quinta-feira, 27 de junho de 2019

A vaia


Eu sei, hoje à noite tem Brasil em campo de novo. Mas quero propor outro tema. Uma reflexão. Que me perdoem os entusiastas. Os que se entregam a um modo de torcer quase cego quando o assunto é a seleção brasileira. E nesse momento é bom que se frise que falo da masculina. O que vou colocar aqui não tem nada a ver com o jogo propriamente, nem com a vontade de ver esse ou aquele jogador na condição de titular. Até porque nem sou capaz de afirmar que tenha existido um tempo em que um jogador em ótima fase  tenha tido plena garantia de que teria essa condição assegurada. Há uma lista imensa de preteridos ao longo do tempo que poderia servir de amparo à minha suspeita. O jogo de bola desde sempre teve interesses que transbordaram as quatro linhas ignorando o que se dava dentro delas. 

Quero falar é da vaia. Coisa que andou assombrando o escrete brasileiro no início dessa Copa América.  E já queria mesmo antes de Daniel Alves dar aquela tremenda bola fora dizendo que quem vaia a Seleção vaia o país. Não entendeu nada.  E pelo jeito também não deve ter notado que o país a anda merecendo. ​A vaia é muito mais do que simplesmente o antônimo do aplauso. O aplauso não é tão complexo. A vaia é. E é um patrimônio do torcedor, sua grande arma. A vaia é de uso geral. Costuma causar quase sempre efeito imediato. E por incrível que pareça quase nunca é decantada. A vaia é acima de tudo elegante, dispensa absolutamente o acompanhamento de qualquer palavrão. Quase sempre se revela justa mesmo quando traz com ela algo de escárnio. 

E quanto mais densa, arrisco dizer, mais se veste dessa qualidade. Não é a toa que, em geral, quase sempre se manifesta amparada por uma multidão. Não que não se possa vaiar sozinho. É possível, mas chega a soar como uma traição à sua natureza. A vaia é capaz de traduzir sutilezas do que só um torcedor vê e sente.  Tem em si a beleza da rebeldia, mas não se encerra nela. É muito mais. A vaia é como um trunfo, e traz consigo a beleza das coisas que não pertencem aos catedráticos, aos entendidos. A vaia é o povão. Quer coisa mais linda? 

Impiedosa, e como. A vaia tá sempre de flerte com a indignação. Mas quando digo que é impiedosa não a pense como algo puramente cruel.  Muitas vezes ela é o desafio que o homem precisa pra se superar. E nessa condição já ajudou a escrever lindas páginas ao longo da história. Talvez a mais famosa delas amparada naquela vaia imensa que Julinho Botelho ouviu certa vez no Maracanã ao ocupar o lugar do mítico Mané Garrincha. Vaia que numa alquimia rara se deixou transformar num aplauso capaz de se tornar eterno. Prova cabal de que mesmo temida traz em si a beleza das coisas que se deixam reinventar.  

A vaia tem um amargor insuportável. É sintomática.  A vaia é profunda. E se tem um antídoto este exige uma fórmula feita na hora, especialmente manipulada para cada situação.  O que não é fácil. O caso de Tite é emblemático nesse sentido. Dizer que o homem não entende do riscado é descabido. E por mais que diante da Bolívia o time brasileiro tenha conseguido dilui-la com três gols, o ressurgimento dela nas arquibancadas da Fonte Nova, em Salvador, sugere a exigência de métodos mais eficazes para anulá-la. Enfim, a vaia, meus amigos,  mesmo indesejada, é linda.    

quarta-feira, 19 de junho de 2019

A camisa você precisa sentir

Luiza Gonzalez/ Reuters


Estamos aí. Entre a Copa do Mundo Feminina e a Copa América. Em abstinência total do Brasileirão. Sobre a Copa vi gente indignada e intrigada. A indignação vinha de uma jornalista inconformada com a quantidade de gente questionando as cinco estrelas nas camisas usadas pela nossa seleção feminina. Compreensível. Tinha vislumbrado na insistência um ar de reprovação. Sobre esse tema gostei mais do ar intrigado de um velho amigo que veio me fez a respeito a seguinte pergunta:  Se as meninas vencerem o Mundial nossa seleção masculina passará a usar uma camisa com seis estrelas? Pertinente, muito pertinente, quanto sabemos das patacoadas que nossos cartolas são capazes. Apesar de achar que não tem como ser de outra forma. Afinal de contas vestimos - e isso ficou mais claro do que nunca - a mesma camisa. Fiquemos, então, com o  velho dito pois se perguntar não ofende também não deve ser motivo pra indignação. 

