quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Sábado tem Maracanã



Quer dizer, então, que estamos às vésperas de testemunhar Palmeiras e Santos decidirem o título da Libertadores? Uma canção que ficou famosa na época da Jovem Guarda dizia: domingo tem Maracanã, tem Maracanã.  Mas dessa vez é sábado, que me perdoe o autor da obra, Pedro Paulo. E será com o requinte de um jogo único, o que tenho pra mim como um modo muito eficaz de aumentar  as emoções que cercam um momento desses. Não tem essa de lá e cá. É entrar em campo sabendo que não haverá uma segunda chance. Quando as luzes do principal estádio do país se apagarem ou se terá a glória, ou sobre as costas o peso de uma derrota retumbante. 

Nestes tempos malucos confesso a vocês que a minha primeira torcida foi para que o espetáculo pudesse ser encenado com elenco completo. Pois mais do que ter a sensação de que o momento e o palco da partida clamam por isso seria uma maneira de não ver castigado pelo destino alguém que ao longo dessa temporada tão bizarra tenha suado tanto pra chegar lá, ou cuja ausência imediatamente se traduziria em perda de brilho.  E digo isso porque se o futebol brasileiro não se faz assim tão merecedor dessa pompa todos os que arriscaram as canelas pra estar no Maraca no sábado o fazem, e muito. E com todos em condição de jogo essa página da nossa história esportiva será escrita de forma mais grandiosa. Com a frieza possível diria que não há favorito, até porque o futebol tem lá suas vaidades. 

Existem diferenças, isso sim.  De um lado um time endinheirado de quem sempre se esperou muito e que parece estar maturado. Certamente alguém lembrará das centenas de milhões que custou o time comandado agora por Abel Ferreira. Isso pesa, se traduz em cobrança. Mas é bom que se respeite o Palmeiras, e lhes digo: não foi à toa que ele se fez o principal rival do Flamengo nos dias atuais. Sim, porque se há um time com o qual mede forças é o time da Gávea. Quem não concordaria, por exemplo, que o Palmeiras não foi pensado, montado, imaginado para atuar como atuou magistralmente o Flamengo na temporada passada? 

O Santos tem outra receita. Ou não tem receita. Não fosse esse abismo entre vitória e derrota arriscaria dizer que seria injusto pedir mais a esse time. Um time que fez a crônica esportiva se render a ele.  Um finalista improvável.  Uma equipe que ao longo dos últimos meses teve tudo para morrer na praia. Vitimado por uma administração posta pra fora, por atrasos de salários, coisa que costuma envenenar trajetórias.  Nem o mais otimista torcedor santista seria capaz de apostar no que está vendo. Uma desconfiança que Soteldo, Marinho & Cia trataram de dissolver jogando o fino.  

De tão grandioso esse Palmeiras e Santos que veremos notadamente contaminou os amantes do jogo, está além do que encerra. Impossível ficar indiferente diante dele. Torcedores de todos os times estarão secretamente cruzando os dedos pra esse ou para aquele, guardando pra si suas razões inconfessáveis. E quem sabe tirando de leve uma casquinha com a camisa alheia. Afinal, uma decisão dessa envergadura não deixa de ser patrimônio de todos os que cultuam o bom e velho jogo de bola.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Do craque Drummond

 




                                            A bola é a mesma: forma sacra

                                            para craques e pernas de pau.

                                            Mesma a volúpia de chutar

                                            na delirante copa-mundo

                                            ou no árido espaço do morro.


                                                            Carlos Drummond de Andrade






* sugestão de leitura:
 "Quando é dia de futebol", de Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

A língua da bola



Perninha! Não se trata exatamente de um palavrão. Mais correto seria dizer que se trata de um termo cunhado, como tantos outros, para situações específicas. Chinelinho, por exemplo. Quem é do ramo já os ouviu, e não faria cara de paisagem se visse alguém ser tratado desse jeito. Que me perdoem aqueles que por ventura não tenham intimidade suficiente com o futebol para ter uma noção clara do que se quer dizer no momento em que se recorre a esses termos. Em linhas gerais, chinelinho é o cara que não é muito dado a grande esforços e vira e mexe é visto de chinelo pelas dependências do clube, sem condição de jogo, se ocupando de outros cuidados enquanto o time treina ou joga. 

Já o termo "perninha" foi meio consagrado dias atrás quando o técnico do São Paulo, Fernando Diniz, o colocou entre um punhado considerável de palavrões, na hora de dar uma cobrada forte no jogador Tchê Tchê, um de seus comandados. Seria algo meio como preguiçoso. Diniz também usou o adjetivo mascarado, mas esse transborda as quatro linhas e tenho certeza que no seu meio de convívio alguma figura a essa altura já deve ter deixado bem claro do que se trata. É do jogo da vida. Mas se escolho o tema é com a intenção de tratar justamente desse linguajar que desde sempre acompanhou o jogo de bola. Pra não dizer os modos, o que exigiria um tratado. 

Confesso pra vocês que essa falta de polidez não me espanta. Mas estou longe de considerar argumento cabível afirmar que sempre foi assim e por isso sempre será. A história mostra que o jogo de bola já teve seus lordes. Poucos, é verdade, mas que devem nos servir de prova de que outros comportamentos são possíveis. O que destoa mesmo nessa história é ver um cara como Fernando Diniz envolvido nela como protagonista, alguém que desde sempre me pareceu muito interessado em dar ao homem por trás do jogo um tratamento diferente. E ao ver suas ideias tendo a crer que continua sendo. Poderia ser só um desses momentos em que o cara não segura a onda, mas é fato que em outras ocasiões ele já agiu de modo a corroborar essa imagem.

A maneira como se fala, como se trata os outros, muda a olhos vistos. Termos são banidos nos obrigando a rever conceitos. E esse papo de que no futebol é assim não cola. O próprio jornalismo viveu essa transformação. Desde sempre ouvi histórias de nomes brilhantes que insistiam em tratar subordinados de redação aos palavrões, quase aos tapas. Não duvido que alguém triunfe usando esse tipo de comportamento. Até porque o futebol tem lá suas peculiaridades, e como tem.  Mas achar que só é possível tirar o máximo de uma equipe aos berros e distribuindo palavrões me soa, além de ultrapassado, como uma tática ruim, rasa. É mais ou menos como dar uma de perninha quando se tem de encontrar outras soluções, caminhos que tenham a ver com o que o passar do tempo costuma exigir de nós.  

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Das memórias de uma trave de futebol em 1955


Hoje deu saudade do estilo do mestre Sérgio Sant'Anna. No conto abaixo ele narra um treino do Fluminense, em 1955, da perspectiva de uma velha e melancólica trave de gol do clube. Só ele mesmo. O conto foi publicado em abril do ano passado e republicado pela FOLHA pouco depois da morte do autor. E pode ser lido na íntegra no link abaixo.


                            


 

"Para assistir a treinos só vêm mesmo os fanáticos, alguns sócios, a garotada matando aula, alguns desocupados daqui de Laranjeiras. Meu posto é privilegiado, não só pela posição que ocupo no gramado, como pelo fato de estar defendendo a baliza defendida pelo Castilho, o maior goleiro do Brasil. Isso nem se discute. Mas o Fluminense está tão bem de goleiros, que o titular e o reserva, Castilho e Veludo, foram convocados para a seleção na Copa de 54. Castilho treina entre os reservas, para ser mais exigido pelo ataque titular. Nada menos que Telê, Didi, Valdo, Átis e Escurinho. Mas Didi é meia armador e um exímio cobrador de faltas, que bate com sua famosa folha seca.

A folha seca é assim: a bola vem pelo alto, mas perto do gol, perto de mim, de repente perde a força e cai, tantas vezes na rede. Didi acaba de bater uma falta dessas, só que a bola bateu na trave, eu, bem no ângulo. Não sei se devo sentir orgulho ou decepção, acho que ambas as coisas. Pois a cobrança foi perfeita, uma obra-prima, que assisti do meu posto privilegiado, mas ao mesmo tempo me sinto defendendo o gol do Castilho, meu irmão quase, eu diria. Mas Didi sorriu para dentro, com seu jeito discreto, pois foi bonito e engraçado. Pode isso? Pode."


Ler o conto

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Do juiz ao árbitro

 




Sabe, sou do tempo em que o aventureiro que se entregava ao ato de apitar uma partida de futebol era chamado de juiz. Esse papo de árbitro veio depois, muito depois. A maneira de intitulá-lo pode ter mudado mas a natureza e os desafios do ofício permanecem exatamente iguais. Tá certo, a modernidade encheu o homem de penduricalhos. Mas essa tem sido a realidade de muitas profissões. No que diz respeito aos juízes vivemos uma era muito além da caneta para anotar os cartões. Agora, além das marcas que carregam no uniforme, tem a lata de espuma pra tornar nítida a posição onde deve estar a barreira ou a bola na hora de uma cobrança de falta. O fone de ouvido, o microfone para falar com o árbitro de vídeo - essa entidade que anda colocando à prova nossa paixão pelo jogo. 


