segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O triunfo do surfe


Do mesmo jeito que lembro com carinho das peladas da minha infância lembro do que fazíamos depois de ter descoberto o prazer de surfar. As primeiras pranchas eram de isopor. E as chamadas Rio-Santos as mais desejadas. Um clássico. Mas não bastava ter uma. Era preciso turbiná-la. A primeira medida, então, era serrar uma espécie de leme que elas tinham e que ia de cima a baixo. Feito isso passávamos a ter um bloco perfeito. Depois íamos pra feira atrás de madeira. A preferida vinha das caixas de uvas. Nela desenhávamos as quilhas. Duas. Ninguém ainda tinha ouvido falar em triquilhas. 

Serrávamos, passávamos verniz para que não encharcassem em contato com a água. E para fixá-las usávamos cola Araldite, o que exigia misturar dois componentes. A resina e o endurecedor. Pra finalizar usávamos um pedaço de cano rígido que atravessávamos próximo a rabeta. Por ele passava aquele que faria o papel da cordinha. Em geral, um pedaço de varal. Como amarrar isso direto na canela significaria arruiná-la, pegávamos uma meia velha, macia, e deixávamos que ela fizesse o papel do velcro. Pronto! Era um equipamento jurássico. Mas guardo bem na memória imagens de amigos surfando ondas incríveis com elas. O rei das Rio-Santos pra mim e pro meu irmão era um garoto apelidado de Pinga. Nessa situação não havia propriamente manobras e sim um exercício de habilidade para driblar a ausência total de tecnologia. 

Nos últimos dias cultivei junto com a torcida por Gabriel Medina a esperança de poder colocar essas memórias aqui. Sabia que nosso primeiro título mundial, além de tudo, abriria essa possibilidade. E acho que daqui pra frente serão muitas as oportunidades para falar sobre esse esporte tão bonito, tão fascinante. Nasci em São Paulo, mas minha família mudou pra beira-mar quando eu tinha pouco menos de dois anos. Considero desde sempre essa chance de ter descoberto o mar e seus ensinamentos  um dos maiores presentes que recebi na vida. 

Pra mim essa conquista do jovem Gabriel Medina dá sentido à muita coisa. Ao orgulho que sinto da história que Santos tem com o surfe. Ao fato de ter saído do litoral norte paulista - tão emblemático para os amantes desse esporte - nosso primeiro campeão mundial. E, ainda por cima, de Maresias! Mas não consigo ser de outro jeito. Trato o surfe como trato o futebol, com certo romantismo. Não é fácil fugir do próprio estilo. O surfe definitivamente está na  moda. Invadiu a grande mídia. Está decretado, desde agora, um antes e um depois de Medina. Ele tem tamanho, estilo e juventude pra isso. Mas espero que aqueles que cuidam do surfe jamais esqueçam o que o surfe foi, o que o surfe é. Pra que ele jamais faça o papel que o futebol brasileiro anda fazendo. Pra que jamais digam um dia que o surfe perdeu a alma. 

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Notícias do circo

 
O fato que mais me chama a atenção neste primeiro momento pós encerramento da temporada é a importância que tem sido dada aos chamados diretores de futebol. Do jeito que o barco anda esses executivos tem tudo para, num espaço muito breve de tempo, desfrutar da mesma pompa que transformou os treinadores em verdadeiras estrelas. Não duvido da capacidade deles e tampouco desprezo a contribuição que possam dar. Mas, como é difícil acreditar que de uma hora pra outra os clubes passaram a perceber a importância de apostar em profissionais com determinada formação, essa rápida veneração me intriga. E me faz pensar se foram os cartolas que despertaram para algum detalhe ou se foi a mídia que, uma vez tendo aumentado a exposição dos tais profissionais, acabou por desencadear esse processo. Num primeiro momento o fato de os clubes se preocuparem em ter em seus quadros alguém reconhecidamente capacitado para negociar e montar elencos sugere avanço. Só o tempo dirá com mais exatidão do que se trata.

Outra questão que queria colocar nesse balaio aqui diz respeito à situação financeira caótica dos clubes brasileiros. Que a situação é essa todo mundo sabe. Mas nada me tira da cabeça que desde que o tal projeto de refinanciamento das dívidas dos clubes - a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte - passou a fazer parte do jogo a coisa mudou muito. Ninguém mais faz questão de esconder seus números. Algum tempo atrás descobrir o quanto um time devia de verdade exigia uma boa apuração, convencer um cartola a falar abertamente sobre o assunto, então, nem se fala. De repente, tudo passou a ser dito às claras. Teve até presidente de clube confessando que tinha deixado de pagar tributos por acreditar cegamente que o governo não tardaria a lhe mandar a tábua de salvação. 

Nunca foi tão corriqueiro falar em atraso de salários como nessa temporada. A questão é que com todo o movimento sendo feito em Brasília para que o projeto seja aprovado nada me tira da cabeça que, a partir daí, os clubes fizeram questão de caprichar na dramaticidade. Aos que duvidarem os cartolas farão questão de mostrar seus balanços, que nada mais fazem do que provar a  incompetência administrativa que há tempos impera. E vejam! De uns tempos pra cá, o valor dos direitos de transmissão aumentou espantosamente, o número de sócios torcedores também e o preço dos ingressos idem. Ainda assim o buraco é cada vez maior. É por essas e muitas outras que, diante de tudo que anda acontecendo com o nosso esporte  - e com o nosso país - aquele velho nariz de palhaço usado dias trás pelos jogadores de vôlei para protestar contra as denúncias de irregularidades envolvendo a Confederação da modalidade fariam muito sentido se estivessem na ponta do nosso nariz também.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Brasileirão. Brasileiro?


Reconheço o Campeonato Brasileiro como a grande vedete do nosso futebol. A taça do Brasileirão é de longe a mais cobiçada. O Brasileirão é o que traz status, o que mais dá ao torcedor a possibilidade de tirar uma onda com os adversários, detalhe que talvez bastasse para que os apaixonados pelo jogo o tivessem em alta conta. Mas sou capaz de afirmar ainda que ele é mais do que isso. O Brasileirão tem um quê de play-list, aquela relação de músicas que as rádios tocam desde sempre por motivos outros e que entram na nossa cabeça mesmo que a gente não queira. É só notar .

Até quem não acompanha futebol acaba por saber o que se passa com ele. Mas há uma qualidade que o Brasileirão não tem, e em breve terá ainda menos: representatividade. Definidas as vagas do ano que vem o considerado principal campeonato do país terá apenas dois times de fora do eixo Sul-Sudeste. Serão eles o Goiás e o Sport. E é na falta desse encanto da pluralidade que a Copa do Brasil ganha cada vez mais a minha simpatia. Há uma atitude que os times pequenos emprestam a ela que faz muita falta ao Brasileirão. Além dessa atitude,  considero muito salutar o fato da Copa do Brasil nos fazer dar de cara com escretes de outros cantos, muitas vezes desconhecidos. 

E se levarmos em conta quantos desses times do tal eixo Sul/Sudeste se encontram nas mesmas cidades, ou próximos a elas, ficamos cara a cara com um universo ainda menos expressivo. Do jeito que o negócio anda enquanto a população dessas grandes cidades pra lá de robustas derem conta de manter o faturamento subindo ninguém se importará de deixar algumas dezenas de milhões de torcedores fora da grande festa do futebol. Mesmo que a história mostre - pra quem estiver disposto a ver - que o futebol nunca teve tanta força quanto no tempo em que o universo de envolvidos com ele era infinitamente maior. 

E é interessante notar também como mesmo diante desse desequilíbrio o futebol do nordeste, e algumas vezes o do norte, ainda conseguem médias de público que deixam alguns chamados grandes daqui no chinelo. O futebol moderno, do ponto de vista mercadológico, tem se transformado numa imensa peneira, que vai excluindo da roda os menos afortunados do ponto de vista econômico. Em outras palavras, acho que muito tem sido feito em nome do futebol e pouco para que ele volte a ter a força que já teve um dia. Mas, é só uma reflexão. 

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

O futebol é justo ?


