moda, importada, que não ia pegar.

Mas deixemos de lado os detalhes da história, principalmente os que remontam a origem do jogo, e fiquemos com seus recém comemorados cento e cinquenta anos, quando fundaram a Foottball Association, a primeira federação de futebol do mundo. À luz da história o futebol é novo. Mas é um jogo que já se mostrou deveras vigoroso, jogo que vinte anos atrás por estas bandas não precisava fazer muito esforço para levar bem mais de cem mil torcedores a um estádio e que nos dias de hoje tem tido cada vez mais dificuldade para seduzir a garotada que, não raro, tem forte queda por sua versão virtual.

Nós, de certa forma, também nos virtualizamos na condição de torcedores, seja por causa da violência ou de outro motivo qualquer, há muitos. Passamos a torcer do sofá, longe do frenesi inigualável das arquibancadas. E como mesmo do sofá continuamos a consumi-lo e seguimos alimentando o mercado é provável que pouco será feito pra mudar essa relação.

O ingresso encareceu e, como se não bastasse, as novas Arenas provocaram uma aceleração ainda mais absurda dos preços. Diante desse encolhimento provocado por um futebol teoricamente bem pensado ficamos boquiabertos ao dar de cara com a paixão dos torcedores do Santa Cruz que, mesmo diante de todas as adversidades, continuam lotando o estádio do Arruda e o fazendo pulsar como antigamente.

Nunca o jogo de bola teve seu fascínio tão contestado, nunca foi tão rotulado de chato. E isso inevitavelmente terá algum desdobramento. Estou longe de achar que o futebol perderá sua força. Acho apenas que do jeito que vai tem tudo pra ficar cada vez mais parecido com outros esportes. Capaz de movimentar cifras cada vez maiores, de criar super astros, de mobilizar milhões de aficionados.

Mas futebol como antes, como grande símbolo da nossa identidade, como brincadeira primeira da molecada, verdadeiramente popular, esse futebol só veremos olhando para o passado, para o futuro, sei não. Ainda que os homens de marketing estejam com seus notebooks repletos de planos

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Sobre as biografias


É raro publicar aqui coisas dos outros. Mas como o tema me despertou muito interesse não resisti.De tudo que li, vi e ouvi por aí a respeito dessa discussão em torno das biografias citaria dois artigos. Um deles escrito por Eugênio Bucci. Um artigo que fala sobre o viés da grana nesse bafafá. Como finalizou o próprio Bucci " Quando mercado e democracia entram em choque, a segunda deve prevalecer". O outro artigo foi escrito pelo professor de História Social da Arte, Francisco Alambert. Os dois seguem abaixo para quem se interessar.



Sorry Sigmund


Freud proibiu um ex-paciente de biografá-lo porque, para o psicanalista, a ‘verdade biográfica’ não existia. Ainda bem que outros ignoraram o veto


Francisco Alambert - O Estado de S. Paulo

O professor e pesquisador Paulo de Abreu Bruno, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), foi preso durante o protesto do dia 15 no centro do Rio de Janeiro, enquanto filmava o conflito entre policiais e manifestantes. A filmagem é parte de um projeto de pesquisa, mas ainda assim ele foi enquadrado na Lei 12.850/2013, caracterizado como participante de atos contra o patrimônio público, roubo, incêndio e formação de quadrilha – todos considerados crimes inafiançáveis.

Não explicou. A história não é só de um indivíduo, mas de uma época - Biblioteca do Congresso/NYT
Biblioteca do Congresso/NYT
 
Não explicou. A história não é só de um indivíduo, mas de uma época
O professor foi preso por documentar um acontecimento público, parte de um processo histórico em pleno desenvolvimento, que por sua vez é documentado todas as vezes que acontece, por toda a mídia. Trata-se, portanto, de um acontecimento histórico, e, por ser assim, o pesquisador procurava legitimamente documentar e reconhecer o que está se passando e que ninguém pode negar.
Concomitantemente a esse fato arbitrário, um grupo ironicamente autointitulado Procure Saber tem dado o que falar, justamente reivindicando o direito de não deixar ninguém saber nada que eles mesmos não queiram que seja sabido, a partir da defesa da proibição de textos que eles mesmos não autorizem. Saber sobre alguém deveria ser, dizem eles, um ato criminalizável, e a vida de um sujeito público pertence a ele como qualquer outra propriedade privada.
O tema, portanto, é urgente e eminentemente histórico – tanto naquilo que revela de nossa época (que confronta superexposição com o desejo de controlar, mesmo por censura, tudo aquilo que se expõe o tempo todo) quanto propriamente historiográfico, uma vez que a biografia, o estudo histórico e crítico do papel do indivíduo na constituição da sociedade e de sua época, é um dos gêneros históricos mais tradicionais. No mundo ocidental, ele começa com Platão e Xenofonte escrevendo sobre a vida de Sócrates e vai, já no período romano, a Plutarco (com sua Vidas Paralelas) ou Suetônio (com os modelares estudos literário-políticos Sobre os Homens Ilustres e A Vida dos Doze Césares), chegando à Idade Média com A Vida de Dante, de Boccaccio.

Mas a questão atual não diz respeito a justificar a existência da biografia como gênero histórico. Essa discussão, aliás, é cheia de interpretações, refutações e distintas posições que vão do desprezo à apologia. A questão atual, do ponto de vista da história, diz respeito a como entender o que é "vida pública" numa época em que a sociedade desenvolveu uma verdadeira obsessão por essa vida e pela sua legitimidade.

A questão é pois o que significa "público" e o que é de interesse histórico e, portanto, de interesse da comunidade. Basicamente, o que define a figura pública não é sua "visibilidade" ou "fama", mas o fato de que ao longo de sua trajetória essa figura (que pode ser "importante" ou "medíocre", tanto faz) deixa rastros, documentos, que por causa da significância dessa trajetória dentro da trajetória histórica de uma comunidade ganha sentido e pode ser narrada, estudada, explicada e interpretada. Nesse caso, o sujeito é "sintoma" de seu tempo tanto quanto é "sintoma" desse tempo o desejo de saber sobre esse sujeito (o tema é muito bem discutido no livro organizado pela psicanalista Fani Hisgail Biografia: Sintoma da Cultura).

Como bem definiu o historiador francês Jacques diz Le Goff em sua biografia de São Luis, o indivíduo "se constrói a si mesmo e constrói sua época tanto quanto é construído por ela. E essa construção é feita de acasos, hesitações, escolhas". Foi exatamente dentro desses princípios que o historiador Paulo Cesar de Araújo escreveu sua excelente biografia de Roberto Carlos, que deu início a essa síndrome atual de nossos poderosos-famosos em criminalizar a história – não a deles exatamente, mas de sua (e nossa) época. A proibição de circulação de um livro válido como esse é uma arbitrariedade do indivíduo contra a história da qual ele é parte.

Certa vez Freud recusou o pedido de um ex-paciente de biografá-lo. Ele argumentava que a "verdade biográfica" não existia. Nenhum historiador contemporâneo sério diria o contrário. Pois não se trata de buscar a "verdade", que em história é sempre falível e precária, mas de procurar explicar um tempo, estabelecendo uma narrativa documentada sobre um objeto que se considera válido como testemunho. E são os historiadores que decidem isso.

Felizmente, o desejo do indivíduo Freud não foi respeitado, e graças a esse "desrespeito" podemos ler as biografias dele feitas por Ernest Jones ou por Peter Gay (biografias aliás muito diferentes entre si e em suas "verdades") e assim aprender a pensar melhor sobre a psicanálise, sobre a sociedade vienense, sobre a ciência, sobre a cultura, sobre o significado dos corpos, da subjetividade, dos desejos. Enfim, sobre tudo aquilo do qual, direta ou indiretamente, somos parte. Quando se prendem professores com câmeras ou se censuram historiadores com suas pesquisas, é contra o direito à cultura e ao autoconhecimento que se está agindo.

