quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Pacaembu



Terça-feira à noite. O céu negro duela com o brilho clínico das luzes. No banco ao lado está Nelinho, o ex-lateral dos chutes lendários, que fazia a bola traçar curvas impossíveis. No banco de trás, Roberto Rivellino. Singramos a larga avenida paulistana dividindo impressões sobre o futebol atual. Pouco antes de avistarmos a Praça Charles Muller, Rivellino pergunta ao ex-companheiro de duas Copas do Mundo se ele sabe onde está, se é capaz de se situar naquela paisagem. E sem esperar resposta informa que estamos na avenida Pacaembu e, em breve, vamos dar de cara com o velho estádio conhecido pelo mesmo nome. 

Segundos depois a imagem anunciada se descortina diante de nós. A fachada grandiosa enaltecida por uma claridade de tom amarelado. Um silêncio se faz presente. No olhar distraído daqueles dois homens vejo se revelar um um misto de saudade e encanto. O pensamento que me vem nada tem de novo: o Pacaembu é uma unanimidade. E pareceu desde sempre confortavelmente instalado nos braços daqueles dois barrancos. Mas o meu deslumbre agora vinha da constatação de que o charme feiticeiro do velho Paulo Machado de Carvalho, facilmente encontrável no peito de quase todos os que já se derramaram naquelas arquibancadas, estava também repousado do mesmo modo naquelas duas figuras emblemáticas do nosso futebol. Homens que um dia tiveram o Pacaembu como palco e que, como nós, meros mortais, se incomodam com esse abandono. 

Há ali, adormecido na larga praça um símbolo do nosso futebol, gestando em si, como os homens, a constatação de que o tempo costuma nos tornar inadequados, costuma nos ultrapassar, seja qual for nossa representação, seja qual for nossa história. Simples assim. Chega um dia em que nos tornamos obsoletos. Discretamente desfruto a beleza do lugar. É quase meia noite. Recordo que vinte anos atrás estava eu lá dentro, repórter em início de carreira, incrédulo, como todo mundo ali, ao constatar que o time santista em plena semifinal do Campeonato Brasileiro contra o Fluminense não iria para o vestiário durante o intervalo. Ficaria reunido no meio do gramado, para depois disso, de lá sair carregando o orgulho de ter construído um inesquecível cinco a dois, uma das maiores viradas da história do clube. Tive vontade de dividir a recordação com meus companheiros de viagem. Mas calei, certo de que os dois tinham histórias bem melhores do que a minha pra contar.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Um convite aos amigos do blog

Em parceria com a Dobra Editorial, com a ajuda de alguns grandes amigos e contando com a experiência do poeta Reynaldo Damazio, lanço nesta quarta o livro "Os dias em mim". Nos vemos lá !






quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Deu no New York Times


Desde que o charmoso hotel suiço Bar au Lac deixou de ser o semi-paraíso onde os maiores cartolas do mundo se hospedavam entre uma reunião e outra na sede da FIFA, e lá gastavam o farto dinheiro que amealhavam, o mundo do futebol está em xeque. E se a sensação que nos vem toda vez que a justiça norte-americana se pronuncia a respeito do caso é a de que não restará uma só biografia intacta entre os manda chuvas do futebol mundial é porque o modelo de negócios do futebol nunca teve espaço para inocentes. 

Eles pensaram em tudo. Criaram uma máquina tão bem estruturada que até pouco tempo atrás as sedes da FIFA e da Conmebol tinham status de embaixada. Isso sem falar em regras como a que impede qualquer intervenção dos governos dos países membros nas Confederações associadas, ou aquela outra que decreta punições aos que, por ventura, vierem a recorrer à chamada justiça comum. Controle total. Dessa lucrativa engrenagem faz parte também a estratégia de gastar os recursos com aqueles que fazem parte da estrutura de poder. O que vale tanto para as Confederações quanto para a própria FIFA. A CBF, por exemplo, nos últimos doze anos gastou 2 bilhões e quatrocentos milhões de reais, sendo que 48% desses recursos foram usados para a manutenção da entidade.

 E tem sido de entristecer a paralisia da nossa justiça diante de tudo que está acontecendo. Lembro bem que nas primeiras horas depois da prisão de José Maria Marin, pairou no ar a esperança de que houvesse desdobramentos por aqui. Como lembro bem que em um certo início de noite foi noticiado que equipes da Polícia Federal estavam a caminho da sede da Klefer, de Kleber Leite e da CBF. A que tinha como destino a Klefer chegou. Mas a que, diziam, estava a caminho da CBF, jamais. No outro dia pela manhã ficamos sabendo que a entidade, sabendo do que se passava, tinha se encarregado ela mesma de juntar os documentos e enviar. Um escárnio. 

Some-se a isso o fato de Del Nero, convocado pela CPI do Futebol, dizer que iria mas que não aceitava o compromisso de dizer apenas a verdade. E não custa lembrar que tivemos ainda a decisão de uma juíza federal impedindo a cooperação com a justiça dos EUA e determinando o desbloqueio de contas de alguns réus. Mas quem sabe agora as coisas mudem. Afinal, o New York Times acaba de estampar em suas páginas que Ricardo Teixeira é a prova de que a justiça brasileira fracassa na missão de punir a corrupção.                     

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O protagonista


Muito tem sido dito sobre os treinadores, não é de hoje. E é bem possível que o reinado desse homem que tratarei como personagem principal destas linhas tenha alcançado importância ainda maior também pelo fato de não existir um jogador no futebol brasileiro neste momento capaz de rivalizar com ele, se não em importância, ao menos, em protagonismo. Se Tite é, ou não, o grande treinador da história do Corinthians deixo para que os interessados nesse tipo de questão debatam. Mas adianto que prefiro me deixar levar pelo que cada um dos postulantes ao posto teriam e têm de mais particular sem me render às comparações, sempre perigosas. 

No meio futebolístico, em que nomes brilham e se apagam com velocidade espantosa, é de se notar e levar em conta a solidez da trajetória desenhada pelo gaúcho Adenor Leonardo Bachi, o Tite. E ele nunca escondeu de ninguém que em certo momento decidiu mudar de rumo convencido de que só um grande triunfo à frente de um time paulista ou carioca daria outra dimensão ao trabalho dele. Pois é justamente a dimensão que ele vai ganhando um dos detalhes que mais impressionam nisso tudo. 

Ao aceitar voltar ao comando do Corinthians Tite aceitou também o desafio de reconstruir simplesmente o ápice de sua vida profissional. E agora, ao conquistar o segundo título brasileiro com o time, mantém viva essa possibilidade. E imagino que não poderia existir detalhe melhor para mexer com a emoção e o imaginário da torcida do velho esquadrão do Parque São Jorge. Dimensão essa que se torna ainda mais clara quando passa a ser difícil não aceitar que o trabalho realizado dignifica não somente o clube que ele comanda, mas o futebol brasileiro. 

E não há de ser apenas a recente conquista a grande prova de que Tite nos dias que correm leva boa vantagem sobre a concorrência, mas deve-se somar a isso a forma do Corinthians atuar, a discreta ousadia, a competitividade latente que já não atenta contra o que um bom time de futebol deveria sempre propor. Tite evoluiu e pode olhar desde já os que têm ido à Europa estudar, fazer cursos, trabalhar e tirar foto, com a serenidade de quem assimilou o aprendizado e mandou ver na lição. Por isso, não é à toa que os corintianos andam morrendo de medo de perdê-lo para a seleção, ainda mais quando o treinador diz com todas as letras que se preparou pra isso. Mas estamos cansados de saber que a CBF não costuma se render às evidências. É ou não é? 

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Não tá fácil pra ninguém?

