quinta-feira, 26 de maio de 2022

Nem tudo é dinheiro



Imagino o nobre leitor abrindo o jornal pela manhã, sabedor de todos os boletos que descansam na gaveta com seus vencimentos impiedosos, dando de cara com o título ousado deste artigo.  De cara digo, tentando a absolvição do mesmo, que nunca pretendi encerrar aqui verdades.  Sou mais dado a confrontar os que dizem  de um jeito ou outro saber dela. Tenho completa noção de que se há algo no mundo que coloca o nosso dinheiro e o  planeta em risco é essa coisa de achar que o dinheiro é tudo.  Disso estou tão convencido que não resisto à tentação de fazer troça do tema. Por exemplo, certa vez ouvi - e nunca mais esqueci - o sorriso sacana de alguém que me disse: dinheiro não traz felicidade. Mas traz uma sensação tão parecida que só mesmo um especialista pra diferenciar uma coisa da outra. Acho que é bem por aí. 

Melhor dizendo, é justamente aí que está a armadilha da grana. A ilusão perigosa que produz.  Talvez mais difícil que isso seja costurar esse assunto com o destino do Santos Futebol Clube. Mas nem tanto. Faço questão de expor aqui meu ponto de vista. E para isso é preciso tirar de campo certos capítulos, mágicos até, protagonizados pelo peixe dirigido pelo argentino Fabián Bustos. A outrora sedutora liderança do Brasileirão.  O enredo de certos triunfos conquistados em cima da hora, no sufoco, dando a impressão de ser capaz de afrontar os prognósticos desalentadores que, não é de hoje, a crônica esportiva teima em tecer a respeito do time da Vila Belmiro. Independentemente da corrente a que pertença, imagino que todo torcedor deva concordar que o grande desafio santista nesta temporada é dar conta do Brasileirão.

 A grande questão, no entanto, está na maneira correta de lidar com os outros compromissos que a temporada reserva. Sabidamente a Copa do Brasil e a Copa Sul-Americana vêm exercendo um fascínio cada vez maior nos clubes. Não à toa.  As boladas a quem passa de uma fase a outra contém cifras tentadoras realmente.  Na Sul-Americana, que pode até desbancar o Brasileirão em termos de premiação, garantir um lugar nas oitavas anda valendo quinhentos mil dólares, ou dois milhões e meio de reais.  Sedução do tipo recai também sobre a Copa do Brasil, cujo título valerá sessenta milhões de reais  e que pagará no total ao vencedor oitenta milhões de reais. E aí, que me desculpe o santista mais otimista, não creio que seria o caso de o planejamento do Santos levar em conta esse tipo de possibilidade. Que me desminta. O que, faço questão de dizer, me deixaria feliz também.  

Entendo que o clube se esmere em fazer o possível para estar em todas. Mas estou pra lá de convencido de que se tem uma coisa que deve ser prioridade essa coisa se chama Brasileirão.  Se a a minha contabilidade não está furada, ano passado o décimo lugar no torneio rendeu ao time da Vila pouco mais de dezoito milhões de reais.  Uma ninharia perto das cifras das Copas em que está envolvido.  O que é preciso pensar em primeiro lugar é: quanto custará ao clube deixar de fazer parte da elite do futebol brasileiro?  E não se trata apenas de deixar de faturar. Se trata do que significa e possibilita a permanência entre os grandes em termos de patrocínio e por aí vai. Nessa época em que não se sabe exatamente que time será escalado, talvez fosse bom, ao menos, saber o que um clube considera realmente essencial.  

quinta-feira, 19 de maio de 2022

A seleção resumida



Sabe-se lá à quantas anda o humor do nobre leitor com a nossa seleção. Não sei, mas posso imaginar. Sobretudo o interesse. Não foram poucas as vezes em que escutei gente dizer por aí o seguinte: não gosto de seleção, gosto de Copa do Mundo. Acho que vem a calhar essa lembrança, em especial, porque a sensação que tenho é a de que cada vez mais a seleção parece se resumir a isso. Vou além, aposto que não será difícil buscar na memória recordações de velhas matérias jornalísticas citando o fato de que mesmo tão perto do início dos últimos Mundiais nosso país ainda não tivesse entrado no clima. O que, lembro bem, se deu na última Copa realizada aqui no nosso país. 

Alguns podem não entender esse estranhamento. Aos mais novos digo que sou de um tempo em que não se tinha como levantar uma questão assim porque bem antes de a bola rolar as ruas já estavam todas pintadas coisa e tal. Os jingles feitos pra ocasião já tinham entrado na nossa cabeça pra não sair nunca mais. E se digo, meio cruelmente, que hoje a seleção se resume a isso é porque foi-se o tempo em que as Eliminatórias davam algum barato. Exceção feita, talvez, a um Brasil e Argentina, ou Uruguai. E olhe lá. Se a Copa que se avizinha fosse, digamos normal, a essa hora estaríamos quase no embalo do ponta pé inicial. 



