quinta-feira, 29 de abril de 2021

A Vila mais famosa do mundo



Dizem por aí que a Vila Belmiro está por um fio. Pelo menos essa que até hoje ajudou a manter em alta a estima do torcedor santista. Sabemos todos não se trata do estádio mais moderno do país. E levando em conta conceitos arquitetônicos, não de coração, nem mesmo um dos mais bonitos. Mas quem poderia duelar com a  Vila em charme e importância? Um dos estádios mais antigos do país e casa, sim, casa, do rei do Futebol. O que dispensa qualquer outro adjetivo. Não se enganem os de agora que se no ano de 2074  o mundo quiser reverenciar o centenário do dia em que Pelé se ajoelhou no circulo central da Vila, de abraços abertos para se despedir, o cenário fará tanto sentido. 

Não quero fazer o papel do sujeito que é do contra. O  testemunho que me dou o direito de dar é de que não devemos nos enganar. Aqueles recuos tão bonitos nas apresentações virtuais não serão vistos por quem pisar os arredores do Urbano Caldeira. Em tempo, persistirá o nome? Ou se verá derrotado implacavelmente por um futuro naming right? Vivo perto do Allianz Parque e vos digo, com toda sua imponência é preciso procurar muito até achar um ponto do qual seja possível ver seu desenho, tão cravado está no espaço que lhe foi dado. Qualquer semelhança com a Vila não será mera coincidência. 

Não que os frequentadores e os torcedores da casa não se rendam à sua beleza e conforto.  Mas o Allianz Parque nada tem do velho Parque Antártica, que tive o privilégio de frequentar muito graças ao ofício de repórter. Uma coisa exclui a outra, impiedosamente. Uma vez reconstruído nenhum estádio será o mesmo. Que a cidade seja carente de uma Arena para espetáculos dá pra concordar. Mas se Santos está tão perto da capital e lá as possibilidades são outras, quem optaria por um show na Vila? Roger Waters? Paul McCartney? Que filão desse negócio sobrará pra cidade? Questionamentos que, acredito, merecem ser feitos.  

Nunca foi tão simples para mim aceitar essa questão de se passar a terceiros por três décadas um patrimônio. Se um clube tem o terreno e a história para  fazer dele algo grandioso não seria o caso de buscar recursos para a execução? Dirão alguns que não se trata da atividade fim do clube, e isso diz muita coisa. A questão é  complexa.  Não deve ser por acaso que o único estádio declarado pela FIFA como monumento do futebol seja o Centenário, em Montevidéu, no Uruguai, palco da primeira Copa da história. Uma singularidade que também diz muito, ou no resto do planeta não há outros lugares que mereceriam essa honraria?

Algo me diz que a Vila Belmiro certamente deveria estar entre eles,  por motivos que de tão óbvios nem terei o trabalho de apontar.  Mas há tempos esporte e construção civil se misturam. É só ver o que virou cada edição dos Jogos Olímpicos. Enfim, trago comigo três certezas a esse respeito. Uma já desfiei aqui ao afirmar que uma vez posta abaixo a Vila Belmiro, o velho caldeirão, terá tido um fim. A outra, que acho todo santista de camisa ou não deve considerar, é se esse é um tema para ser decidido por um Conselho ou por uma Cidade. E por último, que o momento pede pra que a prioridade seja o time, não a Vila. 

domingo, 25 de abril de 2021

Raul Seixas, 75

 



Raul Seixas estaria hoje com 75 anos.  Seguirá sendo um farol, sempre! 

No link abaixo a história a linda história dessa música que 

desafia o tempo.  


OURO DE TOLO

 

Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou o dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros por mês
Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar um Corcel 73
Eu devia estar alegre e satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa
Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa
Eu devia estar contente
Por ter conseguido tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto "E daí?"
Eu tenho uma porção
De coisas grandes pra conquistar
E eu não posso ficar aí parado
Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família no Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos
Ah! Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro, jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco
É você olhar no espelho
Se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano, ridículo, limitado
Que só usa dez por cento de sua cabeça animal
E você ainda acredita
Que é um doutor, padre ou policial
Que está contribuindo com sua parte
Para o nosso belo quadro social
Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada cheia de dentes
Esperando a morte chegar
Porque longe das cercas embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora dum disco voador
Ah! Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada cheia de dentes
Esperando a morte chegar
Porque longe das cercas embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora dum disco voador



sexta-feira, 23 de abril de 2021

Independência ou morte ?



