quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

A contenda - Santos x Sampaoli


No fim das contas você pode dizer que estou ficando louco. Que não entendi nada. Que sou um ingênuo. Que o mundo do futebol é um caso à parte. E isso sabemos todos que é. Mas esse papo dos dez milhões que devem ou não devem ser pagos para o ex-treinador santista, Jorge Sampaoli, é difícil de engolir. Dirão os mais ácidos que o torcedor santista já engoliu piores. O que também é verdade. As dezenas de milhões entregues por Leandro Damião e as outras que serão entregues pelo peruano Cueva são dois belíssimos exemplos. 

Trata-se de um mundo tão à parte que nem perto o clube está ou esteve  de achar culpados por  tais transações, que até o mais desavisado torcedor concluiria que de algum modo lesam o clube. Isso ainda que nos últimos anos vários mecanismos tenham sido criados para corrigir rotas e , principalmente, para não deixar apenas com o rei o poder de decidir como gastar a bufunfa que nunca é pouca mesmo para os ditos menos abastados. Por mais que o contrato entre o clube santista e o argentino guarde certas clausulas ou exigências chega uma hora em que demissão é demissão. 

No mundo dos normais se um funcionário pede ao patrão uma condição melhor para trabalhar e este lhe diz que infelizmente não tem como atendê-lo resta ao descontente pedir as contas ou aceitar que seguirá trabalhando com o que tem. Mas a essa altura é bom que se diga: não se trata mais - ou nunca se tratou - de um um caso de alguém que pediu demissão ou que foi demitido, notem. Essa é uma versão simplista propagada desde o começo e que ajuda a acobertar o que realmente interessa. Se o clube deixou de cumprir obrigações com o contratado e desse modo deu ao argentino um álibi que muito provavelmente será reconhecido pela justiça estamos mais uma vez diante de um tipo de conduta que em última instância lesa o clube. Ou estou louco? 

Se achar que é um caso de saúde mental deste que vos escreve o nobre leitor é livre para ficar por aqui. Agora, loucura pra mim é contratar o Cueva depois de tudo o que se sabia e se tinha visto dele. Esqueçam o que o jogador fez na Copa América, aquilo ou era uma fantasia ou era o próprio jogando, digamos, para ele.  Pedido de Sampaoli como dizem? Difícil entender como alguém que sabe tanto do jogo defende uma coisa dessas.  De qualquer forma a grana não era dele e assim sempre fica mais fácil aceitar o risco. Vamos dizer que àquela altura quem respondia pelo clube não estava totalmente convencido da transação mas também não queria desagradar o recém chegado treinador. Não importa, errou. 

Mas vamos voltar ao caso dos dez milhões. Se o Santos fez tudo certo, se não deu álibi,  não tem que se preocupar. Derrotar Sampaoli nesse queda de braço é obrigação, e além disso faria bem para a imagem da atual administração. Se o demitiu na segunda ou na quarta e o que isso implicará saberemos mais à frente. Sampaoli por sua vez, se diz que foi mandado embora, que o seu Fundo de Garantia não estava sendo pago, como não nasceu ontem,  deve ter tudo muito bem documentado. Seja como for no fim tudo isso é secundário. Importa que o clube tenha tomado atitudes que não o façam uma vez mais torrar alguns milhões. É apenas essa a conclusão a que chego quando vejo o assunto voltar à tona como se viu dias trás. 


* Artigo escrito para o jornal " A Tribuna", Santos/SP

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Um romântico ao avesso


Pra ser franco quando eu era moleque o mundo da bola não ia muito longe. Quando o comparo com o de hoje, povoado por uma molecada mais interessada nos grandes clubes da Europa, percebo que ele era mesmo pequeno como eu, como cada guri que dividia comigo e com os amigos as emoções de uma pelada.  Em certos momentos até encolhia, sua fronteira não passava do bairro. Isso quando não se limitava à rua de trás, que na verdade não era bem a de trás, era meio a do lado, onde reinava um esquadrão que se apresentava sempre com uma mistura fatal de malandragem e habilidade. 

Vencê-lo pela habilidade era até possível, difícil era equilibrar a malandragem. Lidar com a intimidação quando a coisa esquentava. Mas se digo que era um mundo acanhado é por pura licença poética,  talvez melhor fosse defini-lo como do tamanho do nosso país, no máximo um mundo sul-americano. O que, convenhamos, é imenso. Dos craques que estavam do outro lado do oceano desfrutávamos mesmo quando chegava uma Copa do Mundo. E esse encontro só reforçava o deleite que tínhamos com ela. 