Bom, vivido um outro tanto dei de cara com alguém na internet confessando o prazer de ver a goleira argentina em ação contra a Inglaterra. E na esteira do entusiasmo classificando a Copa como um Mundial de arqueiras de encher os olhos. Mas estamos cansados de saber que vivemos uma época de polarização absoluta. Aí não tardou e ouvi alguém sugerir que o gol era um problema para as meninas.  Grande demais. E que talvez fosse o caso de torná-lo um pouco menor para as moças. Não que eu queira jogar toda e qualquer diferença para escanteio. Homens e mulheres sabidamente têm lá suas particularidades. Mas o momento pede outra maneira de encarar o tema. Imagino que a essa altura o mínimo que podemos lhes dar é essa igualdade. No tempo de jogo, no peso da bola, no tamanho do campo. Se muitos já enxergam diferenças  onde tudo é igual, ao aceitar diferenças não tardaríamos a ouvir alguém dizer que o futebol feminino é outra coisa. 
Bernardett Szabo/Reuters

De minha parte prefiro acreditar na evolução que tenho visto. E quem assistiu a uma Copa Feminina tempos atrás sabe do que estou falando. A evolução é gritante. De intrigar, e talvez indignar mesmo, é ter ficado sabendo que Marta  não tinha um patrocínio na chuteira quando entrou em campo para enfrentar a Austrália. Simplesmente a maior detentora de títulos de melhor jogadora do mundo, única atleta a marcar gol em cinco Mundiais e maior goleadora da história das Copas, já que ao enfrentar a Itália  deixou para trás o alemão Klose. Mas em matéria de indignação é bem provável que nada seja páreo para a dos argentinos com a seleção deles. 

E olha que íamos por caminho parecido quando o juiz apitou o final do primeiro tempo no Morumbi entre Brasil e Bolívia. Qual teria sido o destino do time de Tite se tivéssemos debutado diante dessa Colômbia que liquidou o time de Messi com duas jogadas fatais é coisa que não saberemos jamais. Ainda bem.  Para nos parar por hora bastou a Venezuela. Quem sabe também os comandados do outro Lionel, o Scaloni, treinador argentino, não fazem uma exibição convincente diante do Paraguai logo mais aplacando um pouco o descontentamento de Maradona, que depois do tombo ao encarar a Colômbia disse que a Argentina poderia perder até de Tonga. Mas disse uma verdade, que pode servir a eles, a nós e a todos: a camisa você precisa sentir.

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Evolução é jogar bonito



Amanhã a Seleção Brasileira estreia na Copa América. Como foi dito na época em que aqui se realizou a Copa de 2014 talvez  o interesse aumente na hora em que a bola começar a rolar. Pelo que recordo o raciocínio fez algum sentido naquele momento e o país já havia entrado totalmente no clima quando o sete a um alemão dissolveu por completo qualquer resquício de euforia e o nosso futebol foi parar no divã. Mas não demorou muito e acharam que ele poderia ter alta. Foi quando depois da chegada de Tite ao comando do time nossa seleção pareceu pairar sobre todas as outras ao disputar as Eliminatórias para a Copa da Rússia.  

De cara o time brasileiro sob novo comando mandou um três a zero no Equador sem tomar conhecimento da boa campanha adversária e da altitude de Quito. Era só o começo. O que veio a seguir foi mais impactante. Um três a zero na Argentina em pleno Mineirão, no melhor estilo espanta fantasma. E um pouco mais tarde um quatro a um no mítico Estádio Centenário em cima do Uruguai, que seguia com aquela aura assustadora de sempre. Partimos então para a Rússia ostentando uma campanha louvável. E lá descobrimos que um bom retrospecto pode não significar muita coisa. 

Voltamos pra casa depois de ter parado  nas quartas de final diante de um empolgante time belga. Eliminação que, pra variar, fez brotar um sem fim de teorias sobre o que teria levado o time brasileiro a sucumbir de maneira tão estrondosa naquele fatídico primeiro tempo. Mas se alguém disser que se aquele embate com a Bélgica durasse mais dez minutos a história teria outro final, confesso, seria capaz de enxergar algum sentido na teoria. Lembro de ter tido esse sentimento ao ver o VT do jogo tempos depois. 

Foto: FIFA/ Divulgação


Mas são águas passadas. E o naufrágio na Rússia não foi fatal para Tite. Sendo assim, se a última campanha nas Eliminatórias Sul-Americanas nos fez terminar dez pontos à frente do Uruguai e treze à frente da Argentina, e tendo em vista que de lá pra cá nenhuma das seleções que participaram do torneio mostraram nada que sugerisse uma mudança considerável, somos favoritos. Ou não somos?  