Com quem afinal o futebol é justo? Fiquei pensando nisso desde que ouvi o técnico do Atlético Mineiro dizer que o título da Copa do Brasil conquistado pelo Galo tinha sido o triunfo mais justo que ele tinha visto em toda a vida. Dito pelo treinador do time em questão poderia ter soado oportunista. Mas o fato é que considerei a declaração muito acertada pois já tinha essa mesma sensação comigo. 

Não demorou e vi o  Muricy resumir a eliminação do São Paulo da Copa Sulamericana pelo Atlético Nacional, da Colômbia, como a maior injustiça já vista por ele. A julgar, então, pelo que anda sendo dito depois de cada rodada o futebol deve ser mesmo o mais injusto dos esportes. E isso faria do acontecido com o Galo algo singular e, por tabela, digno de registro. Notem só o que disseram alguns dos personagens do futebol na penúltima rodada do Brasileirão. 

Mano Menezes, técnico corintiano, que amargou um cinco a dois do Flu, não segurou a onda. Acabou expulso. E mais tarde sugeriu aos jornalistas que decisivo mesmo no jogo tinha sido a vontade do juiz, que estava "louco pra marcar". O mais filosófico dos leitores pode me dizer que o juiz não é, propriamente, o futebol. Realmente não é. Mas tomo a liberdade de incluí-lo no contexto, afinal, o futebol está sujeito à vontade dos homens. 

Fred, o artilheiro, também colocou a boca no trombone. Terminada a peleja no Maraca fez um breve resumo do que o futebol lhe reservou nos últimos tempos. Um atraso monumental nos pagamentos, uma pequena parcela da torcida o colocando contra a parede. Outro que jura de pé junto que o futebol não tem lhe tratado com justiça é Leandro Damião. O atacante santista depois de ter marcado os dois gols da vitória santista sobre o Botafogo disse com todas as letras que foi colocado de lado a certa altura. E que tinha vindo pro Santos pra ser titular. Promessa que se tivesse sido cumprida poderia ter feito o futebol ser injusto com os companheiros dele. É ou não é?

E mais, já abraçamos o sistema de pontos corridos, dizendo, entre outras coisas, que com ele evitaríamos a suposta injustiça de ver um oitavo colocado na fase de classificação tirar o título de quem tinha terminado a mesma fase como líder. O futebol imita a vida, não é o que dizem? Pois, então, ela também não prima pela justiça. 
 

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Dá pra acreditar ?


Quem acredita cegamente na lisura do futebol? Quem colocaria a mão no fogo por ele? É certo que quando se trata do esporte bretão a gente confia desconfiando. E nem poderia ser diferente depois de tudo que já vimos e ouvimos por aí. Da velha máfia da loteria, passando pelas das apostas e a do apito. E isso sem falar nas artimanhas, nos pequenos casos que não chegam a despertar o apetite da grande mídia mas provocam lá seus prejuízos. Mas a novidade não essa, a novidade é outra. E quem diria, hein? Luiz Felipe Scolari, o mais familiar entre os campeões do mundo, também faz parte do time dos desconfiados. Pois isso é o mínimo que se pode deduzir do que disse o treinador depois de ver o time dele, o Grêmio, ser derrotado pelo Corinthians no último domingo.
 
O atual técnico gremista afirmou a certa altura da entrevista coletiva que concedeu que não seria interessante pra quem cuida do futebol, como empresa, ter no próximo torneio continental dois times do sul do país. Dando a entender que esse modo de encarar as coisas estaria prejudicando a equipe que ele dirige. Os jornais logo se apressaram em dizer que um dos principais treinadores do país teria sugerido que tudo teria sido decidido muito antes que o campeonato acabasse, muito antes que os jogos fossem todos jogados. As manchetes que brotaram das palavras ditas por Felipão ainda que possam ter trazido consigo um ar mais explosivo do que aquilo que foi dito, não deixaram de retratar o mais gritante, uma certa descrença do treinador com relação ao que se desenha em campo.
 
Que a natureza da arbitragem é política não há dúvida. Como não deve haver dúvida, inclusive, que a partir daí muito pode acontecer. Tanto é que o delegado da partida não fez questão de que constasse na súmula o que ouviu do treinador. Seria mesmo algo sem importância? Bom, mas o que fica sugerido por Luiz Felipe é algo muito mais articulado do que um simples " o juiz estava vendido", como a gente costuma ouvir por aí, aos quatro cantos, dito de maneira inocente e leviana. Vindo de alguém que por tanto conhecer o futebol poderia lhe descrever ao avesso a declaração merecia mesmo ser explicada com maior riqueza de detalhes. E se uma futura explicação em nada mudar o rumo das coisas, ao menos teria menor probabilidade de virar munição na boca de quem não perde uma chance de questionar a honestidade dessa suprema entidade chamada futebol.
 
E que Felipão não venha nos dizer que tudo foi dito no calor da hora. Sabe como é!? Explicação que, por sua vez, faria a declaração soar irresponsável. Será que foi no calor da hora também que sugeriu discretamente aos jornalistas que eles tinham caído numa armadilha ao acreditarem no que tinha se passado com o goleiro Aranha na Arena gremista? Felipão faz tempo parece sem paciência pro futebol. Pros jornalistas, então, quase nunca teve. Talvez, pros amigos jornalistas, como deixou bem claro durante a Copa. E se, por acaso, der de cara com esta crítica e a considerar infundada sugiro que se dê ao trabalho de assistir a um VT qualquer dos jogos que nossa seleção fez no último mundial. Assim, dando de cara consigo mesmo ali na área técnica, com um pouco de boa vontade, poderá perceber como na maior parte das vezes foram destemperadas suas reações à beira do campo.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

As entrevistas


Não é só o jogo, as entrevistas de futebol também dão o que falar. Os repórteres que as alimentam são acusados - como é do conhecimento de todos - de sempre perguntarem as mesmas coisas. E o efeito colateral dessa falta de riqueza interrogatória seria provocar as respostas de sempre também. Verdade e mentira. Se o país desse às entrevistas sobre política ou economia a atenção que dá as que são feitas tentando elucidar algo sobre o tal jogo de bola a conclusão não seria muito diferente. E não custa lembrar que cada assunto tem lá seus horizontes. 

Levir Culpi e Marcelo Oliveira, comandantes dos times mineiros que farão a grande final da Copa do Brasil, têm mais em comum do que, simplesmente, uma visão sobre o futebol. Os dois têm um discurso rico sobre ele. De Levir foram várias as passagens interessantes que puderam ser ouvidas na coletiva dada por ele depois do jogo de ida da decisão. Destaco aqui a comparação feita entre os jogadores Luan e Jesus Dátolo. Disse o treinador atleticano que os dois aparentemente não têm nada a ver, têm estaturas diferentes, jeitos diferentes, mas que carregam um espírito muito parecido, se entregam ao jogo de forma parecida e que essa simbiose muito tem dado ao Galo. Parece raso mas, feita do jeito que foi, é de uma profundidade incomum nesse cotidiano dos clubes. 

Minha avó paterna costumava dizer que a fala deveria ser dada aos homens em metros, o que os obrigaria a pensar mais antes de usá-la. Mas sabe como é. Falar é fácil, na teoria. E não quero aqui cair naquela conversa de que nas entrevistas de futebol muitos tentam assassinar a nossa língua. Ignoram a conjugação dos verbos, os plurais e por aí vai. Pra mim, mais interessante é capacidade que elas revelam de criar provas contundentes de que é possível ser muito claro sem ser exatamente preciso. 