FRANCISCO ALAMBERT É PROFESSOR DE HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE E HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DA USP

__________________________________________________________________________________


Minha vida, meu negócio - EUGENIO BUCCI
REVISTA ÉPOCA

A barulheira gerou um fio de esperança. A reação exaltada contra as declarações de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, para quem os livros biográficos só podem ser publicados mediante autorização dos biografados, foi finalmente ouvida na Câmara dos Deputados. Na semana passada, parlamentares prometeram acelerar a aprovação do projeto de lei que altera o Código Civil para impedir a censura às biografias. Quando tudo parecia sem saída, quando até Chico Buarque, Gil e Caetano, símbolos da causa democrática, cerraram fileiras contra a liberdade de expressão, eis que desponta uma centelha no fim do longo túnel. Depois da treva, uma luz (ao fim da tempestade). Às vezes, a esperança é a última que nasce.

Se os deputados cumprirão a palavra, bem, isso é outra história (outras biografias). Mas uma esperança nasceu. Falta agora nascer a clareza. É realmente incrível. Falou-se tanto, escreveu-se tanto, bateu-se tanto em tantos por tantas semanas, e o entendimento sobre o que está em jogo ainda é tão pouco. A gritaria toda, que ajudou a quebrar a inércia pétrea do Congresso Nacional (ao menos é o que esperamos), não nos trouxe compreensão sobre o verdadeiro impasse.

Não estamos às voltas com forças do mal, que pretendem restaurar a ditadura militar no Brasil. Sim, há quem queira isso.

Mas Caetano, para tomar um exemplo, não é censor nem reacionário. Ele é um democrata, como seus amigos. O problema é que ele defende outra lógica - e essa lógica entra em choque com a democracia. E é sobre isso que deveríamos pensar.

Desde que o inglês John Milton, ainda no século XVII, afirmou o direito fundamental do cidadão de publicar o que bem entender, sem ter de pedir licença ao poder, a livre circulação do pensamento se tornou um dos alicerces das sociedades livres. Primeiro, cada um expressa o que julgar necessário. Depois, apenas depois, responderá pelos excessos que cometer. Acontece que, de uns tempos para cá, o mundo começou a ficar esquisito. Há, hoje, legislações restritivas em toda parte, até no Reino Unido e na França. Não sabemos resolver a contradição entre os direitos fundamentais dos cidadãos, como o direito à informação e à liberdade de expressão, e outros direitos, como à privacidade, que a lei assegura também a todos - e vale dinheiro. A privacidade tem valor econômico. Aí é que está o ponto-chave – e o ponto chato, pois os artistas no Brasil adoram fingir que não pensam no vil metal.

Os ídolos do cancioneiro popular, esses poetas que escreveram as trilhas sonoras de nossa parca existência, não são inimigos da ordem democrática. São gente boa. Apenas estão defendendo o deles. Eles não lutam exatamente pelo resguardo, pelo recolhimento, pelo segredo íntimo. Não se mobilizam pela privacidade neutra, mas pelo direito de ganhar dinheiro quando suas intimidades se tornam públicas. Eis o ponto-chave - e chato.

Nada de errado com isso. Trata-se de um direito deles. Um direito, aliás, de qualquer um, seja pop star, cantor, jogador de futebol ou dona de casa. Se alguém quer transformar sua biografia em entretenimento de massa e faturar com isso, tem o direito de fazê-lo. Reality shows, programas de auditório e revistas de fofoca vivem da exploração das intimidades, assim como, recentemente, começaram também a viver disso as campanhas eleitorais e as igrejas que oferecem milagres pela televisão. Intimidades luxuriantes ou degradantes valem ouro e podem ser compradas pelo ouro.

Ora, se é assim, então, raciocina o advogado da celebridade, por que um reles jornalista pode querer ganhar o dele em cima dos lances encantadores, inspiradores, traumáticos e fascinantes de meu cliente? O ponto é realmente chato.

Para um astro do showbusiness, e principalmente para o advogado dele, os lances de sua vida são parte da obra. Ele vende mais ou menos CDs, atrai mais ou menos fãs para os seus shows, à medida que faça isso ou aquilo na vida privada. Se a cantora anuncia que se casará com outra mulher, agrega um novo "market share" a sua estratégia comercial. Aí, se revelarem que o matrimônio gay foi um jogo de aparência, o faturamento despenca. A receita bruta do cantor romântico depende da exposição estratégica de sua privacidade. A arte também tem seus modelos de negócio.

Estamos vendo de perto, enfim, a contradição entre mercado e democracia. Para faturar mais com suas biografias, algo legítimo, nossos grandes poetas pensaram que poderiam suprimir o direito à informação de todos os demais. Aí é que não deu pé. Quando mercado e democracia entram em choque, a segunda deve prevalecer.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Erotismo esportivo


O meu trabalho diário tem me colocado numa saia justa. Já relatei para alguns colegas de redação o que tem se passado. E bastou eu começar a explicar para que todos se mostrassem cientes do que anda acontecendo.
 
É que nessa minha profissão a gente passa o dia inteiro com o computador aberto em páginas de esportes e anda difícil encontrar uma que não tenha em destaque uma mulher deslumbrante.... quase sem roupa. Isso sem falar nas poses. Diante dessa realidade não foram poucas as vezes em que notei um certo ar de espanto no rosto de companheiras e companheiros de trabalho que, subitamente, chegam até a minha mesa.
 
É batata! A pessoa chega e é imediatamente atraída pelo olhar lânguido de uma loira estirada no gramado, traves ao fundo, lábios mais vermelhos do que cereja, bunda pra cima. Não há olhar que resista. é como um imã. Entendo a surpresa, a primeira impressão não é de se estar de cara com uma página de esportes. São as belas da torcida, as musas. Do Coritiba, do Santa Cruz. O que me faz imaginar que até a do Íbis - que ainda não topei por aí - deve ser de parar o trânsito. Isso sem falar nas namoradas de jogadores, nas fotos sensuais, nos calendários com atletas,na Larissa Riquelme. Nada contra, aliás, nada mesmo.
 
Mas veja como anda a coisa. Paro de teclar. Resolvo ir lá olhar uma dessas páginas em busca de inspiração, e o que encontro? Uma enquete que me pede pra dizer que atleta brasileira eu gostaria de ver em um ensaio nu. Bom, nem te conto. Não é mesmo um conteúdo informativo? O que pouca gente sabe é que os portais da internet tem sua importância avaliada pelo número de acessos e nada melhor para turbiná-los do que mulheres turbinadas.
 
Não tardará o dia em que os sites de esportes terão entre esposas e namoradas a mesma reputação daquela tradicionalíssima revista masculina. Diremos para elas que vamos abrir a internet, rapidinho, só pra ver quanto foi o jogo do nosso time e receberemos de volta um olhar desconfiado, seguido daquele tradicional " Ah, sei!!!", em tom provocativo, quase de briga. Será mais ou menos como dizer que vai à banca de jornal comprar a Playboy, claro, por causa da entrevista.
 
E nem adianta ter na estante, como eu, aquela edição comemorativa com as trinta melhores entrevistas da Playboy, sem uma única foto de mulher entre as páginas. Não haverá argumento capaz de levá-lo à absolvição. E haja fibra para resistir, dia a após dia, a toda essa tentação. Falando nisso, vocês já viram que belezura a torcedora símbolo do América do Rio Grande Norte? Dá de goleada em qualquer entrevista. Brincadeirinha!

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Que viagem !


De repente estávamos todos ali. Homens feitos parecendo crianças. Entregues a ânsia que costuma tomar de assalto quem espera um jogo de bola começar. Quando recordo agora daquele Boeing 747 que nos levou Atlântico afora ele tem toda a pinta de ser, na verdade, uma máquina do tempo. Uma máquina que me levou de volta ao passado, quando eu tinha uma turma pra jogar bola. Um turma que passava lá em casa pra me chamar. Ávidos, nos entregamos totalmente a esse convite ludopédico-romântico que o destino fez. E ao fim, sem perceber, levávamos todos no rosto e na alma a revivida euforia das tardes em que voltávamos pra casa com os pés sujos de barro, areia, lama.

Houve, sim, um placar que me fez ver muita gente incomodada. Mas pra quem cultiva toda essa reverência pelo futebol deve bastar a transcendência daquele treino debaixo de chuva. A beleza da nossa entrega, nossa crença cega num certo improviso, enquanto o Autonama, ali ao lado, se esmerava num treino com jeitão profissional. Repetindo movimentos. Astral de orquestra sendo afinada. Mal sabem eles que com todo aquele entrosamento tinham mais motivos pra se divertir do que nós. Terá sido pra eles de alguma forma intimidador o nosso descompromisso? Que pensavam ao olhar para a outra metade do campo? Que pensaram ao ver um bando de garotos correndo pra lá e pra cá, como se aquele mero treino fosse à vera?

