segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Sobre crenças

Esporte e religião. Há quem diga que ela é uma invenção para nos livrar do desamparo.Coisa que ele pode muito bem ser também. Semanas atrás, lendo uma pesquisa sobre a religião entre os jovens, dei de cara com um resultado que me chamou a atenção.

Diziam os números que o principal motivo de união entre eles era a religião. Até aí, nada demais. Mas, surpreendentemente, ela vinha seguida das atividades esportivas, e com boa margem de vantagem sobre as atividades artísticas, aí – presumo – incluída música, literatura, cinema, teatro etc. Uma vitória considerável. O placar exato era de 42,5 a 32,5 a 26,9%.

Pensei: É o suor provando seu valor. Não é à toa que vemos por aí gente treinando com tamanha devoção, encarando treinos como quem encara um ritual. Assim como vemos gente se apegando ao esporte de maneira desequilibrada, como muitas vezes acontece nas igrejas. Nem precisei ir tão longe nesse devaneio. Está aos olhos de todos: O esporte tem lá suas penitências, e sua promessa de redenção.

E quem seria capaz de discordar que a prática esportiva, quando exercida de modo pleno, traz, como se fosse uma benção, a desejada saúde mental, tal qual faz a religião? É só reparar, os seguidores do esporte vão às travessias aquáticas, aos jogos de futebol, às quadras, com a alegria de quem se entrega a uma festa religiosa.

Há ainda a comunhão com os que não praticam, mas gostam de se dizer devotos. Como toda virtude o esporte exige conduta, e segui-lo dia após dia é tarefa árdua. Pergunte a Gustavo Kuerten, Cesar Cielo, Valmir Nunes...

Mas o esporte, bem como a religião, sem acreditar não é nada. E para descobri-lo é preciso apenas praticá-lo. No templo do nosso corpo esse bem que poderia ser um mandamento único.

O esporte, como a religião, é feito de negação. E só a entrega absoluta é capaz de revelá-los por inteiro. Fica a me alegrar nesses dias em que a bola não rola, o fato dos números terem desvendado bem mais do que isso, terem desvendado uma juventude livre o suficiente para levar adiante práticas religiosas sem ter, necessariamente, que estar ligada a nenhuma delas.

Aos que deixam seu olhar vagar por essas palavras, deixo além de algumas linhas, cumplicidade. Falei que voltava no Natal, e resolvi voltar no espírito. Não como quem acredita em presentes. Mas como quem acredita em dádivas. Como alguém que aproveita esse tempo pra pensar a importância das coisas.

Desejo a todos, saúde! Algo, aliás, que o esporte promete dar também.



* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos - em 25/12/2008

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Corinthians poderoso

A última enquete terminou com domínio alvinegro. A questão era:

" O timão da Série B acaba de dar um drible no mais querido ".
Qual dessas duas grandes nações tem mais poder no futebol atual?

O placar terminou em 83% a 17%, para o Corinthians.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Um fenômeno, sem dúvida

Pensemos, pois, nos fatos que têm sido a alma do jornalismo esportivo nos últimos dias. Sim, porque um fenômeno sempre nos faz pensar. Experimentamos, ao menos uma vez, ainda que por vias um tanto tortas, é verdade, já que a contratação não se deu em condições ditas normais, mas ainda assim experimentamos essa euforia tão normal aos europeus, a de ver chegar um grande nome do futebol. Nesse teatro da bola só nos tem sido permitido viver as partidas.

Isso mesmo, aqueles que podiam encher o nosso jogo de futebol de classe e sonho, logo arrumam as malas, e o pior, bem ao flertar com o sublime. Nos deixam com água na boca, imaginando do que não seriam capazes ao amadurecer. Entram num avião e vão brilhar em Madrid, em Milão, em Munique, em Londres. É certo que no trajeto até lá, muitos ficam pelo caminho. Saber lidar com a bola, é uma coisa, saber lidar com a vida é outra, bem diferente.

A chegada de Ronaldo ao Parque São Jorge foi um pouco essa síntese, nos colocou mais perto da dimensão do que viveríamos se outros clubes brasileiros pudessem anunciar um reforço dessa magnitude. Não custar imaginar Fla-Flus, Derbys e Grenais ainda mais efervescentes. Só que o nosso pobre futebol não tem grana para comprar essa alegria.

O próprio Ronaldo citou uma luz no fim do túnel. Mostrar o que pode ser a repatriação de um atleta não deixa de ser uma luz.

Eu sei, falei no início “dos fatos”, no plural, mas pensando bem, melhor deixar pra lá. Pensei em falar do caso Madona/São Paulo/Federação Paulista, coisa que vai ficando cada vez mais nebulosa. Também pensei no Cuca assumindo o Flamengo, na política conturbada do Palmeiras que promete dias de arrepiar, na (re)criação da dupla Alex Mineiro e Kleber Pereira, no dinheiro que a CBF distribuiu nas eleições municipais, depois de ter cortado a ajuda aos times da série C (isso é que é ter prioridade.Não acham?), pensei também no Hexa do São Paulo que acabou tão apagado. Pudera, por hora o fenômeno vai passando por cima de tudo.

Os profetas do marketing que me perdoem, eu peço, deixem de lado esse olhar cheio de orgulho, porque nem é preciso ter estudado muito pra saber que o anúncio da contratação do tal camisa 9 causaria estrondo. Quero ver é trabalhar com o marketing possível...trivial...

E olha, jamais imaginei que poderia encontrar em Ronaldo algo de paulistano. Um carioca da gema. Agora vejo, a vida o fez corintiano, e naquilo que o corintiano tem de mais visceral, o sofrimento. Bom, aproveito pra desejar um ótimo ano... cheio de saúde.



* artigo escrito para o jornal "A Tribuna, Santos

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

O futebol é uma festa

Do pós-campeonato, da segunda-feira de cerimônias e prêmios gostei mesmo foi do chapéu do volante Hernanes. Gostei mais ainda do jeito que ele se apresentou, com um brilho bonito nos olhos, um brilho de quem se descobre capaz de maravilhar platéias. O jovem, que não faz distinção entre perna esquerda e perna direita, tinha algo de Fernando Pessoa, mas foi logo avisando que não era nada disso, era só uma reverência às suas origens. Simples assim.

Na sequência pronunciou nomes que traziam força até na sonoridade. Nomes de lugares distantes da mata pernambucana. Engenho São Lourenço, Usina Aliança, “onde morei”, disse o virtuose que soube tirar máximo proveito do know-how sãopaulino.

À noite, no Rio, teve homenagem a Pelé, às nossas lendárias figuras da Copa de 58. Uma turma que deveria viver pra sempre sob as luzes, cultuada. E é sempre bom ver o Rei do futebol e seu porte majestoso, embora dele gostasse de ouvir outras palavras.

Às vezes, torço como quem espera um gol para que ele vá além das "criancinhas", que ele cobre daqueles senhores que cuidam do nosso futebol que o façam melhor do que está. Que falta fazem suas palavras. Pelé falou da torcida por Kleber Pereira, e confessou a agonia de ter que torcer para o Santos não cair. O Santos que o fez mundial, planetário, à beira da segunda divisão?

Não era o momento ?

Não, festas de gala não encaram com bons olhos palavras indelicadas. O que vi foi um Rei tão oficial. Mas com sua envergadura bastaria ser legítimo, como é. Não falo de empolgação, não. Empolgação é um perigo, pode nos trair. Veja o caso do nosso “melhor” juiz, Carlos Eugênio Simon. De troféu na mão, empostou a voz. E ao primeiro sinal de vaia foi logo avisando que aquilo não faria a menor diferença pra quem já encarou o descontentamento de um Maracanã lotado.

Sem querer, Simon mostrou porque os árbitros andam tão problemáticos. Eles enxergam tudo ao contrário, só pode ser. Ele fez questão de cumprimentar a CBF “por esse campeonato extraordinário”.

Como um campeonato pode ser extraordinário se não permite nem que o torcedor compre um ingresso de maneira digna?

Não quero assustá-los, mas nosso Ministro do Esporte enxerga como o Simon. Disse ele, "quero cumprimentar a CBF por ter feito um dos campeonatos mais sensacionais de todo o mundo. É, olhando bem, dá quase pra confundir com o inglês. E disse isso “pra não falar no nível técnico”. Prova cabal de que enxerga tudo com a maior clareza. Sabia que não tinha nada a ver com meus velhos óculos. Só não entendi porque apenas um troféu Bola-Murcha.



* artigo escrito para o Jornal "A Tribuna", Santos

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Os guardiões da área

Terminou em uma bela dividida
nossa última enquete:


Se você fosse dono de um time e tivesse dinheiro pra comprar um zagueiro, quem você compraria?

Miranda 42%
Thiago Silva 42%
Outros 16%

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A matéria da palavra - parte dois

Vêm as palavras sabe-se lá de onde,
com a petulância de poder ajudar a traduzir nosso eu.

Vão chegando enfileiradas, amontoadas ou esparsas, como for. Vamos captando-as no ar, invisíveis, uma a uma. Escolhendo as que nos servem para cantar o que os olhos testemunham e o coração abraça. Em nosso peito, no fundo de nós. Ou quase na superfície, sob a nossa tez.Uma vez capturadas, vão nos tomando, nos dando um mundo, um outro sonho.

