sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Aposto que é por aí



Reza a lenda - ou rezava já não sei bem - que depois de uma vitória corintiana tudo amanhecia diferente. Até um simples cafezinho era outro. É fato que se trata de uma brincadeira, uma tiração de sarro,  que faz sentido quando se vive na capital paulista. Mas que creio permita um sem fim de adaptações. O interessante é que é o tipo de brincadeira que deixa transparecer como o futebol ao longo do tempo se misturou ao nosso cotidiano. E isso tem mudado para além da conta. Dias atrás um escândalo de manipulação de resultados tomou as manchetes. Não que fosse novidade. Tivesse o futebol brasileiro a capacidade criativa dos responsáveis por nomear nossas operações policiais e a realidade seria outra, o jogo de bola ainda estaria nos seduzindo. Se não acreditam nessa minha teoria saibam que a operação citada levou a alcunha de Penalidade Máxima. Que tal? hein? Caso eu fosse perguntado se teria alguma ideia a respeito talvez dissesse: por que não Armação Ilimitada? Aproveitando a deixa para homenagear um programa que fez muito sucesso quando eu já ia saindo da juventude. Mas vou aproveitar a deixa e contar uma breve história que elucida bem como as coisas andam.

Não faz muito tempo aceitei o convite de um amigo comentarista para uma cerveja rápida. Lugar perto de casa porque a vida na capital paulista não permite muitas extravagâncias de deslocamento. Ou exige uma disposição que já não tenho. Trata-se de um lugar muito modesto onde é possível, além da cerveja, pedir algo do mar. Um pastel de camarão, um polvo a vinagrete. E desse modo, por alguma distração - sabe-se lá se causada pela bebida ou pela descontração - se imaginar um tanto mais perto da beira-mar. Estou naquela idade em que a nostalgia costuma se apoderar da gente sem dificuldade. 

Bom, figuras já manjadas no recinto, com a profissão estando longe de ser segredo para os garçons o inevitável se deu. O rapaz que nos atendia puxou uma conversa sobre futebol. Sacou lá da cachola uma memória ludopedica sem nos dizer se torcia , ou não, para um dos times que faziam parte dela. Não tardei a perceber que o placar construído de modo surpreendente o impressionava mais do que qualquer outra coisa. Não dava pistas se tinha sofrido ou se deleitado com ele. Se nem uma coisa nem outra porque a citação?  E assim a coisa foi indo. Ele tinha outras mesas para cuidar. E nós outros copos para beber. Quando voltou pra seguir o bate papo tirando da mesa uma garrafa vazia e colocando outra cheia emendou o discurso sobre como aquele jogo tinha tirado dele algum dinheiro. Até o fim da noite, em sessões que duravam alguns minutos, sempre atendendo uma ou outra solicitação nossa, mencionou vários jogos sem citar um jogador, um lance, uma pisada na bola do árbitro. Vejam só! 

Tudo o que comentou foi a estratégia que tinha usado para movimentar suas apostas durante os últimos jogos que tinha visto.  As trocas de um lado para o outro com as partidas em andamento. Evitando perdas, aferindo algum lucro. Foi uma das maiores e mais cruas demonstrações que tive nos últimos tempos do que tem virado o futebol. Feliz, me despedi do amigo. Olhamos um para outro depois do aperto de mão e , quase ao mesmo tempo, nos dissemos: é, o futebol anda assim. E lá fui eu pra casa pensando se um dia a vitória nas apostas serão capazes de mudar as coisas e fazer diferente até um simples cafezinho. 

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

É catimba ! É dia de Derby !


Não sei se você jogou bola um dia, se ainda joga. Ou se pretende. Diante dessas possibilidades a segunda coisa que gostaria de saber é que tipo de boleiro você foi ou seria. Com essas informações conseguiria imaginar melhor como encara os rompantes do treinador palmeirense à beira do gramado. Jamais sugeriria aqui que os tais se comportassem como lordes na área técnica. Nada disso. Também não vou furtá-los do meu testemunho a esse respeito. No tempo em que joguei bola, e faz um bom tempo que não tenho jogado mais, quero crer, fui um sujeito equilibrado na medida em que o jogo de bola permite. Não era do tipo esquentadinho. Longe disso. Mas também nunca fui santo. 

Pra usar um termo atual diria que sempre fui um boleiro reativo. Capaz de perdoar qualquer canelada sem maldade mas implacável com as embebidas em deslealdade. Faço esse recorte para tentar elucidar o tamanho da mudança de rumo no discurso do treinador palmeirense Abel Ferreira. Em março do ano passado, ao ser entrevistado no programa Roda Viva, da TV Cultura , disse que ao dar de cara com as cenas dele na beira do gramado sentia vergonha do que via. E dizia que precisava melhorar isso. Como disse também que é uma pessoa tranquila mas que ali se transformava. E deixou o discurso ainda mais sólido ao reconhecer que para alguém que fala tanto em controle emocional dentro do gramado era preciso alcançar essa condição estando à beira dele. 