E, pensando nisso, foi justamente nas falas do pós jogo entre Atlético e Cruzeiro que ouvi, uma vez mais, alguém sacar um "nonde" e encaixá-lo no papo. Isso mesmo. Não sei se já notaram. O "nonde" tem sido muito colocado em jogo nesse campo para substituir algo como o "em que" ou um modesto " no qual". Não entendeu? Eu explico.  Por exemplo, o boleiro é convidado a discursar sobre a partida que acabou. Depois de dizer que seu  time fez um bom jogo manda um "nonde". Algo do tipo " fizemos um bom jogo 'nonde' o time conseguiu se impor...". Prestem atenção, não vai demorar muito e vocês irão dar de cara com um nonde por aí. E o mais interessante, ele fará todo o sentido, que soará correto não digo. Mas acho mesmo interessante notar essa capacidade que a comunicação nos dá de nos fazermos claros, ainda que imprecisos.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A lojinha dos caras


Sabem, sou cismado com teorias que faz tempo tentam nos vender como salvação. Não suporto, por exemplo, ouvir alguém justificar privatizações dizendo que não há saída. Se o serviço ficar na mão do governo estará fadado a ser ineficiente. Nossa realidade é essa, não discuto. Mas quero crer que um dia  seremos capazes. Um dia teremos  noção melhor daquilo que devemos entregar a terceiros. Se não é viável um Estado que cuide de tudo, também não dá pra sair por aí abrindo mão das coisas em nome do aclamado Estado mínimo. Mas não estou querendo cavar um lugar entre os articulistas de política ou economia, nada disso. 

É que questões parecidas me assombram quando penso na nossa seleção, que neste momento segue reunida depois de ter goleado o selecionado turco em Istambul. Digam se é muito delírio pensar que se um time representa um país deveria ser gerido por ele. É delírio? Mas a lógica do mundo é outra.. e as seleções uma espécie de paraíso fiscal dos cartolas. 

A partir daí o que se dá é óbvio. Os interesses do time passam  a não ser os nossos. Eles vendem os jogos da seleção pra um xeque cheio de dinheiro, que por sua vez cria o Brazil Global Tour e leva nosso time pra bem longe da gente. Ou seja, essa paixão de muitos nada mais é do que a lojinha dos caras. E, ao contrário do que costumamos ouvir por aí, os donos dela não são exatamente uns ignorantes. Podem não ser modernos, mas  não dormem no ponto. E o que me faz acreditar nisso são algumas atitudes tomadas por eles nos últimos tempos. Vejamos. 

Os clubes querem receber quando seus atletas estiverem na seleção. Eles resistem. Resistem, mas molham a mão dos atletas que lá estão com bônus que são acertados a cada jogo. E enquanto os clubes se veem ameaçados por não honrarem o pagamento dos direitos de transmissão a CBF prefere não correr risco e divide com os jogadores cinco por cento do que recebe por isso. Melhor se cercar de garantias. E não deve ser por outro motivo que agora vieram com essa história de dar aos presidentes das federações estaduais, leia-se seu colégio eleitoral, um salário de quinze mil reais. 

Os donos da lojinha estão carecas de saber que seja qual for a área de atuação aliados descontentes são um perigo. Que o diga a presidente Dilma. No mais, seguimos sonhando com um futebol que já não temos, Mas eles... eles  estão preocupados mesmo é em fazer a lojinha faturar alto

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

É proibido proibir


Vou fazer de conta que não estou nem aí pro apelo chic do confronto entre Real Madrid e Barcelona. Também darei um jeito de resistir à tentação de comentar o ocorrido com o time do Palmeiras diante do Cruzeiro e do Corinthians. Raro caso em que a conclusão dos castigos faz crer na evolução de um time. Isso pra versar sobre um detalhe preocupante que o cotidiano tem me revelado, um certo conservadorismo que pode ser sentido no ar. Me falaram até em gente pedindo a volta da ditadura. E mais não quis saber porque nisso não quero crer. 

Aí me vem a cúpula da seleção brasileira com essa história de cartilha. Nada de bonés, brincos e chinelos quando o escrete estiver reunido. Nada de celulares, Ipads, laptops e outras parafernálias eletrônicas. E fica por ela estipulado também o traje social na hora de se apresentar à seleção e que na hora da refeição todos devem permanecer juntos até que o último termine, com o detalhe de que o capitão será o primeiro a deixar a mesa. 

Declarações como a de que isso é para organizar " uma grande empresa como a CBF " soam prepotentes. Sim, prepotentes, pois em que grande empresa se permitiria tamanha falta de sintonia entre os que comandam? Dunga diz que "não é uma cartilha...que não proíbe nada", só faz sugestões.  O coordenador, Gilmar Rinaldi, diz que a cartilha vazou. Ora, tem ou não tem cartilha? 

O mais assustador, no entanto, é ouvir Dunga dizer que o torcedor brasileiro queria isso. E Gilmar completar dizendo que tal atitude atende a um clamor que ouviam quando estavam do outro lado. Tudo tão esdrúxulo como voltar a levar a seleção para treinar na Escola de Educação Física do Exército, no bairro da Urca, como fez seu Marín. 

Os jogadores e toda a sua modernidade me espantam, como me espanta a alienação sugerida por aqueles fones de ouvido que deixam o sujeito com cara de quem não está nem aí pro mundo. Mas não quero por isso que a história ande pra trás. De alguma forma seremos sempre um tanto ultrapassados em alguma coisa e isso não deve nos levar a questionar liberdades. 

A sensação que fica pra mim é a de que Dunga e Gilmar Rinaldi, do alto dos seus meros cinquenta e poucos anos jamais entenderam - e jamais serão capazes de entender - uma canção como a que Caetano Veloso cantou nos idos de 1968. Falo da lendária "É proibido proibir". Se eles estivessem na platéia naquela dia teriam vaiado e atirado objetos, como fizeram muitos dos que estavam por lá. E a resposta dada por Caetano aos descontentes naquele dia parece perfeita para os que comandam hoje nossa seleção. A saber: " Vocês não estão entendendo nada, nada, absolutamente nada... Vocês estão por fora".

terça-feira, 28 de outubro de 2014

No Cartão Verde de Hoje, Raul Plassmann !


TV Cultura / 22 horas / ao vivo. Participe !


´´

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Tá aí o convite!


Noite pra dividir com amigos.
Apareça!

23/10
Livraria da Vila
Rua Fradique Coutinho, 915
São Paulo -SP
19 horas

25/10
Realejo Livros
Santos - SP
18h30




" Escrever é um ócio assaz ocupado"
(Goethe)




quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O fiado, o empresário e o futebol


Se hoje em dia dizemos que o futebol não é mais aquele tenha certeza de que é também porque as cifras que o envolvem há tempos engordaram demais. Nessa vida se faz cada coisa por dinheiro! Foi-se o tempo em que o talento por si só era capaz de dar ao seu dono um lugar no time. Quase ninguém fala - mas todo mundo sabe - que hoje em dia sem uma graninha aqui ou ali escalar as montanhas que separam os mortais de um time profissional é praticamente impossível. 

Nesse mercado afortunado paga-se demais, inclusive, por gênios potenciais que nem sempre se revelam. E muitos dos elegidos por sinal são mais respeitados pelas cifras que movimentam do que pelo futebol que apresentam. E foi justamente em nome da fortuna que o futebol se fez permeável, escancarando as portas pra quem tinha "algum" pra colocar no jogo. Nasciam assim os tais parceiros, os tais investidores, nomes tão comuns a quem convive com o dito futebol moderno. 

A FIFA sabe muito bem disso e decidiu decretar que empresários não poderão mais ter participação nos jogadores. A ideia, ainda que ela não admita, é ter mais controle sobre o seu negócio. Certamente não fechará as portas aos multibilionários que nos últimos tempos gastaram parte de seu zilhões apostando no segmento. Além do mais, quem tem cacife  não ficará mais pobre se precisar nos próximos anos montar ou comprar um time. Por trás dessa reorganização certamente está ainda uma preocupação monumental, a de não saber até quando suportarão não pagar devidamente aos clubes por seu jogadores. O que dão hoje a eles são migalhas. 

A queda de braço entre os manda-chuvas do futebol mundial tá rolando e a escolha do Qatar como sede da Copa de 2022, com seu verão incandescente, só acelerou o desconforto entre as partes. Por aqui o São Paulo já move uma ação na justiça pedindo para ser ressarcido pela cessão de seus jogadores à seleção. E a conta, que já andava na casa de uma dezena de milhões de reais aumentará, já que Kaká e Souza a essa hora lá estão, se preparando para enfrentar a Argentina, na China. 
Detalhes que mostram bem como tudo foi levado até hoje. E é por isso que em matéria de administração do futebol nacional eu sou mais os donos de botecos que nunca deixaram de pregar na parede, bem à vista de todos, a velha placa avisando que ali " Fiado, só amanhã". 