Trata-se de uma entrega que beira a insânia.

Uma loucura um tanto juvenil e visceral, seja qual for o tempo, seja onde for que elas nos encontrem. E mesmo sem entender do que são feitas, por que são as escolhidas,
nos instigam com seu jeito de vício.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Carta ao Deus do futebol

Antes que o senhor comece a achar que estas são palavras de alguém que perdeu a fé em ti me ponho a avisar que não se trata de nada disso. Descobri vossa magia ainda menino, tão menino que só tempos depois fui me intrigar com o fato de um Deus se manifestar através de uma bola. E desde aqueles primeiros dias continuo sendo um discípulo fiel.

Devo confessar, no entanto, que já não são raros os momentos em que me pego sem conseguir me entregar como no princípio. Não sei, certas horas tudo deixa de fazer sentido. Não são poucos os pecados que os homens por aqui têm cometido em seu nome. Faltas tão graves, que pensar em cobrar quatrocentos reais por um ingresso quase alcança explicação.

As heresias também são tantas. Diminuir o número de jogadores em campo, fazer uso de tudo quanto é tipo de recurso eletrônico. Meu Senhor, imagine só. Perdoai-vos, eles não sabem o que fazem. Transformam, aos poucos, nosso sagrado ritual numa espécie de Big-Brother. Às vezes, penso que não tardará o dia em que um esperto qualquer decidirá propor a modernização dos dez mandamentos.

Agora mesmo, quando nosso Campeonato Brasileiro vai chegando ao fim, quando os homens vão tendo que provar suas virtudes, o que se vê é a nossa falta de fibra. Quem vai ganhando o jogo são as malas, pretas, brancas. O fim se aproxima com essa nossa dimensão terrena, na qual o dinheiro vai se impondo como o motor de tudo. Aí precisa vir o Zico - ele mesmo, o seu “galinho” – lá do Uzbequistão pra passar um pito em todo mundo.

Eu sei que o senhor deve andar muito atarefado, e de cabelo em pé, só pensando no que essa gente está fazendo lá na Inglaterra.E os russos então? Sempre os russos. Senhor, sou capaz de aceitar tudo de ti. Até mesmo essa ausência. Nunca nosso jogo de bola esteve tão pouco divino.

Mas, meu Deus... já ouvi falar que o senhor também é brasileiro e não vai deixar de dar uma mãozinha. Não precisa se preocupar com essa coisa de parecer imparcial, não. Aqui no Brasil os jornalistas já se encarregaram de explicar em alto e bom som que seja lá qual for a nossa missão, cada um tem sua preferência.

Olha, aproveito pra dizer que não quero mal o Dunga.Quem sou eu pra duvidar das qualidades de um semelhante? Ainda mais um que aos olhos de todos nunca deixou de colocar a perna em qualquer dividida pela nossa seleção. Peço somente que o Senhor, ou nos dê alguém mais amável pra nos conduzir, ou que o ilumine.

E se não for pedir demais, afinal, tenho aqui comigo a impressão de que já estou passando da conta, imponha seu brilho sobre a última rodada desse nosso Brasileirão, que vença o melhor, sempre, só nos livre dos castigos impostos pelos árbitros, estamos fartos.

Em teu nome prometo acender uma vela e tomar um bom banho de mar, além de bater uma bolinha com os amigos, claro, pra provar de vez minha devoção, pra provar que minha fé permanece intacta.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Muricy na seleção?

Deu empate na última enquete.
Fechada antes do jogo contra o Fluminense, é bom que se diga.
A nova já está ao lado.

A matéria da palavra (trecho)

Com palavras se esconde, com palavras se vira ao avesso.
E há no meio delas, à espreita, a impossibilidade de ordená-las só com o raciocínio. A palavra, ela nos pede os poros, os pêlos, os olhos, a boca, tudo de nós.

A palavra não é exatamente a que escrevo aqui, a que ensaio. Isso são letras, isso é escrita. Palavra é outra coisa. Algo diversa. Dispersa. Pura. Palavra é tradução dos sentidos. Não falo nem mesmo da palavra literária.

Falo dessa outra. Da palavra como a eleita. A que, de repente, fazemos nossa. A que deixamos escorrer por nossas mãos, a que nos revira o estômago, a que sentimos no sangue, fazendo dela nossos acalentados trinta e sete graus centígrados, quiçá mais.

É essa aí mesmo, a que você está sentindo te rondar para elucidar o que vai em ti. É dessa que falo. É dessa aí. Em que tão exata matéria nos chega essa palavra?

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Um time pra fazer sonhar

_ Eu te avisei! Só você achava que ia ser fácil ganhar do Coritiba lá.
_Calma, tá tranqüilo.
_Tranqüilo? Acha que jogar no Mineirão vai ser como?
_ Depois pega o Náutico aqui.
_ Escuta o que eu tô falando. Se marcar, vamos chegar na última rodada precisando de um empate.
_ E aí?
_ Olha, se você acha que o time precisa cair pra se sentir humilhado, eu não sou assim não.
_ O Luxemburgo vem aí.
_ E você acha isso bom?
_ Você tá é sofrendo da síndrome da goleada. Passou, ô!
_ Eu acho que tá tudo errado, isso sim. Nessa situação não duvido mesmo que venha o Luxemburgo, os tais investidores. É o que os caras querem, um time mal das pernas. Assim eles chegam, dominam tudo, garantem uns títulos, ajudam a diretoria a voltar a ficar de bem com a torcida e, quando não interessar mais, tchau. Você acredita em cada coisa!
_ O que você queria?
_ O que eu queria, não. O que eu quero! Quero é ver o Santos do tamanho e do jeito que ele merece. Nosso time, ô gaiato, faz parte da história do futebol mundial. Sinceramente, na época do Robinho e tal, do time voltando pra Libertadores, achei que a gente finalmente tinha se arrumado.
_ Você tem caminhado na praia? Já ouvi dizer que maresia cura mau humor...
_ Que mau humor nada!
_ Qual é a solução, então, ô esperto? O Márcio Fernandes?
_ Também não engulo essa coisa de ficar falando em renovação agora. Isso é coisa pra quando o Campeonato acabar. O time nessa situação e os caras preocupados com renovação. Dá um tempo!
_ Se salvar tá bom.
_ Tá vendo como você se contenta com pouco?
_ Pouco? E o que tu qué?
_ Quero um time que me deixe sonhar com dias melhores. Acha pedir demais?
_ Sonhar com dias melhores? Que lindo! Vamô falar um pouco de mulher, vamô?
_Demorô!


* publicado no Jornal "A Tribuna", Santos

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

A hora e a vez do treinador

A pergunta que você vai ler daqui a pouco está entre as que eu mais ouvi nos últimos anos.
E é bem provável que ela tenha alcançado essa condição porque, de tão lembrada, acabou virando quase uma provocação. A pergunta é: Técnico ganha jogo?

Calma meu amigo, não precisa parar de ler, prometo não levar adiante esse dilema. Mas devo dizer que na maior parte das vezes em que a bendita foi mencionada, ou ficou sem resposta, ou o que se seguiu a ela foi uma torrente de teorias suspeitas.

Afinal, do que é capaz um treinador? Até que ponto o sujeito domina mesmo a feitura desse tal nó tático? Desconfio - digo desconfio, porque não vivi tanto assim - que uma aura de superioridade sempre rondou os que aceitam essa condição. Há quem afirme o contrário, que os tais senhores da prancheta nunca foram tão valorizados. Endeusados.

Quem está com a razão, sinceramente, não sei. O que eu sei é que eles estão na crista da onda e dia desses, acompanhando a entrevista de Muricy Ramalho, no Centro de Treinamento do São Paulo, ouvi o treinador tricolor dizer em alto e bom som: “Quem faz diferença no futebol é jogador”.

Acho que é mesmo por aí. E os mais atentos irão perceber na frase, também, uma ótima explicação para todo o equilíbrio do atual Campeonato Brasileiro. Equilíbrio, aliás, que tem sido a grande curtição da torcida. No país do futebol passou a ser assim, na ausência da boa técnica... a gente se diverte com a matemática. Peço perdão, claro, às exceções que, por hora, nos livram da miséria absoluta.

Quem não livra ninguém é a torcida, sempre pronta pra mandar da arquibancada, em coro, aquela palavra mágica capaz de dissolver a auto-estima de qualquer treinador. Burro!
As palavras de Muricy sugerem uma resposta à pergunta inicial. O técnico é simplesmente um catalisador. É aquele que tem a habilidade de aproximar um elenco da vitória. E não pense que se trata de pouca coisa, não.

Mas há por aí a tendência de super valorizar o cara que ganha mais, o que fatura milhões, o que se deu bem, o capaz de caprichar no marketing pessoal. Isso em qualquer área de atuação. Acho que é essa razão rasa que alimenta a roda com os nomes de sempre, provocando a velha e manjada “dança das cadeiras”.

Quem será o melhor para dirigir o Santos? Mano Menezes tem mesmo a cara do Corinthians? Caio Júnior possui envergadura suficiente pra comandar um clube do tamanho do Flamengo? E René Simões, que esta semana usou uma história de Monteiro Lobato – aquela em que a onça tenta enganar a raposa - pra motivar o elenco do Fluminense, seria um visionário ou um sofista? Quem sabe?