Eis que no último domingo , bem distante das margens do Ipiranga, um seleto grupo de clubes europeus decidiu anunciar a criação de uma Liga e, consequentemente, declarar independência da UEFA, a entidade que rege o futebol no velho continente. O que significou também dar uma escanteada na FIFA. Como era de se esperar a reação foi proporcional à ambição da proposta.  Do alto da prepotência que o dinheiro costuma gerar os doze clubes fundadores deixaram claro que a ideia iria abolir o rebaixamento. Uma regra sem a qual todo o emaranhado de competições deixaria de fazer sentido. 

O governo inglês não tardou a dizer que faria todos os esforços para inviabilizar o projeto, amparado num aporte de quatro bilhões de euros do banco JP Morgan. Figuras importantes e nem tão importantes do mundo da bola colocaram a boca no trombone também. A ideia não durou quarenta e oito horas. Mas a mim, logo de cara, uma coisa ficou muito clara: clubes de futebol não deveriam mesmo ter dono.  Que me perdoem os defensores do clube-empresa. 

A grita foi grande e o que vimos foi todo mundo pulando do barco.  Deixando no ar a evidência de que o futebol é algo muito complexo. Quero acreditar que o corrido servirá ainda para que aqueles que defendem há muito tempo a criação de uma Liga por aqui reflitam melhor sobre a elaboração dela e suas consequências.  Confesso, cá com meus botões, ter visto no ocorrido os poderosos do futebol sendo vitimados pelo sistema que alimentaram. Durante anos inflaram seu negócio de olho na grana dos outros. Pouco importando para isso se o dinheiro que ia para o cofre era limpo ou não. 

Até que chegou uma hora em que os verdadeiramente endinheirados passaram a não ver mais razão para deixar que outros gerissem o que era alimentado com a grana deles. Se for esse o caso mais cedo ou mais tarde estaremos mesmo diante de uma ruptura sem precedentes na história do futebol. Enquanto do outro lado ficaram os que verdadeiramente amam o jogo, os torcedores. Fico pensando o que será que esses senhores pensam a respeito deles, como os encaram intimamente. Por certo não os temem. 

Times como o Real Madrid e Barcelona com seus tentáculos derramados por outros continentes como a Ásia, talvez acreditem que já não dependam de quem está perto e os fez ser o que são. Nas redes, nas TVs, nos jornais, manchetes apontaram a morte do futebol.  Não creio nela enquanto neste mundo houver uma bola e um menino. Quanto ao futebol como esses ditos nobres o conhecem e encaram não creio que valeria nenhuma espécie de lamento. 

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Enfim, um jogo elogiável


Das duas uma. Ou a gente se permite imaginar demais, ou fatalmente o futebol brasileiro não tem mais como dar conta das nossas expectativas. O triste nessa história é que - faz tempo - não esperamos muito do jogo.  O gatilho da imaginação anda meio enferrujado, só dispara mesmo diante de um clássico ou coisa parecida. mas aí eis que damos de cara com esse Palmeiras e Flamengo do último final de semana. Diga-se, um raro jogo que entregou o que prometia. O fato de  ter sido um título pomposo do nosso futebol decidido em jogo único , na minha opinião contribuiu muito pra isso. Sei, corre por aí  que o Flamengo é mais time. Tenho lá minhas dúvidas. Embora não duvide  exatamente da capacidade rubro-negra  e sim de sua  competitividade. 

O que acho é que muitas vezes quando se fala do time da Gávea a coisa se mistura inevitavelmente com aquele outro time que encantou geral sob o comando do safo português Jorge Jesus. Não tem jeito, ficou no imaginário de quem gosta de futebol . O que não quer dizer que esse time da Gávea que anda por aí não mereça respeito. Pesa também sobre essa impressão o fato de que a essa altura o time da Academia é algo dividido entre o romântico e o pragmático. Como sugeriu  o próprio comandante do time alviverde, o também português, Abel Ferreira. Cujo comportamento à beira do campo tem lhe tirado o brilho. 