A Olimpíada do Rio pode ser vista como o ponto final da saga brasileira nos grandes eventos esportivos. Passamos praticamente uma década na condição de anfitriões. A situação faz com que eu me sinta um pouco como aquele tipo de pessoa que, mesmo tendo poucos caraminguás no bolso, se vê na obrigação de receber em casa algum nobre. Situação em que a única saída possível pra não fazer feio é gastar o que não tem. Juntos, o Pan de 2007, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos do Rio devem consumir quase 70 bilhões de reais. A mídia, de modo geral,  não deixou de fornecer detalhes suficientes para que os interessados pudessem fazer juízo da valia de tudo isso. Os positivistas dirão que quando tudo foi decidido não estávamos nessa encruzilhada social e econômica de agora. 

Ocorre que as alianças feitas a partir desses acordos continuam com o mesmo poder de fogo do início, o que vem a ser ainda mais cruel. Aos interessados sugiro que verifiquem quanto custou - e está custando - aos nossos governos os estádios erguidos para a Copa. Sugiro que tomem ciência de tudo que foi construído para o Pan - sob o argumento de que serviriam para as Olimpíadas - e deixado de lado. E se falo que as alianças continuam intactas é porque os fatos provam isso. 

Dias atrás o Governo Federal e o Governo do Rio resolveram uma das maiores pendências olímpicas, a questão energética. Compra de geradores e tal. Os dois aceitaram pagar a conta. Coisa de 460 milhões de reais, quase meio bilhão. Pouco depois foi a vez do governo do Distrito Federal dar sua contribuição. Para fazer do estádio Mané Garrincha uma das sedes do futebol olímpico, os deputados da Câmara Legislativa abraçaram uma conta que, segundo a secretária-adjunta de Esporte do Distrito Federal, ficará em 25 milhões. Mas a verdade é que a proposta foi encaminhada sem previsão orçamentária, o que vocês sabem bem o que significa. 

Perto de 460 milhões, 25 milhões soam como quase nada. Mas se levarmos em conta que o Distrito Federal tem vivido um caos, com a saúde pública, a educação, a limpeza urbana e outros serviços comprometidos, tudo muda de figura. Mais um exemplo de que políticos não estão nem aí pra realidade do país. Se ignoram que o Comitê Internacional lucrou no último ciclo olímpico 5 bilhões de dólares, ou quase 20 bilhões de reais, deveriam ter vergonha. Se sabem, deveriam ter mais vergonha ainda. Mas ninguém parece disposto a dizer para os donos do circo que a situação não nos permite gastar mais um tostão. Ou seja, esse papo de que não tá fácil pra ninguém continua valendo só pra nós, que vamos ao circo pra ver o espetáculo, ou para fazer matérias jornalísticas.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Nosso futebol anda carente de verdades


O que vocês acham que seria capaz de dar alguma graça a esse futebol previsível que temos visto? Eu acredito que uma dose de verdade, é isso que pode nos salvar dessa mesmice. Vejam só. Outro dia Palmeiras e Fluminense estiveram frente a frente. Não que a partida que valia uma vaga na final da Copa do Brasil tenha sido de todo sem sal. Mas o que me encantou nela foi uma situação que se desenhou depois. 

Terminado o jogo o atacante Fred cruzou com a mãe do zagueiro palmeirense, Vitor Hugo, na zona mista da Arena do time alviverde. De primeira lhe pediu uma foto. Uma vez feito o retrato a senhora aproveitou para lhe dizer o que pensava. Disse ao astro do tricolor carioca que era sua fã mas que estava chateada com o que tinha acabado de ver. E o que tinha visto deve ter sido o que o filho dela definiu como um cara malandro, que chega forte e é meio maldoso. Mas por razões fáceis de adivinhar o zagueiro ao comentar o estilo do adversário não esqueceu de completar a declaração dizendo que se tratava de algo normal. 

Olha, já que anda difícil salvar o futebol em campo que seus protagonistas sejam capazes de, ao menos, interpretá-lo de modo mais nobre e profundo. Exemplos de que isso é possível existem, como fez no último final de semana Dátolo, do Atlético Mineiro. O argentino - que acabara de marcar o bonito gol da vitória do time mineiro - ao ouvir o pedido do repórter pra que falasse da partida não iniciou seu discurso falando do gol marcado e sim admitindo ter tomado a decisão errada em um outro lance em que o certo teria sido acionar um companheiro e não tentar finalizar como ele tinha feito. Nobre, ou não ? Querem mais?

Andamos às voltas com verdadeiras aberrações em matéria de arbitragem não é isso? É! Mas até hoje nenhum dos nossos árbitros foi capaz de falar de seus sentimentos como fez o homem que apitou a final da Copa Argentina. Depois de marcar um penalti em que o jogador tinha sido derrubado quase um metro antes da linha da grande área e de ter validado um gol em impedimento, Diego Ceballos, explicou o ocorrido dizendo que era um ser humano e que tinha se equivocado, nada mais. Em seguida completou a declaração com um tom confessional, disse que não estava conseguindo dormir, que tinha ficado mal e que estava consciente de que se tratava do maior erro dele em toda a carreira. Agora me digam, já viram algo nessa linha dito por um dos nossos? 

E pra que não me acusem de me pautar por exceções, digo-lhes que dias atrás ouvi Guardiola revelar que trazia consigo um sentimento de que os títulos que ele conquistou nos dois primeiros anos à frente do Bayern tinham o mérito do antecessor dele. Quer sinceridade maior que essa?  Pois são declarações desse tipo que me fazem crer que um pouco de verdade faria um bem danado ao nosso futebol.           
           

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Onda nada a ver


No domingo dei de cara com o texto que está no link abaixo, publicado no caderno "Aliás" do jornal
" O Estado de São Paulo". Leitura pra quem se interessa pelo futuro e pelos caminhos que o surfe anda trilhando. Gostei, inclusive, da legenda que acompanhava a foto na versão impressa. Dizia o seguinte:

" Dedicar-se ao surfe implica uma imersão literal e filosófica no oceano"

http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,onda-nada-a-ver--imp-,1789414


Questão de gosto


Sem rodeios. Vamos direto à questão! Esqueça por uns minutos, se for capaz, o time que você escolheu pra chamar de seu. Deixe de lado aquele pudor sem sentido que costuma ameaçar o bom senso quando o assunto é futebol. Responda com franqueza: neste momento qual é " o time" ? O Corinthians ou o Santos ? Será necessário coragem pra responder, pois de outro modo, tô cansado de saber, cairemos naquele papo de estilo. Que o time de Tite é mais isso e o do Dorival mais aquilo. Que um parte pra cima e o outro estuda o adversário. Que um, mesmo não sendo tão plástico tem mais conjunto. Que o outro tem o futebol mais bonito mas é claramente mais vulnerável. Mas se formos por aí chegaremos com a dissecação a tal ponto que, sem nos dar conta, estaremos falando em compactação. Que um time se posta em não sei quantos metros. É, meus amigos, o vocabulário do jogo de bola tem se enriquecido na velocidade da luz. Se é que isso pode ser chamado de riqueza. 

Mas essa questão com ar de provocação me veio à cabeça depois de ler uma entrevista do técnico Muricy Ramalho, que perguntado sobre como anda a relação dele com o futebol e sobre os times que ele gosta de ver jogar, mandou na lata: " no Brasil tem dez jogos acontecendo de uma vez só e, como tenho que escolher, o time que vejo é o Santos. Depois o Atlético Mineiro. São times vistosos, de velocidade, saída de bola rápida". A resposta de Muricy provocou, claro, uma outra pergunta com um quê de óbvia. E o Corinthians, não seria de empolgar? Muricy, diante desse questionamento definiu seu paladar ludopédico assim: "O Corinthians é bom. Muito tático. É só uma questão do que eu prefiro ver do futebol". 

