sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

A sedução dos importados



Acho curiosa a maneira como os clubes brasileiros têm tratado de um tempo para cá a questão dos treinadores. Difícil dizer qual pode ter sido o estopim para esse crescente desembarque de técnicos estrangeiros por aqui. Talvez um efeito colateral do discurso médio da crônica esportiva defendendo a ideia de que a falta de brilho do nosso futebol estaria intimamente ligada à falta de sintonia dos profissionais brasileiros com as tendências mundiais. Creio que a aprovação de um maior número de jogadores estrangeiros por equipe também teve lá seu papel para que os cartolas passassem a olhar o mercado do nosso continente de outro jeito. 

Mas quando falamos estrangeiros fica a impressão de que se trata de um movimento global. O que não é verdade. Em linhas gerais a onda costuma se restringir à nossa América sulista, com predominância fortemente argentina. Os portugueses são mais recentes.  O que tem me saltado aos olhos nesse movimento todo é a exigência dos clubes na hora de escolher alguém de fora. Por mais que a atual temporada tenha nos convencido de que os treinadores de casa têm lá suas virtudes, são capazes de dar um caldo, a coisa anda desequilibrada. 

Se isso já havia ficado claro quando o Palmeiras optou por contratar Abel Ferreira sem que ele tivesse no currículo um título sequer,  agora , de certa forma, essa impressão se renova com o Santos contratando Ariel Holan. Nos dois casos caberia o argumento de que não eram as primeiras opções. Como é verdade que, ao contrário de Abel, Holan chega trazendo na bagagem um título continental. De qualquer modo fica muito claro que o sarrafo na hora de contratar um estrangeiro tem sido colocado bem mais baixo. 

A questão econômica poderia justificar isso, o que em geral não tem acontecido. Custam caro.  E é interessante notar que quem andou sendo lembrado para a vaga foi Fernando Diniz.  Todos sabem que se há uma coisa que pesa com relação ao ex-treinador do São Paulo é justamente a ausência de títulos. Tenho certeza de que em dado momento , se você é do tipo que gosta de falar de futebol, deve ter ouvido alguém defender a teoria de que se tivesse conquistado um título com o time do Morumbi Fernando Diniz passaria a outro patamar. O que li é que a razão do clube santista ter dito não a Diniz foi o desentendimento recente dele com  um dos jogadores do time que dirigia. 

Não deixa de ser um argumento. Mas creio que seria mais honesto  alegar que se tratava de um técnico que não agradaria a maioria. E se muita gente não vê em Diniz virtudes suficientes pra comandar um time não custa lembrar que se trata de um treinador cujo patamar salarial - pelo que tem sido noticiado - está em total acordo com sua condição de contestado. Seria aposta, seria. Mas Ariel Holan também é. Fosse mais arrumadinho, tivesse outra fama, quem sabe os estrangeiros aceitassem vir ganhando menos. Enquanto a gente não chega lá, e vai saber se vamos chegar, o futebol brasileiro vai fazendo pelos técnicos estrangeiros o que não se dispõe a fazer pelos nossos. 

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Nosso futebol devedor




Parece que foi ontem. Corria o mês de novembro de 2019. Andávamos às voltas com o Congresso aprovando o projeto de lei que previa a criação do clube empresa e criava condições especiais para a quitação acelerada de débitos. Lindo esse último  termo, não? Não pensem, por favor, que minha capacidade daria pra tanto. O encontrei junto com outras informações que partilho aqui em um comunicado sobre o assunto na Agência Câmara de Notícias. Não se tratava de anistia, ia logo avisando seu relator, o deputado Pedro Paulo, do DEM/RJ. Mas no caso de pagamento em parcela única determinava desconto de 95% das multas, 65% dos juros e 100% dos encargos legais, inclusive honorários advocatícios. 