Driblamos o tempo como só o futebol permite. Mas de tanto lembrar Moritz Rinke & Cia jogando fácil, passando por nossa brava defesa com a velocidade e o entusiasmo de quem vai a uma festa, não sei, passo a ter incertezas. Tendo a achar que poderia ter me apresentado mais ao amigo Prata ali na esquerda.Ter sido mais altivo, ter procurado mais o jogo. Começo a achar que naquela bola que veio feito um torpedo pra área eu poderia ter subido um pouco mais. Simples efeitos colaterais de um complexo de vira-lata mal curado. E, Caro Nelson, se tu soubesses como foi citado.

Penso em Pepe fazendo a preleção no vestiário, tentando nos orientar. Que bela imagem! Quem sabe se tivéssemos levado a cabo suas palavras. Mas não começamos pressionando os caras, não avançamos a marcação. Diante do placar adverso não redobramos a atenção para evitar um estrago maior. Pepe, meu velho, não é tão fácil assim fazer o que fazia o teu Santos. Olha, Seo Macia, seja como for, tenha a certeza de que se tratou do desrespeito mais respeitoso da história do futebol mundial. No desassossego de alguns, lembrei de Fernando Pessoa aconselhando a desdenhar da vitória com o seu Desassossego, o livro. Dizendo que vencer é conformar-se, ser vencido. E que por isso toda vitória é uma grosseria, que o império supremo é daqueles em quem a supremacia não pesa como um fardo de jóias.

Só mesmo o Sobrenatural de Almeida poderia ter nos salvado desse germânico nove a um que se abateu sobre os que vestiam a camisa do Pindorama. Ficamos meio sem entender nada, exatamente como fiquei ao me deparar com uma frase de Augustinus Von Hipo escrita em alemão na parede do nosso quarto de hotel: "Nur wer selbst brennt, kann feuer in anderen antfachen".

Fomos sobre o sintético gramado do Eintracht e arredores, um time, um belo time. Fomos o que talvez eles não entendam por completo jamais. Ou talvez até entendam melhor agora, se mesmo diante do abismo das línguas, deram um pouco de atenção a tudo o que andamos dizendo de nós mesmos por lá.


Aos amigos do Pindorama FC


* Leia no link abaixo a matéria sobre o fato que gerou este artigo.

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/10/1355416-selecao-brasileira-de-escritores-e-goleada-por-9-x-1-pela-alemanha-em-frankfurt.shtml 

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Um sonho caro

 
A foto me seduz. Nela um garoto muito novo, vestindo a camisa do Flamengo, tem o olhar vago.Sou levado a ler a matéria que acompanha a imagem. Descubro que se trata de Cassiano Bouzon. Um prodígio que, do alto dos seus doze anos, já teria recusado uma proposta do Barcelona, negociado com o Fluminense. Tudo isso antes de ir parar no time da Gávea. Dizem que os dirigentes rubro-negros não querem expor o menino e que no Ninho do Urubu - o Centro de Treinamento do Flamengo - Cassiano chega quase a ser assunto proibido. Sei.
 
A leitura me fez lembrar a história de outro garoto. Meia década atrás, aos treze anos, Jean Chera era a maior promessa do time do Santos. Hoje, aos dezoito, o meia segue sem ter feito um único jogo como profissional. Chera passou pelo Genoa, da Itália, esteve em negociação com Palmeiras, Corinthians e também não vingou vestindo a camisa do Atlético Paranaense. E nem vem ao caso falar aqui sobre o papel desempenhado pelo pai dele, apontado frequentemente como uma pessoa de difícil trato.
 
Não custa lembrar que em outros tempos Chera era mais badalado do que Neymar e Gabriel, que agora vai aparecendo no time titular do Santos. Tão desafiador quanto interpretar o futebol é entender os seus caminhos. Faz algum tempo, vendo um jogo do Salgueiro pela Copa do Brasil, me interessei pelo fato do time pernambucano ter no elenco um nigeriano. Quis saber de quem se tratava. Descobri que Yerien Richmind Esukusiede, deixou a cidade de Lagos - a maior daquele país africano - aos 17 anos.
 
Chegou acompanhado por um amigo que costumava vir ao Brasil comprar mercadorias para vender na Nigéria... e teve a coragem de não voltar. Passou mais de dois anos sem condições de jogar, sem documentos, ilegal. Passou fome. Em sua peregrinação por times de base, vestiu a camisa do Palmeiras B, onde teria sido alvo de chacotas dos atletas por aparentar na época mais do que seus alegados quase vinte anos. Só no ano passado, depois de quase meia década de Brasil, conseguiu assinar o primeiro contrato profissional, com o Treze, da Paraíba.
 
E foi vestindo a camisa do time paraibano que chamou a atenção dos dirigentes do Salgueiro. Escrevo tudo isso só pra dizer que acho perigosa essa realidade atual de equipes sub12, 13. Depois que um menino se vê enredado por tudo isso é tarefa árdua neutralizar a ilusão. Acredito que quando alguém veste um garoto com uma camisa de futebol e desperta nele um sonho deveria também ser responsável por salvá-lo dele, caso as coisas não saiam como o imaginado. Garotos têm é que brincar de jogar bola. O futebol levado muito a sério só interessa a alguns.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Neymar e o novo Barça


Nunca achei que Neymar fosse ter vida fácil no Barcelona. E isso não tem nada a ver com o talento dele, que considero inquestionável. Mas sempre tive comigo a impressão de que ele precisaria de um tempo para se sentir à vontade e, mais do que isso, um tempo para conquistar a confiança de quem comanda o time dentro e fora de campo.

 Por esse motivo dei muita atenção às declarações de Cruyff sobre a chegada do outrora astro santista ao time catalão. Afinal, era o Cruyff falando. Na semana passada o holandês voltou a tocar no assunto. Dessa vez não insinuou, como fez tempos atrás, que não se pode colocar dois galos no galinheiro. Alusão à Messi e Neymar, claro. Traçou outra teoria.

Para o ex-jogador do Ajax e do próprio Barcelona não se trata de questionar o brasileiro e sim a consequência da chegada dele para o grupo. Segundo Cruyff o Barcelona tem um estilo de jogo no qual os que atuam pelas pontas são os que mais trabalham pelo time. E para ele Neymar não tem o jeitão trabalhador de um Pedro, por exemplo. Para Cruyff, quando você contrata um homem de frente muito ofensivo precisa de laterais defensivos, o que não é o caso do time catalão. A consequência disso seria um desequilíbrio.

Mas aí eu fiquei me perguntando: O futebol europeu não é o tal que prima pela obediência tática? E não seria uma boa causa domar um pouco o ímpeto ofensivo dos laterais para favorecer um jogador como Neymar? Bom, li as declarações de Cruyff pela manhã e vi o Barcelona jogar à tarde.

O adversário, tudo bem, era o Rayo Vallecano. Neymar esteve em campo durante oitenta minutos. A partida terminou em goleada. Quatro a zero para o Barcelona. Pedro, o trabalhador, também estava lá. Fez três dos quatro gols do Barça, um deles depois de receber passe do brasileiro em questão. O jogo nem tinha terminado e já soavam rumores de que o modo do time do Camp Nou jogar tinha mudado.

Feitas as contas , se descobriu que pela primeira vez em cinco anos o Barcelona deixava o campo sem ter ficado a maior parte do tempo com a bola nos pés. Cinco anos! Sabe lá o que é isso? Olha, se o Barcelona está se reinventando eu não sei, o que posso dizer é que sempre ouvi dos que conviveram com Neymar que o garoto é um boa praça, de fácil convivência. E, ao menos por enquanto, e mesmo diante das estatísticas, acredito mais nisso do que na reinvenção do Barcelona.

*artigo escrito para o jornal "A Tribuna", santos

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Dá pra ser feliz?

