quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

A formação do treinador



Não sei se você anda contente com o técnico do seu time. Também não faço ideia do que pensa exatamente sobre essa onda de técnicos estrangeiros que tomou conta do futebol brasileiro.  Noto que alguns, mesmo refratários a essa abertura, se empolgam quando ouvem alguém fazer a velha insinuação de que na seleção Guardiola seria uma boa. Não é pra menos. O sujeito é singular. Escolhi falar a respeito para seguir ligado a temas abordados aqui nas semanas anteriores.  No caso, a bendita regra que limitava a contratação de técnicos ao longo do Campeonato Brasileiro e que os cartolas decidiram abolir. Sei que é assunto controverso, assim como essa história de se contratar treinadores estrangeiros. 

E justo quando os times flertam com essa condição de se tornarem empresas, vem um louco como eu pregar essa limitação.  Coisa que sabemos todos não faria o menor sentido no mundo corporativo.  É um argumento forte.  Mas vamos em frente. Quando escrevi a respeito citei o fato de a extinção da lei impedir, por tabela,  que profissionais que conhecem bem o cotidiano dos clubes passassem a ter oportunidades.  Eis que ao mesmo tempo, Fernando Lázaro, tendo sobre ele o rótulo nada edificante de interino, passou a comandar o Corinthians com aproveitamento de respeito.  Marcelo Fernandes o Santos. Interessante notar  que o Corinthians teve protagonismo em mostrar que esse poderia ser um caminho.  Está aí Fábio Carille para provar a teoria. Gostem dele ou não. 

Uma coisa é a parte teórica. Fundamental, certamente. Coisa da qual a CBF tratou de cuidar nos últimos anos. Mais do que isso, decretou a exigência do curso e o que vimos foi um sem fim de treinadores com ar de sabe tudo sentados em salas de aula na condição de alunos. Todos não, Renato Gaúcho disse que as férias dele eram sagradas e que o tal curso da CBF ficaria para outra hora. É fato também que muitos nomes que pulavam de um clube para o outro temporada após temporada perderam mercado. Saíram de cena.  E não querer crer que reside aí uma renovação é brigar com os fatos.  E os fatos me fazem acreditar que , para além da teoria que os cursos de treinadores oferecem, e que de modo algum descarto mesmo com seu ar cartorial, os clubes deveriam passar a pensar em formar treinadores. 

Pode soar um tanto ousado já que muitos mal conseguem dar conta da formação de jogadores. Mas não me parece descabido.  Um treinador formado no clube teria não só amplo conhecimento da instituição , como dos atletas que ao longo dos anos por ventura tenham ali se formado.  Nos últimos dias a imprensa, inclusive, andou destacando as qualidades do português Luís Castro,  que esteve na mira do Corinthians. E não por acaso ressaltava a longa experiência dele com as categorias de base e o fato de ter a licença PRO da FIFA. Mas o que podem saber os medalhões que alguém bem formado não saberia?  Experiência é coisa que se ganha. 

Muitos dos treinadores que estão por aí se arvoram do fato de terem sido jogadores, muitas vezes medianos. E vejo nisso algo que merece atenção realmente. O ideal talvez seria pensar essa formação prospectando entre os próprios jogadores  aqueles que tenham perfil para esse ofício, os que se interessam pela parte teórica, os que têm de alguma forma sede por conhecimento, que foram estudar Educação Física, que tenham boa capacidade intelectual e de comunicação.  Em dado momento se faria uma escolha. Sei que existe aí um mercado que poderia morrer e que, no mundo da bola há essa mística de que lidar com boleiros não é fácil.  Ora, mas se eles não se rendem a quem sabe, que se mude a cabeça deles. 

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

A televisão, o futebol e as organizadas




O que trago no balaio hoje é uma mistura de observação dos fatos e utopia. Não que seja uma receita rara, mesmo porque sem o primeiro ingrediente a crônica, ou o que quer que estas linhas lhe pareçam, seria impossível.  Começo com detalhes de uma entrevista concedida dias atrás pelo senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente da República. Homem que está à frente da coordenação da campanha de reeleição do pai. Ele admitiu um erro na estratégia de comunicação do governo.  A de em um primeiro momento ter pensado que o uso da internet, das ferramentas ditas sociais, bastariam.  Não custa fazer a ressalva de que o modo como usaram é uma outra história que , creio, não cabe aqui abordar.  O senador disse que isso foi detectado em pesquisas que mostraram que muita gente não tem conhecimento das coisas boas que o presidente fez.  O que também é uma outra história.  

O interessante é notar a conclusão do raciocínio, a de que foi um erro não ter dado a devida atenção a veículos impressos, rádio e televisão. Digo isso porque paira sobre o mundo da comunicação uma imensa sombra chamada internet.  À parte o exagero dos entusiastas não duvido de seu papel futuro na comunicação, o que já se dá. Não contesto. Por outro lado, acredito ser necessário estudar com cuidado como tratar outros veículos, em especial a televisão, cujo papel na história da sociedade brasileira lhe dá uma importância distinta da que pode ser encontrada em outros países. E mesmo quando o mundo dos direitos esportivos vira de ponta cabeça, como tem virado, ninguém ainda ousou descartá-la.  O que considero um grande sintoma. 



Os que ficaram fora dela acabaram assim por outros motivos, não porque não quisessem ver seus produtos na outrora dita telinha. Falo sobre isso porque também era uma maneira de fazer uma ponte com o que foi escrito aqui na semana passada, com relação aos treinadores. Primeiro vimos, veladamente, o treinador corintiano cair pela forte pressão das organizadas. Pouco depois o técnico do São Paulo ser aplaudido no Morumbi, amparado nelas. Ainda que o time tricolor tenha mostrado em campo um futebol contestável. Ouvi de um colega de redação que não tem jeito, quem dá o tom são elas. Ele falava mais, pelo que compreendi, no ambiente do estádio. E é aqui que entra a parte da utopia que citei no início.  

Quero crer que um time de futebol, seja ele qual for, com seus milhões de torcedores já não precisa ficar - e não deve - refém daqueles que no fundo representam uma minoria.  Ainda que por outras questões tenham, sim, um certo domínio das arquibancadas. Digo isso por entender que de outra forma estará tudo realmente dominado.  Interesses se alimentando de interesses,  quando nem sempre os interesses são realmente os da maioria da torcida. E é preciso que a torcida como um todo tenha essa consciência.  

Não faz muito tempo escrevi aqui sobre a diferença que pareceu existir entre o que se lia na internet e o que fez a torcida do Flamengo no primeiro jogo do rubro-negro depois de ter perdido a Libertadores para o Palmeiras. Ainda que a saída de Renato Gaúcho tenha alterado a rota dos ânimos nesse episódio. Aos não digitais  será  saudável que fiquem sempre atentos ao abismo que pode existir entre os fatos e o uso que se faz deles nas redes.  Um rigor que pode ser decisivo para a futuro desses outros veículos.  No mais, que o torcedor  comum perceba que nunca teve tanta chance de ser ouvido e de se organizar, no melhor dos sentidos

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Era uma vez uma regra



No meio da reunião alguém pede  a palavra e sugere que a regra que limita a demissão de treinadores deve acabar.  Não que o tema tenha sido amplamente debatido, a sugestão muito menos vem seguida de um bom argumento. Foi amparada no fato de que desde que tinha sido instituída as demissões praticamente acabaram na elite do futebol brasileiro. A partir daquele momento foram elegantemente substituídas por acordos entre as partes. Algo que já tinha sido tema aqui neste espaço.  A decisão foi tomada no Conselho Técnico da CBF realizada no meio da semana passada.  E aceita por unanimidade. Durou, portanto, uma temporada. E desse modo cínico que pudemos acompanhar. 

O interessante nessa história toda foi notar que segundo o noticiado a sugestão foi dada pelo Presidente do Corinthians, Duílio Monteiro Alves. Isso horas antes do clássico contra o Santos.  Como se sabe  a partida terminou com vitória santista de virada.  E fez cair por terra um longo tabu. Há sete anos o time da Vila não sabia o que era vencer na casa corintiana. A derrota colocou um ponto final na passagem do técnico Sylvinho no comando do time corintiano. Ele foi demitido pouco depois do apito final.  Não vou aqui cometer a vilania de dizer que tudo foi premeditado.  Como pode ser ingênuo dizer que  se a regra tivesse sido mantida a história teria sido diferente.  

Alguém tem dúvida de que o Corinthians não teria a mesma cara de pau que teve o São Paulo ao demitir Hernan Crespo meses atrás e  anunciar que tudo se deu em comum acordo entre as partes?  

A história só seria outra se estivéssemos num país em que as regras não fossem dribladas.  A regra que caiu por terra, não sei se recordam, determinava que um clube só poderia demitir um treinador por temporada. No caso de uma segunda demissão o clube não poderia contratar um terceiro e teria de colocar no cargo alguém que tivesse no mínimo seis meses de clube. No papel, uma maravilha. Mesmo porque poderia abrir espaço para profissionais já íntimos do trabalho cotidiano dos clubes e que, por razões outras e não de capacidade profissional, acabam não tendo oportunidades.  No máximo tapam buracos  e veem cair sobre si o rótulo de interino.  E não duvido que muitos poderiam surpreender se encontrassem amparo pra isso. 

Vale notar ainda que a imprensa de modo geral dizia que a pressão sobre Sylvinho era muito mais externa do que interna. Matérias afirmavam a boa relação dele com os dirigentes e com o elenco.  A situação de Sylvinho nunca foi confortável. E esse nunca é que se deve questionar.  Se não é fácil prosperar quando toda vez que seu nome é anunciado no sistema de som do estádio o que se ouve é uma sonora vaia, muito mais difícil é encontrar por aí dirigentes com valentia suficiente para encarar esse tipo de coro.  Se o Corinthians está na Libertadores o crédito deve ser dado a Sylvinho também. 

Por essas e outras é que dá pra dizer que a vitória no clássico salvou a pele de Fábio Carille - mas não livrou o  time da Vila de seu momento preocupante como mostraram as partidas seguintes. A pressão é enorme, ainda mais agora que a mais abstrata das regras já criadas no futebol brasileiro está extinta.  Só é bom lembrar que se o Santos permanece na primeira divisão isso também é obra do seu treinador.  Tem feito um bom trabalho, mas  nada que o livre dessa realidade absurda a qual estão expostos os treinadores no Brasil.