quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Tudo de bom...

Nunca fui um sujeito de ar superlativo na hora em que as crendices de final de ano quase nos convencem de que é possível aproveitar a onda e tascar no universo um sem fim de pedidos. Ao contrário, o momento costuma me levar a uma certa consciência da nossa pequenez. De modo que me contento, ou contentaria, em me ver contemplado por coisas que o dinheiro não compra e que acabam tendo seu valor ofuscado. Na maioria das vezes por cifras. Assim sendo, diante de tudo que tenho visto por aí na hora em que os fogos de artíficio começarem a encher o céu de brilho e fumaça, e depois de reverenciar coisas que considero indispensáveis, como saúde e paz, discretamente cruzarei os dedos e pedirei que as pessoas passem a pensar um pouco mais antes de sair por aí dizendo o que pensam. 

Uma dose de reflexão, ainda que mínima, nos livraria de ouvir cretinices imensas. Suponho, ao menos. Prezo muito a liberdade, portanto, jamais  teria a inocência de pedir ou ousaria rogar que as pessoas parassem de pensar asneiras. Mas um tantinho só de simancol já seria de grande utilidade, faria muita gente por aí guardar pra si parte das pérolas que andam lhe povoando as cabeças. Sem contar que dariam  ao mundo um mínimo verniz de civilidade. Muito embora, na minha opinião, no geral, a cada dia que passa nos considerar civilizados soe um tanto pretensioso.

E talvez seja o caso de esclarecer-lhes que este humor um tanto conflitante com o que sugere a época do ano foi inspirado na declaração grotesca dada pelo presidente do colombiano Deportes Tolima dias atrás, o digníssimo Sr Gabriel Camargo. O homem nem corou quando afirmou que o futebol feminino é um tremendo terreno fértil para o lesbianismo. Talvez fosse o caso de perguntar ao mandatário: e o futebol masculino, com o supra sumo de seus cartolas todos encrencados, seria terreno fértil para o que? Triste é saber ainda que a declaração foi dada na Colômbia que, com o Atlético Huila, acaba de conquistar a Libertadores Feminina. O time colombiano venceu o Santos na final. 
Lucas Figueiredo/CBF

Mas no fundo de todo esse descontentamento estava a obrigação imposta pela Conmebol de que a partir de 2019 todo time que dispute a Libertadores tenha também uma equipe feminina. As declarações, embora lamentáveis, talvez não tivessem mexido tanto comigo se o futebol feminino por aqui não tivesse atravessado mais um ano mostrando a velha fibra de sempre. Em matéria de ranking já vivemos dias melhores, não resta dúvida. Mas a campanha da nossa seleção feminina na Copa América deu gosto de ver. Um título conquistado de maneira invicta e com nossas meninas fazendo ao menos três gols em cada partida, inclusive na final contra a Colômbia, vencida por três a zero.  

Sei que as condições estão longe do ideal mas algo me diz que houve algum avanço. E essa imposição da Conmebol de alguma forma irá acelerar um pouco o processo. Graças ao suor das nossas jogadoras temos um lugar garantido na Olimpíada de Tokyo e na Copa do Mundo de Futebol Feminino que será realizada em junho na França e que será um dos grandes eventos esportivos do ano que está chegando.  Por essas e outras talvez seja o caso de mandar pra escanteio a imbecilidade de certos cartolas e deixar que a vibração do nosso time feminino dite o tom dos pedidos. Enfim, tudo de bom... pra quem faz por merecer.   

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Pontos de vista

 

Quando Raphael Veiga andava esquecido no Palmeiras um velho amigo de redação não cansava de encher a bola dele. Santista que é, não se conformava que o clube não tivesse olhos pra ele, que ninguém fosse lá conversar. Atravessou boa parte da temporada passada insistindo nisso e o tempo se encarregou de mostrar que estava coberto de razão. Adoro conversar com o figura, que é dono de um olhar treinado e que, acreditem, costuma fazer pouco dos medalhões, cuja capacidade conhece de cor e salteado. Dez minutos de papo e o sujeito fatalmente o faz  olhar - com outros olhos - pra uns três ou quatro jogadores que andam por aí sem serem notados. Em geral, garotos, distantes - ainda - da fama e que por isso mesmo o mundo da bola e a crônica costumam esnobar. O fato é que o futebol brasileiro descobriu, ou redescobriu Rapahel Veiga, com justiça, mas tal achado jamais será novidade pro meu amigo aqui. E o futebol está cheios de casos do tipo. 