Nunca foi boa estratégia procurar razão no futebol. E, além do mais, a fórmula que faz um técnico vencedor, é tão misteriosa quanto a que produz milionários em Wall Street ou gênios no Vale do Silício.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O pecado de um santo

No começo ele disfarçou bem, tão bem, que quase ninguém desconfiou que quem estava ali não era um homem como os outros. Com seu jeito cordial e sua humildade foi visto durante um bom tempo apenas como um sujeito de bom coração, bem intencionado. O problema era que ele tinha uma missão, e não seria impossível levá-la adiante sem causar certa comoção. Afinal, milagres são milagres, e ponto final.

Os primeiros sinais de elevação foram interpretados pela multidão de maneira tranqüila, mesmo porque há tempos a fé tinha deixado de ser uma das grandes virtudes daquele povo. Mas, aos poucos, os homens e mulheres que frequentavam aquele templo foram percebendo que estavam diante de alguém que podia lhes oferecer muito mais do que esperavam. Não era uma época de grande fartura. E ele lhes deu tudo o que podia.

Não foram raras às vezes em que, usando apenas as pontas dos dedos, mandou pra longe o que seria motivo de muita tristeza entre os seus. Ele os protegeu do indesejado. Mergulhou com eles num mundo de conquistas e, como se fosse inevitável, se tornou um líder. Todos o ouviam, todos deixavam que ele falasse em nome deles. Os milagres foram se acumulando, acumulando, até que um dia seus seguidores, testemunhas de tantas obras, não foram mais capazes de conter tamanha euforia. Passaram a chamá-lo de “São Marcos”.

A fama logo correu. Foram anos vivendo nessa condição singular. E ele tinha bem mais do que os atrativos divinos para encantar. Sabia contar causos. Era homem simples, desses que só se encontra em pequenas cidades do interior. E trazia consigo, além de tudo, um sorriso forte, uma fibra contagiante. Como todos os Santos, não teve vida fácil. Passou por grandes provações. E de cada uma delas voltava sempre mais forte.

O problema é que dos Santos jamais se espera ouvir certas verdades mundanas. Aos Santos não é dado o direito de ceder ao instinto e muito menos o direito de errar. O acusaram de querer fazer o que não sabia. Jogar com os pés. O acusaram de querer expor as deficiências dos outros.O acusaram da mesquinhez de querer resolver tudo sozinho.

Não por acaso, quando reapareceu, um tanto resignado, se dirigiu aos seus com palavras precisas. Disse que poderia .."ser julgado pela atitude, não pela intenção", e que tinha feito tudo ..."de boa fé, pensando em ajudar". Nessa história, mais incômodo do que o próprio castigo será, talvez, a ausência de uma absolvição.

Escrevo essas palavras antes que a provável penitência seja proferida. Minha intuição diz que, silenciosa, ou não, ela não tardará, ainda que ele, emocionado, jure diante de um tribunal interno que só fez tudo o que fez porque sentiu pesar sobre seus ombros o dever de salvar os seus, como tinha se habituado a fazer.

É que passado tão tempo, ele já havia aceitado de maneira profunda o seu papel de Santo. E a multidão, ao vê-lo errar, esteve longe, muito longe de ser capaz de compreender que estava diante de um homem, não de um Santo.

Marcos é dessas figuras que ultrapassam as fronteiras de um time. É dessas figuras com lugar garantido no panteão do nosso futebol. Assim sendo, para tentar entender melhor esses momentos da última rodada, que levaram um Santo ao julgamento, tenho fé no pensamento eternizado por um poeta nascido em Minas, que sugere o seguinte:

“ O pecado é irmão gêmeo da virtude...”.




* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A dor e a delícia

O que trago pra vocês hoje, estampado nesse canto de página, são reminiscências de um domingo esportivo, o último domingo. Não digo que serão palavras felizes ou desencantadas. A única certeza é a de que para refletir o vivido será preciso se dividir.

Se dividir entre a euforia e a desilusão. Se dividir entre o sublime e a necessidade de perceber que certos dias trazem acontecimentos que precisam ser deixados pra trás, precisam ser aceitos, para que não sejam em nós uma semente de tristeza. Mesmo porque a vida não se resume, e jamais se resumirá, a uma corrida de fórmula um, a um jogo de futebol ou a uma maratona.

E o esporte por esse prisma, que o revela imprevisível, surpreendente, grandioso, é uma bela metáfora das nossas próprias vidas. Afinal, quando tomamos consciência do que somos, descobrimos também que estar exposto a vitórias e derrotas é parte do jogo.

Vejam, aquela final do Grande Prêmio de Fórmula 1, em Interlagos. De tão improvável, chegou a ser vista como uma grande orquestração pelos mais desconfiados. Uma glória tão próxima, que no calor dos boxes, pudemos ver até como seria a comemoração daquela família brasileira se Timo Glock não tivesse entrado nessa história meio que como um zagueiro que marca um gol contra. Ah! Se ele tivesse um pouco da precisão de outro alemão, um tal de Sebastian Vettel.

Mas passou.
Aos ainda traumatizados, claro, peço perdão por escolher nessa hora palavra tão dúbia.

Naquela mesma tarde a chuva lavou a Vila Belmiro, onde dois improváveis tentos, um em cada tempo, iam marcando a história do clássico entre Santos e Palmeiras. Uma vitória daria um brilho diferente ao time alvinegro em ano tão opaco.

Eis que aos quarenta e seis minutos do segundo tempo - quando algumas gotas ainda caiam - um cruzamento da esquerda fez a bola viajar quase em direção à outra lateral, e no meio do caminho encontrar o pé de Léo Lima. Um gol que fez o time do Parque Antártica renascer. Um gol que colocou o Palmeiras na liderança do Campeonato Brasileiro por alguns instantes, trazendo de volta o mesmo feitiço, que um pouco antes, brincava com o coração do nosso jovem piloto.

A vida jogava mais uma vez na nossa cara que vitória e derrota são separadas por uma fina linha.

Uma fina linha que Marílson Gomes ultrapassou, também naquele domingo. De luvas pretas e braços protegidos do frio, nosso maratonista se pôs a correr atrás de um novo triunfo na afamada Maratona de Nova York. E ele mesmo deve ter pensado que não ia dar. Tinha sido ultrapassado no quilômetro trinta e cinco, algo como errar o tipo de pneu na Fórmula um, ou levar um gol nos minutos finais no futebol.

Mas “sprint” é palavra santa pra qualquer corredor. E não é que o menino teve a benção? Saiu em disparada, olhando pra trás, cabreiro, para evitar ser surpreendido por esses acontecimentos indesejáveis do esporte.

Não demorou muito pra avistar o fim. E como se estivesse num sonho, fechou os olhos ao sentir a fita da linha de chegada tocar seu peito.

O esporte não é mesmo uma ótima metáfora da vida?
Onde mais estamos tão expostos a dores e delícias?

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O futebol e a memória

Faz tempo que ouvir que "o brasileiro tem memória curta" me causa certo mal estar. Não considero a frase verdadeira e acho pouco inteligente ajudá-la a se propagar. Afinal, quem é que mediu a memória de quem vive no estrangeiro pra chegar a essa conclusão?

E tem mais, sempre achei que há um mecanismo na memória que a faz funcionar em mais perfeita sintonia quando atrelada aos nossos sentimentos. É muito mais fácil guardar aquilo que nos tocou de maneira profunda.

Em geral - e para provar que não somos tão curtos assim - guardamos aquilo que nos emociona. Isso explica porque fulano é capaz de lembrar por décadas o resultado de um jogo, um gol, um trecho de um poema, uma jogada, as palavras de um amigo.

Há coisas que simplesmente se perdem e isso nada tem a ver com a memória. Talvez, esse raciocínio explique porque na semana que passou até ouvimos falar de Garrincha, que se estivesse vivo teria comemorado seus setenta e cinco anos. Há algo mais emocional no futebol do que as jogadas do nosso anjo de pernas tortas?

No entanto, não vi ninguém comemorar por aí o Dia da Criação do Futebol. É meu amigo, foi num dia 26 de outubro, o de 1863, que um grupo de ingleses se reuniu em uma taverna para criar a The Football Association, e com ela as tais dezessete regras que há muito tempo passaram a fazer parte das nossas vidas, e que continuam gerando discussões infinitas, por mais que um ex-árbitro tente nos convencer de que as benditas são claras. Turvas são nossas idéias.

Mais correto, então, seria dizer que o brasileiro tem o conhecimento curto. E aí, quem sabe, eu poderia até concordar, e mais do que isso, me incluir. Quantos no futuro lembrarão que certa vez Washington ergueu a mão e ludibriou o arqueiro do Palmeiras? Quantos lembrarão que o juiz deixou de dar aquele penalti escandaloso para o Santos na partida contra o Grêmio? Há detalhes da história que são feitos para se perder no tempo.

Outros, ao contrário, nascem perpétuos. Que corintiano apaixonado esquecerá como se deu a tal volta à primeira divisão? Emoção, meu amigo. Pura emoção. É o que eu digo. Um momento, que mais cedo ou mais tarde, me permitam tal previsão, estará estampado nas páginas de um livro. E poucas coisas ajudam tanto a nossa memória quanto um livro.

