quarta-feira, 29 de maio de 2019

VAR: uma questão de soberania

 
Osvaldo Lima/ Photo Premium -Lance!
Dizem por aí que o torcedor só enxerga o que quer. Não há teoria capaz de fazer um cabra enxergar o que não está a fim. Pois acho que não foi e o caso do árbitro da partida entre Botafogo e Palmeiras que abriu a última rodada do Brasileirão. Mas não é do pedido de anulação aventado pelo time carioca que alega que a decisão veio depois do jogo já reiniciado que quero falar. Sei que talvez eu compre uma briga danada com os palmeirenses que estão cheios de motivos pra querer ver o que o árbitro no calor do jogo não viu. Ocorre que pra mim, sem o aparato da tecnologia, ele tinha visto tudo muito bem. 

Talvez o cartão amarelo para Deyverson pudesse ser colocado na conta dos exageros ou na conta do estilo do homem do apito, notadamente chegado ao uso indiscriminado do aparato. O lance do palmeirense com Gabriel estou convencido não se tratou de um pisão. Mas foi assim que  narrador, comentaristas e afins envolvidos com o lance o descreveram.  Caso não tenha visto o mesmo não cometerei a indelicadeza de deixa-lo boiando. Mas espero que ao fim da leitura, curioso, o leitor se ponha atrás da imagem para descobrir se olhando você terá visto o que eu vi ou se só vi mesmo o que eu queria ver. Fato é que chamado pelo pessoal da cabine do VAR para rever o ocorrido o árbitro se mostrou convencido de que tinha visto tudo ao contrário. 

Anulou o cartão amarelo que tinha dado ao atacante palmeirense e deu o para o zagueiro Gabriel do Botafogo e marcou pênalti. Pra mim não se tratou de um pisão. Houve um choque de pés? Houve. Mas estou convencido de que ao sentir o toque Deyverson dá uma forçada e cai. O que teria num primeiro momento provocado o cartão. Eu sei, não é fácil no turbilhão de uma partida de futebol, sendo induzido a uma interpretação, acabar não errando. E se fiz questão de destrinchar o lance é pra apontar um erro, e não o da marcação. Mas se é verdade que o árbitro em campo segue sendo o soberano para decidir as coisas do jogo é preciso acabar com essa conversa do pessoal lá da cabine chamar pra rever algo que o árbitro de campo já decidiu. Se for um lance flagrante, um impedimento ou algo que o valha, tudo bem. Faça-se o uso da tecnologia. Agora pra um lance interpretativo como esse que se deu no estádio Nilton Santos, não faz sentido. É decisão que joga contra a credibilidade do VAR, que nasceu tão cheio de boas intenções e viveu mais um final de semana terrível. 

O lance do Rodrygo na partida entre Santos e Internacional é outro exemplo. A boa imagem do aparato nesse momento de implantação passa muito pelo desafio da galera que está com o brinquedinho na mão ser capaz  de ficar quieta. Claro que usado de maneira comedida algo vai escapar. Mas alimentar a ambição ou trabalhar com olhos de lince achando que será possível livrar o futebol de todos os erros que os homens sempre cometeram não passa de ilusão. Começo a achar por isso que o maior desafio de quem controla esse VAR é tomar consciência de que, infelizmente, será preciso aceitar certos erros do homem do apito, de outra forma matarão a pretensa soberania que ainda juram dar a ele. E aí, ou mudam a lei, ou estarão fazendo um tremendo mal para o futebol brasileiro. 

sexta-feira, 24 de maio de 2019

quarta-feira, 15 de maio de 2019

A sina de ser goleiro - em homenagem ao Sidão



Dentro de campo tudo parece envolvido por um imenso frenesi, menos o goleiro. A primeira impressão é que a posição o transforma num solitário. Um zagueiro pode ter vocação para a lateral, um volante jeitão pra jogar no meio e por aí vai. O goleiro, não, o goleiro tem de ser um predestinado. E nada parece ter o poder de livrá-lo dessa condição. Nem essa insistência moderna, mas nem tanto, de fazer com que os arqueiros usem os pés, troquem passes justamente ali onde tudo parece mais complicado. Diria que certas vocações são mais fáceis de se compreender, mas não parece o caso do sujeito que decide cuidar da meta. Condição, aliás, muito parecida com a daqueles que escolhem cuidar do apito. Seja como for fazer o que manda o coração nunca será descabido. 

O que sei é que ninguém parece mais servo desse tipo de ordem do que esses dois tipos. Se os argumentos aqui não soarem convincentes apele às memórias de infância e lembre quantas não foram as vezes em que as peladas de infância deram aquela esfriada simplesmente porque ninguém queria pegar no gol. Uma memória que também pode ser vista ao avesso, lembrando como a pelada de repente ganhava em importância quando pintavam na área pelo menos dois dispostos a fazer o papel. E olha que eu sempre topei a parada.  Voava na bola até quando o jogo se dava na garagem do prédio, desabando no chão duro. Certa vez, vendo meus cotovelos inchados de tanta imprudência e cansado de ver as advertências não causarem o mínimo efeito meu pai decretou: se quer pegar no gol vamos arrumar um lugar adequado pra você se quebrar.

Comprou pra mim um par de luvas e num sábado pela manhã me levou pra conversar com o treinador do glorioso  Itararé. Enquanto o Seo Ary lhe contava meu breve passado ao homem cravei os olhos no garoto que estava jogando no gol. Em cinco minutos fez duas pontes de arrepiar que me convenceram de que o banco de reservas tinha tudo pra ser o meu destino. Tudo isso me veio na cabeça depois de ver o goleiro Sidão, do Vasco, ser eleito cinicamente pelos internautas como o craque da partida contra o Santos, depois de ter errado feio no primeiro dos três gols que levou do time adversário.  Censurar o resultado exigiria uma decisão rápida e precisa que não veio. Exposto o arqueiro, vieram os pedidos de desculpas. Evidente ficou a crueldade das redes, não as do gol que em outros tempos ao balançar seriam as únicas anunciadoras dos castigos. 

A parte louvável disso tudo foi a tranquilidade de Sidão pra lidar com a situação. Exibiu uma polidez de se tirar o chapéu. E olha que se tratou de uma saia justa daquelas que se tivesse sido tratada com destempero seria compreensível. Testemunha a constrangedora situação renovou em mim a sensação de que os goleiros, por natureza, estão mais aptos a lidar com os castigos, por mais injustos que sejam. Nunca vou esquecer do semblante triste do velho Barbosa, goleiro da Seleção Brasileira na Copa de 1950, lamentando carregar consigo o sentimento de cumprir uma pena que lhe soava eterna quando a maior pena imposta no país não podia passar dos trinta anos. Enfim, até a resignação nos goleiros  tem um que de coragem.  

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Messi não é Pelé



É impressionante o que uma polêmica, por mais barata que seja, ou as infindáveis comparações são capazes de provocar. Faz tempo que os espertos de plantão perceberam isso e não perdem a chance de transformar uma e outra em incremento de audiência. Na última semana, depois de o argentino Lionel Messi ter feito o que fez no jogo de ida da Liga dos Campões da Europa diante do Liverpool,  brotaram nos quatro cantos da crônica esportiva conversas querendo traçar um paralelo entre ele e Pelé. Bom, ao menos não é mais o Maradona, e isso de algum modo deve significar um mínimo progresso. Eu mesmo me vi diante da questão, proposta por um telespectador. Tentei uma finta rápida, mas sem deixar de tomar posição para não ser deselegante. 

Entendo o apelo do duelo que vai nisso implícito, mas considero qualquer tentativa de comparação vazia.  Nada ver com a bola que o Messi joga que é imensa. De longe pra mim o mais impressionante que vi, pois se dissesse que realmente vi Pelé estaria mentindo. E o atropelo que o Liverpool impôs ao time dele ontem nesse sentido pra mim não muda nada. Como boa parte das polêmicas e comparações o que essa entre o argentino de Rosário e o brasileiro de Três Corações ignora é a verdade, porque no fundo só deixando certas verdades de lado é possível levar esse tipo de papo adiante. Não é pela bola que joga que Messi jamais será Pelé. É, antes de qualquer outra coisa, pelo que representa. 

E não falo isso por crer, como muitos por aí, que Pelé foi até capaz de parar uma guerra. Recentemente o projeto de pós-doutorado de José Paulo Florenzano mostrou que a história não foi bem assim. E pra corroborar sua versão citou, inclusive, matéria deste jornal, escrita por Gilberto Marques, onde não há uma linha sobre esse tão alardeado ocorrido. Isso prova que Pelé é menor do que imaginamos? Jamais! O que isso prova é que a história é algo vivo, que vai evoluindo, trazendo para ela novos elementos. Comparar homens que construíram suas obras em tempos distintos terá sempre algo de distorcido.  Não vou apelar para que lembrem dos triunfos de Pelé em Copas, algo que não faz parte da trajetória do camisa dez do Barcelona, mas peço que imaginem a figura de Pelé em termos planetários, o que  o tal Edson representa na própria história do futebol mundial e, aos poucos , quero crer, irá ficando claro que não existe paralelo. 

Virá certamente um gaiato dizer que não se trata disso, se trata apenas do que cada um é capaz de fazer com uma bola no pé. E estaria aí o típico raciocínio que faz de conta que o todo não existe, e que tem sido, em última instância, o combustível de polêmicas e comparações. Mozart ou Beethoven? Jimi Hendrix ou Eric Clapton? Tenha dó. Considero Messi um gênio, não me entendam mal. Sou muito mais tocado pelo estilo dele do que pelo de Cristiano Ronaldo, outro jogador fenomenal. Nos últimos dias vi até comentaristas de economia e política seduzidos por esse duelo entre os dois. Um deles espantado até com o apelo que o assunto estava tendo junto aos ouvintes. Um efeito colateral do encanto que Messi vira e mexe tem renovado e do, por hora inigualável, papel que Pelé ocupa no imaginário de cada torcedor, na história.  

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Do genial Aldir Blanc


Trecho de "Antologia biriteira"


quarta-feira, 1 de maio de 2019

Mora na filosofia



Peço a vocês o direito de filosofar um tanto. Não é só pra fazer rusga ao governo que pelo visto não tem a filosofia em alta conta. O que não me espanta. O que me espanta - e já conversei isso com amigos - é o espaço que os filósofos conquistaram nos últimos tempos. Faz uns trinta anos fui aluno de uma faculdade de filosofia. Não era o meu caminho. Mas a passagem por lá, que durou pouco mais de um semestre, carreguei pra sempre.  Fez com que eu tivesse consciência do pensar. E quem pensa contesta. Naquele tempo era impossível imaginar que um dia um filósofo seria figura fácil em programas de TV e que seriam lidos e ouvidos com muito interesse. O que considero um progresso, especialmente para os filósofos.

Nada escapa da filosofia, nem o futebol. Não dá pra armar um time sem pensar, embora estejamos cansados de ver em campo times vazios de ideias. Mas escolhi o tema para chegar à palestra organizada pela CBF dias atrás que teve os técnicos Tite, Jorge Sampaoli e Fernando Diniz falando sobre seus conceitos. Logo, sobre seus modos de pensar. As explanações de Tite, talvez por suas ideias já serem tão conhecidas, não mexeram muito comigo. Mas as de Sampaoli me chamaram a atenção. E, devo dizer, depois de ter assistido a apresentação dele ao dar de cara com a partida entre Santos e Vasco, em São Januário, tudo pareceu fazer mais sentido. Falo de acertos e erros, que foram muitos aliás.

A certa altura  Sampaoli disse que prega valores e sempre reforça que o escudo e a bandeira estão acima dos jogadores. O que segundo ele os leva a atuar de uma forma que tem muito mais  a ver com o protagonismo do que com o ficar esperando. Ou seja, nossa falta de atitude pode ser uma questão cívica. Fácil de entender quando o escrete nacional faz tempo parece ter deixado de pertencer ao país. Não era o que eu procurava mas sem querer temo ter encontrado a razão da nossa seleção não ter a atitude que se espera dela e que nos enerva há tempos.

Mas a grande figura foi mesmo o técnico do Fluminense, Fernando Diniz,  que subiu ao palco dispensando o auxílio de power points e afins. Coisa elogiável, pois sabemos todos que eles são um perigo. Quem além de Diniz seria capaz de inserir num papo desses sobre futebol e esquemas táticos a angústia como tema? Ninguém! Mas, Diniz, psicólogo formado, deve ficar esperto porque depois de atacar a filosofia e a sociologia tudo me faz crer que o governo atual não tardará a fazer da psicologia também algo a ser combatido.

Poderia enaltecer aqui a ousadia dele como treinador ao propor um jogo que privilegia os fundamentos, que não se rende ao resultado, que se recusa ao reducionismo defensivo. Pelo que entendi a razão que o faz correr todos esses riscos é, acima de tudo, livrar o jogador que comanda da tal angústia que o castigou durante todo o tempo em que ele viveu como atleta. Ser tratado como coisa é muito ruim, afirmou, incomodado. Mas para Diniz a maior distorção do futebol  é tratar os que jogam bem como seres superiores. Declaração que vem a calhar na semana em que Neymar fez o que fez  e ao dar uma entrevista pouco antes tinha defendido que os fora-de-série merecem tratamento diferenciado. Por essas e outras imaginar que será possível mudar o futebol sem levar em conta a necessidade de pensá-lo não passa de ilusão. Enfim, é preciso filosofar, sempre, Sr presidente!