Não cometerei a canalhice de colocar o nobre leitor nessa sinuca de bico sem dizer o que penso a respeito. Meu voto é pro Santos. Voto que pode ser visto como suspeitíssimo. Mas se digo isso é por me render à beleza. Acho o estilo santista mais bonito. Mas faço minhas as palavras do Muricy quando ressaltou que, apesar do que tinha afirmado, o trabalho feito por Tite é um belo trabalho. Digo mais! O Corinthians é competitivo demais, cascudo mesmo. Fazer o que se sou do tipo que crê que beleza é mesmo fundamental ? Mas e você, se só lhe fosse dada a chance de nosso próximo domingo assistir a uma única partida, e se o seu coração a essa altura já não estivesse totalmente tomado por alguma cor, a quem assistiria ? Não pensem, de qualquer modo, que consideraria uma afronta se me dissessem que é impossível responder a essa questão com seu coração já tomado de certa cor, seja ela qual for. 

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A diversão possível !


Imagino que o Brasileirão tem sido um suplício para os que ainda clamam pela fórmula do mata-mata. Não que eu tenha necessariamente algo contra ela, mas não é de hoje que me sinto meio obrigado a defender o sistema de pontos corridos. Questão de ser coerente. Tempos atrás, você deve lembrar bem, o grosso da crônica esportiva tinha uma bandeira. E essa bandeira era o tal sistema de - ou por - pontos corridos. Era difícil passar um dia sem ouvir alguém fazer essa reivindicação. Quando acontecia de por aqui um oitavo colocado ficar com o título brasileiro depois da dita fase de mata-mata então, aí a grita era geral. Não que não se possa mudar de opinião. Mas eu, particularmente, me sentiria um tanto patético se resolvesse mudar. Fiz parte do coro. 

Naquele momento dois grandes argumentos, principalmente, embasavam os defensores desse sistema. Premiar o time mais regular. E permitir que os times mais bem planejados tirassem o devido proveito dessa qualidade. Em linhas gerais de dois mil e três pra cá os campeões de certa forma provaram isso. Que o Cruzeiro e o São Paulo reflitam essa lógica vá lá. Mas será que ela serviria para o Flamengo de 2009? O Santos de 2004? E o Fluminense de 2010? Regularidade é um conceito complicado. E ainda bem, porque assim um time que consiga uma arrancada fenomenal estará na luta. Falar em regularidade e planejamento deixa no ar a impressão de que quando se trata de pontos corridos só times, digamos, certinhos, é que podem triunfar. E não é bem assim. 

Tudo leva a crer que as derradeiras rodadas do Brasileirão deste ano não trarão grandes novidades. Se ainda há uma disputa possível, tudo indica que se dará na hora de decidir de quem será a quarta posição, que vale vaga na Libertadores. Prato cheio pra qualquer amante do mata-mata externar seu descontentamento e nos jogar na cara que foi só o que nos restou, se divertir com uma disputa de quarto lugar. Não é bem assim. 

No próximo domingo, Atlético Mineiro e Corinthians estarão frente a frente, no Independência.E ainda que a matemática não nos deixe esquecer que o campeonato está quase decidido, sabemos todos que não se trata de um jogo qualquer. Uma vitória não salvará o time mineiro, mas lhe dará um brilho, lhe trará respeito. O Corinthians, por sua vez, já tem quase tudo, mas se triunfar sobre o principal concorrente, com uma bela atuação, claramente dará outra envergadura à campanha que vem fazendo. O sarro corintiano será outro, mais polido, mais sarcástico. Para os descontentes continuará sendo pouco.  Mas de minha parte, como disse, já não me sinto no direito de reclamar dessa diversão possível.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Alguma coisa está fora da ordem

Leio as notícias e o refrão de Caetano Veloso que dá título a este artigo me vêm à cabeça. A Holanda foi eliminada, não estará na Eurocopa. Vejam só! A Holanda que começou a última Copa goleando a Espanha, na época atual campeã do mundo. A Holanda que depois disso seguiu com um estilo bonito, jogando com uma intensidade de impressionar, sendo a responsável por dar à primeira fase daquele Mundial um tom surpreendente. E as eliminatórias da Eurocopa trouxeram outra surpresa: a Bélgica! Isso mesmo, os belgas deixaram pra trás a Alemanha e a Argentina e tomaram o topo do ranking da FIFA.

Por falar em Alemanha, o submundo da bola também começa a feder por lá, deixando Franz Beckembauer um tanto parecido com Michel Platini. A possível compra da Copa de 2006, e o papel de Beckembauer nisso, já não é novidade pra muitos alemães. O mundo do futebol neste momento é um castelo de cartas ao vento. O número de envolvidos em milionárias falcatruas só aumenta.

Por aqui, cartolas se uniram para criar uma Liga e ao baterem na porta da CBF receberam dela um ok. Sinal de que a entidade começava a aceitar um outro papel, menor. Ainda que não saibamos os detalhes do que foi tratado. Mas eis que dias depois o presidente da Federação Carioca vem a público dizer que em 2016 a Sul-Minas não acontece. E o que faz a CBF? Pressionada, volta atrás e decreta que a decisão dependerá de uma Assembléia. Talvez não seja o caso de dizer que as coisas estão fora da ordem, mas  que já não existe ordem, nem uma nossa, nem uma mundial. Só uma desordem total. 

Vejam essa questão dos clubes que emprestam jogadores. Entre eles é feito um acerto que enquanto durar o empréstimo o jogador cedido não poderá enfrentar o clube que detém seus direitos. Alexandre Pato tem sido o mais retumbante exemplo desse disparate. Pois bem. O ato é proibido pela FIFA. A CBF no início do ano decretou que a prática estava proibida no Brasil, mas só valeria para os contratos assinados a partir de maio. Ora, se a prática é lesiva e proibida pela FIFA porque não decretar seu fim de uma vez ? Um profissional nem deveria depender da CBF ou da FIFA pra isso, já que se trata de impedir alguém de exercer o próprio ofício. Mas o futebol, sabe como é !? Um mundo à parte, em que a justiça dita comum não deve se meter. Lógica visivelmente perversa. E assim a letra de Caetano vai ecoando aqui na minha cabeça e fazendo cada vez mais sentido pro futebol, pro mundo. É que "  tudo parece/ que era ainda construção/ E já é ruína".

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Ah! Nossa seleção !

Nem tudo o que se pensa se fala. Fico imaginando que no fundo, no fundo, Dunga olhe pra situação dele e pense: os caras me bombardeiam mas a Argentina perdeu em casa. É, perdeu. Mas quem pensa assim deveria levar em conta que os argentinos carregarão até a próxima Copa o status de vice-campeões do mundo. Se os brasileiros costumam não valorar os vices é outra questão. Isso sem dizer que com muito menos futebol eles endureceram o jogo pra cima da Alemanha e estiveram perto de fazer na final o que parecia improvável. E não foi à toa. O time argentino com todas os detalhes desabonadores que possam lhe impor continua tendo uma maneira de se portar em campo que soa muito condizente com o que sempre foi. Engana-se quem, cegado pela rivalidade, não enxerga no time portenho uma escola de futebol.

Se com a bola ao longo da história conseguimos ser mais artistas, eles desde sempre puderam nos servir de exemplo de conjunto, sem nunca terem deixado de ter também jogadores de técnica respeitável. A leitura que fiz e faço das primeiras apresentações do Brasil nas eliminatórias é simples. A opção de Dunga por Lucas Lima diz tudo. Foi, antes de qualquer outra coisa, o espelho do tamanho da ousadia do nosso treinador que, falando claramente, no primeiro jogo foi capaz de apostar cerca de dez minutos na capacidade criativa do nosso futebol. E só. Não deixo de reconhecer em parte dos nossos convocados certa excelência técnica. Nem desdenho da igualdade entre os times que o tempo trouxe e se faz evidente. Mas o que me intriga, é que ainda estamos em um patamar razoável, mas que não tem se refletido em nenhum tipo de vantagem em campo.