Ser feliz a todo instante não passa de quimera. Tudo o que nos resta é se contentar com momentos de felicidade. E como de minha parte nunca tive essa pretensão, está de bom tamanho que assim seja. Também não tiro de ninguém o direito de tentar essa felicidade constante que os estudiosos julgam impossível. Mas não tem sujeito nesse mundo mais rebelde contra tal constatação do que o torcedor.

Vejam o caso dos corintianos. Imersos em glórias - que muitos alvinegros esperaram durante toda uma vida e não viram -, desfrutaram nos últimos tempos de uma felicidade tão longa para os padrões do futebol nacional que para os adversários ela teve (e ainda tem) ar de infinita. Um período tão próspero nesse sentido que há muito tempo a torcida corintiana não encontrava motivos para demonstrar com certa contundência o seu lado impiedoso, traço que em matéria de força só perde mesmo para sua histórica e reconhecida fidelidade.

Tudo bem que o futebol permita esse teatro do impossível. Afinal, até o mais ponderado cidadão quando se trata do jogo de bola parece se dar o direito de alimentar a esperança de renovar a felicidade a cada nova rodada. O que não me parece muito justo é questionar um técnico como Tite. Se um treinador que conquistou o que ele conquistou não merece apoio depois de uma série de três derrotas, ninguém há de merecer. Escrevo aqui imaginando como terá se apresentado o Corinthians diante da Ponte Preta, mas acima de tudo recordando a figura do treinador corintiano.

Tite, perto ou não de encerrar seu ciclo no comando do time do Parque São Jorge, terá deixado como legado não só as conquistas mas uma maneira de lidar com os anseios e com o gigantismo da nação corintiana. Quando se alcança conquistas expressivas assim, às vezes, o que se crava em nossa memória é um detalhe do jogo final, seu homem mais habilidoso ou decisivo, mais do que o nome do técnico. Coisa que possivelmente não irá acontecer em se tratando das inéditas conquistas da Libertadores e do Mundial. Tite deixou uma marca.

Poderia falar aqui em outras injustiças, como questionar o futebol eficiente e discreto do meia Danilo. Pensando bem, mais difícil e improvável do que ser feliz pra sempre é pensar que o futebol brasileiro um dia deixará de ser escravo do resultado, que um dia entenderemos o papel e a importância dos seus personagens muito além do placar.


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos


quinta-feira, 5 de setembro de 2013

O futebol tem voz?

Hoje à noite o São Paulo volta a campo, quarenta e oito horas depois de ter enfrentado o Náutico. Dessa vez terá pela frente o Criciúma. A maratona agora imposta ao São Paulo por ter se ausentado do país para disputar três jogos no exterior, sendo apenas um deles um compromisso oficial, vem sendo amplamente comentada. Rogério Ceni, após o empate com o Botafogo no final de semana lamentou. Disse que a Confederação Brasileira " não parece preocupada com os clubes". Todos nós sabemos que não é só uma questão de aparência. A CBF tem outras prioridades.

Mas pior do que não se preocupar com os clubes é não se preocupar com os atletas. Estudos já mostraram que o intervalo mínimo entre os jogos deve ser de setenta e duas horas. Antes disso é impossível que o atleta esteja totalmente recuperado do desgaste provocado por uma partida. Ora, se o São Paulo pôde fazer três jogos em quatro dias no exterior pode facilmente dar conta desse engarrafamento de jogos. Não tiro a razão de quem tem usado esse argumento. O que me chama a atenção é como as coisas vão sendo levadas.

O papel da CBF era ter consultado as possibilidades e dito que era impossível a liberação do jeito que o São Paulo queria porque não teria datas disponíveis, porque não poderia expor os atletas a esse tipo de exigência. Mas nunca o descontentamento com a organização do nosso futebol foi tão visível. Essa é a minha impressão. O que me alegra. Pois a sensação que tenho é de que esse descontentamento está fazendo o futebol ter voz.

Na última sexta acompanhei a coletiva do técnico Paulo Autuori, no centro de Treinamento do São Paulo. Autuori foi categórico ao comentar a realidade do futebol brasileiro em vários aspectos, principalmente, no que diz respeito a organização. Em certo momento disse o óbvio - mas que ninguém diz - sobre essa nossa eterna busca por voltar a ter o melhor futebol do mundo. "Com esse calendário?", questionou o treinador sãopaulino. Isso na mesma sexta-feira em que o presidente da CBF foi duramente questionado por Paulo André durante o Fórum Nacional do Esporte, realizado em São Paulo.

O zagueiro corintiano, pelo visto, não suportou o tom do discurso do dirigente sobre a vitória da seleção brasileira na Copa das Confederações. Fez questão de dizer:" Ganhamos, mas o nosso futebol vive uma crise existencial". Depois dessa dividida com o zagueiro corintiano, José Maria Marin, presidente da CBf, ainda foi questionado por Raí sobre a transparência com relação a organização da Copa no Brasil e também sobre a responsabilidade dos clubes e da Confederação na formação de garotos.

Marin se limitou a dizer que não pode interferir na gestão dos clubes. Respeitoso, não? Ouviu de Raí que não se tratava de uma questão técnica. "É uma responsabilidade sobre o garoto. Os meninos das categorias de base moram nos clubes e não existe nenhuma regra básica para lidar com eles", fez questão de destacar o ídolo tricolor. Será um devaneio meu, ou será que o futebol brasileiro está mesmo começando a ter voz ?

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O futebol educa?

 A sedução do esporte profissional é incontestável. Quando digo esporte profissional falo no esporte de alto rendimento. O esporte praticado por atletas de ponta. Gente com calibre para sonhar em conquistar o mundo.A serviço dessa sedução não estão só os triunfos, existem também o mar de cifras que costuma acompanhar marcas e títulos, a fama, que não é sinônimo de fortuna mas que, boa parte das vezes, leva até ela.

Toda essa engrenagem tem papel fundamental para que os jovens se interessem por esse universo encantador. Mas esse fascínio não educa, não disciplina. E também não faz ninguém sentir de maneira plena seus benefícios físicos e mentais. Não se enganem, ninguém jamais descobrirá do que o esporte é capaz sentado em frente a um televisor. Trata-se de uma benção que ele reserva apenas aos praticantes.

Essa questão sempre me vem à cabeça quando vejo imagens como as registradas antes do jogo entre Flamengo e São Paulo, em Brasília, onde foi possível ver um torcedor, mesmo caído no chão, ser espancado por vários agressores que vestiam outras camisas. Isso sem falar nas incontáveis cenas de selvageria e má educação que podem ser vistas pelos estádios desse nosso país a cada rodada. Uma certa barbárie que se deixou sentir também nas reações à fotografia em que o atacante corintiano, Emerson, aparecia beijando, de leve, um amigo.

Que nenhum pai se engane, porque ao apresentar a seu filho o amor pelo futebol ao mesmo tempo lhe abre as portas para um universo cruel. Um universo de dicotomia. Um universo puramente sentimental mas que costuma fazer pouco de sentimentos finos. O futebol é bruto. É praticado por homens e não por freiras como nos fez questão de lembrar no último final de semana o técnico Osvaldo de Oliveira, do Botafogo, talvez o mais educado dos nossos treinadores.

E é por tudo isso que não deveríamos perdoar dívidas bilionárias de clubes de futebol. Tampouco devemos acreditar que eles, com suas administrações terríveis serão capazes de, a partir de agora, abrir espaço de maneira exemplar para esportes olímpicos. E é exatamente disso que tentarão nos convencer. Estejam certos. O plano levará o nome de Proforte. Lindo, não é?

Precisamos é gastar bilhões para que as pessoas tenham acesso a quadras. Para que não falte a alegria da presença de uma bola nem mesmo ( e principalmente) na mais distante das periferias. E porque se deixar seduzir é parte do jogo, não precisamos de estádios para alguns. Precisamos como sociedade, como país sede da próxima Copa e da próxima olímpiada, tirar alguma vitória dessa nossa condição. E ela seria mais provável se tivéssemos mais olhos para o esporte que educa do que para esse que só fascina e seduz.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Eis a minha preferida de João do Rio !