Fora disso, em matéria de futebol gringo o que dava pra dizer que pintava na área era um ou outro lance ou notícia dos fora de série, cujo talento nunca encontrou fronteiras. Cruyff, Beckenbauer e quem mais tivesse bola para figurar nesse panteão. Um moleque que gostava de jogar no gol como eu, quando fazia uma boa defesa, tirava um sarro do adversário gritando nomes como Valdir Peres, Leão e, no meu caso, principalmente, Manga! Ele na época mostrava o que sabia envergando a camisa do Inter, de Porto Alegre. Um mundo que chegava ao sul, mas quase nunca ao Norte. E isso talvez dê uma boa ideia dos limites daquele nosso mundo futebolístico de outrora. E se na linha estivesse, fatalmente se ouviria os nomes de Zico, Falcão, Zé Sergio e, caso o moleque fosse meio metido, até um Pelé. Nome que não se devia falar em vão e que quando usei, juro, foi pra tirar onda. 

Mas se você acha que estou falando tudo isso pra cair naquele lugar comum vertendo lamentos pela molecada atual se derreter por um Barcelona ou por um bonitão qualquer desses que frequenta a Premier League está enganado. Tenho aqui um drible muito bem guardado pra lhe dar. Condenar a  molecada ao nosso futebol a essa altura seria castigo dos grandes. E digo mais, o problema não é só saber jogar bola, não. Tenho a impressão de que os nossos jogadores já não lhe seduzem, nem mesmo quando banhados na luz dourada das glórias. O que diz muito.

Posso estar errado, prometo ficar atento e farei questão de dar testemunho se dia desses encontrar por aí um moleque querendo ser um Gabigol e não um De Bruyne. Vou dar uma reparada quando passar perto de um bate bola. Mas jamais vou desistir de tentar mostrar para os que verdadeiramente ocuparão o futuro a beleza de se torcer para a minha estimada Portuguesa Santista, ou apontar aos de agora a beleza clássica que se esconde por trás de um jogo do Juventus, da Mooca. 

Aos incomodados com esse desfile de camisas gringas que passamos a ver por aí digo: nunca será pecado gostar do que é bonito. Que eles se deleitem com o véu de fantasia que se derrama sobre as jogadas de Cristiano Ronaldo e companhia, mas que um dia  voltem a descobrir a ansiedade e a curtição de esperar um jogo contra o time da rua de trás.


* artigo escrito para o jornal " A Tribuna", Santos /SP

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Uma entrevista...



"A escrita é uma arte de pobres, ascetas, solitários e sonhadores. É simultaneamente uma arte muito povoada e democrática, não só porque exige poucos meios, mas sobretudo porque dá voz a todos os seres, sem hierarquias. Creio que por isso floresce com particular fulgor na pobreza e na crise — porque feita de memória e sonho, os andaimes que nos sustentam sobre os abismos."


Palavras ditas pela escritora Inês Pedrosa. 
A entrevista na íntegra você pode ler no link abaixo.



Escrever num tempo de barbárie - Revista Caliban

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Uma vitória virtual



Se vocês soubessem detalhes da minha vida digital diriam que eu enlouqueci ao escolher um tema desses. Talvez. Digo isso porque ainda faço fotos com filme, escuto música em discos de vinil e , como costumo brincar com os amigos, trabalho em TV aberta. Mas não pensem que é tudo. Até hoje pago conta no caixa eletrônico, não uso aplicativo de banco e quando compro pela internet imprimo o boleto. É mole? Em outras palavras, sou um sujeito atropelado pelo tempo.

Esse tempo implacável que traz consigo aquela cara de total descaso, de quem não toma conhecimento de nada. Mas o fato é que domar o mundo digital mais do que ser um desafio é uma exigência. Tentar driblá-lo é uma coisa, não reconhecer sua importância, outra. E por mais que questões demográficas e econômicas sejam decisivas para os números de que vou falar creio que o Santos tem algo a comemorar.

Faço essa afirmação porque no recém divulgado ranking digital dos clubes brasileiros de futebol o time da Vila só fica atrás do Flamengo e do chamado trio de ferro, formado por Corinthians, São Paulo e Palmeiras. Exatamente nessa ordem, de acordo com os números publicados pelo Ibope. Com seus mais de oito milhões trezentos e setenta e quatro mil seguidores o Santos está na frente de clubes como o Grêmio e todos os outros ditos grandes do Rio. 

Tem vantagem de mais de um milhão de seguidores em relação ao Vasco, o melhor colocado entre eles. O time de São Januário, aliás, é seguido pelos mineiros Atlético e Cruzeiro. O time santista não conquistou essa condição agora. Já figura nesse patamar há algum tempo, ainda que os números de que trato sejam deste mês de fevereiro. A coisa é dinâmica. E nesse universo o Flamengo, que ocupa a ponta da tabela, acaba de ultrapassar a barreira dos vinte e oito milhões de inscritos, beirando os vinte e nove. 