É fato que temos há tempos uma seleção sem pegada, sem identidade, e nada pode ser mais brochante do que isso. Adiante não sei, mas hoje em dia a seleção brasileira é um time que não deu liga. Há quem se agarre ao placar do jogo contra a Venezuela. Na próxima rodada estaremos frente a frente com os argentinos, que perderam na estreia como nós. Gostaria de acreditar que estamos em pé de igualdade com eles, mas não creio. E também não vou mudar de ideia caso o time brasileiro vença a Argentina jogando em Buenos Aires. O placar não me servirá de parâmetro. Quem parecerá mais time, quem terá um jeito mais sólido de jogar, quem será mais competitivo? Aliás, competitividade é qualidade que nunca faltou aos argentinos, e que a antiga seleção de Dunga também tinha. Mas, quem terá mais alma, mais identidade? Essa é a dividida que eu quero ver o Brasil encarar, é isso que gostaria de ver no time brasileiro quando ele voltar a disputar um jogo de eliminatória no mês que vem.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Bem agora que nossa pitangueira floriu !

Ô Zé, não achei que a coisa iria complicar assim. Desde que essa história de uma vizinhança descontente começou o horizonte se turvou um pouco. Sei que lei é lei e que ela costuma valer com especial fervor aos que não são amigos, como sugere certa frase famosa que você já deve ter ouvido. Também imagino que na tua idade a paciência para desfiar rosários burocráticos quase não exista. Tem sido triste ver a porta de ferro teu bar cerrada. E você bem sabe que ultimamente eu vinha sendo, de longe, o menos assíduo dos teus frequentadores. Mas a mim andava bastando aquele papo breve que volta e meia travávamos quando eu voltava da feira. Em outros dias, muitas vezes, via de longe tua imagem com o jornal na mão, de olho nas notícias do teu Corinthians, em meio ao silêncio do salão vazio, com pouca luz. O custo da energia anda mesmo pela hora da morte, eu tô ligado. E aquela era uma imagem bacana de ver. 

Os que te difamam provavelmente jamais entenderão por completo o que é um bar. Só os inocentes e desavisados podem imaginá-los de alma imaculada. E esses tais que agora andam fazendo questão de que o Bar do Zé Ladrão permaneça com as portas fechadas jamais souberam compreender a razão que lhe fazia, desde sempre, levantar as portas tardiamente. Nunca seriam capazes de sacar a tática para afastar os que infelizmente precisam de um primeiro trago já bem antes do dia nascer. Pra alguns, bares serão sempre todos iguais. Mas se tô aqui é pra dizer da tua classe. Os que tiverem coragem que tentem domar um balcão de bar por décadas a fio, sem perder o prazer no trabalho, sem perder para as próprias pernas condenadas a amparar o corpo em posição de sentido dia após dia, por horas a fio. 

Tô precisando ir lá - esteja o vosso bar de portas fechadas ou não - porque a primavera chegou e já é passado o tempo de colocar algum adubo no pequeno naco de terra exposta que sustenta nossa velha pitangueira. Veja só, outro dia tava passando na calçada contrária e vi um sujeito embaixo dela, olhando pra cima, com jeito intrigado. Por instinto parei pra observá-lo. De repente, o sujeito puxou um ramo e o quebrou. Olha, por pouco não fui lá tirar satisfação. Mas,rapidamente, dei um jeito de me convencer que era só alguém a fim de um raminho pra quem sabe fazer um chá. Olha Zé! Não sei como andas gastando teu tempo. Se tens cuidado dos netos e das plantas de casa. Mas sei bem o quanto aquele cotidiano de sempre deve lhe fazer falta. Já não estou certo de poder sonhar em ver o teu velho bar de novo de portas abertas. Ainda assim, seguirei teimosamente na torcida. Ô Zé, que tristeza me dá ver teu velho bar de portas fechadas bem agora que nossa velha pitangueira floriu. 

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

É hoje !


Se você é do tipo que sofre por causa de futebol e, digo mais, se és daqueles que ainda sofrem por causa da nossa seleção, deixe que sirva de amparo pro seu coração o fato de já não ser nenhuma novidade ver o Brasil passar por poucas e boas nas eliminatórias. A estréia é hoje contra o Chile. E imagino que se nem o histórico sete a um foi capaz de lhe endurecer o coração, nada será. Talvez você não lembre que o Brasil só garantiu um lugar no Mundial de 2002 no último jogo contra a Venezuela. Mas, provavelmente, lembra bem do que Romário foi capaz nos idos de 1993, quando tivemos que decidir no Maracanã, diante do Uruguai, no jogo derradeiro, se íamos ou não íamos pra Copa dos Estados Unidos. Fomos, porque Romário acabou com o jogo dando uma disparada que o goleiro adversário não conseguiu parar nem tentando agarrá-lo. Ou seja, se você achava que seria possível não sofrer, pare de se enganar. Mas sei bem que o temor nunca foi tão justificável. 

Chegar à Copa da Rússia em 2018 promete grandes emoções. Não vou aqui ficar dizendo o que acho do Dunga, só acho que se não leu uma entrevista dada por Sir Alex Ferguson dias atrás, deveria. Ferguson, o inglês respeitabilíssimo quando o assunto é futebol, que comandou o Manchester United por vinte sete anos e sabe muito dos negócios que envolvem o jogo, classificou o sete a um como acidente, um grande acidente. Mas apontou o que deveria nos preocupar. Não o placar daquele dia, mas o fato de termos ficado visivelmente para trás. Fato que Ferguson admitiu ao dizer que a Alemanha criou uma escola, uma identidade de jogo, coisa que nós, brasileiros, segundo ele, tivemos um dia. Lógico. 

Houve um tempo em que o dinheiro não fazia pouco do talento. Mas o tempo hoje é outro. Nada me tira da cabeça que nosso calvário vem muito do fato de hoje em dia os jogadores não serem escolhidos puramente pelo que fazem ou sabem mas, antes de tudo, pelas oportunidades que representam e trazem.  Não vou entrar nessa de dizer que tem esquema na seleção. Mas tá na cara que os negócios venceram, e aí pobre de quem tiver só o talento, sem ter a entrada, sem estar presumidamente bem assessorado e tal. Prova disso é que passamos pelo maior vexame e nossos dirigentes continuam todos com cara de paisagem. Nem se deram ao trabalho de franzir o rosto, ainda que fosse teatralmente. Menos de um ano atrás a palavra de ordem era renovação... mas as últimas apostas de Dunga foram todas na experiência. Continuamos sem um plano, ou se há, confesso não ser capaz de detectar. E estamos sem Neymar pra começar. Mas quem não quer ver no que vai dar? 

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Um homem de princípios


Bom, a coisa se deu dias desse, quando tomava um café com um velho amigo. Momento breve desses que, às vezes, temos a sensatez de nos dar de presente. Trata-se, pra que saibam, de um santista desde sempre. Não posso nem dizer que o rumo da prosa me surpreendeu porque em um encontro anterior havia sentido que a ligação dele com o futebol já não era a de outros tempos. Não fiz disso preocupação porque tudo tem conspirado pra nos roubar o ânimo quando o assunto é esse. Mas, de repente, ele me confidenciou que tinha decidido abrir mão desse prazer. Até aí, quem sou eu pra fazer juízo da decisão dos outros? 

O detalhe é que no aprofundar da prosa fui levado a ouvir outra confidência. A do imenso esforço que alguém que toma uma decisão dessa precisa fazer. E lá foi ele desenhando as situações. Como resistir a dar uma espiadinha se todo mundo diz que o time anda voando? Que tem o artilheiro do torneio? Que seu armador-mor anda dando espetáculo? Palavras que me fizeram crer que o cidadão que se impõe essa mudança sofre como um abstêmio tentado pelas lembranças dos prazeres que descobria na bebida. A essa altura me encontrava totalmente seduzido pela questão. Estava ali diante de mim um caso totalmente possível mas ao mesmo tempo raro, principalmente, pelo fato da intimidade não deixar dúvidas sobre a veracidade do que estava sendo dito. 