E não falo isso pra levar adiante aquela pompa de que quem lê é mais inteligente, tem memória melhor. Nada disso. Falo do livro como o baú do acontecido. Como um mundo de páginas onde a experiência humana se reflete. Como um universo singular onde podemos recordar ou tomar conhecimento de muita coisa que o homem foi capaz de criar.

Ontem, por sinal, foi o Dia nacional do livro. E o que me deixa feliz é que nos últimos tempos tenho tido a sensação de que o futebol anda cada vez mais presente nesse campo. E isso, um dia, quem sabe, será nosso trunfo para arejar a memória e rebater o argumento daqueles que ousarem dizer que o brasileiro é curto de conhecimento.

Seja como for, duvido que por esse mundo afora haja tanta gente com histórias para contar sobre o jogo de bola quanto nós.


* artigo escrito pra o jornal "A tribuna", Santos

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O juiz esta nu !

Vida de juiz nunca foi fácil e a modernidade a tornou pior. Mas não ache que a do torcedor melhorou. No começo a onipresença da TV criou o replay. Invento terrível e admirado. Depois dele nunca mais tivemos o prazer de ficar na arquibancada sem a sensação de estar perdendo alguma coisa.

Aí vieram as câmeras invertidas e suas posições estratégicas, capazes de dar nó na cabeça dos mais distraídos. Sem querer a torcida foi se entregando a essa ilusão de ficar cada vez mais próxima do jogo. Um vício pós-moderno que se alimentava de takes fechados. Um verdadeiro paraíso artificial que foi ganhando cada vez mais cor e definição, e convencendo o torcedor de que era ele que estava se tornando onipresente, quando na verdade corria o risco, cada vez maior, de se tornar um solitário.

Do sofá, ou da poltrona, passou a ser possível ver um senhor roendo unhas na geral, o jogador arrumando o calção na intermediária, o técnico aos berros na beirada do campo. Abençoado por esse olhar eletrônico, o torcedor passou a ver por trás do gol, de cima, de lado, no detalhe. Aos poucos as câmeras foram levando embora uma a uma cada dúvida. E quando o poder das lentes já não surtia efeito o jeito foi convocar o computador. Estava criado o tira-teima. E o juiz lá, sozinho, com seu apito e algumas poucas parafernálias.

Ninguém teve a sensibilidade de sacar que poderia não ser uma boa estratégia imunizar o futebol contra o olhar de cada um. Aos poucos, o nossa maneira de ver, a nossa interpretação, se reduziu a uma simples constatação. Afinal, o que dizer daquela imagem frisada no último domingo no Palestra Itália com a linha do gol exatamente no meio da bola? Como contestar esse e todos os outros flagrantes que temos visto por aí?

Nunca mais poderemos nos confortar achando que se não fosse um erro, um equívoco do juiz, o nosso time teria sido campeão. Nunca mais poderemos dizer que tudo não passou de uma calúnia contra o nosso zagueiro ou atacante. E não me venham com sentimentalismos, não me venham falar em intenções, provocações, sussurros imperceptíveis, porque os precisos juízes do STJD já não têm tempo para gastar com a insanidade de lances que não foram captados.

As transmissões atuais são como um édem oferecido aos torcedores. Um édem que os devotos do pay-per-view podem desfrutar melhor. E os juízes? Ora, os juízes podem padecer um pouco mais no purgatório, como na última rodada.

E se quiseres recordar a sensação de testemunhar uma partida de futebol com direito a interpretações e espaço para a teimosia, vá à várzea, à praia ou a uma pelada qualquer. O futebol profissional está vigiado, virou um Big-Brother, e é cada vez mais um espetáculo pra quem tem a virtude de se render à tecnologia, para quem basta, simplesmente, assistir.

O torcedor anda hipnotizado pelas lentes. Enquanto o juiz, bom, o juiz está nu!

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

La garantía soy yo

Quando nos curaram do complexo de vira-lata sem querer nos deixaram vulneráveis à soberba. Para os que procuram explicação na história, quem sabe tudo não passe de uma doce vingança da Guerra do Paraguai, quando Brasil, Argentina e Uruguai se uniram para derrotar o time do ditador Solano Lopes.

Hoje, disputada na bola, a batalha teria outro desfecho já que nessas eliminatórias os brasileiros foram derrotados pelos paraguaios no estádio Defensores del Chaco, os argentinos não conseguiram vencê-los, mesmo tendo como palco o gramado do Monumental de Nuñez, e os uruguaios, de passado tão glorioso, tão pouco foram capazes de combater o nosso vizinho.

O novo herói dessas lutas, é um atacante, atende por Salvador Cabañas. E põe Salvador nisso! Contra a Colômbia, nossa adversária há poucas horas, um chute dele teve o poder de um canhão, garantiu a vitória.

E pensar que andávamos por aí, garbosos, a fazer chacota dos cavalos paraguaios, dos uísques paraguaios. Pudera. Nesse mundão de hoje, quem é capaz de dizer, ao certo, se se trata mesmo de mercadoria fina? Coisa quente!

Dias atrás o presidente do Flamengo jurava estar à frente de um time campeão, já pensava até em festa, mas descobriu de modo amargo que a equipe da Gávea não era tudo isso, ainda que incentivada por outras oitenta mil almas rubro-negras, e no Maraca.

Nós mesmos vimos uma vitória contra um Chile pintado em tamanho maior do que tinha. Um três a zero retumbante. Pensamos estar, então, com um esquadrão afinado.Verdadeiro ou falso? Bom, três dias depois não saímos do zero a zero com a Bolívia. Não teve gol. E o povo no Engenho vaiou.

Depois a seleção ensaiou um discurso de pouco caso com o primeiro lugar da tabela. Desconversou. Importante é garantir a classificação, estar na Copa, disseram. Falso. Seria até bom que fosse verdade, no entanto, pouco provável para um futebol que se acostumou a ser símbolo do que existe de melhor, e que de tão habituado a festas de gala vive cercado de saltos-altos.

Um por um fomos sendo infectados por esse vírus de nariz empinado, do qual só se salvam os que cultivam certos hábitos, como o de torcer por times humildes. Portuguesa Santista, Íbis. Vejam só como trataram o Cabañas na Libertadores. Ninguém o levava a sério. Como um gordinho ousava ser goleador? E lá ia o Cabañas fazendo caretas depois de marcar. Podem dizer que não será assim até o fim, que o time não vai resistir à pressão.

Mas ah! Como o Dunga queria estar lá, no topo. Seria um escudo perfeito contra todas as perguntas indigestas que um técnico da seleção nacional tem que driblar.

É, senhores, o Paraguai, das mercadorias pouco confiáveis, o paraíso dos produtos arrematados por preço baixo é, por hora, e até terminar o próximo verão, o líder das eliminatórias. Líder verdadeiro.

E Cabañas - aquele de quem os santistas se lembram muito bem - pode dizer, de peito estufado: “La garantía soy yo”.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Arbítrio

A carta abaixo foi publicada no "Painel do Leitor" da "Folha", na última quarta-feira.


"Ao retornar de viagem ao exterior, onde tomei conhecimento da forma como foram feitas as eleições para o COB, quero expressar minha absoluta insatisfação pela maneira como o pleito se deu. O fato de eu ter sido incluído na chapa não significa que concorde com a maneira ilegítima como ocorreu a Assembléia Geral. Li que outras confederações também repudiaram as eleições e com elas solidarizo-me.Quero igualmente reiterar que sou contrário à candidatura do Rio de Janeiro (ou de qualquer outra cidade do Brasil) aos Jogos Olímpicos de 2016 por achar que nosso país tem problemas sociais gravíssimos a serem resolvidos antes de realizar evento de tamanha magnitude.Além disso, há que se notar que o TCU não aprovou as contas dos Jogos Pan-Americanos de 2007, e, sendo assim, emitir uma medida provisória que destina R$ 85 milhões a uma candidatura que certamente será derrotada é uma afronta ao povo."

ALBERTO MURRAY NETO , árbitro da Corte Arbitral do Esporte em Lausanne e membro do Comitê Olímpico Brasileiro (São Paulo, SP)

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A imagem ou a vida?

Na semana passada usei esse espaço para falar de algo diferente. Fiquei surpreso com o entusiasmo de algumas pessoas, que mais do que gostar do artigo, elogiaram o fato de eu ter escolhido um tema pouco comum. Por isso, seguirei deixando de lado coisas que têm me incomodado muito e que gostaria de dividir com os leitores, como o preço dos ingressos do Campeonato Brasileiro que, sorrateiramente, subiu seis vezes mais do que a inflação no último ano, ou a reeleição do presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, que convocou uma assembléia às pressas, com presidentes de confederações entrando pelas portas dos fundos de um hotel no Rio de Janeiro. Coisa de deixar muita gente de cabelo em pé.

Mas o tema que escolhi, infelizmente, não poupará vocês dos arrepios. Falo de uma cena registrada no Parque Antártica durante a partida entre Palmeiras e Atlético Mineiro. Um torcedor, sem camisa, está sentado na mureta que separa a arquibancada do fosso que circunda boa parte do estádio. Seu olhar sugere embriaguez ou, melhor, aquele estado de total falta de reflexo que costuma acometer os que deixam de lado a quase ingênua sugestão dos anúncios de bebidas alcoólicas, o tal "beba com moderação".

