quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Manchetes infiéis



Não sei se o nobre leitor já notou mas vivemos numa era infame em que se faz de tudo por um click.  Vejam, no mundo do jornalismo o brilhantismo daqueles que ao longo dos tempos se encarregaram de tramar as manchetes que amanheceriam estampadas nas páginas dos jornais transformou alguns deles em verdadeiras lendas. Mas tudo era feito de forma a preservar o teor do que iria no conteúdo da matéria. Por mais alongamentos que o sujeito conseguisse fazer, jamais um profissional desse tipo iria pensar em burlar essa regra tão sacra. Mas esse tempo passou. Pensando bem talvez ainda resista nos periódicos que seguem tendo uma edição impressa. 

Já no mundo digital o que se dá é bem diferente. Agora mesmo, pouco antes de começar a batucar estas linhas, fui abduzido por uma manchete até leve nesse sentido, mas que não deixava de ter lá seu ar de truque. Versava sobre um jogador da segunda divisão holandesa que se apaixonou por uma árbitra em uma partida na qual recebeu um cartão vermelho. Entendo perfeitamente que o leitor a essa hora se pergunte por que cargas d'água um sujeito se dá ao trabalho de abrir uma notícia como essa, que beira a fofoca.  Pois eu vos digo: por ter uma queda por boas histórias humanas. 

Mas, em primeiro lugar , notem, o que me fez pensar nessa possibilidade foi ter sido levado pela manchete  a acreditar que o tal cartão vermelho tinha sido apresentado ao rapaz por aquela que o destino teria transformado no amor da vida dele. Eis que lendo a matéria descubro que que não era nada disso. Ao sair do campo o rapaz tinha sido abordado pela quarta árbitra e aí é que se deu todo o desenlace. Maiores informações os interessados poderiam encontrar nas tais redes sociais já que o romance foi descoberto por lá, depois de publicação feita por uma das partes envolvidas. 

O interessante nesse tipo de expediente é que não há exatamente um erro no que foi escrito. O que há é a intenção velada de contar com a imaginação de quem lê. Ou seja, assim de primeira a culpa poderia ser da nossa capacidade de fantasiar a respeito do que se lê. Tanto é assim que quando descobrimos que o conteúdo não tem nada com o esperado secretamente cultivamos um desapontamento desses sentidos quando caímos em uma pegadinha. Afinal, nos deixamos levar pelo truque. Mas não é bem assim também.  E por uma razão muito simples. Quem escreve a manchete sabe muito bem que aquilo foi escrito com uma segunda intenção. Portanto, sugiro que o nobre leitor ao longo deste ano faça o sutil exercício de tentar perceber quando foi de alguma forma ludibriado. 

Manchete que não são fiel ao conteúdo de uma matéria é truque, e dos mais baixos. E não se trata de um mal que aflige somente a editoria de esportes, mas tendo a pensar que nela esse tipo de expediente anda sendo muito frequente. Talvez até mais do que em outras.  Mas longe de mim querer fazer um tratado a respeito. E um outro truque  que vem sendo muito usado é o de se abrir uma matéria com um sem fim de informações requentadas e deixar lá pro fim , mas fim mesmo, a informação que foi dada na manchete. Nesse caso a razão é simples, já não basta que você acesse o post ou o que quer que seja, é preciso mantê-lo ali o maior tempo possível, porque isso também é decifrado e vale muito no mundo digital. Ou melhor, nesse mundo maluco em que estamos a notícia virou  apenas um detalhe. Pela lógica imoral que vigora veladamente por aí a manchete já não precisa ser necessariamente fiel ao conteúdo, precisa antes de qualquer outra coisa provocar um clique. 

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

A fronteira dos anos



Em matéria de futebol o final do ano me fez pensar que em 2022, acima de tudo, a diversão será acompanhar aquele que pode ser chamado de o trio de ferro do futebol brasileiro:  Atlético Mineiro, Flamengo e Palmeiras.  A saída do técnico Cuca do time de Minas já nos deu uma ideia disso. O tempo costuma ser a melhor medida para as dinastias. Ainda que a palavra nesse caso seja usada mais como uma licença poética. Mas não custa lembrar que o tempo até hoje não deixou de ser fatal para nenhuma delas, as grandes, as verdadeiras, as que pareceram em algum momento eternas. E por mais que essa fronteira que divide os anos soe cada vez mais como um teste para nossa capacidade de crer num futuro melhor, faço questão de deixar muito claro que não tenho a mínima esperança de que esse papo de Sociedade Anônima do Futebol venha a ser de alguma forma a redenção. 

Vou acreditar no futebol brasileiro no dia em que ele realmente andar com as próprias pernas e souber, no mínimo, fazer da exploração da paixão do torcedor um negócio sustentável do ponto de vista econômico.  No dia em que clubes passarem a pagar impostos como qualquer empresa ou cidadão, quando não tiverem mais isenção de IPTU para os seus Centros de Treinamento historicamente instalados em áreas públicas. E quando, acima tudo, deixarem de ser grandes devedores da União. Na minha modesta opinião, e até que se prove o contrário, o que está se desenrolando não passa de mais um refinanciamento vestido de forma elegante. 

E é óbvio que não faltarão entendidos para defender o que foi feito. Não duvido que tenha sido bem pensado. Mas não dá para deixar de lembrar que tudo o que foi feito com essa intenção até hoje tinha essa mesma virtude. Virtude que trataram de driblar, de desonrar.  Nessa fronteira de ano eu quero é a equação, o resultado exato que só o tempo mostra. Lembro bem do que era o São Paulo nos anos noventa. Eu era repórter e tinha recursos para sentir, para decifrar, mas qualquer um que acompanhasse os treinos perceberia do que se tratava, de um time que estava à frente dos outros.  Que de alguma forma era sinônimo de modernidade. Seja lá o que isso quer dizer. E o que vimos com o passar do tempo? Uma quase ruína. O que nunca foi exclusividade do São Paulo. 

Vimos o mesmo se dar com o Cruzeiro, com o Santos. Todos eles, e tantos outros, times que de alguma forma em dado momento se viram nessa condição privilegiada. Na condição de serem invejados pelos adversários até. Na situação de serem encarados como clubes que poderiam mostrar o caminho. E não me venham dizer que não é bem assim, porque é. As glórias não duram pra sempre, mas boas administrações sem dúvida são mais perenes. O problema, ou melhor , o fato é que não as temos. Há umas que são infinitamente melhores do que outras não resta dúvida. Mas a realidade é que estão todas inseridas num universo que gosta de tecer suas próprias regras, ter sua própria justiça. Mas e as dívidas? 

Bom, as dívidas os mais eficazes gostam  sempre de lembrar que estão sendo reduzidas. Isso enquanto elas pairam sobre tudo e todos como uma mera abstração que só se materializa pra valer de tempos em tempos quando uma nova lei é tecida com ares de salvação.  Já que no cotidiano dos clubes não passam de uma sombra. Dívidas que assombram mesmo só as mediadas pela FIFA que, essas sim, podem complicar pra valer um clube, um mandatário. Os tais investidores de hoje que vemos aí são, antes de mais nada, farejadores de oportunidades e ponto. Portanto, meus amigos, se há algo que se pode aprender com o futebol é que é só o tempo que nos mostra os resultados verdadeiros. Jamais essa mínima fronteira invisível que separa um ano do outro.