Movido pelo astral do papo lhe confessei meus desencantos. Por cumplicidade alimentei a ilusão do sujeito. E se acham que já disse tudo ajeitem-se aí porque o mais arrebatador da conversa foi ter ouvido o homem contar, com semblante tenso, que se fazia isso era porque era um homem de princípios. Acrescentou que o fato de ter trabalhado por algum tempo na cobertura esportiva talvez tenha sido o que fez nascer esse desencanto. E mais tenso ainda se mostrou quando completou que depois de ter tomado essa decisão muitas vezes tem visto esse homem de princípios se debater com o menino que ele, de algum modo, ainda traz no peito. 

Um menino que se entristecia quando o time perdia, que saia com pressa a comprar todos os jornais quando o Santos triunfava. E era como se na riqueza dos relatos e nas fotos dos cadernos de esporte a alegria se multiplicasse. Sensato, antes que levássemos o papo pra outro rumo afirmou que nunca foi um fanático, mas se considerava um torcedor padrão, porque o torcedor que um dia fez o que ele fazia só podia mesmo gostar de futebol. Ao sair da casa dele, estava decidido, precisava escrever sobre o que tinha acabado de ver. Um homem decidido a deixar o futebol pra lá.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Treinadores: o que dita o fim ?


Muitas vezes me pego num auto-desafio de escrever não como quem simplesmente relata fatos, mas como alguém que retrata um tempo. Questão de fazer valer a labuta. Pensando assim, se eu tivesse que falar sobre treinadores diria que nesses tempos que correm são tratados como reis. Se ganham jogo, ou não, ninguém sabe, mas faturam como se disso não houvesse dúvida. Os com vocação estratégica e para os estudos têm sido muito bem vistos. E é bom que assim seja, conhecimento nunca será demais. Mas a verdade é que a maioria não parece dar conta do perfil. 

E na crônica esportiva as infinitas discussões insistem na necessidade de lhes dar um tempo maior para trabalhar, ignorando que é a vida que dita o ponto final das coisas. Muricy, tricampeão brasileiro com o São Paulo, sucumbiu. Marcelo Oliveira, bicampeão brasileiro com o Cruzeiro, sucumbiu. E dias trás aquele que era o mais longevo treinador da primeira divisão do futebol brasileiro, Eduardo Batista, digamos, preferiu sucumbir. Leia-se ir para o Fluminense.

Perguntado sobre o motivo que o levou a sair do Sport não deu voltas, disse que sentiu que seu fim no time pernambucano se aproximava. Gostaria de afirmar que o argumento não passava de uma desculpa. Mas se Muricy e Marcelo - com triunfos imensos - não duraram três anos e pouco, porque Eduardo com o time perdendo fôlego a olhos vistos no Brasileirão deveria acreditar que duraria? É por essas e outras que deixo aqui escrito que, mesmo breve, a passagem de Juan Carlos Osório pelo futebol brasileiro é de grande valia.

Osório tem uma interpretação original do jogo e do que o cerca. Outro dia traçou um panorama do comportamento da nossa torcida com uma lucidez que não lembro ter visto em outro treinador. Disse que aqui a torcida, embora apaixonada, joga contra e exige que o time a contagie, ao contrário do que se vê em outros continentes. Lá, segundo ele, a torcida é que contagia o time. Essa diferença pode até ser uma qualidade. Não precisamos ser cordeiros sempre. Osório tem dito o que, em geral, os treinadores não costumam dizer, como o fato de nossos times por aqui estarem expostos demais, que é muita gente falando, dando pitaco. São detalhes, eu sei, mas que precisam ser lembrados sempre.

Tenho ouvido por aí que a direção do time do Morumbi não fará força para mantê-lo no cargo. Não me surpreende, treinadores desse tipo precisam de dirigentes à sua altura. Os que derem de cara com estas minhas linhas lá adiante poderão dizer se tenho (ou tinha) razão. Isso, talvez, por volta de 2090, quando o futebol brasileiro terá tido quase uma eternidade pra virar gente grande. 

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Nicomedes, homem do mar

Dias atrás recebi a notícia da morte de Nicomedes Pacheco de Barros. Não sei porque no primeiro momento tentei encontrar uma maneira de defini-lo, acho que talvez tenha sido o impacto da triste notícia que tenha exigido de mim um lugar exato para guardá-lo a partir daquele instante. No meu imaginário Nicomedes ficou meio como um homem do mar, meio como um homem de praia.  Um pouco herói, um pouco lenda. Na foto do acervo pessoal que acompanhava a notícia de sua partida era possível vê-lo de sunga, e aos pés dele uma areia um tanto suja, com dejetos, um copo de plástico. Digo isso porque talvez minha admiração venha um pouco também dessa cumplicidade. Nicomedes, como eu, imagino, também lamentava que o tempo tivesse maltratado tanto a velha baía do Gonzaguinha. Em nossas memórias ela ainda é limpa, de águas convidativas. Na dele infinitamente mais limpa do que na minha. 

A morte de Nicomedes é pra mim também uma ruptura entre o meu mundo e o dos meus avós que no fim dos anos sessenta desceram a serra pra desfrutar até o fim de suas vidas da tranquilidade que São Vicente ainda oferecia. Lembro bem de minha avó Lucila entusiasmada a me contar do que aquele salva-vidas era capaz. Lembro de como gostava de ver a ele e os amigos atravessando a Baía a nado, o que faziam diariamente. Se a memória não me traí, uma dessas travessias certa vez acabou em tragédia com uma embarcação vitimando um dos seus companheiros. Alguns anos atrás estava remando com meu irmão naquelas águas, coisa que sempre gostamos de fazer e demos de cara com Nicomedes. Foi a última vez que o vi no oceano. Ele remava um stand-up e levava à frente uma garota muito jovem. Acenamos, passamos por eles. Em seguida, como não podia deixar de ser, comentamos a cena, sem resistir à inevitável constatação: Nicomedes seguia inteirão. 

Sua ligação com o mar carregarei como exemplo e inspiração. Até onde pude acompanhar Nicomedes manteve um porte elegante, invejável diria. Outro detalhe interessante é que Nicomedes personificava a figura do bombeiro salva-vidas, cujas histórias de bravura naquela minha época de menino eram conhecidas de todos, tão próximos que pareciam estar da gente. Muito diferente desses salva-vidas que cruzo hoje pela praia e, que mesmo levando adiante o nobre ofício, já não fazem parte do meu cotidiano. Como não tê-los na conta de heróis? Dizem que ao longo da vida Nicomedes salvou mais de mil pessoas de ter o mar como ponto final. Em 2004, gravei com ele para um programa da TV Cultura. Passamos momentos agradáveis. Pra mim foi a vida de repórter me dando a chance de preservar um pouco do passado. 

Naquele me dia me disse que tinha aceitado um dom já que o primeiro salvamento tinha feito aos quinze anos sem conhecer nada sobre o assunto. Na metade da década de cinquenta se encantou com as histórias que ouvia de nadadores do velho mundo fazendo travessias desafiadoras. Movido por esse encanto realizou uma no mesmo estilo entre Santos e São Vicente. No ano seguinte, 1955, uma outra, que contou com a presença de estrangeiros. Um deles o português José Guerra, famoso por pouco antes ter sucumbido à travessia do Canal da Mancha quando restavam apenas dois quilômetros. Essa travessia de 1955 teve percurso de trinta quilômetros entre Guarujá e São Vicente e foi vencida por Nicomedes, que nadou por mais de dez horas com o corpo coberto de graxa, dessas usadas em máquinas mesmo. Maneira encontrada para lidar com a temperatura baixa das águas. 