E se persiste essa impressão de um Flamengo mais sedutor, creio,  é justamente porque na fórmula palmeirense a dose maior tem sido de pragmatismo. Quando andamos carentes mesmo é de romantismo. É fato que os dois merecem reconhecimento por terem feito uma partida de futebol à altura do que se esperava dela. Ainda mais quando pesa sobre tudo e todos o fator pandemia.  Puderam se preparar para a tal. O que é um luxo na realidade atual.  A tabela do paulistão divulgada depois da liberação para que os jogos voltassem não nos deixa esquecer disso. Há quem terá de dar conta de quatro jogos no intervalo de sete dias. 

Mas voltando ao início da conversa, teve também quem tenha feito questão de lembrar que o Flamengo estava de certo modo um pouco à frente, pois já tinha colocado o time titular em campo algumas vezes , enquanto o Palmeiras por sua vez, depois de ter escalonado o elenco com o objetivo de dar algum descanso aos atletas, fez da Supercopa algo com um ar de estreia na temporada. Teorias e táticas à parte considero o Flamengo um time com laterais melhores que os do Palmeiras. E, em especial com Zé Raphael, o time alviverde fica bem atrás, em categoria, naquela parte do campo onde a armação e a marcação se confundem. Em outras palavras, Diego e Gerson formam um dupla que se deve respeitar. Ainda que Gerson, na minha opinião, esteja longe de jogar o que jogou tempos atrás, exatamente naquele momento em o rubro negro seduziu todo mundo, como dizia há pouco.  

Por mais que o Atlético Mineiro tenha feito malabarismos para conquistar um lugar nesse panteão, terá de se provar.  O jogo com o Cruzeiro deixou isso bem claro. Flamengo e Palmeiras seguem sendo os tais do futebol brasileiro.  A rivalidade que isso tem provocado faz bem pro futebol. A confusão e o bate boca, não. Já terão feito muito se, como vimos, derem conta de desenhar em campo um enredo que corresponda ao que se espera de um clássico, ou de um jogo que promete. Mas o futebol também nos surpreende, nos corrige. Antes de a bola rolar se me perguntassem com qual goleiro ficaria, diria sem pestanejar o nome de Weverton. Logo, teria saído de campo derrotado.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

O passe pro lado, a saúva do futebol brasileiro



Vou dizer uma coisa pra vocês.  E imagino que muitos irão concordar comigo. Não quero, de nenhuma forma, colocar ninguém mais pra baixo do que o momento da nossa história nacional já tem se encarregado de fazer.  Mas, vejam, tenho a nítida sensação de que o futebol deixou de ter aquele encanto, sabe? Aquele que nos fez desde crianças se render a ele. Sei que a grossura de muitos tem dado enorme contribuição nesse sentido. Bem como todos os tempos de quarenta e cinco minutos que temos testemunhado e que seguidas vezes têm chegado ao fim nos ofertando no máximo a chance de admirar uma ou duas bolas tomando verdadeiramente a direção do gol. 

Mas sempre tive comigo que esse desencanto deveria, no fundo, ter uma causa mais transcendente, menos óbvia. Há muito tempo desconfiava do para lá de improdutivo passe pro lado. Essa praga. O passe pro lado é a saúva do jogo de bola. Algo naquela linha que pregou certa vez um estudioso francês: ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil. É isso. O passe pro lado atenta contra o andamento do jogo. E toda obra tem um andamento. Está aí o cinema e a música pra provar. Sem a indicação do andamento uma partitura se torna quase um enigma. 

E devo dizer, minha desconfiança virou certeza ao ouvir dias trás uma entrevista do sábio e pragmático, Pep Guardiola, para a repórter Natali Gedra. A certa altura da conversa o treinador do Manchester City deixou clara a importância do ritmo na execução do jogo. Mais notável do que ouvi-lo dizer que antes de jogar rápido é preciso saber jogar lento foi ouvi-lo dizer a razão de preferir um time que seja rápido, mas não muito. Como diz a língua da música, allegro ma non troppo. Segundo Guardiola a preferência por esse andamento se dá pelo fato de que um pouquinho mais lento é possível ver as coisas mais claras. O ritmo adequado permite que os jogadores usem melhor suas qualidades e tomem decisões mais acertadas em situações limites. Como perto da área, por exemplo. 

Tenho certeza de que você, como eu, admira a velocidade e saberá lembrar rapidamente de um lance em que ela foi decisiva e bela, mas também como eu , provavelmente, terá se convencido que o passe pro lado é mesmo um dos  grandes atentados ao ritmo da peleja. E que a falta de um andamento sedutor é que tem nos deixado com essa sensação angustiante de que o encanto já era.