quinta-feira, 18 de maio de 2023

Que jogo é esse ?



Desde tempos imemoriais o torcedor duvidou da lisura do futebol. O nobre leitor já deve ter ouvido coisas mirabolantes a respeito. Pode-se considerar que essas grandes armações são de um planejamento complexo demais que acaba por inviabilizar a mutreta. Em geral, é esse o argumento dos descrentes. Talvez a pulga tenha sido colocada atrás da orelha do torcedor no exato momento em que  alguém aceitou receber grana para defender um time, fazendo brotar ao mesmo tempo a semente do futebol profissional. Ao considerar tudo isso uma grande baboseira os crentes, os que renovam uma certa  fé cega no jogo de bola, podem estar no fundo apenas tentando evitar a desconfortável realidade que faria todos nos sentirmos uns trouxas, ludibriados. Justo nós os desde sempre dispostos a entregar nosso precioso tempo e sentimentos a esse esporte de apelo planetário. 

Agora, diante desse escândalo das manipulações que mancharam, no mínimo, a temporada passada do mais importante torneio de futebol do país o que temos visto é muita gente fazendo um exercício tremendo para delimitar as fronteiras das falcatruas. Dizendo que  o que se revelou foi a manipulação de certas situações e não resultados. Uma imensa forçação de barra.  Pois se tudo se deu como as provas sugerem, o que se fez foi criar uma realidade forjada. Uma farsa. O resto é exercício de retórica. Sem contar que seria  necessária uma inspeção microscópica dos casos para se ousar dizer que uma bola para fora, ou esse e aquele cartões nada influíram no resultado final de uma partida. Admito esse hipótese só pra não ser por demais taxativo e cravar que fazer isso seria impossível. 

E tão difícil a essa altura quanto afirmar que seguimos vendo um futebol idôneo é aceitar essa realidade  surreal de empresas ganhando milhões há tempos sem recolher um único centavo de imposto por aqui. Atuando como verdadeiros fantasmas  sobre nossa realidade tributária. Desconfiado que sou, e sem enxergar como, ou porque deveria deixar de ser , digo que há dois caminhos. Ou isso tudo que tem vindo à tona gerando manchetes de arrepiar terá o efeito salutar de acelerar a legalização. Ou  teriam alguns interessados decidido fazer nossa justiça trabalhar com a intenção de pressionar e forçar a assinatura da regularização das casas de apostas  da maneira que está posta.  Afinal, o dirigente que deu o ponta inicial em tudo isso disse que ainda em 2019 tinha procurado as autoridades para  denunciar a manipulação de resultados. 

 Seja como for,  o que está posto mostra muito bem o quanto tudo é feito em bases no mínimo discutíveis. O que bem poderia ser chamado de lamentável. A medida Provisória desenhada prevê taxação de 16% sobre a receita de todas as apostas feitas. Desse montante 2,55% seriam, ou serão, destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública, para ações de combate a manipulação de resultados. Em outras palavras, dinheiro que seria usado como que para correr atrás do rabo. Outros 1,63% teriam como destino os clubes esportivos. E para a Educação Básica iriam, olhem só,  0,82%.  A menor fração. E praticamente a metade do que seria dado aos clubes. Ou seja, seguimos dando um jeito de ceder mais os clubes do que à nossa educação. O resultado disso a gente já conhece. Pode apostar. É uma barbada.  

quinta-feira, 11 de maio de 2023

O futuro que a gente espera



Talvez o mais fiel retrato do que virou a Seleção Brasileira nos dias de hoje seja o intrigante andamento das conversas para que o posto de técnico seja assumido pelo italiano Carlo Ancelotti. Chega a ser difícil acreditar nisso depois do próprio Ancelotti, ao ser perguntado a respeito, ter dito   que tudo não passava de bobagem. Completou, não sem certa empáfia, dizendo que não fala sobre o futuro dele com ninguém. Colocações que, no mínimo, exigiriam mais tato na hora de tratar do assunto. Mesmo diante dessa posição firme o presidente da CBF não pensou duas vezes em voltar ao tema. Ao conceder entrevista a uma TV Árabe dias depois se mostrou disposto a ir além do dia 25 de maio, inicialmente dado como data limite para a negociação. 

Falou que topa esperar mais, caso o Real Madrid, time atual de Ancelotti, conquiste uma vaga para decidir a Liga dos Campeões da Europa.  O cartola brasileiro deixa soar como justificativa pra tanta demora o fato de a próxima Copa ofertar um número maior de vagas e também o fato de as Eliminatórias  terem o início marcado para o mês de setembro.  O mandatário maior do futebol brasileiro fez questão de dizer que para o torcedor e para a imprensa tudo no futebol é pra ontem. Eu, de minha parte, diria que nunca é cedo para começar a trabalhar quando se tem pela frente um grande desafio. E recolocar o Brasil na dianteira do futebol mundial nunca soou tão desafiador. Fico, sinceramente, com a impressão de que vai se usando a mídia para mandar recados. 