Na minha memória Nicomedes se mistura com as lembranças mais ancestrais. Aos jantares com meus avós e meus pais no Hirondelle, aos "jacarés" que pegávamos quando o Gonzaguinha ainda não tinha piers e as ondas - vira e mexe - entravam pra valer arrebentando as calçadas, aos almoços de domingo no amplo salão do restaurante Gaudio, aos gritos de rachar da portuguesa que vendia bolinhos de bacalhau nas areias da praia. Naquele nosso encontro há mais de uma década Nicomedes me contou que em matéria de natação também tinha sido praticamente autodidata, tinha feito tudo meio na raça, apostando na musculação, o que gerou muitas críticas na época. Ah! E no fim me confidenciou que já não tinha mais a medalha da mítica travessia, penhorada certa vez que o dinheiro ficou curto. Então, só me restou lhe dizer que a memória ninguém rouba. A nossa, talvez, mas essa que teima em ficar por aí, ninguém

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Meu personagem da semana


O meu personagem da semana esteve longe de entrar em campo no último domingo com alguma afetação. E era dele um papel importantíssimo no espetáculo. Disso não restava dúvida. Como dúvida também não havia de que o tal cidadão estava diante de uma tarefa espinhosa. Não bastasse a natureza do seu ofício, ninguém entre nós em sã consciência seria capaz de negar que ao entrar no gramado da pomposa Arena palmeirense para executar sua missão não pesasse sobre ele a sombra da desconfiança. E foi nesse estado desafiador que ele cumpriu as exigências do papel que assumiu. Conferiu as redes, seus cronômetros, se certificou de que cada atleta tivesse o uniforme dentro das regras, que o apito estivesse firme nas mãos. E em seguida, amparado por essas frágeis seguranças que costumam sugerir aos homens ser possível domar o destino, se pôs a trabalhar. 

Fez uma partida impecável. Tamanha foi a obra de Raphael Claus no clássico entre Palmeiras e Corinthians que um dia depois do jogo tudo que consegui ouvir a respeito da arbitragem dele foi um comentarista questionar sua interpretação de uma entrada do goleiro corintiano na jovem promessa palmeirense de nome Jesus. Mesmo assim sem a mínima convicção. E isso, neste tempo em que a câmera lenta e o replay desnudam impiedosamente os atos de qualquer juiz, convenhamos, é um feito louvável. Mas não pensem por isso, e pelos meus oportunos elogios, que o senhor Claus está acima dessas coisas. Meses atrás apitou uma semifinal do Campeonato Mineiro entre Atlético e Cruzeiro e de lá saiu com os dirigentes dos dois times soltando fogo pelas ventas. E olha que o placar terminou apontando um inocente empate por um a um. 

A atuação dele domingo também mostrou que estava bem acompanhado. Do dito trio de arbitragem nada parece ter escapado. Quando a certa altura vi o lateral Lucas dar uma entrada daquelas e não ser advertido com cartão quase vi cair por terra essa admiração que me ia nascendo. Mas quando o jogo parou, o senhor Claus, avisado por um de seus bandeiras, foi lá dar o cartão ao jogador palmeirense que àquela altura já devia estar se sentindo orgulhoso de sua impunidade. Pois o senhor Claus aceitou- vejam que alvissareiro - essa condição de máxima discrição que deveria ser o primeiro atributo de quem exerce esse tipo de ofício. E mais, nele aquele ar militar - tão presente hoje em dia entre os seus - simplesmente não existiu. Findo o jogo, da pomposa Arena partiu o senhor Raphael Claus podendo até, talvez, se misturar aos torcedores sem se quer ser reconhecido. E nesse caso, teria sido merecido.  

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

A dinastia dos smartphones


De todos os textos e fragmentos de textos que tenho lido um tem insistido em ficar na minha cabeça. Falo de um que versava sobre a invasão dos smartphones na nossa vida. As teorias eram diversas, mas um detalhe me chamou a atenção: como essas máquinas ao nos emitir avisos sobre o que nos chega acabam por tabela decretando o que é, ou não é, urgente. Atropelando nossa vontade. Depois disso tirei do meu aparelho os avisos sonoros. Queria passar a procurar o celular e não que ele ficasse me dizendo em que momento deveria buscá-lo.
 
Restou então aquela infame luzinha que pisca toda vez que uma mensagem, e.mail, curtida, invade a máquina. Tentei resistir à luz, mas é claro que cada brilho emitido me desafiava a fazer pouco caso da urgência ditada pelo sinal. Pra me sentir um pouco mais são e livre dei cabo também do sinal luminoso. E posso dizer a vocês que muita coisa mudou. Não ! Foi quase o nirvana. A partir daquele momento passei eu a procurar o aparelho, mas só nos momentos mais indicados, sem deixar que a porra do smartphone se intrometesse em um devaneio, numa conversa com amigos, ou num momento em que estava focado em algum detalhe do trabalho. Em outras palavras, voltei a ter vontade própria. Pode não ter sido a glória, mas foi um tipo de libertação. 
 
A depender das máquinas e seu mundo sedutor tudo seria possível. Só hoje me ofereceram a possibilidade de aumentar o pinto, ganhar até cinco mil reais por dia sem sair de casa e, creiam, administrar dois milhões e quinhentos mil euros de um cidadão que está morrendo de câncer do outro lado do mundo e escolheu a mim para criar um lugar para atender crianças e idosos em dificuldade. Gostaria muito de mirá-lo no fundo dos olhos e confessar que não sou a pessoa mais indicada pra essa missão. E tenho certeza de que ele se convenceria quando eu dissesse que mal consigo administrar a porcaria do meu smartphone.
 

Não faço meditação, nunca fiz yoga, não costumo ir com frequência razoável a templos nem igrejas. Toda minha fé na purificação do corpo e da alma tenho depositado numa prática simples: tomar coragem e abandonar meu celular em casa toda vez que estiver desfrutando de um tempo que , ao menos em teoria, deveria ser só meu. Estou convencido de que assim me tornarei um ser humano melhor, mais dado a escutar as pessoas, a lhes oferecer mais insistentemente meu olhar. Por falar em olhar, sem nossos celulares, notem, automaticamente ficamos mais eretos e isso, nada me tira da cabeça, também pode ser um sinal de evolução. 

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Vitória fora é ouro


Vencer jogando fora de casa nunca foi tarefa fácil e arrisco dizer que está virando coisa cada vez mais complicada nesse futebol sem bobos, como gosta de dizer a boleirada. Fora, meus amigos, o clima é outro, o entorno muito mais hostil. E não se deixe levar pela rodada do último final de semana porque ela foi uma das mais abundantes nesse sentido. Duas rodadas antes nenhum time tinha conseguido alcançar esse tipo de feito. Mas mesmo sem um triunfo desses é possível construir uma campanha de respeito no Brasileirão. 

É só ver o caso do Sport, que fez um primeiro turno muito bom sem ter vencido fora. Nem todo torcedor deve ter notado porque tempos atrás foi tão duro para o time pernambucano levar um gol do Atlético Paranaense aos 52 minutos do segundo tempo na Arena da Baixada. E muitos dos que perceberam foram ajudados pela declaração do treinador do Sport, Eduardo Baptista, confessando que naquele momento sua desilusão não era a de somente ver escapar a vitória, mas aquela que seria a primeira do time dele fora de casa. 

Notem. Muito tem sido dito sobre o trabalho realizado pelo técnico Dorival Júnior à frente do Santos. Com ele no comando o time da Vila deixou a zona do rebaixamento, ganhou fôlego, se impôs sobre adversários em fase teoricamente muito melhor, mas vencer fora o time santista só conseguiu no domingo passado. Falemos, então, sobre os líderes, Corinthians e Atlético Mineiro jogaram fora de casa no final de semana passado e venceram. E se falo dessa intuída raridade que se apresenta é porque pra mim aí está um vértice interessante pra acompanhar esse duelo. 