Um mendigo original

Morreu trasanteontem, às 7 da tarde, de uma congestão, o meu particular amigo, o mendigo Justino Antônio.Era um homem considerável, sutil e sórdido, com uma rija organização cerebral que se estabelecia neste princípio perfeito: a sociedade tem de dar-me tudo quanto goza, sem abundância mais também sem o meu trabalho – princípio que não era socialista, mas era cumprido à risca pela prática rigorosa. A primeira vez que vi Justino Antônio num alfarrabista da Rua São José foi em dia de sábado. Tinha um fraque verde, as botas rotas, o cabelo empastado e uma barba de profeta, suja e cheia de lêndeas. Entrou, estendeu a mão ao alfarrabista.
– Hoje, não tem.
– Devo notar que há já dois sábados nada me dás.
– Não seja importuno. Já disse.
– Bem, não te zangues. Notei apenas porque a recusa não foi para sempre. Este cidadão, entretanto, vai ceder-me quinhentos réis.
- Eu!
– Está claro. Fica com esta despesinha a mais: quinhentos réis aos sábados. É melhor dar a um pobre do que tomar um chope. Peço, porém, para notares que não sou um mordedor, sou mendigo, esmolo, esmolo há vinte anos. Tens diante de ti um mendigo autêntico.
– E por que não trabalha?
– Porque é inútil.
Dei sorrindo a cédula. Justino não agradeceu, e quando o vimos pelas costas, o alfarrabista indignado prorrompeu contra o malandrim que com tamanho descaro arrancava os níqueis à algibeira alheia. Achei original Justino. Como mendigo era uma curiosa figura perdida em plena cidade, capaz de permitir um pouco de fantasia filosófica em torno de sua diogênica dignidade. Mas o mendigo desapareceu, e só um mês depois, ao sair de casa, encontrei-o à porta.
– Deves-me dois mil-réis de quatro sábados, e venho ver se me arranjas umas horas usadas. Estas estão em petição de miséria.
Fi-lo entrar, esperar à porta da saleta, forneci-lhe botas e dinheiro.
– E se me desses o almoço?
Mandei arranjar um prato farto, e com a gula de descrevê-lo, fui generoso.
– Vem para a mesa.
– A mesa e o talher são inutilidades. Não peço senão o que necessito no momento. Pode-se comer perfeitamente sem mesa e sem talher.
Sentou-se num degrau da escada e comeu gravemente o pratarraz. Depois pediu água, limpou as mãos nas calças e desceu.
– Espera aí, homem. Que diabo! Nem dizes obrigado.
– É inútil dizer obrigado. Só deste o que falta não te faria. E deste por vontade. Talvez fosse até por interesse. Deste-me as botas velhas como quem compra um livro novo. Conheço-te.
– Conheces-me?
– Não te enchas, vaidoso. Eu conheço toda a gente. Até para o mês.
– Queres um copo de vinho?
– Não. Costumo embriagar-me às quintas; hoje é segunda.
Confesso que o mendigo não me deixou uma impressão agradável. Mas era quanto possível novo, inédito, com a sua grosseria e as suas atitudes de Sócrates de ensinamentos. E diariamente lembrava a sua figura, a sua barba cheia de lêndeas... Uma vez vi-o na galeria da Câmara, na primeira fila, assistindo aos debates, e na mesma noite, entrando num teatro do Rocio, o empresário desolado disse-me:
– Ah! não imaginas a vazante! É tal que mandei entrar o Justino.
– Que Justino?
– Não conheces? Um mendigo, um tipo muito interessante, que gosta de teatro. Chega à bilheteira e diz: "Hoje não arranjei dinheiro. Posso entrar?" A primeira vez que me vieram contar a pilhéria achei tanta graça que consenti. Agora, quando arranja dez tostões compra a senha sem dizer palavra e entra. Quando não arranja repete a frase e entra. Um que mal faz?
Fui ver o curioso homem. Estava em pé em geral, prestando uma sinistra atenção às facécias de certo cômico.
– Justino, por que não te sentas?
– É inútil. Vejo bem de pé.
– Mas o empresário...
– Contento-me com a generosidade do empresário.
– Mas na Câmara estava sentado.
– Lá é a comunhão que paga.
Insisti no interrogatório, a falar da peça, dos atores, dos prazeres, da vida, do
Justino conservou-se mudo. No intervalo convidei-o a tomar uma soda, por não ser quinta-feira.
– Soda é inútil. Estás a aborrecer-me. Vai embora.
Outra qualquer pessoa ficaria indignadíssima. Eu curvei resignadamente a cabeça e acabei vexado.
A voz daquele homem, branca, fria, igual, no mesmo tom, era inexorável.
– É um tipo o teu espectador - disse ao empresário.
– Ah!... ninguém lhe arranca palavra. Sabes que nunca me disse obrigado?
Eu andava precisamente neste tempo a interrogar mendigos para um inquérito à vida da miséria urbana e alguns dos artigos já haviam aparecido. Dias depois, estando a comprar charutos, entra pela tabacaria adentro o homem estranho.
– Queres um charuto?
– Inútil. Só fumo às terças e aos domingos. Os charuteiros fornecem-me. Entrei para receber os meus dois mil-réis atrasados e para dizer que não te metas a escrever a meu respeito.
– Por quê?
– Porque abomino a minha pessoa em letra de forma, apesar de nunca a ter visto assim. Se fizeres a feia ação, sou forçado a brigar contigo, sempre que te encontrar.
A perspectiva de rolar na via pública com um mendigo não me sorria. Justino faria tudo quanto dissera. Depois era um fenômeno de hipnose. Estava inteiramente dominado, escravizado àquela figura esfingética da lama urbana, não tinha forças para resistir à sua calma e fria vontade. Oh! ouvir esse homem! Saber-lhe a vida!
Como certa vez entretanto, à 1 hora da manhã, atravessasse o equívoco e silencioso jardim do Rocio, vi uma altercação num banco. Era o tempo em que a polícia resolvera não deixar os vagabundos dormirem nos bancos. Na noite de luar, dois guardas civis batiam-se contra um vulto esquálido de grandes barbas. Acerquei-me. Era ele.
– Vamos, seu vagabundo.
– É inútil. Não vou.
– Vai à força!
– É inútil. Sabem o que é este banco para mim? A minha cama de verão há doze anos! De uma hora em diante, por direito de hábito, respeitam-na todos. Tenho visto passar muito guarda, muito suplente, muito delegado. Eles vão-se, eu fico. Nem tu, nem o suplente, nem o comissário, nem o delegado, nem o chefe serão capazes de me tirar esse direito. Moro neste banco há uma dúzia de anos. Boa-noite.
Os civis iam fazer uma violência. Tive de intervir, convencê-los, mostrar autoridade, enquanto Justino, recostado e impassível, dizia:
– Deixa. Eles levam-me, eu volto.
Afinal os guardas acederam, e Justino deitou-se completamente.
– Foi inútil. Não precisava. Mas eu sou teu amigo?
– Meu amigo?
– Certo. Nunca te pedi nada que te pudesse fazer falta e nunca te menti. Fica certo. Sou o teu melhor amigo, sou o melhor amigo de toda a gente.
– E não gostas de ninguém.
– Não é preciso gostar para ser amigo. Amigo é o que não sacrifica.
E desde então comecei a sacrificar-me voluntariamente por ele, a correr à polícia quando o sabia preso, a procurá-lo quando o não via e desesperado porque não aceitava mais de dois mil-réis da minha bolsa, e dizia, inexorável, a cada prova da minha simpatia:
– É inútil, inteiramente inútil!
Durante três anos dei-me com ele sem saber quantos anos tinha ou onde nascera. Nem isso. Apenas ao cabo de seis meses consegui saber que fumava aos domingos e às terças, embebedava-se às quintas, ia ao teatro às sextas e às segundas, e todo dia à Câmara. Nas noites de chuva dormia no chão! Numa hospedaria; em noites secas no seu banco. Nunca tomava banho, pedia pouco, e ao menor alarde de generosidade, limitava o alarde com o seu desolador: é inútil. Teria tido vida melhor? Fora rico, sábio? Amara? Odiara? Sofrera? Ninguém sabia! Um dia disse-lhe:
– A tua vida é exemplar. És o Buda contemporâneo da Avenida.
Ele respondeu:
– É um erro servir de exemplo. Vivo assim porque entendo viver assim. Condensei apenas os baixos instintos da cobiça, exploração, depravação, egoísmo em que se debatem os homens se na consciência de uma vontade que se restringe e por isso é forte. Numa sociedade em que os parasitas tripudiam - é inútil trabalhar. O trabalho é de resto inútil. Resolvi conduzir-me sem idéias, sem interesse, no meio do desencadear de interesses confessados e inconfessáveis. Sou uma espécie de imposto mínimo, e por isso nem sou malandro, nem mendigo, nem um homem como qualquer - porque não quero mais do que isso.
– E não amas?
– Nem a mim mesmo porque é inútil. Desses interesses encadeados resolvi, em lugar de explorar a caridade ou outro genêro de comércio, tirar a percentagem mínima, e daí o ter vivido sem esforço com todos os prazeres da sociedade, sem invejas e sem excessos, despercebido como o invísivel. Que fazes tu? Escreves? Tempo perdido com pretensões a tempo ganho. Que gozas tu? Teatros, jantares, festas em excesso nos melhores lugares. Eu gozo também quando tenho vontade, no dia de porcentagem no lugar que quero - o menor, o insignificante - os teatros e tudo quanto a cidade pode dar de interessante aos olhos. Apenas sem ser apontado e sem ter ódios.
– Que inteligência a tua!
– A verdadeira inteligência é a que se limita para evitar dissabores. Tu podes ter contrariedades. Eu nunca as tive. Nem as terei. Com o meu sistema, dispenso-me de sentir e de fingir, não preciso de ti nem de ninguém, retirando dos defeitos e das organizações más dos homens o subsídio da minha calma vida.
– É prodigioso.
– É um sistema, que serias incapaz de praticar, porque tu és como todos os outros, ambicioso e sensual.
Quando soube da sua morte corri ao necrotério a fazer-lhe o enterro. Não era possível. Justino tinha deixado um bilhete no bolso pedindo que o enterrassem na vala comum "a entrada geral do espetáculo dos vermes".
Saí desolado porque essa criatura fora a única que não me dera nem me tirara, e não chorara, e não sofrera e não gritara, amigo ideal de uma cidade inteira fazendo o que queria sem ir contra pessoa alguma, livre de nós como nós livres dele, a dez mil léguas de nós, posto que ao nosso lado.
E também com certa raiva - por que não dizê-lo? - porque o meu interesse fora apenas o desejo teimoso de descobrir um segredo que talvez não tivesse.
Enfim morreu. Ninguém sabia da sua vida, ninguém falou da sua morte. Um bem? Um mal?
Nem uma nem outra coisa, porque, afinal, na vida tudo é inteiramente inútil...