Estivessem minimamente alinhadas as partes, mesmo diante de toda a cobrança a respeito, não seria necessário voltar toda a hora ao tema. Também enxergo nisso tudo um esforço para, de alguma forma, se atrelar a alguém que, como sugeriu o próprio presidente da CBF, é unanimidade. A velha tática de deixar claro que seja qual for o desfecho se tentou o melhor.  Ainda mais quando o interessado diz diante de toda a expectativa gerada pelo assunto que na verdade tem tentado ser paciente e que aguarda o momento certo para entabular uma conversa com o italiano. E que por uma questão de ética não abordaria nenhum treinador que tivesse contrato com algum clube. Pode soar exagerado que se trata de uma cortina de fumaça. Como acho ingênuo acreditar nessa unanimidade pois ainda que a torcida feche com Ancelotti as cornetas daqueles que se dirão desrespeitados com a escolha por um estrangeiro irão soar. 

E não estranharia se nessa toada parte dos descontentes se mostrasse mais favorável a Fernando Diniz, que muita gente aposta - não é de hoje - que seduz o presidente da CBF também. Sou desde sempre um entusiasta do Diniz mas considero que seria uma escolha temerária para a CBF e também que seria, no mínimo, precoce para o atual treinador do Fluminense. Por mais que Diniz esteja fazendo por merecer precisa dar conta de outras etapas e avanços se quiser chegar lá um dia de maneira robusta. Capaz de aguentar os trancos de quem , mais do que qualquer outra coisa, gosta de colocar fogo no circo. Se o empate entre o Real e o City na terça ajudou ou atrapalhou iremos descobrir. E encerro dizendo que se Ancelotti diz que não fala do futuro dele com ninguém, talvez fosse o caso da CBF decidir rápido quem vai cuidar do da Seleção.

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Nosso futebol de vanguarda



A transformação da sociedade impressiona. Costumo duvidar toda vez que vejo, e cada vez mais se vê, motoqueiros ignorando semáforos ou o sentido do trafego. Gente jogando bituca de cigarro nas ruas. Condenando vizinhos de praia a aturarem suas trilhas sonoras quando tudo o que queriam era ouvir o barulho das ondas. Gente deixando pelo caminho saquinhos com as sujeiras do cachorro, como se tivessem feito exemplarmente o papel de cidadão. Enfim, não é fácil crer que algo irá resgatar nosso mínimo de civilidade. Mas o recente episódio envolvendo o técnico Cuca não deixou dúvidas de que o mundo mudou. Expôs o quanto o jornalismo andou deixando de fazer seu papel, ou o fez de modo enviesado. Expôs o quanto os jogadores de futebol andam vivendo em universos paralelos. Não que eu me considere exatamente desse mundo que aí está, já me sentia desencaixado dos anteriores. 

Mas há coisas nas quais não consigo acreditar. Por exemplo, outro dia acabei seduzido por uma manchete que versava sobre as mudanças que o avanço tecnológico vai causar no futebol.  Em determinado momento  sugeria que nos próximos cinco anos as redes sociais podem vir a determinar quais seriam os jogadores substituídos em uma partida. Internautas, no intervalo, decidiriam quem fica e quem sai de campo.  A pensata não era de um viajante qualquer, era de Arsène Wenger, Diretor de Desenvolvimento da FIFA. Homem pra lá de vivido no mundo da bola. Durante mais de duas décadas comandou o Arsenal.  

Não encarei com descrença o que tinha lido. Segui com a leitura mas aí acabei dando de cara com algo que realmente desafiou minha compreensão. Dizia lá um certo CEO que em uma década não teríamos mais erro humano no jogo. Automaticamente fui levado a pensar que estamos realmente à beira de desumanizar totalmente a peleja. Por trás de tudo isso está o mercado obviamente.  Não é novidade nenhuma pra quem cuida desse grande negócio que a perda de audiência no futebol masculino é uma realidade e que, além disso, assombra o menor interesse pela prática do futebol. 

Estudos mostram que logo ali, em 2030, as chamadas gerações Z e Alfa, que abarca os nascidos a partir dos anos dois mil, irão representar quase metade da força de trabalho do mundo, e o grosso  do consumo. Jovens que sabidamente já não conseguem  ficar durante noventa minutos, concentrados, assistindo a uma partida de futebol. O que diante do que nos cerca é de fácil constatação. Os modos, digamos, clássicos de se entregar a um jogo de bola , ou seja, sentado em uma arquibancada ou em um sofá podem estar com os dias contados. Ou será algo cultuado por tão poucos, como ler jornal nos dias atuais. E isso tudo me fez lembrar de outra passagem. 

Estava eu na fila para pagar um café quando encontrei um amigo do trabalho. O papo foi dar no jogo de bola. Ele falou do time dele, o Corinthians, mas não demorou e sacou o celular para me mostrar na tela a bolada que tinha amealhado na última rodada fazendo apostas eletrônicas.  Confessei minha falta de intimidade com aquilo. E o que ouvi como resposta foi que com a monotonia do jogo as pessoas andam procurando outras formas de se divertir com ele. Sem precisar necessariamente gastar noventa minutos. Secretamente me pus alarmado ao constatar que  a atual falta de requinte do nosso futebol pode acelerar todo esse processo de desinteresse e nos fazer chegar ao futuro antes dos outros. Não é incrível?