Nas próximas três rodadas os dois seguirão em igualdade nesse quesito. Jogarão duas vezes em casa e uma fora. E até aqui só não foi assim na sexta e na décima quinta rodadas. E só voltará a ser na rodada de número vinte e cinco, quando o Corinthians irá receber o Joinville, e o Atlético Mineiro enfrentará o Cruzeiro no Mineirão. O que pra alguns pode até não significar exatamente fora de casa. E se digo que se trata de um ponto de vista interessante pra acompanhar a disputa é também porque até aqui as duas equipes ostentam o mesmo número de triunfos conquistados fora de casa, cinco. 

Não quero a partir disso elaborar nenhuma teoria até porque a toda hora pinta alguém pra nos alertar da importância de vencer fora. Talvez seja só uma impressão minha, e deixo para os fanáticos por números dia desses provar, ou não, que as vitórias desse tipo andam mesmo se tornando cada vez mais raras. De qualquer forma fica aqui uma humilde sugestão: a de enaltecer devidamente seu time toda vez que ele lhe proporcionar uma alegria desse quilate. 

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O homem do apito


Imagine-se em um campo qualquer de várzea. Ali ao lado está um sujeito mal ajeitado no pedaço de tábua que faz o papel de arquibancada. Ele tem os olhos grudados no homem do apito. O enxerga, assim como você, sem muita precisão, prejudicado pela distância e pela poeira que levanta do chão de terra batida. Ainda assim, ele jura ter visto que o jogador do time para o qual ele está  torcendo não fez penalti coisa nenhuma. Você acaba de pensar a mesma coisa sobre o lance. Mas o homem  agora está bem perto da linha da grande área fazendo o apito soar estridente, com a mão direita apontando pra marca da cal. Em meio ao burburinho o sujeito levanta rápido, faz uma concha com as mãos na frente da boca - que é pra que o que vai ser dito ecoar bem - e grita com toda força:

_ Ô seu árbitro, tu tá de sacanagem !


Além da ausência de um palavrãozinho sequer na frase tem outra coisa que destoa: Um sujeito no calor do jogo chamar o juiz de árbitro. É ou não é? Tô cansado de saber que é o certo, mas errado mesmo é essa mania de querer corrigir o que se faz claro. Quem apita  futebol sempre foi chamado de juiz, e eu faço questão de continuar me dando o direito de lhe chamar assim. Árbitro soa tecnicista. Ouçam bem a sonoridade: juiz ! O termo cai a esse cidadão que aceitou tão ingrata tarefa como roupa de corte fino. E às favas com o politicamente correto. Nessa toada bandeirinha virou auxiliar, passe virou assistência. 

E tem outra coisa que anda me chamando a atenção quando se fala no juiz. É o seguinte, em outros tempos o cara tinha noção de onde estava se metendo e dava um jeito de se impor com naturalidade. Mas hoje em dia os caras não aceitam o nobre papel de chegar ao fim de um jogo sem serem percebidos. É um tipo de nobreza que não lhes interessa. E mais, já faz tempo entram em campo com ar e atitudes militares. Deram pra ser bombadinhos. Talvez pensem que o visual por si  só se encarregará de transmitir o aviso de que é melhor não mexer com eles. 

Nada contra, nem a favor. Só continuo achando que por mais que não lhes possa faltar certo preparo físico, um mirradinho, bem intencionado e com fôlego, pode fazer muito pelo  futebol. Mas admito, o problema pode estar comigo que continuo acreditando inocentemente, ou burramente mesmo, que o futebol ainda pode ser parecido com aquele que eu via antigamente. O que por tabela explica também essa minha teimosia de querer continuar chamando árbitro de juiz.   

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

E o Guardiola, hein?



Deixe que eu use a intimidade que criamos depois de tanto tempo usando esse espaço para fazer uma pergunta: Você acredita que Pep Guardiola estava dizendo a verdade quando afirmou que a nossa seleção precisa de um técnico brasileiro? Eu não! Talvez não se trate de uma mentira, mas de uma omissão. Se você não acompanhou o desenrolar dos fatos vou resumir. Tempos atrás, quando Mano Menezes foi mandado embora da seleção, chegaram a noticiar que Guardiola estaria disposto a abandonar o ano sabático que atravessava se fosse para assumir o escrete brasileiro. Mais recentemente o lateral Daniel Alves concedeu entrevista e fez o assunto voltar à tona, dizendo com todas as letras que Guardiola já tinha até o time na cabeça e que nem pensava na questão financeira. 

Estranho que mesmo diante de todo o burburinho ninguém tenha feito o óbvio: ir perguntar para Guardiola o que havia de verdade aí. Isso só se deu dias atrás, quando um jornalista brasileiro esteve presente em uma coletiva do treinador, ainda que lá estivesse por causa de outro assunto. Custo a acreditar que esse homem - que foi capaz de se impor um ano sabático, que estudou alemão para  poder conceder sua primeira entrevista à frente do time do Bayer naquela língua - acredite cegamente que o Brasil precisa ser dirigido por alguém daqui. É um pensamento que destoa totalmente do que ele representa. 

E o que eu estou falando não deve redundar naquele papo furado se o pessoal da CBF deveria ou não ter lhe procurado. Acho muito mais crível que Guardiola, inteligente como é, tenha sacado o que iria provocar se dissesse que teria topado a empreitada. Mais crível ainda é imaginar que como bom conhecedor do mundo da bola jamais amarraria seu bode por aqui. Semanas atrás escrevi  sobre a ausência de técnicos estrangeiros no nosso futebol e recebi uma mensagem de um leitor fazendo questão de registrar que nem sempre fomos tão resistentes a eles. Aqui tivemos Filpo Nuñez (fita azul com a Portuguesa Santista), Bélla Gutmann,e outros, que certamente nos deixaram algo de bom. 

Acredito que se algum cartola por aqui soube dessa disposição de Guardiola deve ter pensado que não cairia bem abrir as portas para um estrangeiro justo na hora em que país se ufanava de receber uma outra Copa. Maneira rasa de pensar. E é por essas e outras que digo, não que Guardiola não combine com o futebol brasileiro, ele não combina é com o modo como andam pensando o nosso futebol. Acho que teria sido uma bela continuação de tudo o que conseguimos construir de mais bonito pelos gramados. Um último respiro da sedução que nosso jogo exerceu sobre o mundo. Mas nada temos feito para merecê-lo.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Nossa Pátria Esportiva




Nunca se falou tanto em esporte neste país. Os comandantes da Pátria de olho em holofotes planetários fizeram do Brasil sede da última Copa e da Olimpíada que vêm aí. Mas em nenhum momento pensaram de modo respeitável no esporte. Tivessem feito isso teriam trilhado outros caminhos. Minha experiência de vida - e profissional - manda desconfiar de qualquer projeto que não una o esporte à educação. O esporte deve, antes de mais nada, ensinar o homem a lidar com seus limites, a conhecer o próprio corpo, a desfrutar dos seus benefícios do ponto de vista físico e mental e, por tabela, deixar provar do que é capaz a disciplina. Normal que alguns não segurem a onda e queiram mostrar que são melhores do que os outros.O esporte tem de estar à mão. Uma escola sem quadra esportiva ou sem aulas regulares de educação física não condiz com nenhuma nação que se pretenda evoluída e saudável. Mas o que temos? Um ensino em que a Educação Física está longe de ser tratada devidamente, colocada entre aulas de outras matérias. E esse é um dos motivos que me fazem não suportar esse papo de legado. 