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Uma história de futebol

Tenho um tio, chamado Afonso, que é pra mim uma referência quando o assunto é futebol. Já faz tempo passou dos setenta e ainda tem bola suficiente pra garantir lugar num time de society onde boa parte dos jogadores têm pra lá de vinte anos menos do que ele, quicá trinta ou mais. Outro dia ele subiu a serra comigo e me contou uma história que faço questão de dividir com vocês. Exemplo puríssimo do que o jogo de bola pode significar na vida de alguém.

Morador da zona leste de São Paulo passou a vida envolvido com o futebol de várzea. Quando Julinho Botelho (ele mesmo, aquele que ao substituir Garrincha no Maracanã transformou vaias em aplausos fervorosos), seu vizinho ali nos arredores da antiga estação Carlos de Campos, já consagrado, decidiu fundar o Rio Branco, o time nasceu de uma fusão entre o Heróis Brasil e o Quarto Centenário. Este segundo fundado por um senhor que tempos depois deixou o bairro da Penha para ir morar no centro, onde tinha arrumado um emprego como zelador.E meu tio Afonso foi um dos que integraram o pequeno grupo que atravessou a cidade para ir até a nova casa dele buscar os equipamentos que eram usados pelo time. Seo Zé, sem pensar duas vezes, repassou a eles todo o fardamento para que o Quarto Centenário pudesse continuar.

Fato é que quando o União Rio Branco finalmente foi fazer o primeiro jogo de sua história, Julinho, que nessa época defendia o Palmeiras, havia indicado o time que deveria entrar em campo. Afonso, volante, estava lá. Mas para sua eterna desilusão a lista não foi respeitada. Chamado para jogar depois, tirou a camisa e a entregou. Se negou a um papel menor do que o que seu futebol honradamente tinha conquistado. E aí é que vem a parte bonita da história.

A essa altura eu já me encontrava entre a tristeza e a indignação com a trairagem. Eis que meu Tio Afonso começa a descrever a foto que foi tirada naquele dia. A foto que registraria para sempre o primeiro time do Rio Branco, que ano passado completou meio século. Afonso não estava lá. Mas a caixinha do massagista, que podia ser vista ao lado dos jogadores, era a caixinha do Quarto Centenário, com o escudo do time, que ele, Afonso, tinha ajudado a desenhar.

Vejam como é o futebol. O cara foi sacaneado. Viu tirarem dele uma chance que até hoje lhe causa dor mas, de repente, se sente vingado porque, afinal, a caixinha do massagista ali ao lado garantiria pra sempre a presença dele naquele dia inesquecível. O resto, bom resto é acidez dos homens que jamais irá causar surpresa a quem foi moldado na várzea. Além disso, basta alongar um pouco a conversa pra perceber que apesar de tudo as alegrias foram bem maiores que as tristezas na longa fieira dos dias vividos nos velhos campos de terra vermelha.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Futebol em vinil


Acabo de passear pelo site globo.com e lá encontrei isso.
Se você gosta de discos de vinil e de futebol, trata-se de um prato cheio.

http://globoesporte.globo.com/bau-do-esporte/tocaabola.html

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Nós e o Papa

De acordo com o que foi divulgado, nesta quinta o Papa Francisco terá um encontro com atletas, no Rio. Ao lado de Sua Santidade - que já sabemos torcedor do San Lorenzo de Almagro, da Argentina - estarão nomes como Pelé e Neymar, entre outros. É de se imaginar que nenhum engraçadinho por lá perguntará ao sumo pontífice quem foi melhor, Pelé ou Maradona? Muito menos se versará sobre o fato de que por aqui Pelé nunca teve direito a uma igreja, ao contrário do que se deu com Dieguito, que em 1998 viu nascer, na cidade de Rosário, uma tal Igreja Maradoniana. Lá, claro, o camisa 10 argentino é deus.

Mas diante de um Papa que tem feito das quebras de protocolo uma marca, tudo é possível. E há algo de confortável no fato de saber que ele se entrega ao prazer do futebol. Mas se ele quiser ter uma boa ideia dos pecados esportivos que andam sendo cometidos por aqui sugiro que leia o recente manifesto feito pela ong Atletas pela Cidadania, que tem no seu quadro algumas das figuras mais expressivas do esporte brasileiro. Ana Mozer, Raí, Cafu, Magic Paula, Gustavo Borges. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos que nasceu com a intenção de conscientizar e mobilizar a sociedade brasileira para assuntos que consideram importantes para o país.

Depois de tal leitura inevitavelmente concluirá que o país do futebol é dono de uma infra estrutura público esportiva deficiente. Que os dirigentes de Federações por aqui se perpetuam no poder como ditadores. Que não existe, e nunca existiu, um plano nacional para o esporte. Que os grandes eventos que têm nos colocado na vitrine do mundo têm provocado remoções que violam os direitos humanos. Tudo muito mundano. Nada que seja capaz, eu imagino, de surpreender alguém que, como poucos, está ciente das fraquezas dos homens.

Mas nem tudo aqui, Papa Francisco, é lamento. Que o diga o jovem brasileiro, Alan Fonteles, de vinte anos, que dias atrás fez bem mais do que conquistar uma medalha de ouro no Mundial de Atletismo Paraolímpico. Ele quebrou o recorde mundial dos 200 metros na classe T43, com o tempo de 20 segundos e sessenta e seis centésimos. Quase meio segundo abaixo da antiga marca, que pertencia ao sul-africano, Oscar Pistorius, primeiro atleta paraolímpico da história a correr em igualdade com atletas não deficientes de nível olímpico e mundial. Meu bom Francisco! Nem tudo que acontece por aqui é fácil de explicar. Essa eficiência bonita de brasileiros supostamente deficientes, por exemplo, que nada tem de milagre

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Quem está limpo?