Na ocasião, num arroubo de transparência, coisa sobre a qual o projeto também versava, o relator fez questão de lembrar que outros mecanismos de financiamento, como o Profut e a loteria Timemania, não tinham conseguido diminuir o endividamento dos clubes. Por certo os homens que cuidam do futuro do nosso futebol não deixarão a bola pingando na área, farão questão de apontar os efeitos nefastos causados pela pandemia. Como se bem antes dela não nos tivessem dado provas significativas de falta de excelência em termos administrativos. Vale lembrar que, ao contrário de muitos setores, não tardaram a receber auxílio. Pois se o projeto em questão segue parado no Senado,  ainda em setembro do ano passado o Senado aprovou um outro que suspendeu durante a Pandemia da Covid-19 os pagamentos das parcelas de dívidas dos clubes ao PROFUT. Aliás, difícil achar outro nome tão apropriado. 

Auxílio do governo, sabemos, não é uma mão estendida para todos. Que o digam os que dia após dia acompanham - entre a fome e o desespero - notícias sobre nova ajuda emergencial. Mas se peneiro esse assunto entre tantos outros é pra que notem como o tema aos poucos vai se impondo. Os clubes brasileiros, dizem, estão sufocados.  O Santos, quebrado. O São Paulo sem saber o que fazer com as contas. O Corinthians tendo sobre a cabeça um papagaio de mais de 900 milhões de reais. Isso ao mesmo tempo em que uma pesquisa rápida na internet revelará que o São Paulo no final do primeiro semestre  do ano passado era apontado como o time que mais faturou nos últimos cinco anos com a venda de jogadores. 671 milhões de reais. Encontrará também uma outra , de novembro passado, afirmando que nos últimos dez anos o Flamengo tinha sido o time que mais faturou no futebol brasileiro. 4 bilhões de reais. 

Escutem o que digo, não tardará e voltaremos a ver a velha novela, nem tão velha assim, porque renovada de tempos em tempos. Farão questão de lembrar das arquibancadas vazias , da impossibilidade de faturar com a bilheteria e assim encher cofres que, pelo visto, sempre mantiveram vazios. Tá mais do que na hora de acabar com essa farra. Estou convencido de que mesmo sem poder rolar dívidas, pois fazer rolar a bola é só um detalhe desse negócio, o que a singular economia do futebol gera deveria ser suficiente para o manter. 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

O técnico além da tática



Há um aspecto interessante  nessa questão envolvendo os treinadores e sobre a qual a saída de Fernando Diniz do São Paulo talvez tenha a virtude de jogar alguma luz. Algo que está muito além desse papo sobre se o profissional que irá herdar o lugar dele será um brasileiro ou um estrangeiro. Aqueles que preferem ver Diniz longe de seus times deveriam, ao menos, reconhecer o valor dele espelhado no fato de destoar totalmente do senso comum.  

Em último grau, se não concordarem  com absolutamente nada do que ele andou defendendo, que o reconheçam como um legítimo provocador. Como uma dessas figuras que colocam fogo no circo. De todas as coisas que li a respeito a que me soou mais precisa foi escrita pelo jornalista, Paulo Cobos, afirmando que nunca um técnico teve a forma de pensar o futebol tão contestada.  

Interessante é observar que, ainda assim, depois que ele deixou o clube não faltaram - e não faltam - figuras fazendo questão de dizer que o trabalho seguirá na mesma linha. Ora, que o São Paulo pretenda de alguma forma preservar o que vinha sendo feito acredito. Mas um sujeito com as convicções de Fernando Diniz, no mínimo coloca a gente pra pensar. E quando as pessoas pensam se transformam, para melhor, ou não, mas se transformam. 

É certo que ele não inventou a roda. Agora, o São Paulo continuar se mostrando um time ofensivo não bastará como prova de que o clube não colocou de lado o trabalho realizado nos últimos dezesseis meses. Tudo é muito mais complexo do que simplesmente manter um esquema, do que montar um time com ímpeto para o atacar.  Ou a gente concorda com isso, ou passa a não levar a sério tudo o que é dito desde sempre sobre a figura do treinador. 

Sobre as atribuições que sempre precisaram executar e que nada têm a ver com a prancheta. Quando falo que a saída dele joga luz sobre uma questão falo sobre a formação de um treinador. Por mais que os analistas se esmerem tentando relacionar o estilo desse com aquele,  no caso de Diniz, quem poderia ser visto como sendo da mesma linha de pensamento? Hernán Crespo, será? Pelo viés tático talvez seja possível chegar a algum nome,  já pelo comportamental, pelo filosófico, não é tarefa tão simples assim. 