Mas as peculiaridades do país anfitrião farão com que o momento se dê quando o mês de novembro estiver já na sua segunda quinzena e os Papais Noéis junto com as luzes de Natal já tiverem entrando em cena. Algum iluminado pode vir a ter a ideia de vestir o bom velhinho de verde e amarelo. Logo ele, tradicionalmente vermelho num país em que o tom scarlate virou um pouco a antítese do verde e amarelo. O que me faz pensar que não é má ideia dessa vez pedir a ele que nosso Brasilzão chegue inteiro até lá. Pois infelizmente somos obrigados a reconhecer que mais difícil do que voltar a vencer uma Copa será ter direito a uma eleição tranquila, respeitosa, civilizada, sem gente que insista em derramar sobre ela tons incendiários. 

Mas voltemos ao tema, mais ameno e menos indigesto. Como a última convocação foi feita com antecedência não duvido que hoje mesmo, ou nos próximos dias estas páginas tragam  a notícia de que por causa de certas questões esse ou aquele convocado tenha dado lugar a outro. Ainda que não imagine que isso venha a alterar em nada a paciência ou a simpatia do torcedor pela nossa seleção. Não acho que Danilo vá a Copa.  E não estou dizendo que não mereça. Chego a achar até discutível que se chame a essa altura alguém pra não levar. Pensaria diferente se achasse que Tite pode, faltando tão pouco tempo, incluir alguém nessa barca. 

Tite, que não custa lembrar,  teve todo o tempo possível, o tempo que quase ninguém teve. Um ciclo inteiro para pensar, para trabalhar. Mas não deve nos espantar se não trouxer o caneco porque não é de hoje que é só na Copa que o escrete nacional acaba dando de cara com o futebol em sua totalidade. Não esse praticamente resumido à América do Sul. Onde nossa hegemonia tem acabado por se revelar inútil.  Mas não fará mal algum, se interessando ou não pela seleção, que o torcedor ponha na cabeça - e já pôde constatar isso - que nem mesmo um triunfo mundial no Qatar será capaz de fazer do nosso futebol o que ele foi um dia. Como foi a paixão pela seleção. 

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Era uma vez o time titular



Entrou pra história um certo ataque santista. Tenho certeza de que o caro leitor já o  ouviu ser recitado pelas mais diversas vozes.  Depois que Pelé e seus mais afinados parceiros fizeram o que fizeram pelos gramados do Brasil e do mundo... Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe virou uma espécie de mantra. Sinônimo de excelência. Por mais que vez ou outra eu já tenha visto gente por aí sugerindo tirar um daqui colocar um Jair ali e por aí vai.  A récita é legado nobre de um tempo que definitivamente ficou pra trás. Digo que definitivamente porque segundo meu amigo Arnaldo Ribeiro esta será a temporada do rodízio. Dos times pensados pra cada ocasião. Dos times montados com olhos na sala de fisiologia. Dos times escalados só depois de atestados pelos departamentos médicos. Rodízio aqui, caso tenha dado de cara com estas linhas e não seja do métier, nada tem a ver com carnes nem restaurantes com oferta de comida de fazer corar os gringos.  

Rodízio é o meio que os treinadores dizem estar usando para lidar com o calendário canibalesco do futebol brasileiro. Onde o excesso de jogos aliado à intensidade dos mesmos se transformou  em ameaça que pode afastar do triunfo até o mais bem armado dos elencos. Não é difícil entender o descontentamento da torcida com relação a essa prática de ares tão modernos.  Como se não bastasse o futebol meia boca que virou a ordem quando se trata do jogo de bola por estas bandas, agora poder ver em campo os melhores jogando juntos virou coisa rara.  Imagino o torcedor se preparando pra ir ver uma partida, decidido a gastar uma grana com ingresso e, de repente, se dando conta de que poderá acabar se sentindo um tanto traído já que a possibilidade de o treinador decidir poupar uns e outros é muito grande.  E assim alimentar em si esse desconforto de ficar a mercê de quem manda pra valer no time. 

Em outros tempos sonhava-se que as duas partes pensariam da mesma forma, fariam as mesmas opções. Onde já se viu dirão alguns. E quem fecha a cara para esse modus operandi não é só o torcedor.  Zico em entrevista concedida recentemente disse com todas as letras que nunca gostou desse negócio de rodízio. Roberto Rivellino não cansa de mostrar sua indignação com essa coisa dos treinadores não terem mais um time titular. Bom, para mim começa justamente aí essa salada. Não é que não tenham. Nós é que não sabemos qual é. No fundo acho que todo treinador sabe muito bem quais são seus onze iniciais, como costuma se dizer. Podem não saber no começo. Mas passado um punhado de jogos e suplícios qualquer um que seja do ramo já saberá muito bem quem prefere. A intuição terá lhe sugerido em quem pode confiar.  E disso, acredito, ninguém escapa. 

Infelizmente é  impossível ter certeza. Ainda mais nesta época esquisita em que os clubes não divulgam informações, os treinos são fechados. Uma época em que tudo contribui para que o ambiente que cerca o futebol tenha um quê de ficção. Podemos no máximo desconfiar. Houve um tempo em que os treinadores escondiam as escalações complicando, principalmente, a vida dos repórteres. Mais do que saber se  Abel Ferreira, Vitor Pereira e companhia têm, ou não, um time titular na cabeça gostaria de saber o quanto  conseguem manipular essa situação. Se usam a possibilidade para outros fins, como esvaziar um clássico, por exemplo. E é bem provável que o descontentamento nasça, verdadeiramente, pelo simples fato de o torcedor ter desde sempre um time titular na cabeça. E é esse time que ele gostaria de ver em campo sempre.   

quinta-feira, 5 de maio de 2022

Visitas que valem ouro

                                                    Foto: Marcos Zanutto/AGIF
 

Se há uma coisa que teoricamente o esporte precisa preservar é a igualdade de condições. Coisa que em matéria de futebol se viu ameaçada desde que a profissionalização venceu a parada e se instalou de vez no esporte bretão. Em outras palavras, desde que a grana entrou na jogada. Semanas atrás a questão envolvendo o mando de campo voltou à tona com o Corinthians indo enfrentar a Portuguesa carioca em Londrina. Como veremos em breve a Juazeirense receber o Palmeiras por lá também. Dizer que nos dois casos, não fosse a questão de onde jogar, os times  estariam em condições iguais não é o caso. O que evidencia que o mando de campo, de certa forma, é o último bastião nesse sentido.  

Puristas como eu tendem a concordar que se trata de crime de lesa torcida colocar um time num avião e fazê-lo jogar longe daqueles que podem ser chamados de seus.  Defendo, portanto, que ao invés de se entregar de primeira à sedução de investidores interessados em comprar o mando esses times ditos menores deveriam é pensar em explorar melhor esse tipo de oportunidade. Sabemos que muitas vezes a casa deles não dá conta das exigências impostas pelas  fases mais avançadas de certos torneios. Mas o que deveria norteá-los é mais ou menos o que norteou a lei que fez poderosos brigarem e que decretou que o mandante é o tal. 

Talvez, arrumar um estádio o mais perto possível do seu, que dê conta das exigências, em cidade de porte razoável, onde a ilustre visita que irão receber poderia ser traduzida em faturamento também. Mas não um exílio, não tomar essa atitude de praticamente abandonar o seu chão fazendo a balança pender totalmente para o lado do adversário que já goza de tanto. Mas esse tipo de situação é boa pra que se jogue luz sobre a miséria do futebol brasileiro. Futebol que, ao contrário do que muitos pensam, não é o mundo endinheirado de Palmeiras, Atléticos e tais. Nada disso. Foi na esteira desse assunto que acabei ouvindo o testemunho de um companheiro de profissão contando o que viu o próprio filho viver ao ir jogar num clube modesto da Bahia. Uma realidade do tipo oito atletas dividindo o mesmo quarto, muitas vezes comendo feijão e banana. Tendo de encarar fila pra tomar banho. E como fez questão de ressaltar, isso em um time da primeira divisão. 

Não serei aqui um radical defendendo que esse tipo de transação não deva ser feita. O que defendo é que esse tipo de oportunidade seja explorada da melhor forma possível. Afinal, se tem uma coisa que pode incrementar o caixa dos mais pobres é essa visita ilustre. Tá claro que é algo que desafia o planejamento. Difícil crer, por exemplo, que os dirigentes da Juazeirense  achassem que precisavam se preocupar com a Copa do Brasil para além do encontro com o Vasco, time que acabaram deixando pelo caminho e que deu a ele essa rara oportunidade de faturar.  Gostaria de poder pensar nos torcedores que ficam sem ver o time do coração. Ainda que não sejam muitos merecerão sempre respeito, um tratamento digno. Pra que se tenha uma ideia da realidade vivida pelos pequenos deixo aqui registrado o público do jogo da Juazeirense contra o CSE na estreia do Brasileiro da Série D. Meros cento e um pagantes. Isso mesmo. E a renda, são capazes de imaginar? Dois mil e vinte reais. Donde concluo que  pra maioria dos times brasileiros ter direito a um mando de campo diante de um grande é quase como ganhar na loteria.