No calor de uma fase pra lá de bem sucedida só em janeiro conseguiu colocar na conta rubro-negra mais setecentos e trinta mil inscritos. E no último mês de novembro, no auge da temporada passada, tinha alcançado a melhor marca da série histórica -  medida desde julho de 2016 - ampliando em nada menos do que um milhão e oitocentos mil seu número de seguidores. A diferença para o Corinthians, segundo colocado, é de pouco mais de cinco milhões. 

Por dever de ofício, já que acompanhar o conteúdo virtual dos clubes é algo que se impôs à crônica esportiva, tenho observado de perto a construção desse patrimônio. Não tenho detalhes de bastidores para analisar como a questão está sendo tratada pela atual diretoria e se vai no caminho certo, mas acredito que a atenção dada por profissionais de gestões anteriores à TV Santos, por exemplo, teve papel fundamental nesse resulatdo. 

E devo registrar também que não tem sido raro ouvir comentários elogiosos ao material que o clube divulga na rede. Não será fácil se manter.  O Grêmio que tem seguido o Santos de perto está entre os clubes que mais viram sua base digital crescer no último mês. Os mais descrentes do mundo digital dirão que querem ver é gol, mas eu, com toda minha veia analógica vos digo: se trata de uma vitória.

* artigo escrito para o jornal " A Tribuna", de Santos

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Assim falou...Luxemburgo.




“Nós, técnicos de ponta, somos bem remunerados, temos o futebol de primeiro nível. Nossa competição é de primeiro nível. Se pegar o Campeonato Brasileiro, com a disputa da Champions League, vai ver que nosso campeonato bate a pau a pau”, afirmou Luxemburgo.


Sejamos pouco exigentes. O dito no mínimo nos faz pensar, mesmo que discordando totalmente. As palavras foram proferidas no programa Jogo Sagrado, da FOX Sports. Se entendo um pouco o Luxemburgo, acho que até ele
não pensa assim, só acha que isso o colocaria sob os holofotes. Mas...  

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Futebol (pra nós) é paixão


Vocês são o que o futebol brasileiro é: paixão. Talvez a frase de Jesualdo, técnico santista,  nem tenha sido exatamente essa, não importa, o espírito era. E ela me fisgou. Mesmo a sabendo de uma simplicidade absurda, quase óbvia. E é bom que se diga que  Jesualdo depois ainda a completou tentando fazer seus interlocutores na sala de imprensa perceberem que isso contaminava tudo. Os jogadores, a imprensa, a arbitragem. Olha não é de hoje que tenho me divertido com a interpretação que os treinadores que vêm de fora têm feito de nós, do nosso jogo de bola. 

Foi assim com Sampaoli, tem sido com Jorge Jesus, infinitamente mais afiado do que o argentino nesse sentido, mas em tal quesito ouso dizer que Jesualdo, no brevíssimo tempo em que está entre nós, dá pinta de que  tem tudo para suplantar os dois. Gosto do tom, que deixa transparecer certa impaciência mas sem cometer o pecado de descambar para o mal educado. O que nestes tempos que correm deve ser louvado. Estão, me parece, na contramão dos nossos, sempre querendo rebuscar o tema. Enquanto os gringos esbanjam simplicidade e, armados dela, vão na veia. 

Ausente que andei, pois de outra forma não se chega nem perto de se desfrutar o que costumam chamar de férias, ainda assim pude sentir no ar como exigiram do português Jesualdo logo de saída. Portanto, cabe dizer , ou reafirmar - pois tudo o que coloquei aqui vai nessa direção- que o discurso do homem deixa transparecer um profissional à altura do desafio. Ainda que pensar em ganhar guerras sem armas não passe de quimera. Sei que tem sido lugar comum nas últimas temporadas ressaltar as fragilidades do clube santista. Mas como se deu desde sempre boas campanhas costumam salvar a pele de muita gente e dar aos cautelosos um ar de anunciadores do apocalipse. 

Mas seria muito salutar que o torcedor santista não fizesse  do trabalho excepcional de Sampaoli na temporada passada algo que pese sobre o trabalho do novo treinador. Mas pedir isso só seria viável se não fossemos todos embebidos em paixão como disse o próprio. E seria bom também que quem manda no Santos não tratasse essa sensação de fragilidade do time como coisa de opositores ou de gente que faz questão de jogar contra. Que levassem em conta, ao menos, que pode existir nisso uma intuição  -um tanto coletiva - a ser considerada. No mais , um juiz idiota a ponto de um punir um drible de Neymar. Fagner, insistindo em macular toda sua categoria com aquela dose de brutalidade de sempre. Enfim, o jogo de bola me escancara de primeira que não estamos em um admirável mundo novo. Mas, vejam, agora temos Jesualdo.


* artigo escrito para o jornal " A Tribuna", Santos/ SP