Lá ele ficou durante um bom tempo, sob dezenas de olhares repletos de deboche ou descaso. Não por acaso aquele homem caiu. Uma queda assustadora, sem movimento algum que pudesse sugerir uma reação ao acontecido. Caiu e ficou, de rosto virado pro chão, cercado de alguns poucos curiosos. Saiu de cena numa maca. Carregado sem muita pressa. Sugerindo a falência das nossas regras e do nosso comportamento. Não houve quem o alertasse, não houve quem lhe sugerisse o perigo, não houve policial que o enquadrasse, não houve organizador que se preocupasse. Não houve nada, só um evidente final trágico.

E lá estava a lente de uma câmera de televisão, sugerindo que acreditar que a lei que impede a venda de bebidas alcoólicas nos estádios funciona - ou faz os torcedores se apresentarem nas arquibancadas de cara limpa - é algo tão sem fundamento quanto acreditar que iremos diminuir a miséria distribuindo nossas moedas por aí.Mas o que eu queria mesmo dizer, diz respeito a condição do cinegrafista.

Quantos momentos dramáticos você já não viu pela TV, sem nem mesmo se lembrar que ali estava um profissional da imagem, aceitando dividir riscos para revelar aos outros parte da realidade? Certa vez, cobrindo um grande rally, depois de andar doze quilômetros carregando equipamentos por uma estrada de terra, paramos pouco antes de uma curva. Pela primeira vez na história da competição alguém iria filmar um capotamento. Ninguém se machucou.

Mas os pilotos, claro, pediram ajuda. Descemos o barranco e fomos até lá dar uma força. Nosso cinegrafista, não. Um dos competidores não suportou a situação e disparou para o câmera, irado:

_ Larga essa porcaria.

A resposta foi seca e profissional:

_Você não é pago pra dirigir? Então, eu sou pago pra filmar.Faz o teu trabalho que eu faço o meu.

É preciso anos de estrada, e muita frieza, para lidar com situações assim. Às vezes, o sentimento fala mais alto, não tem jeito. Muito do que já vimos, só vimos porque alguém, em algum lugar, numa situação limite, foi capaz de lidar com isso.

Pense a respeito. Mas lembre que só um profissional da imagem pode ser absolvido por essa omissão.


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Fui na onda

Não se trata de ser radical. Longe disso. E aviso logo que seu estranhamento diante do tema que vou propor é prova cabal - em tamanho diretamente proporcional – de que o surfe, apesar de toda evolução, ainda está distante de ocupar no cenário esportivo o lugar que merece.

Acho que isso nem é de todo ruim. Uma consciência mais clara de tudo que ele pode proporcionar elevaria a população dentro da água à níveis ainda mais insuportáveis. Foi-se a era sem crowd.

Mas o mar ainda guarda um lugar todo especial para aqueles que se dispõem a cruzar a arrebentação. Um lugar onde o oceano se transforma num espetáculo poderoso e arrebatador, com enormes degraus de água desabando sobre si, criando um mundo de sons e espumas.

Muitos foram os momentos que me vi por lá e agradeci pelo simples fato de poder presenciar tudo aquilo tão de perto. Estar ali exige saber ler o horizonte. É preciso interpretar os sinais que chegam de alto-mar. O oceano nos impõe uma lição de humildade. Só é possível pensar tentar compreende-lo. Vence-lo, jamais. Usar a força é em vão.

Me entristece, mas não me admira, que uma cambada por aí transforme esse esporte em algo agressivo e sem alma. O surfe tem conceitos complexos, é tarefa exigente praticá-lo em sua plenitude. O que eu sei é que o mar guarda tesouros para quem o corteja.

Lembro de ressacas intimidadoras na Praia da Gonzaguinha, em São Vicente, com ondas tubulares e longas. Isso antes que enchessem a orla de pequenos piers e mudassem toda a geografia da baía. Tempos em que pegar jacaré era a grande curtição. Mais tarde vieram as pranchas de isopor, as clássicas Rio-Santos, a descoberta da grande e generosa Praia do Itararé, com o Cantão, a Feiticeira, o Curvão.

Só depois de muita conversa meu pai entrou na onda. Comprou pra gente uma prancha de verdade. Uma monoquilha de bordas grossas e amarelas, que uma namorada de um primo tinha desistido de usar. Era uma autêntica Kameha Meha. Obra do lendário Homero. E por muito tempo xodó meu e do meu irmão.

Diante de tamanho entusiasmo logo tivemos que arrumar outra.

Quem convive mais de perto comigo sabe da veneração que tenho pelo mar, e o surfe é uma maneira nobre de se integrar com ele. Pra mim não se trata exatamente de fazer manobras. Creio que quanto mais competitivo o esporte, mais mercantilista ele se torna. E isso é uma ameaça ao que o surfe tem de melhor, a tradição, a transcendência.

Uma tradição que faz parte da história de Santos, com Osmar Gonçalves, Jua Hafers, Thomaz Rittscher. Uma história, que vejo, está sendo preservada, com atitudes dignas e, ainda bem, constantes. Os pioneiros não se dispersaram e isso é muito bom.

O que me motivou a escrever esse artigo, uma verdadeira ode ao surfe, uma confissão, foi o fato de ter encontrado no último domingo, ali no Canto da Ilha Porchat, um pouco mais no fundo, uma turma de quarentões e cinquentões munida de longboards, dando risada, cantando entre uma onda e outra, lamentando a morte do Paul Newman.

Por um momento voltei no tempo e me enchi de saudade da época em que estar no mar era estar entre amigos.

Eu disse, eu disse, falar de surfe no país do futebol é estranho. Mas, tudo bem, é sempre bom confessar uma paixão.


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Caríssimos ouvintes

Não foram poucos os momentos em que me peguei tentando descobrir, ou melhor, tentando encontrar, guardada em algum canto da memória, a imagem do primeiro contato que tive com uma bola. Mas essa insistente viagem em direção ao passado se aprofunda, aprofunda e, de repente, se dissolve. Não chega a nada. Nesse sentido o rádio me traz uma sensação muito parecida. Impossível lembrar quando o som desse mágico aparelho me invadiu os tímpanos pela primeira vez, o que pode ajudar a explicar a razão pela qual o rádio e o futebol, ao longo da história, fizeram tão brilhante parceria.

Os chiados radiofônicos mais distantes, por certo, partem desse mesmo baú.E hoje, veja, hoje é o Dia do Rádio. Lembranças dessas ondas mágicas são muitas, e não se resumem a narrações eloqüentes de históricos jogos de futebol. Com certeza o criador de tão difundido invento jamais imaginou que um dia o tal aparelho seria tido, por muita gente, até como um verdadeiro antídoto à solidão.

Quando menino, no velho sítio da família, no Vale do Ribeira, era quase um ritual dormir ouvindo a "Turma da Maré Mansa", um programa humorístico-jornalístico que vinha não se sabe de onde, nas únicas ondas com talento suficiente para driblar os morros abarrotados de pés de bananeira e adentrar a antiga casa de madeira que ficava no fundo de um vale. Televisão por aquelas bandas, nem em sonho.

Nesse mundo moderno e veloz em que a tecnologia ameaça tornar obsoleta qualquer criação, o rádio ainda impera e ostenta a elegância dos nobres. O fizeram de tamanho menor, lhe deram outros desenhos, lhe revestiram de outros materiais, mas sua essência continua a mesma.

Desculpe se esse papo não faz o menor sentido pra você. Se você não busca no dial um ponto pra saber as notícias sobre seu time, se você no carro não apela pra ele quando bate aquela vontade de saber o que se passa no mundo, se você não lembra que ele pode encher seu dia com ritmos que não fazem parte da sua discoteca. Você pode ser um tipo diferente, capaz de olhar o rádio como algo supérfluo.

E o que tornou essa trajetória ainda mais lírica foi o fato de que o rádio talvez representasse muito menos, se não tivessem existido grandes homens dispostos a enchê-lo de sentimentos. Se não tivessem existido homens dispostos a contar pra qualquer um a maneira interessante que eles tinham de ver o mundo, ou um simples jogo de futebol, se é que um jogo de futebol pode ser simples. Nelson Rodrigues dizia que "a mais sórdida pelada é de uma complexidade Shakesperiana”. E eu concordo com ele, ô se concordo.

Outro dia, tendo com meu amigo Xico Sá conversa que varava a madrugada, falávamos desses homens que deram ao rádio outra dimensão, e chegamos à conclusão de que se a narração de um Pedro Luis fosse transcrita para o papel iríamos ficar frente a frente com um novo gênero literário. Não consigo duvidar disso. E tem mais, o rádio sempre fez questão de tratar melhor quem sabe dar asas à imaginação. No rádio toda bola passa mais perto da trave. O rádio fascina, e o futebol deve muito a ele. Nós também.



* artigo escrito pra o jornal "A Tribuna", Santos

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Um jogo colorido

O futebol brasileiro está desbotado
mas com camisas cada vez mais renovadas.

Um Fluminense laranja
Um Corinthians roxo
Um Santos azul

Não tardará o dia em que um alviverde
entrará em campo vestindo vermelho
só pra fazer tabelinha com uma famosa equipe de fórmula 1.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Futebol zero, economia dez !