Nunca esqueci a declaração que ouvi certa vez da boca de um renomado técnico de atletismo cujo nome irei omitir aqui por razões óbvias. Naquele dia, encerrada a gravação de uma longa entrevista continuamos conversando e o papo foi parar na questão do doping. Categórico, ele sentenciou: "Não existe ninguém totalmente limpo nesse nível". Quando falava em "nível" queria dizer os atletas que ao redor do mundo eram conhecidos como os de ponta.

Não que tenha me causado muita surpresa ouvir aquilo, mas lembro de ter ficado alguns instantes sem saber ao certo o que pensar. Brotou um silêncio. Afinal, a declaração trazia consigo o impacto de um ponto final. Isso aconteceu há quase vinte anos e eu duvido que de lá pra cá o atletismo tenha se tornado mais limpo, ainda que os testes tenham evoluído muito.

Por isso, não foram poucas as vezes em que eu, embasbacado com a velocidade do jamaicano, Usain Bolt, atual recordista mundial dos 100 metros e bicampeão olímpico, me peguei pensando como será triste se um dia isso tudo acabar manchado por um doping. Bolt segue sendo um mito e afirma que está limpo. Mas esta semana dois grandes nomes que seduziram o mundo correndo a nobre prova dos cem metros foram flagrados por exames. O americano Tyson Gay, dono da melhor marca do ano, e o jamaicano, Asafa Powell, ex-recordista mundial e campeão olímpico.

Não é preciso ser um observador apurado para notar que na engrenagem do esporte de alto rendimento o corpo acabou virando um meio. E tem sido tratado de acordo com a necessidade que se revela. Basta ver o desenvolvimento físico dos jogadores de futebol. E não é apenas na transformação de meninos franzinos em atletas musculosos que o futebol mostra seu lado físico-laboratorial.

Um estudo recente da FIFA com as seleções que participaram da Copa do África do Sul mostrou que mais de setenta por cento dos jogadores se medicaram no mês do mundial. E que quase quarenta por cento deles, com dores, tomaram analgésicos antes de entrar em campo. Houve o caso de uma seleção em que dos vinte e três convocados vinte e um tinham feito uso desse tipo de medicamento.

Números que deixam claro, também, o preço de um mundial disputado em fim de temporada. No lugar do descanso ideal entram os anti-inflamatórios. E tão alarmante quanto esses números foi o fato de os jogadores sul-americanos terem tomado quase o dobro dos medicamentos dos atletas de outros continentes. Mesmo se tratando de substâncias permitidas pela Agência Mundial Antidoping fica fácil concluir ao que pode levar toda essa pressão a que estão submetidos atualmente os atletas e os médicos pagos para cuidar deles.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

O "Três tempos"


Adianto que a resposta para a questão que o texto abaixo traz é um sonoro NÃO.
Até agora nenhum clube se habilitou a cuidar da parte psicológica dos seus atletas. Andrea Seabra, a autora do projeto "Três tempos", cujas preocupações seram listadas abaixo faz questão de parar a conversa na hora, caso o interlocutor faça alguma menção de que os clubes já usam a psicologia. "Não desse modo", dirá Andrea de maneira decidida.



A realidade mostra que se os garotos que sonham viver do futebol estão longe de
encontrar o amparo ideal, imaginem aqueles que já descobriram todas as dores e delícias do mundo da bola e, por uma questão meramente temporal, já deram ou estão prestes a dar adeus a ele.

 
 


3 Tempos
 
Não foi sem orgulho que ouvi, vi e li, inclusive neste blog¹, declarações de apoio dos jogadores de futebol da seleção brasileira e, depois, de outros jogadores, às manifestações que tomaram as ruas de muitas cidades brasileiras.Algumas palavras repetidas chamam a atenção, referências à infância humilde e às dificuldades de acesso a educação e saúde de qualidade. E daí, para lembrar que o futebol ainda é no Brasil uma espécie de alavanca social e econômica para muitos jovens, foi só um pequeno passo. E perceber o que se exige deles, outro passo mais.

A adolescência é um fenômeno psicológico e social. O adolescente tem a necessidade de ter destaque, agradar ao olhar do outro é importante, dá a ele a sensação de existir. O final de adolescência e início da fase adulta já é um enorme desafio, que só se agiganta neste ambiente tão competitivo do futebol. Diante do porvir ainda incerto, o adolescente se depara com sua condição de existência, lançando mão de fantasias e comportamentos impulsivos. As expectativas da família destes jovens podem agravar ainda mais a pressão sobre eles. Quem deve cuidar desse futuro atleta?

Como lidar com uma súbita posição de reconhecimento nacional, aparecendo na mídia de modo intenso, recebendo convites de toda ordem? Como administrar um ganho monetário nunca antes possível, sem se perder? Como entender a fugacidade desta aparição e prestígio? Lidar com fama e glória é muito difícil. A imprensa veicula, com certa frequência, notícias de jogadores promissores que, por desequilíbrios emocionais, diminuíram seu desempenho diante da pressão. Uma pesquisa recente realizada pelo UOL Esporte²revela que uma elevada porcentagem dos jogadores admite ter problemas decorrentes de ilusão de sucesso, arrogância, vida em baladas, violência, drogas, bebidas alcoólicas, etc.

Em um artigo³, Tostão faz um comentário bastante consistente: “A sociedade do espetáculo idolatra, consome e descarta rapidamente seus ídolos. A impaciência com Neymar já começou. Querem que ele dê show em todas as partidas.” Essa é uma tarefa cruel muito difícil de elaborar emocionalmente. Orientar jovens se faz fundamental nessa nova condição, para que tenham melhor critério na seleção do que vem ao seu encontro: drogas, relacionamentos sociais e amorosos perigosos, consumo desmedido de artigos de luxo − e assim sair das situações de deslumbramento e risco.

Jogadores numa fase descendente de seu percurso profissional, assim como jogadores repatriados, também necessitam de orientação.A readaptação a novos desafios pode ser um momento bastante custoso e atribulado. Por meio do apoio especializado os atletas terão mais capacidade de administrar corretamente sua vida privada e profissional. Desta forma, protege-se também os próprios clubes, que terão uma maior garantia e segurança de retorno do investimento que fizeram. Se seus jogadores estiverem psicologicamente bem, emocionalmente estabilizados, a probabilidade de uma boa atuação aumenta significativamente.

Os patrocinadores, por seu lado, poderão usufruir de maiores chances de associação de suas marcas a bons atletas em todos os sentidos. De quebra, todos ainda farão bonito, pois para clubes e patrocinadores é uma oportunidade de se apresentarem como corporações que têm responsabilidade social e se preocupam com esses aspectos humanitários ajudando seus atletas, mesmo depois de deixaram de ser estrelas do time.
Iniciativas de olhar individualmente para esses atletas começam a surgir. Algum clube se habilita?

Andrea M. P. Seabra, idealizadora do "Projeto 3 Tempos" que oferece apoio individual para jovens atletas é psicóloga, formada pela PUC-SP, com mais de 25 anos de experiência clínica realizada em hospitais, clínicas psiquiátricas, projetos corporativos e clínica particular. email: se.abra@uol.com.br 










 





 