Raro é ver um treinador com o moral do Sampaoli baixar na nossa área.  Se a intenção era causar furor deu certo. A mim chega a intrigar que uma administração contestada tenha se mostrado tão precisa na hora de escolher os nomes para comandar o time da Vila Belmiro.  Jair Ventura chegou quando era nome dos mais cobiçados. E por essa razão imagino que convencê-lo tenha sido também uma prova de bom uso  do que o  Santos representa. Mas que os envolvidos em tal louvor não pensem que se trata de algo que pode durar pra sempre. Depois veio o Cuca e, ainda que o time não tenha acabado na Libertadores, em algum momento, sob o comando dele, a torcida pôde se divertir achando que era possível - não provável - estragar a festa palmeirense. Enfim, pode-se falar o que quiser de Jorge Sampaoli. Pode-se até duvidar do atual momento que atravessa, mas que é um nome de respeito isso é. 

De resto, como dizem, o título de mais querido nunca coube tão bem ao Flamengo. O rubro-negro anda tão sedutor que Marinho não se aguentou e mandou algo no estilo me chama que eu vou. Vejam só. Seduzido também andou Felipe Melo. Sabe, intimidação sempre fez parte do universo esportivo. Mas de minha parte não tenho apreço por nada e ninguém que faça o futebol ficar meio parecido com rugby ou, em última instância, lhe empreste um certo clima de MMA. Gosto mesmo é de saber que um cara como Fernando Diniz  voltou a ter um time pra chamar de seu. Coisa que interpreto como aceite de ousadia, de topar  trilhar um caminho diferente. Mas a bola da vez é o atacante Pablo. 

Gostei da sinceridade dele ao dizer pra um repórter depois da conquista do título da Sul-Americana que precisava daquilo, tinha doze anos de clube. Expôs assim a veia pouco indulgente do futebol. Um cara que andou fazendo tudo o que ele fez não deveria ter essa dependência. Mas o jogo é cruel nesse sentido e ter consciência disso jamais irá fazer mal a qualquer boleiro.  Há coisas que custam a mudar. Está aí o Felipão com seu estilo e sua história pra provar, pra mostrar que antigas receitas continuam sendo de uma eficácia danada. Mas acho que não dá pra não reconhecer o valor de uma nova geração de treinadores que aos poucos vai entrando em cena. Seria brigar com a história. O pecado da ausência de resultados continuará não sendo perdoado. A gente tá cansado de saber que o que é dado aos medalhões é só um tempo um tanto maior para as orações. Vai que rola algum milagre.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Surpresas


Javier Soriano/ AFP

Não era exatamente minha vontade começar escrevendo sobre o jogo que decidiu a Libertadores. O assunto se impôs, creiam. E aí vai ele. Entendo perfeitamente os descontentes com o desenlace da pendenga. Os que se negaram veementemente a assistir a decisão em terras espanholas.  Leve  em conta também que esse espaço de tempo que se situa entre o final da temporada e o final do ano é um desafio para quem escreve. Os acontecimentos dignos de nota rareiam, os que se dão são explorados até o caroço -  talvez nesse filão se encaixe o Boca x River - e , por outro lado, as negociatas que vão sendo tramadas nos bastidores podem de uma hora pra outra provocar uma grande notícia. 

De minha parte devo dizer que mesmo com todo o desencanto e descontentamento a final argentina da Libertadores me ganhou. Algo me dizia que o que veria seria um jogo esquisito, cuja alma tinha sido subtraída. Que nada. A partida me surpreendeu desde o início, quando o River me fez acreditar que não estava num bom dia.  Creio que até o Boca e sua torcida ao ver o que se desenhava no gramado do Santiago Bernabeu partilharam da minha impressão. Um jogo erguido com a fina mistura de técnica e coração. Seria bom que a história registrasse com mão firme a falta de capacidade e de caráter dos cartolas sul-americanos no episódio. Se digo isso é por achar que ela cometerá a injustiça de guardar mais a emoção do encontro do que a realidade bizarra que cercou a realização do mesmo. 
Albari Rosa/ Gazeta do Povo

E por falar em final de temporada vale registrar que se pra nós, brasileiros, ela só se encerrou na noite de ontem foi graças ao Atlético Paranaense, dono de um futebol vistoso, bom de se ver. Escrevo antes do jogo de ida. Mas nem mesmo uma noite infeliz vivida na Arena da Baixada tiraria do Furacão a condição de time elogiável. Sou um admirador confesso do técnico Fernando Diniz. Sei que essa coisa de detectar no time paranaense a herança deixada por ele já virou um lugar comum. Mas nunca foi tão fácil de percebê-la quanto no jogo de ida contra o time colombiano.  Não creio estar vendo coisa, como dizem por aí. Esse lance do toque de bola atrás, muitas vezes dentro da grande área, que exige sangue frio até de quem assiste o embate, é tão nobre e singular que desestabiliza o adversário, o desorganiza inevitavelmente. 