O Campeonato Brasileiro está longe de ser um show de bola. Creio até que o tema central do artigo que você começa a ler agora só veio à tona por causa disso. Sei que se você é gremista ou palmeirense terá bons motivos pra discordar do meu ponto de vista. Mas tente ser compreensivo e pense na pobreza da maioria.

Não vamos nos enganar. Motivo de festa mesmo é coisa pra poucos, pra meia dúzia que pode ficar imaginando passear pela América do Sul na próxima temporada. No mais, é história pra boi dormir, algo que em outros tempos seria chamado de prêmio de consolação.

A Sul-Americana pode até render um dinheirinho, mas é divertimento desses que a gente nem se empolga muito de comentar com os amigos com aquela cara de quem está levando alguma vantagem. Isso sem falar naqueles torcedores para quem o futebol há muito virou castigo, ameaça constante. Aqueles que olham a tabela e fazem contas como quem recebe o salário e fica imaginando como chegará ao final do mês. Nos dois casos só mesmo bons dribles para espantar o prejuízo.

E como futebol e finanças acabaram lado a lado e você já vê até uma ponta de razão nesse meu descontentamento com o futebol nacional, vou dar uma dica. Se você está a fim de fortes emoções, depois, dê uma passadinha pelo caderno de economia. Com certeza vai encontrar por lá manchetes e jogadas geniais. Lances de tirar o sono também. Mas não se preocupe, nosso presidente sabe tudo de futebol e há de bolar um esquema para conter os avanços indesejáveis que amedrontam, inclusive, ingleses e alemães.

O embate anda tão emocionante nesse campo que as bolsas fazem de tudo pra conter o frenesi de quem está no jogo. Pode até não parecer, mas esporte e economia estão mais próximos do que aparentam. Para alguns especialistas essa proximidade seria capaz até de esclarecer a ausência dos Estados Unidos no topo do quadro de medalhas dos Jogos Olímpicos ao longo da história. O que só aconteceu três vezes. Em 1936, quando eles se recuperavam da crise de 29, que se estendeu até 33, e ficou conhecida como "A Grande Depressão". Em 1976, depois da crise do petróleo. E agora em Pequim. Bom, agora a explicação está aí.

Dizem até que o mundo endinheirado da F1 anda de orelhas em pé com essa incerteza, a mesma que rouba a tranqüilidade dos ameaçados pelo rebaixamento. A economia mundial é uma senhora muito influente, forte o suficiente para fazer os patrocinadores tirarem o pé do acelerador.

O cenário parece só não assustar os magnatas do futebol, armados com suas cifras milionárias e sempre dispostos a pagar por atletas habilidosos, ou semi-habilidosos, um preço muito maior do que o mercado esperava.

Caso decida mesmo passar pelo caderno de economia, saiba que seu coração será exigido, porque lá a lógica é outra, e até aqueles que sempre ganharam estão tendo que se mexer. Isso sim é que é um jogo de arrepiar.


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos

sábado, 6 de setembro de 2008

O Homem que venceu o tempo


O título acima é também o título do documentário que o programa "Grandes Momentos do Esporte" apresenta neste domingo às 15 horas, em homenagem aos 95 anos de nascimento de Leonidas da Silva. A obra, de 2006, conta a história de um dos maiores jogadores brasileiros de todos os tempos, morto em 2004.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Surpresa no Parque

_ Vixe, menino!
_ Esse Sport é o verdadeiro moleque travesso.
_ Esse Palmeiras, sei não.
_ É tanto milhão e não engrena.
_ E óia que esse Luxa parece doutô,né?
_ E alguém pode com moleque travesso? Nada...

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Educar vale ouro

A coisa mais proveitosa dos debates sobre a campanha da delegação brasileira em Pequim foi fazer soar na grande mídia a existência da educação física. Muito se fala sobre esporte, mas sobre educação física, nada.

Tempos atrás fiz uma série de reportagens sobre as cinco regiões com pior índice de desenvolvimento humano da capital paulista. Parelheiros... São Mateus... Marsilac, na qual chegamos depois de percorrer mais de sessenta quilômetros por entre avenidas e ruas. Pasmem, mas é possível, sim, percorrer mais de sessenta quilômetros sem sair dessa cidade.

Nossa intenção era registrar a relação das crianças desses bairros com a educação física, as condições em que elas praticavam esporte. O que encontramos não foi novidade. Escolas sem quadras, sem aulas desse tipo, escolas abandonadas em paragens com índice de analfabetismo nas alturas. Sem contar que boa parte delas quando tinha quadra, não tinha equipamentos, bolas.

Naqueles dias o que vimos foi também o futebol reinando absoluto, o que parece explicar bem nosso desempenho muitas vezes invejável nessa modalidade. Por lá, a pelada ainda come solta nas pracinhas, nos campinhos de terra, nos de várzea. Mas nem sempre há uma bola.

Não quero tornar aborrecido esse nosso encontro que prezo tanto, mas vocês não acham que se o nosso presidente anda mesmo preocupado com o povo, propondo até criar uma nova empresa só para explorar parte de nossas reservas naturais e gerar receitas para combater a nossa miséria, deveria também virar nossa doação ao Comitê Olímpico Brasileiro ao avesso?

Nada dessa determinação atual que só obriga o COB a investir 10% de todo o dinheiro que recebe das loterias no desporto escolar, e outros míseros 5% no universitário. Que tal, fazer o contrário? Deixar o esporte de alto rendimento - que tanto seduz nossos patrocinadores estatais - com esses quinze por cento, e investir os outros 85% nas escolas e universidades? Quadras e bolas novas à disposição da meninada seriam um grande incentivo.

Como pode sonhar em ser nadador quem nunca esteve em uma piscina? Quem sonhará ser um astro do revezamento sem jamais ter sido apresentado a uma pista de atletismo? A maioria segue anos-luz da possibilidade de galgar um pódio no futuro. Fazer do Brasil um país de esportistas exige compromissos. Exige também que nossos professores de educação física não se rendam à facilidade de deixar a turminha bater bola.

Tenho sérias dúvidas de que o esporte em seu grau máximo de profissionalismo possa guardar certas virtudes, como a disciplina e tantas outras, mas não hesito em dizer que o esporte, em sua essência, é um grande aliado. Somos uma imensa nação tropical e populosa, mas antes disso, um bando de excluídos, cujo tamanho talvez possamos calcular dividindo três medalhas de ouro por mais de cento e oitenta milhões. Uma equação perversa, que as contas dos nossos dirigentes não querem desfazer.

O que o Brasil precisa pra se tornar uma potência esportiva não é virar sede dos Jogos Olímpicos, é construir uma nação com direito a praticar em condições dignas a boa e velha aula de educação física.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Já não é novidade...

... que o governo liberou 85 milhões de reais para sustentar a candidatura do Rio aos Jogos Olímpicos de 2016. Mas talvez seja novidade pra você que da última vez que o Rio se candidatou, também gastando uma fortuna, recebeu nota 2,9 no quesito segurança.
E hoje, que nota receberia?
Talvez também seja novidade para você que só a aceitação da candidatura custou 150 mil dólares, e que a taxa de inscrição, paga pela prefeitura do Rio de Janeiro, no último mês de junho foi de 500 mil dólares, mais de oitocentos mil reais.
Eles querem mesmo nos transformar em um país de esportistas, prova disso é como dividiram o dinheiro da Lei Agnelo/Piva. De todo o dinheiro que chega aos cofres do nosso Comitê Olímpico, 10% devem ser destinados ao desporto escolar, outros 5% ao desporto universitário.

O peso de cada medalha

A última enquete postada aqui foi:

Qual o critério mais justo para determinar um quadro de medalhas?

As opções eram:

O ouro vale mais
Vale a soma das medalhas
Ouro vale três, prata 2, bronze 1

A opção preferida foi a terceira, com uma folga considerável.
Interesssante notar que mesmo se tivesse sido usado esse critério a China teria vencido.
O placar teria ficado asssim:

China 223
EUA 220

Não parece mais justo do que mostrar um país com dez medalhas a mais como segundo colocado?

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Bom sinal














Alex Brandon/AP







Eu sei que a foto não é nova.
Mas, se não a fizeram pensando na simbologia,
ver o provável futuro presidente dos Estados Unidos,
em Honolulu, pegando um jacaré, cheio de estilo e intimidade,
acredito, é mais um bom sinal.


sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Um time, vários olhares

O momento vivido pelo Santos no Campeonato Brasileiro colocou em rota de colisão otimistas e pessimistas.Os primeiros se apoiaram na chegada de Cuca, viram como bom presságio a vitória sobre o Internacional, no Beira-Rio. Os pessimistas, por sua vez, ainda sentem no peito a dor da goleada sofrida diante do Goiás. No último final de semana perderam totalmente o chão ao constatar que a chegada de um novo técnico não teve efeito imediato.

É hora de parar de querer buscar explicação para tudo sem tirar os olhos da bola. A história mostra que nem tudo se explica com o que acontece entre as quatro linhas.

Basta dar uma olhada no fundo da tabela pra sacar que quem está lá, em geral, não pode se gabar de viver em calmaria. Prova disso é a turbulência na direção vascaína, o trauma do tricolor carioca, a falta de estrutura do Ipatinga.