 

quinta-feira, 11 de julho de 2013

À noite no Horto

Era um duelo com promessa de ser inesquecível aquele contra o Newell's Old Boys. E foi. Quando antes dos três minutos de jogo Ronaldinho - com um de seus passes que desdenham do comum - colocou Bernard em condição de marcar, o menino das pernas alegres deu um lustro na confiança da torcida do Galo.
Mas era Diego Tardelli o melhor atleticano em campo. E continuou sendo mesmo depois do goleiro Guzmán, atingido por ele, ter dado uma aula de como tirar proveito de uma situação para esfriar um confronto e deixar o tempo passar. Foram longos oito minutos até que a bola voltasse a rolar. E quando isso aconteceu Tardelli deu a Josué uma clara chance de gol.
Enquanto isso o camisa cinco argentino, Mateo, ia derrubando Ronaldinho. O penalti em Jô, que o árbitro uruguaio Roberto Silveira deixou de dar talvez tivesse permitido ao time mineiro uma vantagem mais condizente com tudo o que o Galo vinha fazendo em campo. E Silveira, que parecia ter trazido cartões amarelos apenas para dar ao Atlético ainda por cima não a reclamação de Bernard e, não só lhe deu o amarelo, como tirou o atacante do primeiro jogo de uma final que ainda seria conquistada.
O árbitro também não veria um penalti de Mateo em Tardelli no início do segundo. Penalti que, é verdade, até as câmeras tiveram dificuldade de ver. Os fatos sugeriam um segundo tempo emocionante para a torcida da casa, mas trouxe apreensão. O Atlético se desencontrou. Ou os argentinos se acharam? Difícil dizer. O Galo estava longe de ser o time agressivo e ameaçador do primeiro tempo. E Cuca tentou resgatá-lo com a ousadia de trocar Pierre por Luan.
Eis que acontece aquele que pode ser visto como o lance decisivo da partida: o apagão. A jogada dos refletores sem luz foi devidamente creditada à subestação de energia do estádio. Vai saber. Foram onze minutos à meia luz, sem jogo.Tempo suficiente para que o técnico do Atlético tivesse uma iluminação. Cuca tirou de campo Tardelli e Bernard para colocar Alecsandro e Bernard. O que muitos, inclusive eu, classificaram como erro se revelou acerto. Pois quando Mateo afastou uma bola da área sem muita precisão Guilherme a pegou, lá fora, e a mandou com força pra rede.
Mas o que poderia ser mais temível do que uma disputa por penaltis com um adversário que vinha de um triunfo diante do Boca após intermináveis vinte e seis cobranças? Cuca já não se contentava em só passar a mão nas sobrancelhas. Iluminado, também apostou em Alecsandro e Guilherme para iniciar as cobranças. E ao assistir à segunda, ajoelhou. Quando Jô e Richarlyson erraram, olhou pro céu. Cruzado bateu o quarto para o Newell's e, ao errar, deixou o suplício argentino com o mesmo tamanho do que acabara de ser imposto ao Galo. Então, veio Ronaldinho... e fez. Veio Maxi Rodríguez... e Vitor defendeu. Cuca se estendeu no chão.
Minutos depois, recomposto, na sala de imprensa disse aos repórteres que tinha decidido tirar Tardelli e Bernard porque tinha visto que estavam "amarrados" pela marcação argentina, que tinha encaixado. Antes, ainda em campo, disse outra coisa que me chamou a atenção. Questionado sobre o penalti cometido em Jô, afirmou que tinha preferido não falar sobre isso com os jogadores porque poderia mexer com eles de modo prejudicial.
À noite no Horto o que se viu foi uma vitória bonita, repleta de detalhes e tão incomum quanto a declaração com jeito de confissão dada pelo presidente do time de Minas. E que disse ele? Disse que "... colocar o Ronaldinho concentrado cinco dias, não é brincadeira". 

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Salve a molecada!

Já fiz aqui neste espaço as minhas elegias ao futebol praticado por meninos. Quando falo meninos digo desses que andam pela casa dos vinte e cujo futebol nos deixa a impressão de que ainda é possível sonhar com o triunfo do instinto sobre a competitividade. Mas acontece que faz tempo que o talento da meninada anda salvando a cabeça de muito dirigente. Se eles quando são lançados - um tanto na fogueira - dão conta do recado, do que não seriam capazes se tivessem direito a um début, digamos, mais digno e planejado?
 
Não descarto a hipótese de que esse clima de tudo ou nada a que são expostos acaba por forçar e acelerar o amadurecimento deles. Fato é que talveznão seja uma maneira justa de tratar o talento. Como sempre no futebol, quando as coisas dão certo ficam sempre com um jeitão de passeio pelo céu, um flerte com o paraíso. E o discurso que os enaltece fica parecendo um tanto oportunista. Digo isso porque o potencial das novas gerações jamais parece ter encontrado um cartola capaz de confiar plenamente nos diamantes brutos que lhes vêm às mãos.
 
Há sempre um atleta rodado na mira que, fatalmente, abocanhará uma considerável fatia da receita do clube. E em troca disso, se supõe, servirá de referência para a molecada. Não me entendam mal. Já não tinha nada contra a contratação de um Robinho. O que me move aqui é até onde vai a confiança que os cartolas depositam na molecada. Até porque não se verá por aí, em canto algum, um time formado só por garotos. E não estou sugerindo correr esse risco.
 
No entanto, também é fato que sempre haverá em um elenco profissional gente com experiência suficiente para apontar caminhos e orientar. Mas a impressão que fica pelo que temos visto é que os dirigentes acham que só alguém que ganhou o status de estrela seria capaz de ministrar aulas sobre tal matéria. Já disse em outro momento, e volto a dizer, sou totalmente a favor da molecada, mas não acho salutar apontá-los como solução.
 
A molecada não deve ser vista como um antídoto à falta de maiores esperanças que fatalmente se abate sobre times em que o planejamento esteve longe de ser perfeito. Se há uma virtude capaz de envaidecer a torcida de uma agremiação é a capacidade de não deixar a peteca cair. O futebol tem altos e baixos, todos sabemos disso, mas quando um time em duas temporadas deixa de ocupar o posto de candidato a conquistar qualquer título que dispute e condena a sua torcida a conviver com um certo temor do rebaixamento é porque alguma coisa realmente saiu errado. E aí, decidir chamar a molecada pra resolver não é coisa que se faça.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

A Dilma no Bar do Zé Ladrão

Eu estava lá. Sei que parece frase saída da boca daquele tipo de sujeito que se inclui descaradamente entre os milhões que dizem ter visto a final da Copa de 50 no velho Maraca.

Mas trata-se da mais pura verdade. Eu estava lá, eu vi. Falo do dia em que Dilma entrou em rede nacional para falar sobre as manifestações que sacudiram o país. Você pode estar aí dizendo o que isso tem de mais. Pois eu lhe digo, companheiro. Nunca antes na história deste país o Bar do Zé tinha parado pra ouvir alguém falar.
 
Desde sempre a televisão que lá está era muda. Os jogos que deram o clima de tantas tardes e noites lá são vistos sem aúdio, isso mesmo. Nada pode interferir no burburinho do lugar provocado por línguas destravadas depois de algumas tulipas. Lá se fala mais do que se escuta. E isso é praticamente constitucional no venerando botequim. Ou melhor, era. Divido aqui discretamente com vocês que em dados momentos até perdi o fio da meada do que vinha sendo lido pela presidenta ali no teleprompter presidencial... tão embasbacado que estava com o clima que tomou o lugar.
 
Ouso dizer até que nos primeiros minutos não houve registro de um único gole por mais que alguns tenham se aproveitado da situação para exercitar aquele tipo de humor bélico. Lembro bem, por exemplo, de ter ouvido um invocado grito de ' sapatão' vindo de algum lugar. A coisa foi tão séria que quando a Dilma passou a citar a Copa do Mundo, outro manifesto me chamou a atenção. Alguém lá mais ao fundo ainda fez questão de mostrar sua  indignação.
_ Pô, o bicho tá pegando e essa dona ainda vem me falar de futebol? Tenha paciência!
Mas nem todo mundo estava indignado. O tio, autor da marchinha do Bar do Zé no último carnaval, e sarrista dos bons, encostado na parede com o copo apoiado no balcão, mantinha no canto da boca um sorrisinho ácido que ele mesmo faria questão de explicar pouco depois. O sujeito trabalha numa empresa que vende produtos químicos, entres os quais um que é matéria prima na fabricação de gás lacrimôgeneo e, claro, tá vendendo como nunca. É mole? E, como se não bastasse, pra não perder a veia de humorista mandou :
_ Ô Zé, amanhã nós vamos queimar uns pneu aqui em frente. É cerveja a quatro e cinquenta ou vamô quebrar tudo.
 
Foram uns quinze minutos diferentes de tudo que já tinha sido registrado nesse meio século que o Seo Zé atravessou atrás do balcão. Não vou ser cara de pau a ponto de dizer que o clima permaneceu inalterado durante os eternos quinze minutos de pronunciamento. Mas que foi coisa de louco, isso foi. Algum tempo depois de passado acontecimento tão singular, eis que surge mais um freguês. O cara entrou naquela simpatia, estendeu a mão, e perguntou:
_ E aí, como vai?
Alfredinho, o juventino, não titubeou:

_ O Brasil tá complicado. Do resto tá tudo bem!