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Luto no Bar do Zé Ladrão


Não gosto de drama. Muito menos de usar truques pra segurar o leitor. Por isso vou logo avisando que ninguém morreu. Mas tem sido como se tivesse. A essa altura você pode estar pensando num sem de figuras que frequentam o pedaço. Alfredinho Juventino, o Tio e por aí vai. Acalmem-se, estão todos salvos, com o humor intacto, não se preocupem. Mas preparem-se que o fato é triste. 

Na manhã da última segunda-feira, pouco depois que o Seo Zé levantou a velha porta de ferro dando por inaugurado mais um dia de labuta, pintou polícia na área. Não a polícia que você está pensando. Pintou por lá a Florestal pra dar uma enquadrada no português. Logo no Português que todo mundo sabe cuida da pitangueira que fica em frente ao bar como quem cuida de uma criança. Bom, depois de um rebuliço danado não teve jeito e os homens foram embora levando uma figura lendária, o grande símbolo do lugar, Fred, o velho e genioso papagaio. 

Não houve argumento capaz de salvar o Zé dessa forçada e trágica separação. Os homens da lei não quiseram saber se era verdade, ou não, que a união já beirava os vinte e poucos anos. Difícil foi dar a notícia para o papagaio, não o bicho, o boa praça, figura das mais queridas da casa e o único, além do Zé, a quem o bicho dava certa confiança. Papagaio, o homem,  pegava Fred quando quisesse. E o bicho - era fácil notar - se derretia. Bacana de ver. Era impossível não ficar até com certa inveja dessa intimidade. Mas a todos os outros qualquer tentativa de intimidade acabava mesmo em bicadas, que inevitavelmente colocavam os mais atirados em seu devido lugar. 

Fred era também o elo de ligação com as crianças que, ainda sem idade pra entender tudo o que se passa num boteco, iam até lá pra ver o bicho. E com alguma sorte ganhavam do dono do bar um pedaço de fruta pra dar pra ele. Os mais impiedosos dizem ter certeza de que foi obra de algum eco-chato ou de alguém " que vai votar na Marina". Sabe como é... na dor falamos coisas terríveis.  Nunca suportei ver um bicho preso. Mas me acostumei com a presença de Fred. Achava incrível acompanhar os seus passeios de cabeça para baixo pelo vitrô de ferro acima da porta, sempre com a intenção de acompanhar mais de perto quem tinha pedido alguns amendoins pra acompanhar a birita. Seu olhar pidão sempre lhe garantia algum agrado. Esperto esse Fred. 

Acredito que se ele pudesse falar mesmo, falar tudo, teria dito aos meganhas pra não lhe encher o saco. A minha tristeza é não ter a certeza de que o velho Fred, a essa altura da vida, consiga ser feliz longe dali. Mas é possível. Fico aqui pensando: será que papagaios se dão com maritacas? Que bom seria, o bairro anda cheio delas. Vou perguntar pra um amigo biólogo se é possível. Se for, vou torcer pra um dia desses quando o Zé menos esperar, ao abrir o Bar, dar de cara com o Fred pousado num galho da pitangueira. Um tanto mudado, de penas mais longas, asas recuperadas. E é bom que se diga que cortar as asas dos outros é coisa que não se deve fazer com ninguém. Mas imaginem só que loucura! De repente, o Zé Ladrão e o Fred cara a cara de novo. O Zé com os olhos cheios de água e o Fred, falando baixinho pra ninguém ouvir:

_ Zé, não chora. Me deram a liberdade, mas meu lugar é aqui.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Sem bola de cristal


Se tem uma coisa que essa fase do Cruzeiro me faz ver é o destempero de certos comentários. Destempero que deixa transparecer, na minha opinião, uma falta de respeito com o que o futebol tem de melhor, sua imprevisibilidade. Toda vez que ouço alguém dizer que a taça de campeão brasileiro já pode ser entregue ao time mineiro a sensação que me vem não é a de ter ouvido uma análise precisa, mas algo meio oportunista. Mas o que se há de fazer? Há tempos o universo da bola ilude certos senhores insinuando que o céu será daqueles que jamais deixam de ter uma opinião contundente.. E assim, cheios de medo de serem apontados como um tipo de gente que não sai de cima do muro vão, um a um, se atirando de lá de cima, fazendo cair por terra o bom senso. 

E não me venham com essas estatísticas que mesmo indo ao subterrâneo do jogo nada mais fazem do que transformá-lo em algo raso. Tô cansado de saber que foram raras as vezes em que o campeão do primeiro turno não ficou com o título. Tudo bem. Mas ver o Cruzeiro em campo diz muito mais do que qualquer número. Apenas acho que os que se dão a esse ofício não deveriam esquecer que não há diferença entre dar uma canelada  ou chutar pra longe a possibilidade de tudo mudar, ainda que inesperadamente. Gostaria de saber quantos seriam capazes de admitir mais adiante, se vier a ser o caso, que entregaram a taça a quem não deviam, que o fizeram antes do tempo. As mesmas bolas que se chocaram contra a trave na última tarde de domingo e que foram definitivas para que o líder incontestável saísse de campo derrotado por seu maior rival continuarão lá. O improvável não é impossível. 

Não estou aqui pregando que se feche os olhos para o que temos visto, um time infinitamente superior aos outros, e que façamos dessa imprevisibilidade do futebol um cânone. Mas que tenhamos a humildade de aceitar que pouco podemos diante da riqueza de possibilidades ofertada pelo futebol. E que mesmo achando que tá tudo resolvido se lembrem dessa ínfima chance, até porque soará cuidadoso com o jogo. E, vejam,  não é só a condição do líder que brinca neste momento com nossas certezas. Eu, até a tarde do último domingo, acreditava que o descenso não vitimaria o Palmeiras, apesar de toda a fragilidade. Mais aí ví o que se deu nos noventa minutos em que o time dirigido por Dorival Júnior esteve diante do Goiás e perdi um pouco a crença. O futebol tem o poder  de oferecer e implodir defeitos e virtudes com a rapidez de um raio. Nunca esqueço disso. 

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Como se dizia antigamente: FALÔ E DISSE !



Foto: Buda Mendes / Getty imagens

Se der, anote!


Li que o novo técnico do Santos tem um bloquinho de anotações. Sou adepto dos bloquinhos também, faz tempo. E, na linha do treinador santista, estou longe de fazer deles um talismã. Bússola, certamente. Mais do que me orientar o caderninho de anotações serve pra registrar detalhes e temas que certamente o frenesi cotidiano trituraria ou apagaria da minha memória. Quer ver? 

Acabo de abri-lo. Voltei umas quatro ou cinco páginas e dei de cara com o seguinte: " Dupla britânica que investigava situação dos trabalhadores no Catar desaparece". Lembro de ter feito a anotação porque dias antes tinha lido que a Copa do Mundo que será sediada naquele país já era um desastre. Mil e duzentos trabalhadores envolvidos na construção dos estádios e em obras de infra estrutura tinham morrido. A maioria imigrantes do Nepal e da Índia. Nos últimos dias, vejo aqui, gravei nessas páginas, em tom de lembrete, que o San Lorenzo, da Argentina, dará ao seu novo estádio o nome do Papa Francisco. Agora me pergunto: E aí? 

E assim vai. A reação  espantada do genioso técnico José Mourinho ao início arrebatador do brasileiro Diego Costa, que somou sete gols nas quatro primeiras rodadas do campeonato inglês. Algo nunca visto. A frase feita do treinador do Real Madrid, Carlo Ancelotti: " O futebol é esporte de homens não de senhoritas". Não diga! As anotações sobre o futebol daqui nada têm de muito novo. As ameaças da torcida ao time do Internacional. As pichações na Vila Belmiro. Frases e detalhes do deselegante embate entre o atual e o ex-presidente do São Paulo, bem agora que o time parece ter encontrado uma boa maneira de se apresentar. Os relógios de sessenta mil reais cada que a CBF gentilmente andou distribuindo por aí. Temas que nem por isso acabariam neste espaço. Descansam lá como quem aponta uma direção, e só. 