Historicamente também foi assim, basta olhar os exemplos, os times que caíram. O Palmeiras já acusava as fraquezas da longa e desgastada era Mustafá Contursi, e o Corinthians pagava o preço por ter feito a mais perversa parceria do nosso futebol.

Os otimistas à essa altura estão pensando que no segundo turno a história será outra. O primeiro adversário é o Flamengo, que não anda assustando ninguém, e terá que jogar na Vila. E, depois, o adversário será o Ipatinga.

Os pessimistas andam perdendo o sono, por outro motivo, o temido mês de agosto se encerrará com dois confrontos de respeito. O prestigiado Cruzeiro, na Vila e, dias depois, o São Paulo, no Morumbi.

Os otimistas cruzam os dedos, mas acreditando ser bom sinal setembro começar com dois jogos em casa. Primeiro contra o Vitória e, na seqüência, com o Fluminense. Os otimistas têm fibra, não estão nem aí se o segundo jogo do Peixe em outubro é contra o Grêmio, no Olímpico.

Os pessimistas andam aterrorizados com as contas de um matemático que mostraram que o Santos precisa de mais trinta pontos para escapar da segunda divisão e, claro, não alimentam a esperança de vencer as próximas dez seguidas, afinal, a décima partida será justamente contra o tricolor gaúcho.

Os otimistas continuam achando que dá. Os pessimistas coçam a cabeça ao olhar a tabela e constatar que dos três últimos jogos só o último será em casa, e logo contra o Náutico, o que não traz boas recordações.

Seja como for, esses dois tipos de torcedores santistas devem, mais do que nunca, torcer para que os homens que jogam e trabalham pelo Santos façam sua parte. A dor do rebaixamento será uma só. E, talvez, doa ainda mais no peito daqueles que acharam que iriam escapar.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Sob a chama dos Jogos Olímpicos

A pira olímpica está acesa, ou prestes a. E o clarão dessa chama tem iluminado recantos onde os homens se revelam ausentes de certas virtudes. A era que abriga a vigésima nona edição dos Jogos Olímpicos é moderna mas, não exatamente sinônimo de evoluída. Aqui no ocidente vendem a idéia de que devemos nos orgulhar da liberdade que conquistamos.

A grande rede, a internet, ícone do nosso avanço, deveria agora estar pronta para nos servir. Atletas usariam blogs, páginas do Orkut, e deixariam expostas, como nunca, as entranhas desse grande evento. Viveríamos, então, a plenitude dessa época povoada de câmeras digitais. Mas vocês sabem, os direitos de uns acabam justamente onde começam os direitos de outros. E quando os outros são os donos do espetáculo, os direitos de uns poucos reduzem o horizonte da maioria.

Atletas não podem isso, não podem aquilo. E se um deles, de repente, se encontrar no ponto mais alto do pódio, nada de perder a compostura, de fazer um gesto, de gritar bem alto o nome de quem, de verdade, o ajudou a chegar lá e não precisou ler os jornais para conhecer sua história. Os responsáveis pela festa não se cansam de dizer que o cenário que criaram não deve ser usado para outras manifestações, políticas, principalmente. Tentam convencer a todos que o esporte se dissociou da vida. Os vitoriosos devem esquecer tudo, o fato de pertencerem a um país onde os direitos humanos não são respeitados, ou que as vidas de seus compatriotas estão sendo exterminadas por guerras repletas de armas e interesses.

Tudo em nome do espetáculo. Afinal, nos imaginamos diferentes dos anfitriões. Viemos de um país democrático. Viemos de um país, veja só, onde é possível escolher aqueles que vão nos governar.

Então, nos indignamos com esse país populoso capaz de prender alguém que colocou fotos indesejáveis na internet. Nos indignamos com essa China onipresente, que está nas etiquetas dos nossos tênis, bonés, produtos eletrônicos, brinquedos, e que tenta mascarar sua pobreza. E a pira lá, queimando, iluminando tantas mazelas, enquanto aqui nos trópicos acreditamos que somos livres, ainda que já não seja possível andar tranqüilo pelas ruas ou subir um morro sem autorização do tráfico ou das milícias.


Pense, se tudo sair como o planejado pelo presidente do nosso comitê olímpico, em 2016 será do Brasil o papel que hoje pertence à China.

Está aí uma boa disputa. Quem ficaria mais indignado? Nós? Se soubéssemos ainda mais a respeito deles, ou eles, se soubessem mais a nosso respeito?


Pois é, não sei não.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

$ Futebol Clube

Foi-se o tempo em que eram as jogadas desenhadas dentro de campo o grande motivo de apreensão da torcida. Hoje, os craques vestem a camisa de um time, mas estão a serviço de outros interesses.

Trata-se de um efeito colateral da mais moderna técnica para montar um escrete de respeito.

Meu amigo torcedor, não se engane, o grande drible do momento, não é um elástico, e muito menos uma caneta, o grande drible do momento é dar um chapéu nas regras da Federação Internacional. Cujo texto, foi escrito com a pretensão de livrar os artistas da bola da interferência de terceiros.

É, meu Caro, o futebol brasileiro se encheu de parceiros. Veja que surreal, hoje, dois jogadores mesmo vestindo uniformes diferentes e tendo a missão de se enfrentar, podem se cumprimentar com a cordialidade de quem trabalha na mesma empresa.

É ou não é, surreal ?

O personagem do jogo

Há tempos a torcida do Palmeiras faz do seu estádio um lugar com vibração acima da média, o que por si só já deve ser motivo de orgulho. Mas a noite do duelo entre o time alviverde e o Flamengo teve muito mais do que isso. Foi também um jogo acima da média na parte técnica, campo no qual a pobreza é cada vez mais evidente.

De certo modo, me soou triste a constatação de que o "duelo" entre Luxemburgo e Valdivia havia tomado um espaço que pertencia, por direito, ao jogo propriamente dito e a um outro personagem.

A visível irritação de Luxemburgo na sala de imprensa após a partida, tenho a impressão, foi provocada pela constatação de que o tal episódio havia deslocado o foco da entrevista para um lugar distante do esperado pelo treinador.

É até compreensível que o técnico palmeirense - que amanheceu nos jornais ainda mais enaltecido pelo fato de disputar a partida de número trezentos no comando do time - não tenha gostado nem um pouco de perceber que em dia tão festivo, a cara feia de Valdivia e a atitude dele de ir direto para o vestiário sem cumprimentar ninguém, tivessem lhe roubado a possibilidade de chegar ali e discorrer sobre o que ele realmente queria: o triunfo sobre o time para o qual ele torce, justamente num dia carregado de tanto simbolismo.

Valdivia, por sua vez, foi temperamental, o que não é nenhuma novidade para aqueles que o acompanham em campo. Talvez, não tenha sido capaz de imaginar que essa atitude fosse colocá-lo tão sob a mira de seu comandante.

O fato é que o ocorrido prejudicou o próprio Valdivia, que acabou sendo mais lembrado pelo incidente do que pela atuação e pelo belo passe que fez nascer a vitória sobre o time rubro-negro.
No dia seguinte, não teve outra saída a não ser pisar mansinho, medir palavras.

Assim se deu mais uma "novelinha" do nosso futebol, de enredo injusto com o volante Sandro Silva, autor do único gol no Palestra Itália, e verdadeiro personagem do jogo.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

A arte da escolha

Os árbitros têm se esforçado, como tem, diria até que têm se superado na tarefa de irritar o torcedor. Mas para a sorte deles o descontentamento com as escalações é imbatível.

Tenho encontrado por aí uma multidão de palmeirenses indignados com o fato de Diego Souza continuar em campo. Tempos atrás, na Vila, torcedores quase arrancaram os próprios cabelos ao perceber que o treinador insistiria em dar à Carlinhos a incumbência de cuidar da lateral esquerda do time santista. Já o embalo do tricolor pode até livrar atletas como Richarlyson de viver um papel similar. Enfim, escolhas que enlouquecem a torcida no pior dos sentidos existem aos montes.

E essa realidade, aparentemente desprovida de bom senso está, também, nas convocações da nossa seleção, seja ela principal ou sub-23. Chegamos ao cúmulo de montar uma equipe olímpica com posições visivelmente carentes, nas quais uma séria e repentina lesão fará nosso treinador se sentir diante de um xeque-mate.

Há tempos a lógica do mercado condenou o futebol brasileiro a ignorar um detalhe vital para o espetáculo: a fase vivida pelo atleta, que pode ser boa ou não. Só os fora-de-série estão livres dessa oscilação, e nem sempre. De outro modo como seria possível explicar que,atletas quase medíocres, vivam a glória de ter seu nome cantado pela torcida?

Ocorre que o futebol atual já não pode ficar refém dessa pureza de atitude. O mercado ditou outras lógicas. A lógica das transferências, a lógica do jogador de confiança, a lógica dos serviços prestados, como se uma vaga na seleção ou num grande time pudessem ser transformadas em uma espécie de recompensa. E não se trata de pedir que os "professores" ignorem seu lado mais humano, seu instinto.

É nessa hora que vejo minhas lembranças de infância ditarem o caminho. Quando chegava a hora de escolher um time para disputar uma pelada, dois dos mais respeitáveis integrantes da turma se reuniam no meio do campo, escondiam uma das mãos nas costas e decretavam um justo "par ou ímpar".

