quinta-feira, 16 de junho de 2022

Beleza é fundamental



Que o futebol brasileiro faz tempo não dá conta de entregar o que se espera dele deixou de ser novidade. Entre tantas coisas que desafiam o nosso deleite com o jogo de bola sou levado a desconfiar que ter aberto mão da beleza foi determinante.  Pense rápido. Qual o personagem influente da nossa cena futebolística você é capaz de imaginar atualmente comprometido com a estética?  Capaz, ao menos, de tê-la em um lugar de respeito quando pensa o jogo?  Chegamos ao ponto de concluir que um passo grande para se aproximar da glória por aqui é admitir que o anti-jogo é o caminho mais curto para o sucesso. Essa coisa de querer jogar, de ficar com a bola só complica tudo. 

Mas o estrago não vem sendo  feito apenas por isso.  A contribuição do VAR para o anticlímax tem sido imensa.  Não bastasse, nos últimos dias uma sensação estranha se apoderou de mim causando tremendo desconforto. De repente, comecei a perceber que  passamos a ver o futebol não como um jogo, mas meio que como uma novela. Uma espécie de reality show. Coisa tão em voga nos dias atuais. Tudo foi acontecendo aos poucos. Essa questão da plástica, da beleza, foi quase caindo em desuso.  Notem. Os lances mais bonitos foram perdendo o apelo.  Uma bola  colocada com fina arte por entre as pernas de um adversário. Aquela matada que faz a bola escorrer pelo peito.  Um passe cheio de efeito.  A mágica de parar um lançamento muito longo com um pequeno gesto, um mínimo movimento do pé. Tudo isso foi ficando em segundo plano, perdendo espaço, porque o que passou a importar de verdade foi garimpar uma imagem que o juiz não viu.  Que ninguém viu.  

Mais recentemente dá até pra dizer que a missão primeira das transmissões é meio que alimentar a Central do Apito. Resiste mesmo só a obviedade do gol, mostrado infinitas vezes.  Enfim, o jogo meio que virou uma breve encenação que alimenta todo o resto.  Notícia mesmo é o jogador que, liberado da partida, decidiu ir batucar com os amigos.  As palavras sinceras e duras de um treinador servindo de combustível pra azedar a relação com o elenco. No fundo o barato dessa coisa de abreviar a passagem de um técnico por um time mascara uma curtição dessas que o leitor é capaz de encontrar numa novela em que o ponto de partida são sempre as intrigas, as traições.  E por aí vai.  

Não custa dizer que no fundo os clubes contribuíram fundamentalmente para esse quadro.  Muito antes de a pandemia se abater sobre o mundo já tinham adotado um modo de tratar a imprensa que acabou por causar uma ruptura.  Aos críticos desde sempre diziam que era o modelo que o futebol europeu estava usando e que , portanto,  era sinônimo de excelência. Um olhar mas sensível a respeito da questão talvez tivesse mostrado que era preciso encontrar um meio termo. Algo feito sob medida , mais respeitoso com relação à história que crônica esportiva e o futebol tinham construído por aqui. Pior mesmo é constatar que isso foi a única coisa que os cartolas decidiram realmente copiar do futebol europeu. Atualmente os clubes se negam até a dar informações sobre o estado físico dos atletas. Muitos já não divulgam os relacionados para as partidas. Setoristas podem ver apenas a parte do treino que pouco significa. O que incentiva a busca por detalhes outros. Se ao menos tivesse restado a beleza.  

quinta-feira, 9 de junho de 2022

Salve, simpatia !



A simpatia merece um capítulo à parte na história do esporte.  A imagino tão ignorada quanto o acaso num contexto geral. No futebol, então, nem se fala. Mas discorrer sobre isso não é tarefa fácil. Pra ser mais direto é literalmente aceitar o risco ou a condição de antipático. O que a define nunca foi segredo, todo mundo tá cansado de saber do que se trata. Não se faz necessário abrir um dicionário para se ter ciência que é, digamos, uma afinidade moral , uma certa sintonia no sentir e no pensar que acaba  aproximando duas pessoas ou mais. Vendo a coisa por esse prisma a beleza da simpatia nesse contexto é que ela reina absoluta.  Não tem ligação direta com a excelência técnica, por exemplo. Muito pelo contrário. 

Prova disso é que facilmente seremos capazes de buscar na memória um boleiro que mesmo longe de ser considerado um craque desfruta dessa qualidade. E já que aceitei o risco da antipatia não vou aqui me furtar a dar nome aos bois.  Está aí Dadá Maravilha que não me deixa mentir. E mais, me deixa até um pouco confortável nessa entregada já que nunca fez questão de ser visto como o tal. Sabia do que era capaz e no mais sempre foi um imenso sorriso, fazendo tudo e todos se afinarem com ele. Um exemplo ao avesso dessa teoria talvez possa ser tirado do tênis que nestes dias passados em Roland Garros mostrou bem como o sérvio Novak Djokovic anda longe de ser visto como um Dadá. 

O tratamento dispensado em Paris ao então número um do mundo foi tão cáustico que outro gigante das quadras fez questão de confessar a indignação com tudo o que andou testemunhando.  O ex-tenista John Mc Enroe não pensou duas vezes para definir o tratamento dado a Djoko como desrespeitoso.  Não sem reconhecer que o sérvio na opinião dele consegue se alimentar disso como ninguém, para em seguida confessar que no caso dele mais o atrapalhou do que ajudou. Nas palavras de Mc Enroe, o público só foi gostar dele depois que ele parou de jogar.  O que ele acha possível vir a acontecer no futuro com Djokovic.  

Mas pra trazer a conversa um pouco pro futebol de novo e já que estou no meio dessa dividida aproveito pra dizer que se tem um jogador que considero ter passado longe de ser simpático é Romário.  E, creio, já ficou bem claro nessa pensata que isso nada tem a ver com a qualidade dele como jogador de futebol. Aliás, inquestionável. Dirão os durões, talvez, que a simpatia é vizinha de uma certa subserviência, do querer estar bem com todo mundo.  O que considero um tremendo engano. O que eu acho é que a simpatia verdadeira não dá liga com a menor porção que seja de vaidade. Ela, com a maior elegância, desafia até os malandros. Que até podem gozar de certa empatia, o que é outro lance. Ainda que como a simpatia faça você olhar com certa ternura até pra alguém que não veste a camisa do seu time.  

Há figuras que não gozam de uma coisa nem outra.  E aí já viu. Que o digam Luiz Adriano e o técnico Paulo Sousa.  Sou capaz de admitir que tanto a falta de uma como a da outra pode selar destinos. No afã de tentar explicar a antipatia por Djokovic o ex-número um do mundo Mc Enroe deixou escapar um : eles são tão incríveis, eles se comportam tão bem. Falava de Nadal e Federer. Mas simpatia, Mc Enroe que me desculpe, também não é algo definido pelo comportamento, ou só por ele. A simpatia é mais profunda do que isso.   

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Os treinadores



O famoso historiador Paul Johnson tem uma série de livros genial. Livros que contam as histórias dos grandes intelectuais, dos grandes heróis e dos grandes criadores que o mundo já teve. Pequenos relatos biográficos que traçam um perfil e dão a dimensão de cada um deles. Trajetórias  cheias de pormenores incríveis que, aliados à prosa sedutora de Johnson, me fizeram devorar os livros. Se meu conhecimento editorial não me trai o único detalhe dessa citação é que são obras que estão fora de catálogo. Mas quero crer que em sites de livros usados seriam facilmente encontradas. 

Lembrei desses livros por causa de uma das tantas associações que nossa cabeça faz independentemente da nossa vontade. Neste momento em que tanto se fala dos treinadores não seria má ideia fazer um livro sobre eles: Os treinadores. São figuras sempre magnéticas. E com um pouco de boa vontade não seria difícil acreditar que alguns poderiam estar inseridos entre os heróis.  Mas antes que a conversa acabe desaguando nestes nomes pra lá de consagrados, tidos como sinônimos do que o ofício revelou de melhor, um detalhe. Entre os profissionais em atividade hoje no futebol brasileiro cito de cara o palmeirense Abel Ferreira. Títulos à parte, já disse aqui que há um viés muito pouco ressaltado sobre esse personagem: a idade. 



Abel tem quarenta e três anos. É o mais novo entre os que transitam neste patamar por aqui. Pode parecer banal. Mas a juventude dele é tão reveladora em certo sentido quanto o fato de ter atravessado o Atlântico sem trazer na bagagem título algum e aqui passar a reinar e a conquistar como poucas vezes se viu.  Não que  outros estejam muito distantes disso. Aliás, esse é outro fato sobre o qual, creio, vale jogar alguma luz.  Nomes como Pep Guardiola e Klopp, que podem ser apontados como os homens que dão as cartas no ramo nos dias atuais, estão longe de ser velhos. Pep tem cinquenta e um anos.  Quando ganhou a primeira Liga dos Campeões com o Barça era mais novo do que Abel, estava com trinta e oito anos. Klopp é um pouco mais velho. Está com cinquenta e quatro. Mas quando despontou no comando do Borussia, à frente do trabalho que lhe abriria as portas do Liverpool, tinha praticamente a idade de Abel Ferreira. 

E com isso quero dizer que na história recente parece ter ocorrido um rejuvenescimento entre os treinadores. Algo que pode estar se dando também com outras profissões, não descarto que seja um sinal dos tempos. Outro português, José Mourinho, que acaba de voltar a ficar em evidência ao levar a Roma ao primeiro título continental de sua história com a conquista da recém criada Conference League  tá no time. Tem cinquenta e nove, mas se fez campeão europeu com o Porto quando tinha apenas quarenta. 

Mesmo Carlo Ancelotti, com seu Real Madrid de viradas e resistências de fazerem cair o queixo, que pode até soar meio como um intruso nesse time também é sinônimo dessa jovialidade.  Estava para fazer quarenta e quatro quando levou o Milan a um triunfo na Champions que ele repetiria quatro temporadas mais tarde. Aos sessenta e dois acaba de se tornar o maior vencedor da Champions.  Já não sei onde poderia ser colocada exatamente uma fronteira. Sei que os treinadores muito bem sucedidos sempre me pareceram mais velhos. E sempre um tanto heróis. Acho que essa final da Champions mexeu com a minha cabeça.