E os fatos sugerem que são raros os escolhidos por suas convicções táticas.  Já trazia essa maneira de interpretar o ocorrido comigo. E ela só se reforçou quando dei de cara com a entrevista concedida pelo ex-técnico do Flamengo, Domènec Torrent, ao repórter André Hernán.  Nela, o homem que sucedeu o português , Jorge Jesus, glorificado, disse com todas as letras que jamais lhe perguntaram como jogava ou como queria jogar. E disse mais, que tinha dúvida se os manda-chuvas por lá sabiam sobre o tipo de jogo que praticava ou que tinha praticado nas outras equipes. 

Ainda que levemos em conta que se trata de uma versão da história não deixa de ser um tanto estarrecedor. Enfim, é difícil crer que na continuidade de um trabalho nesse nosso futebol de trocas frenéticas e, muito mais difícil, não crer que toda demissão é uma ruptura quando se leva em conta a formação humana de um treinador e não apenas as questões táticas. 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

O desarme, eis a questão



No futebol atual decantado pela tecnologia é possível saber quase tudo. Quanto um jogador correu durante a partida, que lugar do campo de jogo frequentou e por aí vai. Mas nenhum dado chega aos pés de ter a fama da posse de bola. Ela é sem dúvida a vedete desse universo ludo-matemático. E qual seria a razão de tanta fama? Você alguma vez já parou pra pensar? Eu, quando parei, fui levado a crer que aquele Barcelona que encantou o mundo sob o comando do agora cinquentão, Pep Guardiola, deu uma contribuição imensa para isso. Como não se render a um time que praticamente não dava aos adversários o prazer de ter a bola a seus pés? 

Ainda que muitos digam que não é bem assim, com o passar do tempo parece óbvio que a posse de bola se fez uma espécie de medida da capacidade de um time. O que faz algum sentido. Afinal, o time é um conjunto. E esse é um ponto importante ao qual iremos chegar.  Pode ser que a essa altura você já esteja se preparando para tentar por em xeque minha teoria, matutando sobre o modo de jogo reativo, que praticamente desdenha da posse de bola. Tudo bem. Mas saiba que pra mim o tão falado futebol reativo será sempre um gênero menor do jogo. Entendo perfeitamente seu uso, mas um time que se preze deve aspirar a ter a bola. 

E já que estamos falando na virtude do conjunto aproveito para retomar o papo sobre a questão coletiva. A posse de bola em si é algo construído desse modo, e só desse modo. É possível, portanto, que toda a fama dela se justifique por ser um modo preciso de avaliar uma equipe no todo, sua maneira de atuar. Mas a questão é que muita gente acaba achando que é a posse de bola que vai mudar o jogo. O que não passa de uma das tantas ilusões que o burilar números pode provocar.  Agora, prestem atenção no que vou dizer, pois aí está embutida toda a razão destas linhas: o que importa pra valer no futebol atual, mais do que posse de bola, é o desarme. 

E podem me poupar de qualquer brincadeira sugerindo que um time de pernas de pau jamais tirará proveito disso. Ao que responderia dizendo que um time de pernas de pau jamais surgirá no panteão da bola como alguém que impressionará pela posse dela. O desarme, ele sim, pode mudar tudo. Seja contado no conjunto, ou individualmente. Ainda que se saiba que é virtude mais afinada com jogadores de certas posições. E a razão dessa importância parece muito óbvia. Nesse futebol muito pensado, refletido, congestionado, a posse de bola se torna muitas vezes inócua. O desarme, não. 

O desarme é o contraponto, o fator surpresa. O detalhe que desorganiza as linhas, que numa fração de segundo faz com que aquele que desarma - ou quem está perto dele - se veja, de repente, diante de espaços imensos, improváveis quase sempre no futebol atual. O desarme limpo, ou aguerrido mesmo, aquele que se desenha muitas vezes com ares de briga precisa ter o devido reconhecimento. E chega a ser interessante que na própria concepção o desarme seja praticamente uma antítese da tão venerada posse de bola.