Pessoas serenas que se descabelam quando a bola rola, vos digo, são os tipos mais comuns neste universo. Ocorre que dias atrás, bem depois de ter sido expulso pela enésima vez com direito a mandar para o ar um dos microfones da transmissão, Abel voltou ao assunto agora dizendo que é um cara competitivo por natureza, o que agrada a uns e a outros não. E seguiu dizendo que na área técnica faz o que é preciso pra ganhar. E mais, que é um boneco, um ator, e que mostra o que interessa. É bem verdade que antes disso voltou a dizer que reconhece que precisa mudar. E disse que quem quiser saber dele não deve perguntar a jornalistas e sim a seus ex-treinadores e jogadores. 

Mas há aí uma verdade que complica as coisas. Abel, afinal, não existe só para os seus. Os palmeirenses , por exemplo, o amam. E diria que até por isso. Com toda a capacidade que tem, o que para mim está óbvio, Abel põe a maior fé numa certa embolada no meio de campo como dizem e também está convencido de que, em matéria de futebol, é preciso jamais deixar que os outros ganhem no grito. Crenças que desde sempre foram como mandamentos para  os boleiros.  A trajetória que Abel vem desenhando não deixa a mínima dúvida sobre sua excelência profissional. 

Mas parece óbvio que para quem quer crescer esse tipo de comportamento e , mais do que isso, a construção dessa imagem só irão jogar contra. Talvez seja o caso de mirar-se no modus operandi de um Pep Guardiola, que ostenta lá a finesse dele mas quando acha que a coisa ficou ruim pro time ou pra ele não pensa duas vezes em colocar os pingos nos is.  E todo mundo quando pensa no catalão certamente não o enxerga como um vilão. Que seja ator esse Abel, mas que trate de dar uma boa polida no papel. Mas depois de ouvir em sua última versão duvido que mude pois estou convencido que tudo não passa é de catimba. E nada melhor pra testar todas essas teorias do que um Derby, é ou não é?           

 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Quem salvará Vini Júnior ?




Se a memória não me trai, faz tempo que não abraço neste espaço um personagem. Tenho um fraco por eles, os grandes, claro. E vou  carregar sempre uma ponta de inveja, das boas, de um Mário Filho ou de um Nelson Rodrigues, que sabiam com raríssimo talento elegê-los e, mais do que isso, descrevê-los. E esse eleger é o detalhe porque quando digo que gosto dos grandes isso nada tem a ver com nobreza. Um personagem pode se fazer imenso sendo simples. E personagem para mim, não é de hoje, tem sido o jovem Vinicius Júnior. 

O episódio em que um boneco vestido com a camisa dele apareceu enforcado num viaduto da capital espanhola pouco antes do clássico entre o time dele, o Real,  e o Atlético de Madrid é de um simbolismo macabro. Apesar disso estar muito claro em um primeiro momento temi que a coisa fosse esquecida. Quando um ou dois dias mais tarde veio a notícia de que o ocorrido estava sendo investigado pela polícia e tinha sido levado a outras instâncias me interessei de vez. Tenho acompanhado os desdobramentos. Considerei alvissareiro quando no final da última semana a polícia informou que tinha encontrado impressões digitais e até traços de DNA no boneco enforcado, bem como imagens de carros suspeitos e suas placas, o que foi possível graças as imagens registradas pelas câmeras que monitoram o trafego na região. 

Vinicius Júnior é bom de bola e todo mundo que entende um pouco de futebol já sacou. O que lhe permitiu o requinte de justamente no jogo entre o Real e o Atlético de Madrid  ter não apenas ajudado deveras o time dele , mas também ter anotado o gol que definiu a vitória de virada do Real por três a um. E quem vê esse garoto de vinte e dois em campo, com seu sorriso largo, seu jeito leve, pode custar a acreditar que se trata de alguém que tem estado sob ataque constante nos últimos seis meses. Alvo de atos preconceituosos, racistas. Quisera neste momento pesassem sobre ele apenas os descontentes com as danças que Vini curte fazer ao marcar um gol. 

E como se não bastasse tudo isso voltou a ser manchete na última quinta ao sofrer uma entrada desleal do zagueiro brasileiro, Gabriel Paulista, no jogo contra o Valencia que o Real ia vencendo por dois a zero. Gabriel se desculpou, disse que não estava orgulhoso do que tinha feito. Que não teve a intenção de machucar e que a má fase vivida pelo Valencia o tem deixado com os sentimentos à flor da pele. É fato, o time de Gabriel anda flertando com a parte mais baixa da tabela e sabemos todos o que isso significa no mundo da bola. O que eu não consigo deixar de levar em conta é o quanto tudo o que tem sido dito e feito a Vinicius Júnior não fez dele um alvo. E o quanto não continuará fazendo. No final de semana contra o Mallorca tudo se repetiu. 