A vitória dava ao vencedor a vantagem de iniciar a escolha. Alternadamente eles iam montando os times. Ali não havia camaradagem, compromissos, nada. O que pesava na escolha era a capacidade de tratar a bola, ou até uma outra qualidade, mas que pudesse ser útil ao time.

E se havia algum pequeno privilégio ele vinha muito depois dos craques, ou daqueles que viviam grande fase, terem sido escolhidos, e ainda assim a margem para a camaradagem era mínima. Sabia-se que a escolha era o início do triunfo e, além do mais, não havia dinheiro na parada.

Bons tempos, bons tempos aqueles em que o jogo da nossa vida começava a ser decidido com um simples par ou ímpar. Escolhas! Quanto mais decisivas, mais difíceis. Quem nunca precisou fazer uma? Não se trata mesmo de uma arte?


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos

terça-feira, 22 de julho de 2008

"Flat Daddies"

A história soa incrível, mas desde que uma mãe de Dakota do Norte, nos EUA, conseguiu a proeza de fazer a filha dela ser a única criança a reconhecer, na chegada, o pai que havia passado 20 meses na guerra do Iraque, a idéia passou a ser levada a sério.

A tática da Sra Cindy Sorenson foi pregar na parede de casa uma foto do marido em tamanho natural para tornar a ausência dele menos sofrida para a pequena Sarah.

De lá pra cá, cerca de 7000 "Flat Daddies" (pais achatados, ou pais de papel) foram comercializados. Uma empresa se especializou nesse tipo de serviço que acabou sendo procurado por vários tipos de clientes, mães e pais, gente que viaja muito ou que fica grandes períodos fora de casa, como os trabalhadores de industrias petrolíferas, por exemplo.

A tal gráfica de Ohio, afirma ter clientes no Brasil e cobra cerca de 100 reais pelo serviço que, inclusive, pode ser encomendado pela internet.

Li sobre isso e fiquei pensando se não seria o caso de alguns clubes brasileiros apostarem na idéia. O Santos, por exemplo, poderia encomendar imagens de Pelé, Diego, Robinho, para acompanhar (e inspirar) o atual elenco na concentração.

Nos EUA os "Flat Daddies" já são levados para escolas infantis, jogos de futebol americano, parques e participam da rotina familiar, ou seja, vão aos almoços, jantares, churrascos.

Doideira, ?


* a matéria sobre o assunto, assinada por Carla Romero, está no Estadão do último domingo, e o site para encomendas é o: www.flatdaddies.com

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Craques e interesses

Lembro como se fosse hoje o dia em que Ronaldinho Gaúcho entrou em campo vestindo a camisa da seleção brasileira no segundo tempo da partida contra a Venezuela. O cara já dava pistas de que seria um fora de série. Todo mundo queria ver o menino em campo. E não é que ele recebeu um passe, avançou pelo lado direito da área, fez uma firula com o pé puxando a bola que ficava pra trás e marcou um golaço? Chegou a parecer petulância do guri. De certa forma, aquele lance marcou o nascimento definitivo dele no glamourizado mundo do futebol.

Antes disso, tínhamos tido uma expectativa parecida com outro Ronaldo, o que viria a ser chamado de "fenômeno", e pouco depois, teríamos uma expectativa parecida com relação a Alexandre Pato. A razão para que de tempos em tempos essa expectativa seja renovada é simples: Nada é capaz de fortalecer e movimentar tanto o futebol quanto o provável nascimento de um novo craque. E raridade é algo cortejado em qualquer mercado, sem falar que estamos cansados saber que os gramados estão cada vez mais repletos de cabeças-de-bagre.

Por isso, as transmissões e o universo da bola se especializaram em vender ilusões, em especial as desse tipo. E o pior é que os primeiros a acreditarem nelas são os próprios jogadores. Não vou citar nomes, não seria elegante, mas sei que você, torcedor, é capaz de montar rapidamente um time só com aqueles que "se acham".

Aproveitem, podem convocar os que jogam aqui e os que jogam no exterior, afinal, ainda podemos gozar dessa liberdade, nossa vida não depende da FIFA, e muito menos dos clubes europeus. E digo mais, estejam atentos meus amigos, porque os homens da mídia aprimoraram ao máximo a técnica usada para esquentar notícias geradas por outros interesses. Já não lhes empolga tanto o jogo, interessa o espetáculo, que é no fundo um jogo com grande apelo.

E sem craques, só apelando. Vocês entendem o que eu quero dizer, ?

Quem paga milhões pelos direitos desse tipo de espetáculo, tenha certeza, fará o possível e o impossível para ter no elenco alguém que o ajude a vender essa que é a mãe de todas as ilusões.

E nesse outro jogo, sem nenhum “fair play”, vale duvidar da veia patriótica de Kaká, vale deixar sobre os ombros do Robinho toda a cobrança por um título que nenhum jogador brasileiro foi capaz de alcançar. Nem Romário, nem Zico, ninguém. Vale até combinar, esperar, exigir de Ronaldinho Gaúcho uma recuperação imediata. Vale transformar em vilões os clubes europeus, os mesmos que abarrotam os mal administrados times brasileiros de milhões de dólares.

E por falar em dinheiro, e se Ronaldinho decidisse ir até o banco tirar um extrato, e percebesse que já tem dinheiro suficiente para não fazer mais nada profissionalmente pelo resto da vida? Não teria o direito? Seria um exercício invejável de liberdade, mas os interessados de plantão, certamente o condenariam. Talvez, justamente por saber disso, faça questão de dizer que quer, sim, ir pra China.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Quando um poeta renasce

A notícia passou despercebida, ocupou pouco espaço.
Mas merecia bem mais, ô se merecia.
Anunciava a revelação feita por um colecionador sobre a existência de um álbum de 14 páginas, intitulado “Álbum de Isla Negra”, com poemas inéditos de Pablo Neruda.
A Fundação que cuida da obra do poeta não se pronunciou sobre a descoberta.
Os bons indícios, no entanto, são fortes.
Os poemas, revelados 35 anos depois de sua morte, são dedicados a Alicia Urrutia, sobrinha da última esposa de Neruda, Matilde Urrutia, e foram escritos em 1969, no balneário onde Neruda tinha uma casa e onde estão seus restos mortais.




“Aquí en Isla negra está la ola
Estrellada que trae tu recuerdo
Compañera del cielo. Aquí está el arbol del olvido,
De él saqué un trozo de madera para grabar tu nombre”



sábado, 28 de junho de 2008

Uma torcida desiludida

A vida de jornalista exige sensibilidade para aquilo que ecoa entre as pessoas.

Você passa a ter um compromisso com a percepção do impacto causado pelos acontecimentos, e a medida que nos revela o tamanho desse impacto também nos chega pela quantidade de vezes que um encontro casual com um amigo, com o motorista do táxi, com o porteiro, e até com quem você nem conhece, acaba ou começa com uma pergunta, feita, claro, para ajudar o interessado a se situar sobre o assunto. Basta uma notícia de impacto, e seu dia se enche de interrogações.

Veja, não se trata de lamento, creio até ser um bom exercício tentar responder cada uma delas. Esta semana que se vai, imaginem, então, foi povoada de perguntas e mais perguntas, lógico. Em poucas palavras:

“_ E o Santos, hein? “

Dizer o quê? O momento é delicado. Preocupante.Uma grande renovação exigirá um tempo que o time não tem pra gastar. A goleada sofrida no último domingo reabriu velhas feridas e mostrou de modo escancarado seu preço. A torcida voltou a tumultuar a cena.

Mudar essa realidade vai exigir enorme esforço, trabalho, foco, porque em uma edição de Série A como a atual, marcada pelo equilíbrio extremo, a titubeada pode ser fatal. Incrível que um time que passou a última meia década jogando e faturando como os melhores do continente, se encontre diante de uma situação tão melancólica.

Brutal é o papel que Cuca terá que encarnar, se permanecer. Uma verdadeira “sinuca de bico”. O treinador, no entanto, já mostrou que tem talento para usar como antídoto.

Agora, lembra quando a mídia insistia em exaltar o modelo de administração do São Paulo, lembra? Pois, é! A coisa torrou a paciência dos adversários, eu sei, muita gente reclamava. Não vou aqui me entregar a ufanismos. Calma lá. Sei que não é bem assim.

Mas faço questão de lembrar isso porque uma coisa é certa, se olharmos o tempo que o São Paulo vem navegando, garboso, entre os tais do futebol nacional - quiçá mundial - lá se vão mais de quinze anos. Um ciclo que testa a inveja dos concorrentes. O Palmeiras da Parmalat passou, passou o Corinthians do Excel, da Hicks, da MSI. Insinuações fortes de que o futebol se desenvolve em ciclos, e o Santos dá sinais de que pode estar chegando ao fim de um.

A sugestão que rondou o Palmeiras, rodadas atrás, agora vale para o peixe. Um time, para cumprir a missão de mudar o rumo das coisas, só poderá ser formado por homens que queiram ficar.

Uma nova rodada se aproxima. Há muita emoção no horizonte. Nos arredores da velha Vila, o resgate de um futebol elogiável se faz urgente. Mas relaxe e curta uma longa sexta. O Santos está prestes a voltar ao gramado, ou seja, o futebol vem aí, e promete, além da diversão, suscitar novas perguntas.


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna"