sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Mora na filosofia


Sem firulas. Pode dizer. Quando você ouviu que o Palmeiras tinha contratado Vanderlei Luxemburgo ficou meio sem entender nada e o ocorrido de certa forma lhe intriga até agora, é, ou não é? Mas relaxe, acho que a coisa pode ser encarada como normal. Era difícil mesmo acreditar nos rumores a respeito e creio que isso explica em boa parte essa sensação, da qual partilho, vale a pena dizer. Provavelmente já tínhamos convencido nosso imaginário de que o lugar seria de Sampaoli. E mesmo depois de as tratativas com o argentino terem ido por água abaixo nossa cabeça insistia em trabalhar com possibilidades do mesmo quilate ou que fossem na mesma linha. 

Talvez o Palmeiras tenha sido sob certa ótica até mais ousado, o que não quer dizer mais preciso, ao optar por um velho conhecido. À parte todas as questões que cercam a volta dele ao clube é imperioso reconhecer que sempre é de alguma valia ter no comando alguém identificado com a camisa que vai defender. Ainda que isso não baste, obviamente. Luxemburgo é figura rara. Conhece como poucos o futebol brasileiro e tem um faro pra lá de apurado para sacar quais são os ventos que costumam mover a crônica esportiva. Aquela mistura de experiência com malandragem que as vezes se revela um bom escudo para quem vive nesse meio. 

Mas para ser ainda mais justo com Luxemburgo é preciso admitir que se trata de alguém cuja vida pessoal - em dado momento - turvou de certa forma sua vida profissional. Uma questão sempre delicada demais. Mas seja como for Luxa deu um jeito de passar por cima de tudo e seguir no ofício. Conseguiu se livrar até daquela imagem de treinador que queria tomar conta de tudo, mandar além das quatro linhas. E esse pode ser um detalhe capaz de fazer dessa volta dele a redenção total. E digo isso porque com o Palmeiras querendo colocar limites no poder de certos diretores, ao novo treinador restará o campo. E nisso, todo mundo diz , o homem sempre foi um mestre.  

E não estou dizendo isso da boca pra fora não. Ao longo da carreira não foram poucas as vezes em que perguntei - ou testemunhei gente perguntar - a jogadores e ex-jogadores qual tinha sido o treinador que mais lhes marcou e, devo dizer, não foram poucas as vezes em que a resposta que ouvi foi a mesma e contundente: Luxemburgo. Seu extenso hall de títulos brasileiros deveria ser suficiente para amparar a escolha, mas Luxemburgo tem um cartel que vai muito além e faz dele um dos técnicos mais vitoriosos do nosso futebol. 

Dirigiu a seleção. Bem ou mal construiu uma trajetória que o fez treinador do Real Madrid.  Ao contrário de muitos, não faço pouco caso do que Luxa fez à frente do Vasco. Como entendo os que dizem que se tratou apenas de trabalho mediano. Mas, às vezes, só com nota pra passar a gente se mantém no jogo ou, nesse caso, volta para ele. Luxa, voltou.  E, pra ser mais claro, na minha opinião pensará mais em atacar do que Felipão e Mano juntos. Além do mais, qual outro treinador seria capaz de dizer ao partir que não chegou a um acordo com o time que dirigia nem financeira nem filosoficamente? Só ele.  Mora na filosofia?

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Um Brasileirão pra durar


Era uma vez o campeonato Brasileiro de 2019, que graças ao futebol apresentado pelo Flamengo tem tudo pra ser mais lembrado do que muitos outros. Antes dele qual teria sido o mais marcante? O que fez triunfar o Palmeiras da era Parmalat seria sério candidato. Tivemos também as edições enaltecidas por acontecimentos. Caso do tri do São Paulo no final da primeira década dos anos dois mil. Mas se tivesse realmente que apontar um talvez escolhesse o do Cruzeiro de 2003, quando o time mineiro sobrou. Fez cem pontos e mais de uma centena de gols sob o comando de Vanderlei Luxemburgo, e  ao fim dele tinha treze pontos a mais do que o vice-líder Santos. A essa altura pode parecer afronta citar o Cruzeiro nessa condição, pouco depois de o time mineiro fazer sua torcida viver o calvário de um descenso com requintes de crueldade . 

Mas há nessa edição do Brasileirão que se vai uma riqueza de personagens que pode ser decisiva pra que ele ganhe ares mais perenes. Muita gente ao lembrar daquele Cruzeiro imediatamente lembrará do papel que teve o meia Alex, mas talvez sofra um tanto para lembrar outros jogadores daquele time que mereciam estar ao lado de Alex. Aristizábal, Edu Dracena. O que não será o caso do time rubro-negro. Suspeito que ao longo de um bom tempo o torcedor do Flamengo ao falar de Gabigol fatalmente se lembrará de Bruno Henrique, e de Arrascaeta, e de muitos outros. De Jesus nem se fala. E o vice-campeão brasileiro também irá contribuir pra isso. Não com um hall tão extenso de nomes pretensamente duradouros.  Mas o argentino Sampaoli, é de se supor, sozinho, dará conta disso. 

A história pode vir a diluir nomes como o do venezuelano Soteldo, tão importante para o time da Vila nesse segundo semestre. O nome do próprio Marinho, outro que foi muito bem, cheio de atitude. Mas o nome de Sampaoli soará mais insistente que esses seja qual for o rumo que ele tomar  depois de ter colocado um ponto final no que , se bem administrado, poderia ter sido mais duradouro e promissor ainda. O capítulo final escrito em plena Vila Belmiro com goleada retumbante sobre o cortejado Flamengo só fez essa sensação de perenidade crescer. Espero como muita gente por aí que essa edição de 2019 - com seus Jorges estrangeiros - tenha mesmo sido um divisor de águas e deixe como nobre legado  uma melhora do nosso futebol. Que semeie naqueles que se encarregam do espetáculo uma dose a mais de ousadia. E por que não dizer de fantasia? 

Gostaria de poder afirmar, mirando o Palmeiras, que dinheiro não é tudo. Mas não é bem assim. O Flamengo ao mesmo tempo em que areja o nosso futebol nos expõe ao risco de um desequilíbrio de forças, de uma polarização entre os muito abastados e aqueles que vivem com modestos orçamentos. Veneno que minou o jogo de bola desde que alguns passaram a ver nele , antes de tudo , um grande negócio. Como costuma ser dito por aí: quem gosta de futebol somos nós. Eles gostam é de dinheiro. E digo isso pois termino esse Brasileirão com a impressão de que ele só foi assim, porque alguém em algum momento pensou mais nele do que na grana. 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Um devoto do futebol arte


Neste momento em que a qualidade e os métodos dos nossos treinadores são tão questionados me pareceu muito simbólica a partida de Otacílio Pires de Camargo, o técnico Cilinho. Confesso certo incômodo ao ter dado de de cara com manchetes que o definiam como o técnico dos "Menudos do Morumbi", quando ele foi na verdade bem mais do que isso. Não é fácil defini-lo, existia uma certa complexidade na sua figura. Era orgulhoso de sua veia de boêmio. Gostava de contar que quando ia ao sul um dos programas que cumpria era ir tomar umas e outras com Lupicínio Rodrigues que, segundo ele, era assíduo frequentador de um mercado de Porto Alegre. 

Cilinho era um cara do interior e moldado pelo futebol do interior numa época em que isso era sinônimo de certa excelência. Diria que ele tinha algo de Fernando Diniz, um treinador que destoava dos outros. O São Paulo realmente teve um peso na trajetória de Cilinho, foi o grande que lhe abriu as portas depois de ter visto o que ele andava fazendo. Uma aposta que deu muito certo. Segundo Cilinho foi por causa do sucesso com o tricolor que a questão do uso dos cones nos treinamentos ganhou tanta importância. Os usava para ajudar a mostrar o posicionamento que queria de seus jogadores em campo. Acontece que a boa fase do time do Morumbi gerou certa espionagem. E os espiões quando puseram os olhos sobre o trabalho dele deram de cara com os cones sem entender bem o que viam. 

Enfim, os cones ganharam fama. Cilinho beirava a poesia, certa vez disse ao amigo e repórter Dorival Bramont que o futebol era um ato de amor, e aproveitou pra dizer também que gostava de usá-lo para abrir caminhos para os outros, o que explica o apreço que tinha por trabalhar com jovens. Não faz muito tempo dei de cara com uma antiga matéria que mostrava o famoso time do São Paulo acompanhando um espetáculo de circo. Imaginem quem tinha levado o time  lá? Ele! Cilinho afirmava que o ambiente enriqueceria seus jogadores, os faria se relacionar com o mundo artístico. Jamais teve dúvida de que o futebol devia , antes de qualquer outra coisa, ser um espetáculo. 

Deixava entrever em seu papo uma vaidade nobre. Um orgulho de certo meio campo do XV de Jaú montado por ele e reconhecido na ocasião como o melhor do futebol paulista. A respeito dos cones disse certa vez, que em dado momento eram tão eficientes que tinha a sensação de que se trabalhasse bem durante a semana talvez no domingo nem precisasse estar com o time. Se sentia realizado ao perceber que um comandado seu nem precisava mais olhar para o companheiro para saber em que parte do campo estaria. E sobre a famosa história do espelho com Careca,  esclareceu. Vendo a fase que o jogador atravessava lhe perguntou se poderia contratar um nove. Careca o autorizou. Na sequência Cilinho lhe disse que tinha encontrado um amigo em comum e este havia lhe enviado um presente. O jogador o abriu e deu de cara com um espelho. Ainda mirava a própria imagem quando Cilinho conclui dizendo que era aquele o jogador que ele queria. Ah, não tô a fim de estátua, também disse Cilinho certa vez .