Vinicius Júnior talvez seja de longe o melhor que o futebol brasileiro produziu nos últimos tempos. O cara que continua de alguma forma nos fazendo acreditar que nosso pais segue sendo uma fonte inesgotável de talento, com todo o potencial suicida que pode se esconder nisso. Vinicius Júnior precisa de proteção literalmente. Ontem, enfim, a La Liga anunciou a criação de uma Comissão para cuidar disso. Inspetores, segundo eles, serão colocados em setores considerados problemáticos.  Mais importante do que isso, foi o presidente, ainda que tardiamente, ter dito o óbvio: " La Liga não pode ter um jogador que vai a todos os estádios e é insultado". Pois vou além, digo ser lamentável que a CBF  não tenha se pronunciado diante de tal gravidade, ou que  o Real Madrid com todo o poder que tem até agora não tenha levantado a voz nesse sentido. Falar em sentimentos à flor da pele a essa altura não passa de canalhice.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

O caminho do futebol é o da grana





Naquele início de dezembro de 2010 quando num evento, pomposo como sempre, realizado na Suiça, as fichas com os nomes da Rússia e do Qatar foram mostradas e o mundo ficou sabendo qual seria o caminho das Copas depois de passar pelo Brasil os mais atentos não ficaram surpresos. Talvez tenha sido o resultado mais fácil de se prever da história. A razão é muito simples: o caminho das Copas tem sido faz tempo o caminho da grana. É possível pensar que nem sempre tenha sido assim se conseguirmos crer que dinheiro e interesses não são a mesma coisa. 

O Brasil tinha recém torrado pouco mais de dezesseis bilhões fazendo, portanto, a Copa mais cara da história, mas a Rússia alardeava que estava disposta a gastar quase trinta. Na época o vice primeiro ministro russo, Igor Shuvalov, disse que nunca iriam se arrepender da escolha. O que me faz pensar o quanto a Copa não ajudou a turbinar o poder de Vladimir Putin que insiste em fazer pairar sobre o mundo nos dias de hoje a ameaça de uma guerra nuclear. Os russos tinham o argumento de jamais ter recebido um mundial e o de abrir de vez um grande mercado.  Argumentos meio gastos. Tinham sido usados antes para embasar candidaturas como a dos Estados Unidos e da África. 

Ao Qatar bastaria apontar o cofre. Mas o protocolo tem lá suas exigências. E para dar conta dele nada como bradar aos quatro ventos a possibilidade de se realizar pela primeira vez na história um Mundial no Oriente Médio. Fato é que o mundo acabou vendo coisas mais singulares do que isso. Uma Copa realizada em dezembro. Um Mundial com graves acusações de violações de direitos humanos como nunca se tinha visto. Enfim, o tempo passou e pouca gente se deu conta da cifra que envolveu esse capítulo da história do futebol. O Qatar gastou, ou diz ter gasto, mais de um trilhão de reais. Isso mesmo, um trilhão. Não se trata de um erro de digitação.

Não duvido que a cifra soe até normal para o orçamento deles que têm colocado verdadeiras fortunas também para construir museus. Pagando valores astronômicos em obras de arte e projetos assinados por arquitetos mundialmente famosos. Diz o dito popular que quem pode, pode. Como se diz também dos bem sucedidos que não costumam brincar em serviço. O que cai como uma luva pra descrever os homens da FIFA. Farão agora a Copa voltar aos Estados Unidos, dessa vez a estendendo pela América. Colocando também Canadá e México na jogada.  Apesar de tudo, das crises, os EUA ainda são um grande mercado. E por mais que a Arábia Saudita diga que não tem uma candidatura elaborada ela está inevitavelmente no caminho das Copas. Como o Qatar que, não é de hoje, faz com o futebol transações que mais  parecem negócios de Estado. 

Que a Arábia Saudita não veja o futebol como uma maneira de melhorar sua imagem é difícil de acreditar. Não fosse assim, qual a razão de ter levado pra lá há tempos as decisões da Supercopa da Espanha e da Itália? Ou de ter promovido dias atrás um amistoso envolvendo o PSG, que simplesmente colocou Messi e Cristiano Ronaldo frente a frente? Mas sedutor mesmo para a FIFA, essa pra lá de endinheirada entidade sem fins lucrativos, é saber que a Arábia Saudita tem um fundo de dois trilhões e meio de reais para financiar o que o país achar interessante. E sabendo disso, o que você me diz, o futebol fará, ou não, o caminho da grana?  E o ex-presidente da FIFA, Joseph Blatter blefou, ou estava errado, quando disse que a Copa do Qatar tinha sido um erro?