quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

O naufrágio botafoguense



O vivido pelo Botafogo é de uma complexidade Shakesperiana, como disse certa vez o genial Nelson Rodrigues a respeito da mais simples pelada. Gostei de ver dia desses o historiador, Luiz Antônio Simas, fazer uma muito pertinente observação a respeito da frase que, de tão precisa, ficou famosa quando se trata do time da estrela solitária. Tenho certeza de que o nobre leitor já a deve ter ouvido. É aquela que diz: Há coisas que só acontecem ao Botafogo. Uma tentativa de explicar o inexplicável. E como a história recente do Botafogo tem sido mais de percalços do que de glórias passou-se a ter a impressão de que ela foi cunhada para momentos tristes. Não é o caso. 

A frase original, do também genial, Paulo Mendes Campos, aliás, tinha cunho pessoal como cabe bem às crônicas. Dizia: Há coisas que só acontecem ao Botafogo e a mim.  Ou seja, como bem lembrou Simas, trata-se de uma ode ao triunfo não ao fracasso. A crônica intitulada " O Botafogo e eu" foi publicada três dias depois de o Botafogo conquistar o Campeonato Carioca de 1957 vencendo o Fluminense por seis a dois diante das quase cem mil pessoas que estavam no Maracanã. Cinco gols de Paulo Valentim, que terminou o torneio como artilheiro,  um de Garrincha. Isso diante de um Flu que tinha Castilho no gol, Telê, Escurinho. 

Na mesma crônica Mendes Campos diz que o Botafogo não se dá bem com os limites do sistema tático e diz que o time teria de ser como ele, dramaticamente inventado na hora. Vai saber o que seria capaz de livrar o Botafogo dessa sina de ser, digamos, tão original. E a essa altura uma vitória sobre o Internacional só tornaria a coisa ainda mais intrigante. O que temos acompanhando praticamente esgotou o arsenal do batalhão de comentaristas que dia a pós dia encara as trincheiras da crônica esportiva no afã de tentar traduzir o jogo de bola de alguma forma. Se não pelo viés da realidade, pelo imaginativo. Mas nem assim sobrou munição. 

Tanto que outro dia vi um ex-boleiro, agora comentarista, pedir licença para dizer que quando jogava e o time começava a viver coisa parecida o jeito era reunir o elenco e perguntar se alguém ali estava em dívida com coisas que pudessem ser ditas do além. E pediam pra que se um deles se considerasse nesta condição - mesmo sem ter de confessar isso ou falar a respeito - que desse um jeito de cuidar da questão. Nesse sentido é interessante notar que na mesma crônica encontramos  uma frase que diz o seguinte: O Botafogo põe a gravata e vai à macumba cuidar de seu destino. E na sequência, pra não deixar que tudo perca seu ar testemunhal, Mendes Campos tece esta maravilha: eu meto o calção de banho e vou à praia discutir com Deus. Lindo, não? 

Vejam, o futebol é tão dado a essas coisas que ainda no ano passado a diretoria de patrimônio do Vasco precisou vir a publico esclarecer que não passava de boato a notícia de que teria sido descoberto um sapo enterrado em São Januário durante a instalação do busto em homenagem a Roberto Dinamite. Uma história que remete aos anos 1930. Esse Botafogo talvez espelhe só o bom e velho futebol nos mostrando que ele é que é de outro mundo. Ou talvez, como também escreveu Mendes Campos, o Botafogo seja um menino perdido na poética dramaticidade do futebol.

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