Primeiramente ou, principalmente, por colocá-lo diante de uma situação singular. E se há algo que pode tirar alguém da zona de conforto é ter de lidar com o novo. Cabe também um elogio ao time do Júnior Barranquilha que mostrou, como o Atlético, um jeito de jogar maduro. Consciente do que queria fazer em campo. Com jogadores capazes de apostar boa parte das vezes na ousadia, sem que isso soasse fora de lugar. Algo que tem sido verdadeiramente raro. E há um triunfo simbólico no fato de o Atlético Paranaense ter sido o último a sair de cena nesta temporada, depois de times como Palmeiras e Grêmio terem visto o sonho de conquista da Libertadores não se concretizar. Um segundo turno muito bom, aquela marcante vitória sobre o Flamengo com time reserva diante de um Maracanã lotado. Enfim, o Atlético Paranaense assim como o jogo de volta entre River e Boca foram pra mim gratas surpresas desse final de temporada. 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Os caprichos da história


Em matéria de história diria que a primeira impressão nem sempre é a que fica. De cara lembro aqui de um exemplo, que me parece claro, da acomodação que se dá com o passar dos anos.  Falo da Copa do Mundo de 1994. Recordo muito bem a insatisfação da torcida, a falta de empolgação com o time do Parreira. E olha que era um time que bem, ou mal, estava colocando um ponto final num jejum de Copas que já nos castigava havia mais de duas décadas. O descontentamento era imenso. E, portanto, não foi por acaso que o capitão Dunga na hora de erguer a taça se tornou também o primeiro capitão da história a proferir palavrões com ela em mãos. 

Poderia ser parte do estilo Dunga, poderia, não creio que foi o caso. Mas o tempo passou e hoje em dia quando se fala daquela seleção  as pessoas vão longo lembrando da dupla Bebeto e Romário com um sorriso no rosto. Enfim, a coisa se dá com uma boa vontade que não lembro ter visto enquanto o fato se dava. E isso não é exclusividade do futebol, nada disso. Sabidamente a história não costuma tratar os fatos  exatamente como boa parte de nós os enxerga. E o que me fez lembrar disso foi certa curiosidade sobre a forma como a história irá tratar esse Palmeiras que acabamos de ver triunfar, com certa incontinência de continências. 

Dois títulos e um vice em três Brasileiros disputados é coisa que soa rara. Como raro foi o segundo turno da equipe. O que me deixou também  com a impressão de que as análises feitas a respeito do Corinthians do ano passado também traziam consigo uma dose de equívoco. A saber. Diziam aos quatro ventos que um primeiro turno como aquele do Corinthians era coisa que não se veria tão cedo. Ponto de vista corroborado depois de um segundo turno com evidente queda de aproveitamento do time comandado por Fábio Carille, que trama sua volta ao parque São Jorge. 

Com esse Palmeiras de Felipão tivemos a prova de que não era bem assim, pois o time de Bruno Henrique, Dudu & cia fez um turno à altura aquele. E ainda ganha um corpo se levarmos em conta que suas quatorze vitórias e cinco empates  se deram no desenrolar do segundo semestre quando juram todos, ou quase todos, que o futebol dos times já se revela seriamente comprometido pelo desgaste do nosso calendário vampiresco.  É óbvio que o time alviverde tinha muito mais recursos, e por essa razão não soa tão surpreendente. Mas esse era um detalhe que ninguém levava em conta. 

Ninguém dizia à época, por exemplo, que seria preciso gastar muito dinheiro para fazer algo parecido com o que andava fazendo o Corinthians. Mesmo porque a história já mostrou que dinheiro nunca foi garantia direta de consagração.  Dizia-se que o que estávamos vendo era um ponto fora da curva e pronto.  Ao Palmeiras atual falta alguém com a envergadura de um Evair ou de um São Marcos. Mas o caminho está pavimentado. E a conquista de um título continental na temporada que virá certamente obrigará a história a se curvar a esse Palmeiras endinheirado dos dias que correm e coloca-lo em um lugar, em geral, reservado aos grandes esquadrões, algo que mesmo diante de todo o brilho tenho a impressão de que ela ainda não fez.