Ao técnico santista que se, por acaso, der de cara com estas linhas gostaria de dizer que longe de mim um dia chamá-lo de "Enderson do bloquinho", coisa com a qual se mostrou preocupado. Entendo perfeitamente a necessidade desse recurso, sei que a idade realmente não ajuda. Mas, ainda que soe como intromissão, queria sugerir uma pequena anotação. Coisa pouca. Algo do tipo: "pensar  um jeito de colocar o Gabriel no time/ trabalhar a molecada". Isso por mais que o jogo de hoje à noite contra o Grêmio, na Arena do time gaúcho, soe ao treinador e ao Santos como  um capricho do destino, um desafio pra gente grande.  

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Os diferentes



Não faz muito tempo estávamos envoltos na polêmica sobre a ida de Neymar para o exterior. Milhares de observações foram feitas a respeito do tema, mas lembro muito bem que na época se falou muito sobre o que o jovem astro do time santista teria a ganhar se deixando levar pela sedução dos europeus. Um dos argumentos mais defendidos pelos que eram a favor da transferência é que no velho mundo o jovem talento brasileiro iria aprimorar sua noção tática. Diziam, inclusive, que uma vez lá ele iria aprender a marcar. Não que eu me renda a importância de qualquer ensinamento. 

Mas vai ficando cada vez mais difícil acreditar, não no nosso talento nato, mas no nosso apuro técnico. E não digo isso como quem se revela com o humor liquidado pela qualidade dos passes ou das finalizações de quem tem se apresentado por aqui. Digo isso por constatar que os repatriados de agora, mesmo já sem ter mercado em boa parte do mundo, ainda conseguem reinar nos nossos gramados. Já tivemos tantos exemplos. Você deve lembrar muito bem do que o meia Zé Roberto foi capaz não faz muito tempo. O próprio Robinho, ainda que seja cedo pra dizer, parece transitar numa frequência muito mais fina do que seus companheiros de time. 

Outro que reforça esse tese é Kaká. E olha que até outro dia não faltava gente pra duvidar da condição física desse que agora se revela  um verdadeiro catalisador dos talentos que o time do Morumbi conseguiu reunir. Mas alguém como Kaká exercer esse papel não deve ser motivo de surpresa pra ninguém. Afinal, estamos falando do único brasileiro que depois de Ronaldinho conseguiu alcançar o posto de melhor jogador do mundo. O que eu quero realçar é a incapacidade dos que já estavam aqui - ganhando salário de craque e sendo tratados como tal - de cumprir esse papel.  O que me faz admitir que, talento à parte, a oportunidade de jogar no velho mundo torna nossos jogadores diferentes. E isso diz mais sobre nosso atraso do que qualquer goleada sofrida.

No mais, aproveito pra dizer que a vitória do São Paulo sobre o Botafogo, no Mané Garrincha, clareou o horizonte. Hoje à noite o líder Cruzeiro, cheio de moral depois de ter feito o melhor primeiro turno da história do Brasileiro por pontos corridos, estará diante do Bahia, no Mineirão. Em caso de vitória mineira a partida do próximo domingo entre São Paulo e Cruzeiro, marcada para o Morumbi, pode dar ao futebol brasileiro uma aura de excelência cada vez mais rara.. 

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

A moral das arquibancadas




Sejamos francos! As arquibancadas sempre foram um ambiente permissivo. Um lugar onde o código de conduta é pra lá de elástico. Os que a frequentaram vestindo terno e gravata que me perdoem, pois não sou desse tempo. E o que as fez desse jeito, suponho, é algo que só pode ser decifrado por estudiosos. Se é que pode. Mas trago comigo teorias de leigo. Teorias que podem ser acusadas de ingênuas, mas que eu sei estão ancoradas num empirismo capaz de conferir a elas certa coerência. 

Toda essa sordidez que temos visto têm algo a ver com uma certa decadência moral dos homens. Sim, porque ao mesmo tempo em que as estatísticas mostram que evoluímos de certa forma no que diz respeito a educação, basta olhar as manchetes dos jornais pra perceber o quanto estamos ficando cada vez mais abomináveis no trato com os outros.

Faz algumas semanas me deparei na internet com uma foto de um garotinho em uma arquibancada. E embora sua face fosse meiga ele ostentava um ar de rancor e o dedo médio em riste. A matéria mostrava como aquele torcedor fanático do Feyenoord, da Holanda, ( que havia ficado famoso em virtude da imagem) tinha crescido, o que tinha virado. Bom, continuava fanático e sendo acompanhado pelo pai. E não é demais frisar que se tratava  de um jovem nascido em um país em que a educação está longe de ser um problema. Como não custa lembrar que cenas lamentáveis são registradas praticamente toda semana em arquibancadas de tudo quanto é canto do  planeta. Pra isso parece não ter índice de desenvolvimento humano ou renda per capita que sirva de antídoto. 

Do mesmo modo que o jogo de bola costuma revelar a personalidade de quem o pratica a arquibancada é capaz de revelar a personalidade de quem torce. Imagens como as que temos visto causam repulsa. E ganham outra dimensão quando as lentes conseguem dar ao ato um rosto. Seja ele o de uma mulher ou o de um menino. Olha, já tiramos tanto das arquibancadas tentando fazer com que os atos praticados por lá não ferissem ninguém. E isso nos custou a alegria das bandeiras, a companhia do radinho de pilha. Mas, por favor, de uma vez por todas, não vamos mais nos enganar. As arquibancadas só serão uma outra coisa quando o homem também for outro. E isso, infelizmente, não se dará nas próximas rodadas.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O país do voleibol

Olha, que me perdoe o leitor que veio até aqui querendo ler alguma coisa sobre futebol. Mas me sinto na obrigação de escrever algo sobre o nosso vôlei. Na semana passada citei a demora da FIFA em adotar uma medida simples como o uso do spray. Não que eu seja um sujeito de vanguarda. Quando alteraram a pontuação do vôlei tirando dela a vantagem achei o fim. Mas chego a ficar impressionado com a evolução pela qual passou a modalidade nos últimos tempos. Um avanço que vai muito além das alterações das regras. Um salto técnico que tem a ver com preparação, estudo, criatividade.

Quem tem consciência do que era o vôlei brasileiro uns trinta anos atrás sabe bem do que estou falando. Continuarei sendo sempre contra mudanças feitas apenas  para atender aos interesses da TV, geralmente preocupada em moldar os produtos a seu bel-prazer sem respeitar os caprichos que o esporte impõe. Nesse sentido vejo os grandes torneios de tênis com suas disputas em cinco sets para os homens e jogos durando longas horas como um símbolo de resistência. Inviáveis e, por isso mesmo, ausentes das TVs abertas dirão os antenados. 

O vôlei tem sido um bom exemplo de como o esporte pode ser algo mais vivo e menos limitado por certos dogmas. Os da minha geração, que jogaram vôlei, tem boa noção do que representa ter virado a grande referência mundial da modalidade. Não que esteja tudo perfeito com com o nosso vôlei. Não temos campeonatos internos fortes, o que obriga nossos atletas a ir para o exterior e tal.  Mas na última segunda feira quando abri o jornal e pude ler que o título do Grand Prix conquistado pela nossa seleção feminina era a vigésima oitava competição de ponta que o voleibol nacional faturava nos últimos trinta anos, não consegui conter um sorriso de satisfação. E nesse caso ponta é ponta mesmo, com medalhas de ouro olímpicas e tudo. 