Faz uns dias li uma  matéria sobre o projeto que a Alemanha está colocando em prática para o futebol. Uma espécie de próximo capítulo do planejamento que os levou ao tal sete a um. Não se trata de algo mirabolante, mas que impressiona pela cidadania e simplicidade. Baseia-se em dar a todas as escolas diretrizes para que a criançada se inicie no jogo de bola. Quadras de 20 x 15, com quatro jogadores pra cada lado, sem goleiro. E assim vai. Aos maiores trataram de garantir que terão um lugar próximo deles para lapidar seus talentos. E com trezentos e tantos milhões gastos pela Confederação do país estão erguendo em Frankfurt um centro já apelidado de "A Catedral". O local congregará tudo e todos. E vejam. A decisão de erguê-lo foi tomada depois de uma consulta popular, já que a construção envolvia isenções de impostos. 

E aqui? Aqui se você tem perto de meio século de vida como eu, sabe muito bem que não temos mais jogos colegiais, os jogos universitários morreram. E iniciativas como os Jogos Abertos do Interior tiveram a alma liquidada pela esperteza. Faz uns dois anos participei de um evento em Piracicaba. O Professor Idico, que lá me recebeu, durante um jantar me contou todo esforço que tinha feito certa vez para resgatar os Jogos. Coisas básicas como um regulamento que impedisse os atletas de mudar de cidade. Eles até poderiam escolher a cidade que gostariam de defender, mais feita a escolha deveriam permanecer ligados a ela por pelo menos três temporadas. O que evitaria esse absurdo que se vê hoje, cidades contratando atletas de destaque só pra fazer bonito por uns dias e depois tchau. 

Ora, incorporamos tanta baboseira do " american way of life". Há quem diga até que a nossa derrocada educacional começou no dia em que decidimos adotar o padrão norte-americano. Pra quem não sabe do que se trata basta escrever a palavra MEC/USAID no Google e pronto. Se pelo menos tivéssemos copiado deles essa intimidade que eles sustentam entre o esporte e a universidade, talvez nossa situação fosse outra. Mas por hora, não somos nem a Pátria educadora que nossa presidente prega, e muito menos uma Pátria Esportiva. E essas têm sido algumas das nossas grandes derrotas.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Sentimento FC


Faz tempo que alimento a ideia de escrever sobre times não profissionais que reuniram grandes figuras. O mais emblemático deles carrega também o nome mais bem sacado de todos. Falo do "Sentimento Futebol Clube", criado por Plínio Marcos, pelo jornalista, Brasil de Oliveira, e pelo zagueiro, Estevam Soares, que mais tarde viria a ser treinador. O Sentimento era uma seleção de boleiros que se reuniam pra jogar a favor de alguém. A definição é do ponta-esquerda do time, o próprio Plínio Marcos. Na biografia dele, "Bendito Maldito", escrita por Oswaldo Mendes, é possível saber dessa esquadra com detalhes e como, certa vez, Plínio entrou numa tremenda dividida com um delegado para salvar - literalmente - a perna de Estevam. 

E se hoje estou aqui falando finalmente disso é porque na semana passada tive a alegria de conversar com o ex-jogador, Afonsinho. Ele mesmo, o cabeludo que em plena ditadura não medrou e se tornou o primeiro jogador brasileiro dono do próprio passe. Afonsinho foi o mentor de um time dessa natureza também, o "Trem da Alegria". Garrincha, Nilton Santos, Fio Maravilha, foram alguns dos tantos ilustres que vestiram a camisa do "Trem". Íntimo de intelectuais e músicos, um dos amigos de Afonsinho era, e é, Paulinho da Viola, que por sua vez capitaneava o "Chulé Futebol Clube", que de chulé não tinha nada. Afinal, era dono de um elenco estrelado, do qual fazia parte - entre outros artistas - o músico Moraes Moreira. 


Por falar em Moraes Moreira, recentemente lendo o livro que conta a história de Dadi Carvalho, que também é amigo do Afonsinho, e baixista com lugar garantido na primeira divisão da nossa música, fiquei sabendo de um outro time nascido assim. Você pode até não lembrar de quem se trata, mas certamente já ouviu o baixo tocado por ele. O que só não seria possível se você até hoje nunca tivesse ouvido alguns dos maiores sucessos de Caetano Veloso, Gal Costa e Jorge Ben. 


Dadi, antes de tudo isso, fez parte do conjunto Novos Baianos. E como todo mundo sabe o pessoal por lá adorava uma bola. As peladas para eles eram tão essenciais quanto fazer um som. Tanto é que um dos discos do grupo se chama "Novos Baianos FC". Pois bem, Dadi conta em sua auto-biografia que ser titular no time dos Novos Baianos não era fácil. Diante disso só teve uma saída: fundar seu próprio time, magnificamente chamado de "Passa a bola meu bem". No Passa, formaram nomes como Evandro Mesquita, o eterno líder da Blitz. E no relato, Dadi, que é botafoguense apaixonado, aproveitou pra falar do dia em que ele viveu a maior glória como torcedor do time da estrela solitária. É que certa vez o Botafogo fez um jogo contra os Novos Baianos. E o que aconteceu? Dadi, preterido pelos amigos, acabou sendo chamado pra entrar no outro time. E a partir daquele dia, legitimamente, passou a encher a boca e dizer que um dia jogou no Botafogo. Quem dirá o contrário? O futebol tem dessas coisas.  

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Vejam só !

Haja paciência com as coisas do futebol. Na recente Copa América nada de prorrogação em jogos eliminatórios. Algo difícil de engolir. Nem vou entrar nessa de dizer que penalti é loteria. Acho que é uma questão de se respeitar a magnitude do evento. Pois se um torneio de seleções continental já não tem esse direito, não tardará o dia em que algum iluminado decretará que a Copa do Mundo também será disputada assim. Com direito a prorrogação só na final. E os homens de TV, podem crer, não irão reclamar. 

Essa questão atual da Copa do Brasil é outra coisa mal resolvida. Como pode uma eliminação de um torneio nacional significar garantir uma vaga em um torneio internacional? É ou não é esquisito? Na esteira disso fica sempre aquela desconfiança de que a derrota tenha sido optativa. E mais! Agora vieram com essa das Eliminatórias. Determinaram que Brasil e Argentina teriam suas posições pré-determinadas para evitar que outras seleções não tenham que encarar brasileiros e argentinos em sequência. Qual a lógica? Se ao menos o Brasil fosse aquele de outros tempos vá lá. Os argentinos sabemos que estão aí na condição de vice-campeões mundiais. Mas na bola hoje mais terrível pra qualquer seleção talvez fosse pegar Argentina e Chile na sequência. Sorteio é sorteio, ou não é? Sem contar que feito dessa forma se garantiu que o jogo será na terceira rodada, ou seja, logo depois de Neymar ter cumprido a suspensão que lhe foi imposta. O tal fair-play deveria ser algo que se estendesse a todas as questões envolvendo o esporte. 

Outro detalhe é a inclusão dos times mexicanos na Libertadores. A velha força da grana, o interesse dos patrocinadores. Aceitação que resulta em um River Plate já classificado para o Mundial de clubes da FIFA mesmo perdendo a final. E não é só. O regulamento prevê ainda que, além do time mexicano não poder ficar com a vaga, também não pode fazer a partida final em casa, mesmo tendo campanha melhor. E nesse caso bota melhor nisso. Pois o argentino River Plate teve simplesmente a pior campanha do torneio e os mexicanos do Tigres, a segunda melhor, atrás apenas do Boca Juniors. 

E antes de me despedir só queria lembrar mais alguns detalhes depois de termos terminado o Pan na frente de Cuba. Respeito o suor e o trabalho de qualquer atleta. E embora cada modalidade deva ser analisada em separado, o Pan está longe de ser parâmetro. Vejam só! De todos os ouros que conquistamos em Toronto apenas dois deles garantiriam uma medalha na última Olimpíada. O do canoísta, Isaquias Queiroz, e o do nadador, Felipe França. Mesmo o ginasta cubano Erick Lopez, desbancado agora do posto de atleta mais premiado da história do evento pelas vinte e três medalhas do nosso nadador Thiago Pereira, jamais pôs no peito uma medalha olímpica.