Não sei porque motivo os cartolas teimam em desafiar o velho ditado de que paciência tem limite. Um dia ela acaba e aí quem sabe - já que é pra deixar tudo na mão da tecnologia - até nós, os de cabelos brancos acabemos nos entregando a um desses esportes eletrônicos qualquer onde, imagino, ainda se pode gritar gol exatamente na hora em que a bola alcança a rede. Escrevendo aqui agora até bateu uma saudade de ver o ilustre cidadão lá no meio das feras, todo de preto, trajando camisa de gola e tudo. Uma elegância só. Por mais que a bola pudesse vir a lhe bater na canela e ir parar dentro da meta lhe deixando com a sensação de quem de repente se pega nu diante de uma multidão. 



Como disse anos atrás um velho amigo de redação, boleiro das antigas, a gente começa a desconfiar do juiz antes mesmo do jogo começar. Dizia ele que essa era uma mania tipicamente nossa. Como nunca vivi na Inglaterra, na Itália, na Argentina, ou em nenhum outro país em que o futebol tenha esse protagonismo, acabei por encarar a afirmação como possível. 
Pensando bem deve ser para explorar essa desconfiança notória que vira e mexe um time ou um dirigente decide jogar no ventilador a ficha corrida do árbitro que  horas mais tarde será a autoridade que dirá o que valeu e o que não valeu no jogo do time dele. Aí um pede a troca do árbitro escalado, e a outra parte para não deixar barato acusa a primeira de estar tomando tal atitude para colocar o futuro homem do apito contra a parede. Conversa velha, tática manjada, mas que nunca caiu em desuso. Por que será? 


No fundo acho que aceitei a teoria do amigo de redação porque vejo mesmo a dificuldade que temos para acreditar na honestidade de quem apita uma partida de futebol. O cara pode até ser um craque no assunto, mas na hora que pisa na bola o erro nunca soa apenas como um erro. Note. Isso num tempo em  que as pessoas andam acreditando em cada coisa. Terra plana, chip em vacina. Eu, de minha parte, queria a essa altura poder acreditar, ao menos, que o ilustre juiz continua sendo mesmo soberano lá no meio do circo. Mas como? Se agora além de ficar de olho em tudo ele precisa , numa fração de segundo, decidir se deve mesmo confiar no que seus olhos lhe sugeriram. Tá certo, se chegamos a esse ponto foi porque muitos por aí deram bandeira, ajudaram a sustentar grandes esquemas. Mas a desconfiança anda tamanha que agora até quando o juiz não se dá ao trabalho de ir lá na tela conferir o VAR...hum, não sei não!  

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Pelé, o inalcançável

                                                                Foto; Domicio Pinheiro

Não é de hoje que os números ganharam status de vedetes na cobertura esportiva dando ao futebol um certo gosto de tabuada. Longe de mim fazer pouco caso da matemática que, eu sei , está em tudo. Não nego aos números muitas virtudes. Muito menos escrevo para tentar tramar uma vingança barata já que a única vez que me vi reprovado na vida estudantil foi justamente em matemática. O acontecimento me causou um trauma imenso. Ser reprovado por um mísero 0,25 no tempo em que isso significava refazer todo o ano letivo, incluindo aí as matérias para as quais você por ventura tivesse se mostrado um aluno exemplar, foi um baque. Faço essa digressão toda pra dizer que anda cansando esse papo de que tem gente por aí superando Pelé. 


O Rei do futebol, meus amigos, é inalcançável. Os devotos da precisão poderão argumentar que não se trata disso, de superar. Que tudo se resume a uma constatação numérica. Mas se Messi e Cristiano Ronaldo, com suas marcas notáveis, estão longe de poder ocupar o papel que a história reservou ao mais notável camisa dez que o futebol já teve, onde está a honestidade em usar insistentemente o nome do Rei do Futebol para tentar dar uma ideia do que eles andam fazendo em campo? Por mais que andem, há tempos, fazendo coisas incríveis. Seria mais honesto comparar os números do português com os do argentino, ou vice-versa. São contemporâneos, vivem realidades parecidas. Não que tudo que essas contas provocam sejam de se desprezar. 


Mês passado quando Messi igualou a marca de Pelé em números de gols marcados por um mesmo time foi bonito ver a troca de mensagens entre os dois. Pelé dizendo que o admirava muito. O argentino respondendo que eram palavras que significavam muito vindas de alguém tão grande. Dias atrás foi a vez de Cristiano Ronaldo, que ao marcar dois gols na vitória da Juventus sobre a Udinese teria se transformado no jogador com maior números de gols em jogos oficiais da história. Nesse caso a grita foi maior, pois se a conta feita a favor de Messi deixou de somar quatrocentos e poucos gols marcados em amistosos e outras partidas feitas pelo Rei com a camisa do Santos, a feita a favor de Cristiano Ronaldo se recusava a somar alguns gols marcados por Pelé pela Seleção Paulista. Jogos notadamente oficiais também. 


Enfim, entre a história e a matemática fico com a história. Por mais que ela também comporte imprecisões. De toda forma fiquei com a impressão de ter visto um número maior de jornalistas tratando a questão com cuidado. Instintivamente, talvez, protegendo a obra monumental e a figura de Pelé. O tema me fez lembrar de outros dois personagens. Um, o piloto inglês, Lewis Hamilton, que flerta cada vez mais com a condição de melhor de todos os tempos, mas cujos recordes impressionantes mascaram um número crescente de Grandes Prêmios. E o outro, Maradona, que ao longo de toda carreira marcou apenas um gol no Brasil - e nem foi numa vitória, foi em um empate - mas que o caro leitor deve trazer na memória como um dos maiores adversários que a Seleção Brasileira já teve. Ah, os números. 

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Novas divididas

Estou convencido de que 2020 não foi um ano pra futebol. Muito menos um ano em que fazê-lo voltar à cena com a mesma tabela, com o mesmo número de jogos, não tenha se mostrado de algum modo inconsequente. Um jeito meio cara de pau de fazer de conta que tudo estava ou está sob controle. Trataram mesmo foi de cuidar dos negócios. Na medida do possível, claro, tomando algum cuidado. O mínimo. Que nunca foi tão insuficiente. Como disse um amigo não podemos glamourizar a pandemia. Mas eu de minha parte digo: triste daquele que por ventura venha  a sair dela exatamente do jeito que entrou. Se algo dessa magnitude não for capaz de nos transformar minimamente sinceramente não sei o que teria essa capacidade. 

Vejam, não estou aqui a cuspir no prato. É uma questão de ter consciência do que o momento exigia e exige. Ter tido um jogo de bola pra nos distrair certamente teve seu papel nessa dureza toda. E até a noite de ontem eles estavam aí a nos distrair com seus enredos. Certamente não foram poucas as conversas que se fizeram mais leves por causa dele. Vai saber quantos bate papos não teriam se resumido a uma récita dos números da pandemia e suas histórias tristes se a bola não estivesse rolando. Nem por isso devemos absolver os que insistiram nesse calendário entupido, pra não dizer estúpido.  Abarrotado e alimentando o fantasma de um WO. 

Não teria sido uma boa hora para adequar o nosso calendário ao calendário europeu? No mínimo teríamos, quem sabe , livrado o torcedor brasileiro de uma vez por todas do desgosto que costuma abatê-lo quando se abrem as janelas de transferência por esse mundão afora. Santa ingenuidade pensará o cartola que por ventura venha a pousar seus olhos sobre estas linhas. Seria preciso para isso deixar de honrar o que já estava acordado e que garantiria as cifras de sempre. E tomar outras tantas e tão corajosas atitudes. Entrar numa dividida brava com o mercado publicitário, talvez. Mas não perco a esperança.  Pois se não demos de cara com lances de coragem nos bastidores, algo em campo parece ter se quebrado. 

Aquele jogo entre PSG e Istambul não há de se perder no abismo do tempo. No mínimo mostrou que há atitudes bem mais eficazes do que espalhar banners e placas pelas laterais dos gramados pedindo isso ou aquilo. As grandes mudanças não costumam brotar de gabinetes nem de salas com ar condicionado. E também não costumam se dar em cenários em que culpados não são punidos. Mas tudo pode mudar. Ou você algum dia imaginou que fosse possível se divertir vendo seu time jogar num estádio absolutamente vazio? Que lição poderia nos mostrar melhor o quanto esse nosso tempo tem nos colocado na condição de meros figurantes? 

Mas esse mesmo jogo de bola, brutal e mágico, pode nos emprestar uma boa metáfora, uma tática que nos salve dessa condição. A boa e velha valentia para encarar grandes divididas.  Coisa da qual a vida não costuma poupar nem mesmo os craques. E não me venham falar que é bom que este ano se vá depressa, pois não há nada mais ingrato do que fazer pouco caso do tempo que nos foi dado. E que tenhamos saúde e coragem para as divididas.