Uma hegemonia construída com muito suor e talento, traída só pelas falcatruas que tempos atrás estamparam os jornais e reviraram as entranhas da Confederação Brasileira de Vôlei. O que o futebol brasileiro tem de querer hoje em dia é ter a dimensão do nosso vôlei. Ter a sua capacidade de pensar e criar, de lidar com o jogo, com as pressões. Ser respeitado como nosso voleibol! Ou terá sido fácil para as comandadas de José Roberto Guimarães entrar em quadra sabendo que se quisessem sair de lá com o título poderiam perder apenas um set para o Japão, que jogava em casa? Quanto ao futebol, está mais do que na hora de pensarmos  não no que ele tem nos dado, e sim no que tem nos tirado.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Aos olhos da FIFA




Não sei se vocês viram. A FIFA dias atrás divulgou um relatório técnico sobre a Copa. O relatório enaltece o nível do futebol apresentado por estas terras. Não nego que o Mundial tenha tido bons jogos, no entanto, continuo achando que grande parte da empolgação que desfrutamos foi proporcionada por confrontos onde a dramaticidade é que contribuiu definitivamente para nossa diversão e não propriamente a técnica. Como não nego o valor da posse de bola, até porque estando com ela tudo passa a ser mais provável. Mas vai aí um mito que as próprias estatísticas são capazes de colocar em seu devido lugar. Não são poucos os jogos em que o time de menor posse de bola sai de campo vencedor. A posse é valorosa, jamais definitiva. 

E mesmo que a Copa tenha sido incrível não devemos deixar que essa empolgação apague o senso crítico com relação ao modo como foi feita. Durante o Mundial, Joseph Blatter, o presidente da FIFA, fez questão de se mostrar empolgado com o fato das seleções terem demonstrado fome de ataque " desde a  primeira fase". O relatório também diz que os centroavantes típicos não se mostraram uma boa opção. Ora, bastaria um de raro talento para colocar em xeque a teoria. No mais, claro que uma maior versatilidade amplia consideravelmente a possibilidade de sucesso. Raciocínio que, aliás, vale para qualquer posição, inclusive, para os goleiros, muito enaltecidos pelo relatório. Eles brilharam, não resta dúvida,mas nenhum chegou aos pés do alemão, Neuer. Boa prova de que o talento é que desequilibra, seja qual for a Copa, seja qual for o tempo. 

O número de gols foi outro destaque. Mas se levarmos em conta que juntas as derrotas de Espanha e Portugal na primeira rodada, somadas aos sete a um e aos três a zero sofridos pelo Brasil na semi e na decisão do terceiro lugar, somam nada menos do que vinte e um gols - e que pelo menos três desses jogos podem ser considerados, sem medo de errar, totalmente atípicos - ai a coisa arrefece um pouco, né? Mas não tenho a mínima pretensão de ser definitivo, minha diversão é provocar reflexões. Outro detalhe, e nesse o Brasil também contribuiu fortemente, os chutões para a frente. Diz o relatório que se deu melhor quem jogou pelo chão. Talvez o certo fosse dizer que se deu melhor quem mostrou capacidade pra colocar a bola no chão. O que é pra lá de óbvio. 

E é claro que a FIFA também encheu a bola do sistema eletrônico para validar o gol, do uso do spray. Mas vale notar que, no caso do spray, demorou quase uma década e meia para adotar uma ideia que, desde o primeiro momento, pareceu simples e eficiente. 

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Nem aí pra América!

A América tem um novo campeão, o San Lorenzo, da Argentina, que há de ter triunfado com as bençãos do Papa Francisco e com a ajuda do Viagra, ministrado para dilatar as veias dos argentinos quando precisaram mostrar vigor físico nas alturas. Viagra, isso mesmo! Maiores detalhes podem ser encontrados numa simples "googada". Para os que não dominam tal vocabulário trata-se do ato de fazer uma busca no google. 

Tá certo, a ausência de um time brasileiro na final da Libertadores minou nosso interesse. Mas será que a falta de tradição e apelo dos dois finalistas e a ausência de uma equipe brasileira na disputa justificam tamanho descaso com os momentos finais do mais importante campeonato de clubes do nosso continente? Pelo visto não nutrimos a mínima reverência pelo torneio, queremos saber é dos nossos clubes e ponto. Historicamente alimentamos um desinteresse pelas coisas da América do Sul e o futebol no momento parece reforçar essa realidade. Vale notar. 

Desde que Julio Grondona saiu de cena, no último dia 30 de julho, o futebol sul-americano viveu episódios importantes, que estiveram longe de receber a devida a atenção. Grondona foi nos últimos tempos o cartola mais influente do nosso continente. Cinco dias depois de sua morte a sede da Associação Argentina de Futebol, que ele presidiu nos últimos trinta e cinco anos, foi invadida por oficiais de justiça à procura de provas de desvio de dinheiro na negociação feita com o governo pelos direitos de transmissão do campeonato argentino. 

A morte de Grondona deixou vaga a vice-presidência da FIFA. Lógico seria pensar que a situação pudesse abrir caminho para nomes como Marin ou Del Nero. Eis que semana passada o uruguaio Eugênio Figueiredo renunciou à presidência da Confederação Sul-Americana para assumir a tal vice-presidência. Confederação essa em que o futebol brasileiro nunca exerceu papel de destaque, ainda que tenha sido presidida por José Ramos de Freitas entre 1957 e 1959. 

Em outras palavras, politicamente ficamos como já estávamos. Eugênio Figueiredo, um senhor de oitenta e dois anos, cujo poder no futebol uruguaio o faz muito semelhante a outros dirigentes que se perpetuam no poder, passou o cargo para Juan Angél Napout, paraguaio, como era Nicolás Leoz, antecessor de Eugênio. Leoz, que estava no poder desde 1986, entregou o cargo em abril do ano passado, alegando problemas de saúde. Tinha na época oitenta e quatro anos. 

Eugênio Figueiredo durante vinte, de 93 a 2013, ocupou a vice-presidência da Conmebol, de onde saiu agora o Sr Napout. Ou seja, nem com todo esse frenesi o Brasil foi capaz de crescer no cenário político do futebol sul-americano. Del Nero teria sido convidado para assumir a tal vice-presidência da FIFA mas teria negado, alegando que em breve terá de comandar a CBF e isso exigirá muito trabalho. Tocante, não? Nada de novo em um país que historicamente nunca teve muitos olhos para as coisas da nossa América.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Um argentino entre nós

Semana passada prometi falar de Ricardo Gareca, treinador que tem a dura missão de comandar o Palmeiras, time que neste momento amarga sete partidas sem vencer no Brasileirão. Detalhe, em ano de centenário. Na noite da última quarta levou o Palmeiras às oitavas de final da Copa do Brasil, acontecimento que se não aliviou a pressão, ao menos, deu uma dose mínima de ânimo ao elenco comandado por ele. E do jeito que a coisa vai qualquer ajuda é bem vinda. 

Ricardo Gareca desde o início mostrou personalidade. E, creio, alguns detalhes não deveriam passar despercebidos. Realizar treinos usando os times das categorias de base, por exemplo. Também achei interessante notar certo espanto no fato de o treinador ter convidado semanas atrás o time sub-17  para um jogo treino e no meio dele ter tomado a liberdade de parar o andamento do confronto várias vezes para fazer observações, corrigir posições. Isso deveria causar espanto? E não é só. 

Antes do clássico contra o Corinthians, mesmo tendo jogo no meio de semana pela Copa do Brasil, Gareca decidiu dar folga ao elenco e em seguida poupou praticamente todos os titulares da viagem que o time faria ao sul do país. Como bem observou meu amigo e comentarista, Celso Unzelte, tratou-se, no mínimo, de uma bela quebra de paradigma. 

No domingo, depois do empate com o Bahia, voltei a ouvir o treinador palmeirense dizer que não sabia o que pensavam os diretores do clube naquele momento. A impressão que tenho é a de que é melhor mesmo não saber, pois a diretoria do clube, apesar da visão louvável que a escolha deixa transparecer talvez não tenha fibra suficiente para bancar a aposta do jeito que ela pede. 

De minha parte gostaria muito de ver Ricardo Gareca obter algum êxito à frente do Palmeiras porque acredito que isso, de alguma forma, ajudaria o futebol brasileiro. Enxergo uma tremenda incongruência no fato dos nossos clubes não pensarem duas vezes na hora de contratar jogadores de fora mas se mostrarem receosos para fazer o mesmo quando se trata de um técnico.