Além do mais,  o adversário da estreia será a Bolívia , vice-lanterna na mesma Eliminatória. E pra completar na segunda rodada iremos encarar a Venezuela que terminou na lanterna. Sejamos francos, por mais que não exista mais bobos no futebol é um início de trajeto confortável demais, na medida em que um torneio entre seleções pode ser confortável.  Sinto no ar uma expectativa enorme de como se comportará nossa seleção na ausência de Neymar. O que é salutar. E acho - como muitos por aí - que a Copa América está longe de ser um tudo ou nada para Tite.  

O que pode ser fatal para ele é a ausência de brilho, de um bom futebol.  Por essas e outras será possível, mais do que em outro momento até agora, notar claramente qual será a aposta que irá fazer. Colocar em campo um time preocupado com o resultado ou colocar em campo um time ousado, disposto a usar o poder ofensivo que ele notadamente tem a disposição. O detalhe é: a primeira opção deixará nosso treinador atrelado à dependência de conquistar o título. Mas a segunda, além de livrá-lo disso, provavelmente será a mais apropriada para convencer a torcida de que houve mesmo na nossa seleção alguma evolução.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Nosso bravo futebol feminino



Agora vai. Essa tem sido a sensação que me vem quando penso no nosso futebol feminino. Infelizmente não é a primeira vez. Espero que ela tenha voltado com maior precisão. E digo isso não pelo fato de estarmos na véspera da abertura Copa do Mundo de Futebol Feminino e também não tem nada a ver com as expectativas que alimento com relação ao time brasileiro. O retrospecto da equipe dirigida por Vadão dinamita a mínima empolgação. Nove derrotas nos últimos nove jogos. Mas há como neutralizar esse anticlímax. Estar ciente das dificuldades que nossas jogadoras enfrentaram. E como foram, ao longo da história, capazes de alcançar resultados infinitamente maiores do que as chances que tiveram.

Vale lembrar que enquanto alimentamos dúvidas sobre a campanha que a seleção masculina fará na Copa América as meninas no ano passado venceram a mesma competição de maneira invicta, marcando trinta e um gols e sofrendo apenas dois. Foi assim que garantiram um lugar no Mundial e outro na Olímpiada de Tóquio.  Ou seja, desafiar probabilidades é algo que foram obrigadas a fazer desde sempre. O que poderia ser dito também a respeito de outras tantas seleções femininas, inclusive a da Jamaica, a primeira  da região do caribe a conquistar uma vaga na Copa do Mundo, e nossa adversária do próximo sábado no jogo de estreia.




As Reggae Girlz, como são chamadas, só chegaram lá porque anos atrás a filha de Bob Marley, indignada com a situação que a equipe atravessava, através da Fundação que leva o nome de seu pai , liderou uma campanha mundial com a intenção de arrecadar fundos e reativar o time. Não há dúvida de que o Mundial será de grande valia. Ajudará a manter o futebol feminino em evidência no instante em que aqui ele ganha espaço. Pela primeira vez nossa seleção terá todos os jogos transmitidos pela maior emissora do país e esse  pode ser o maior  sintoma de que anda mesmo desfrutando de um outro status. 

Esse vento a favor, é bom que se diga, pouco tem a ver com a sensibilidade dos cartolas e mais com a exigência feita aos times que disputam a primeira divisão do futebol brasileiro de ter, a partir deste ano, um time feminino adulto e de base. Antes da tal exigência apenas sete dos vinte clubes que disputam o torneio mantinham a modalidade de forma estruturada. Nem por isso temos flertado com o ideal como bem lembrou a técnica do Santos e ex-comandante da nossa seleção feminina, Emily Lima, em recente entrevista ao programa Cartão Verde, fazendo questão de ressaltar que seguimos carentes de coisas básicas como ter as datas dos jogos dos campeonatos divulgadas com a antecedência adequada. Sem isso qualquer planejamento se torna impossível.



Há quarenta anos o Brasil se livrava do decreto do governo de Getúlio Vargas que proibia a prática de esportes "incompatíveis com a natureza feminina". Decreto que durou quase quatro décadas. A vontade de falar da realeza de Marta, dos quarenta e poucos anos de Formiga e seu sétimo mundial, é sempre grande, mas o que quero realmente ressaltar é que dar de cara com nossa seleção brasileira feminina em campo é um bom motivo para crer que o mundo anda pra frente, ainda que a velocidade do avanço nos cause indignação.