Levando em conta a supremacia financeira do futebol brasileiro em relação aos outros países sul-americanos, poderíamos ter aqui muito do que existe de melhor em nosso continente em matéria de treinadores. Outra qualidade que Ricardo Gareca tem demonstrado ao comandar o Palmeiras é apostar na ofensividade. Coisa cada vez mais rara entre os brasileiros. Muitos, no lugar dele, já teriam armado uma retranca dessas de arrepiar.Como de arrepiar é ter de carregar este jejum de sete jogos sem vitória até o Independência para enfrentar o Atlético Mineiro, no domingo.     

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Futebol econômico


Neste momento por mais que as dívidas nos assombrem somos todos credores. E ainda que os cadernos de economia nos mostrem um panorama de contornos dantescos, com números provando que o endividamento das famílias brasileiras impedirá sustentar o consumo daqui pra frente, ainda assim é possível, pelo menos sob um aspecto, se sentir credor. Creiam. 

E o responsável por esse paraíso artificial só poderia mesmo ser o jogo de bola. Vejam. Há muito tempo depositamos nele nosso tempo e nossas emoções e ele tem nos dado em troca cada vez menos. O lucro que outrora parecia nos inundar a alma e nos deixar absolutamente satisfeitos com o investimento desapareceu. A impressão que alimento diante desse panorama econômico é que seguimos insistindo nesse tipo de ação por puro hábito. E o hábito, meus caros, como dizia um pensador de frases instigantes é " a nossa segunda educação".

No final de semana os jogadores do Botafogo fizeram questão de esclarecer a razão que os levou até o centro do gramado. Sim, disseram que só estavam lá por serem profissionais e por respeito à torcida, pois dinheiro que é bom não têm visto há meses. A tática que costuma acompanhar períodos como esse que atravessamos, especialmente quando se tem uma eleição à vista, é pra lá de manjada. Os craques em tirar proveito do caos existem desde sempre, são mais velhos do que o futebol. 

Por isso não me espanta nenhum pouco que, recebidos em Brasília pela presidente Dilma Roussef, os dirigentes que lá estiveram se esmeraram em mostrar a quantas andam as finanças do glorioso futebol nacional. Se fosse apenas isso, seria do jogo. Mas fizeram bem mais. Sugeriram que sem o tal refinanciamento das dívidas talvez não consigam chegar ao fim da atual temporada. Isso como se todos eles tivessem chegado outro dia ao futebol e nada tivessem a ver com essa terra arrasada que agora fazem questão de desvendar.

A bola está com o governo e caberá a ele ter pulso firme pra não permitir que venham a ganhar no grito. Não custa lembrar que nos últimos tempos a engrenagem do futebol foi azeitada, acaba de receber altos investimentos, ainda que por via indireta. E de uns anos para cá, graças a renegociação dos direitos de transmissão viram seu faturamento disparar. Mas longe de mim querer aborrece-los com temas desconfortáveis. Olha, há tempos ando querendo comentar a chegada do técnico argentino Ricardo Gareca ao Palmeiras. Quem sabe falo disso semana que vem. E sem falar de economia, claro, porque...vocês já viram como andam as coisas por lá? Se não viram não custa dar um espiadinha num caderno qualquer de economia.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Dunga, na linha de frente


Há na escolha, e não só na de Dunga, uma prova clara do estreito horizonte que os homens que comandam o futebol brasileiro são capazes de vislumbrar. Continuam todos fiéis ao mandamento de que o importante numa hora dessas é não naufragar e tocar o barco adiante até que os resultados os levem pra águas mais calmas.s. Lá nos idos de 94 tinha um companheiro de redação que dizia sentir calafrios só de pensar em ver o Dunga levantando a taça de campeão do mundo. E ele levantou.

Longe de mim me ancorar nas estatísticas. Mas dizer que Dunga, com toda sua falta de experiência e descrédito não foi bem no comando da seleção é uma mentira. Dunga foi bem sucedido. Obteve boas conquistas, mas que não conseguiram se transformar em marcas maiores do que as de seu   temperamento.Graças ao seu estilo Dunga alcançou uma outra façanha, a de tratar a imprensa de maneira mais igual. O que não quer dizer educada. 

Costumo brincar com os meus amigos fazendo com que eles lembrem como eram feitas as escolhas dos times nos seus tempos de moleque. Lembro que, geralmente, começavam com um par ou ímpar e quem estivesse jogando mal podia se preparar porque só seria escolhido no final. Pois está aí o mandamento que o futebol brasileiro mais ignorou nos últimos tempos por motivos óbvios. Quase sempre mercantilistas.

Viver uma boa fase em outros tempos era flertar com a seleção. Hoje em dia tudo mudou. Estamos cansados de ver jogadores em boa fase ignorados na hora das convocações. O próprio Dunga fechou os olhos para a fase vivida por Ganso em 2010. O que temos visto são jogadores passarem uma temporada inteira sem jogar nada e sem perder seu lugar na seleção. Não se trata de um aspecto que é só de Dunga. Ele, talvez, por seu temperamento, seja mais dado a laços de confiança. E por isso a crítica de que Dunga havia transformado a seleção numa espécie de igreja fez tanto sentido. 

Dunga pode fazer a seleção brasileira voltar a vencer. Mas o fato é que nesse momento da história a vitória só deixará satisfeitos os interesseiros e os distraídos.Todos os outros exigirão um futebol digno, transparente, renovado, bem comandado, bem sucedido e de estilo próprio. Portanto, se Dunga acha que foi escolhido só por seus méritos está redondamente enganado.Dunga foi escolhido, principalmente, por ter um estilo muito apropriado para fazer a linha de frente para todos os que estão, desde aquele sete a um, sendo alvejados por sinceros e oportunos pedidos de mudança.  

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Ultrapassados pela Copa

Caímos do trono, de certo caímos. Vitimados por dez gols impiedosos que nos foram desferidos em momento pra lá de solene, justo quando do alto da nossa cegueira ludopédica começávamos a achar que poderíamos voltar a ser campeões do mundo. Tombo bendito, obra de alemães e holandeses. Mas, pensemos pra frente como o momento exige. Alguém haveria de nos colocar no devido lugar, ainda que não falte por aí gente batendo no peito exigindo respeito e bradando aos quatro ventos que ainda somos os únicos a ostentar cinco estrelas. E daí, e daí? A quem interessa sentar nos louros de uma glória passada? 

Talvez a esse senhor já um tanto gasto que prometeu falar amanhã pela manhã. Bebi esses dois placares como quem sorve uma dose  amarga de realidade. Era uma vez o futebol arte, que seja. Os alemães nos deram aula do jogo, sem uma firula se quer, sem colocar uma cereja no bolo, por mais que aquela matada de bola no peito de Gotze - antes de decretar o fim do sonho que movia o futebol dos sempre valentes argentinos - tenha algo de sublime. 

O futebol arte pode ter morrido, tudo bem. Mas é com ele que eu continuarei sonhando, será ele que eu continuarei procurando toda vez que pousar meus olhos sobre um campo gramado de jogo. Mas isso só interessa a mim. Na condição de pátria de chuteiras  tratemos, então, de nos mostrar capazes de criar algum antídoto pra esse futebol científico que nos vitimou. Se tivermos a erudição de nos mostrar capazes de lutar com outras armas, como fizemos outrora, tanto melhor será. Pois antes de tudo terá sido o resgate do orgulho de triunfarmos de um jeito todo nosso. 

Mas se não der, tratemos de estudar as táticas, convocar os catedráticos. Tratemos de esmiuçar cada estudo que aponte um caminho. E não custa inocular no peito dessa nossa gente algo que acabe de vez com essa multidão de pais que enxergam teimosamente um craque em cada casa. Que levam os filhos pra jogar bola como quem leva um galo pra rinha. Vendo os alemães e os índios, e seus banhos de mar no mar da Bahia me bateu uma sensação tão nítida de que o que nos falta mesmo é uma consciência coletiva. Uma exaltação do coletivo. Daquilo que se conquista junto. Não essa coisa meio cada um por si que desde sempre pareceu tentar nossas almas. O futebol ? O futebol é e será o que sempre foi. Algo que nos aglutina. Mas que antes, em nós, conseguia cumprir à risca essa sua missão.


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos     

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Refaçam suas apostas


Uma cena representativa causada por nossa maior derrota na história das Copas vislumbrei na roda que se formou em volta da secretaria de redação e que num primeiro momento custei a entender. Mas o que se passava era óbvio. Estavam todos pegando o dinheiro de volta porque, afinal, ninguém tinha chegado nem perto de acertar o bolão do jogo entre Brasil e Alemanha.  Amuados, nem levaram em conta  um apelo vindo lá de trás sugerindo que a grana não deveria ser retirada, deveria ficar acumulada para um próximo bolão, que não parecia mesmo fazer o menor sentido.

Vi, nas apostas, e não só ali naquelas derradeiras, a grande crença do brasileiro na sua seleção. Pelo que pude perceber no decorrer das últimas semanas as apostas eram sempre feitas de maneira esmagadora no Brasil. Um sujeito no Paraná, que acreditou no sonho de uma amiga e acertou o placar, virou até notícia. No mais, não houve vitória com pênalti discutível, nem empate sem gols que fizesse isso mudar. Os bolões que cruzei por aí foram, antes de tudo, uma grande prova de fé. Um verdadeiro GPS capaz de revelar com quem estava o coração da maioria. E vale lembrar que na ínfima parte representada pelos que preferiram apostar nos adversários se escondiam ainda apostadores frios, sonhando em vencer sem ter de dividir o prêmio com ninguém.

A fezinha no bolão - que em matéria de popularidade só deve ter perdido para o tradicional álbum de figurinhas - sempre foi um pouco uma aposta no que se que ver. Portanto, era nelas que o técnico da seleção brasileira deveria se basear pra saber com que fervor o povo estava torcendo. E acho que depois disso ele se sentiria muito amparado. Pelo que percebi, a crônica esportiva sempre tão maldita, acusada de jogar contra, pode ajudar sim a  formar opinião, que a respeito de escalação e jogadores soou quase unanime, mas influenciar os palpites dos bolões, jamais.

O bolão, como disse , é diferente, não é quina , não é Mega Sena, nem loteria. O bolão é mais passional, o bolão é coração. O bolão faz pouco caso de teorias, desse papo boleiro-psíquico que tomou conta das nossas cabeças e que, como dizem por aí, nem Freud explica. Os bolões que bisbilhotei, todos eles, tinham uma alma desafiadora, que ousava rir do futebol organizado dos alemães. Tinham todos uma aura que desdenhava do momento mais maduro, e propício para grandes triunfos, vivido pelos adversários. 

Os palpites expressos nos bolões estavam cheios de fé e de esperança. Neles é que se escondeu a mais perfeita escala para medir o que significou esse monumental sete a um para a Alemanha, que carregaremos como um fardo daqui em diante, e que mesmo espelhando tanta falta de competência não sei se conseguirá mudar nosso futebol. Mas que essa vexatória derrota tem tudo pra fazer o brasileiro repensar a fé que insistentemente depositou na seleção até o fim da tarde da última terça, ah isso tem!. E a ausência de fé também pode, verdadeiramente, mudar o jogo.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Quem merece ser ídolo?


Foi o papel desempenhado pelo craque português Cristiano Ronaldo que despertou em mim a vontade de falar sobre a inocência que costuma se embrenhar na imagem que fazemos dos grandes artistas. Que teçam seu coro de descontentes aqueles que ainda enxergam alguma divisão entre os que se apresentam nos palcos e os que se apresentam nos gramados. 

Parece existir desde sempre em nós uma dificuldade em aceitar o fato de que alguém tão talentoso pra alguma coisa possa se revelar totalmente desinteressante, cheio de defeitos. Nos últimos dias a figura de Cristiano Ronaldo foi pra mim a personificação desse dilema. Reconheço a genialidade do gajo com a bola nos pés, a fase realmente estupenda que vinha atravessando, talvez a melhor de toda sua carreira.

 Mas bastava ouvi-lo em alguma coletiva para que essa sensação me tomasse. Via aquele seu olhar que pouco diz, as palavras encontradas com certa dificuldade, banais. Da vaidade nem falo, mas a tomo por gancho para dizer que foi na contramão disso tudo que encontrei alguém cujo estilo merece ser observado mais de perto. Falo do lateral Ekotto, que nasceu na França mas defende Camarões, e que roubou a cena num jogo da seleção dele ao ameaçar um companheiro do próprio time. 

Ekotto, não é santo, tem no currículo uma agressão a um torcedor, mas não esconde de ninguém que joga futebol por dinheiro. Afirma com todas as letras que não suporta ver jogadores beijando escudos de times que seis meses depois abandonam sem o menor pudor. Ekotto é embaixador da ONU contra a pobreza na África, anda por Londres de ônibus usando o que seria o equivalente ao nosso bilhete único. Toca, na Inglaterra, um time Sub-12 pra crianças carentes. E não esconde de ninguém que não tem nem o telefone dos seus companheiros de clube. 

É óbvio, não espero que um jogador de futebol se expresse como um literato, não é isso. Mas, vejam, a capacidade de se expressar não está só na fala, no toque de bola, está em tudo. Nas ideias que a gente defende, nas teorias que se abraça, no jeito de encarar a vida. O que pode ajudar a explicar o sucesso e a representatividade de figuras como Maradona, Sócrates. Ao colocar tudo isso na balança é que se descobre ao que se chega, a quem se chega. Cristiano Ronaldo, por exemplo, pra mim, é um jogador de futebol raro. E nada mais.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

" Comparada ao futebol, a física quântica é relativamente simples"


Não há como negar, depois que a bola começou a rolar a Copa do Mundo impôs certa rendição ao mau humor e pessimismo que eram mais do que visíveis. Não era pra menos. O que tínhamos até então era só uma sequência de cronogramas atrasados, estádios que custaram os olhos da cara e seguiam inacabados, ou seja, a parte dura da realidade. Mas a possibilidade de, enfim, se divertir com a Copa trouxe novos ares. E se tratou de uma diversão rara por estas bandas.Tivemos jogos empolgantes, que inevitavelmente me fizeram pensar como será difícil se contentar depois com o nosso Brasileirão. O eterno circo, dirão alguns, com razão até. 

Um circo cuja arquibancada continua alimentando um clima caustico, cruel. Ou não chega a ser crueldade reservar ao atacante Diego Costa um mar de vaias? Escolher a Espanha depois de ter tido menos de trinta minutos de chance com Luiz Felipe Scolari nada tem de traição. E para os que ainda não entenderam a eliminação dos atuais campeões mundiais replico aqui, como título, uma frase dita recentemente pelo físico e matemático Stephen Hawking, que talvez sirva de consolo. E viva o tiki-taka que, se já não dá mais pé, nos últimos anos prestou um grande serviço ao futebol mundial. O arejou. 

Enquanto isso o Brasil vai carregando sua consagrada trajetória futebolística com pouca ousadia, fazendo o que for preciso pra não deixar escapar a vitória. Muitas pessoas tem me perguntado porque não é possível enxergar na seleção brasileira a vontade e a determinação tão evidentes em outras seleções, mesmo naquelas com tanto recurso técnico quanto a nossa. Não tenho resposta. Tenho suspeitas. 

Em qualquer atividade nosso estilo é sempre fruto daquilo que se pensa. Talvez esteja aí uma demonstração grandiosa de crença em sua capacidade técnica, no talento ou no respeito que a camisa amarela impõe. Ou talvez simplesmente achem que o triunfo, no caso deles, permite abrir mão desse tipo de postura. Em todos os casos é sempre o resultado futuro que evidencia o quanto havia de razão e de sentido em cada uma de nossas escolhas. E por falar em escolhas, o hit do momento em matéria de seleção é justamente a escolha que o treinador brasileiro fará amanhã no jogo contra o Chile.