segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

A tal mortadela



Eu sei, é tempo de falar de peru. Não pensem que estou ficando louco. O que não quer dizer que possam apostar na minha sanidade. Mas se tem uma maneira de tentar mostrar o quanto o time santista foi uma grata surpresa é recorrendo à mortadela esse embutido tão popular. Calma, vocês irão entender onde estou tentando chegar.  Dias atrás estava prestes a entrar no ar, não tirava os olhos do jogo que o Santos fazia com o Grêmio para decidir a vaga nas semifinais da Libertadores. Até porque seria necessário falar sobre o que se desenhava  no gramado da Vila Belmiro. Quando deixei de assistir a partida pra tomar a direção do estúdio o placar apontava três a zero para o time santista. Não demorou e chegaria ao definitivo quatro a um. 

A verdade é que um espanto enorme podia ser visto no rosto dos três comentaristas que fariam o programa comigo. Um deles, sempre espirituoso, enquanto ouvia as observações que iam sendo feitas a respeito do assunto, deixando transparecer toda sua humildade - apesar de entender do riscado que é uma barbaridade - com um sorriso meio sacana soltou essa: a gente não entende mesmo nada dessa mortadela. Era uma analogia direta à surpresa que a classificação do Santos provocava. Não houve , claro, nenhuma discordância nesse sentido. Todos ali estavam absolutamente rendidos ao que o time comandado por Cuca tinha acabado de fazer. 

E ainda que nossa intimidade com a mortadela se dê sem que necessariamente se saiba muito a respeito dela, bastaria uma pesquisa no todo poderoso Google para descobrir que ela teve origem em Bolonha, na Itália. E que o relato mais antigo a respeito desse embutido é de 1376, e versa sobre um tipo de linguiça que, dizem os entendidos, era muito parecida com a mortadela que conhecemos. Tudo muito diferente do futebol que nem uma invenção sinistra como o Google será capaz de desvendar por inteiro. Depois de dizer tudo isso não vou, de modo algum, tentar explicar o que se deu. Mas não resisto a dizer que entenderia perfeitamente o torcedor que ao saber da ausência de Soteldo em tão solene momento tenha pensado que tudo estava perdido.  

De minha parte , mesmo reconhecendo o papel do venezuelano e do bravo Marinho, considerei problema maior ou, no mínimo de igual envergadura, a suspensão de Pituca, que ao lado de Alison há tempos dá ao time da Vila uma consistência singular.  Não é de hoje que o Santos desenha campanhas melhores do que as previstas pelos especialistas. Talvez porque o time da Vila, como é possível constatar, esteja longe de ser tão visto e analisado quanto outros ditos grandes. O perigo da Libertadores  parece ser um só: comprometer a campanha do time no Brasileirão.  Mas tudo tem um preço. Vai saber o que pode esse Santos que tem feito muito pelo torcedor e pelo futebol brasileiro. Não foi à toa que Renato Gaúcho pareceu meio perdido depois do jogo. Talvez concordasse com essa sensação de que o futebol nos prega cada peça  provocando essa sensação estranha de que a gente não entende mesmo nada dessa mortadela. A todos um Feliz Natal. E que a Era de Aquário possa mesmo abrandar nossos destinos. 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

O que os olhos não veem



A morte de Paolo Rossi dias atrás me fez pensar muito sobre esse nosso viver o futebol. A geração que antecedeu a minha já tinha visto poucas e boas quando o italiano nos fez sentir da forma mais dolorosa possível  que é mesmo impossível saber de antemão o que o jogo de bola nos reserva.  Entrou em campo envolto numa aura mezzo boleira, mezzo policial. Tinha vindo de um gancho por envolvimento num escândalo relativo a manipulação de resultados. Mas mostrou que era mesmo do ramo da bola. 

Divulgada a notícia foram muitos os relatos de gente, em especial da minha geração, dizendo que poucas vezes tinham chorado por causa de futebol, mas que nas poucas, ou únicas vezes, o responsável tinha sido aquele italiano que agora partia. Sinceramente , não recordo se chorei ao ver tudo o que aconteceu naquele dia julho de 1982, tamanho foi o trauma. A definição mais precisa que já ouvi daquele fatídico Brasil e Itália, e tenho a impressão até de já tê-la dividido com vocês, foi dada pelo amigo e escritor, Joca Terron.  

Diz o Joca que naquele bendito dia quando o jogo começou ele era um menino. E que quando o tal acabou era um homem de barba feita. Que me perdoem nossos campeões do mundo mas de lá pra cá não houve, para mim, seleção que tenha nos dado o que aquela de 82 nos deu. O tempo me convenceu de algo que na época não quis , ou não pude compreender: a Itália estava num dia iluminado, jogou muito. Basta pensar no que jogava o time que tinha Sócrates , Zico, Falcão & Cia  pra se concluir que não seria qualquer time que faria o que o time italiano fez.

Tão incrível quanto a façanha de Sarriá foi ver que, ao contrário do que toda grande rivalidade sugere, Paolo Rossi não só era imensamente respeitado e querido por aqueles de quem, de certa forma, foi algoz, mas que nutria pelo nosso futebol admiração e respeito. Em uma das manchetes lembro de ter lido algo como: nunca falou mal do Brasil. E eu, como dizia, mesmo tendo tentado driblar um pouco a intimidade com a notícia da morte de Paolo Rossi, fustigado que andamos por tantas e tão penosas partidas, me peguei imaginando o que não sentiram as testemunhas de outros fatos gigantescos dessa nossa história com o jogo de bola. 




Os abençoados que certo dia foram ao estádio da Rua Javari e viram , meio sem acreditar nos próprios olhos, Pelé marcar o mais magistral de seus gols. Ou aqueles que um dia  se assomaram a um Maracanã, novinho em folha, certos de que veriam pela primeira vez na história nossa seleção ser campeã do mundo. E de lá saíram repletos de cicatrizes deixadas por essa veia cruel e inocente da qual o futebol nunca irá nos poupar.  Aquele silêncio que dizem se abateu sobre o estádio depois do triunfo uruguaio, a desesperança que se viu pelas ruas nos olhos de quase todos. 

Chega a ser injusto reduzir o ídolo italiano a esse papel de vilão dos nossos mais tenros sonhos. Mas não se trata disso obviamente. Sócrates, talvez por pura provocação, costumava brincar dizendo que se a Seleção de 82 tivesse vencido a Copa da Espanha, seria menos contundente, seria mais normal.  Depois de tudo, e de Paolo Rossi, ouso dizer que  é possível sim entender a grandeza de certas derrotas. 

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Nem tudo está perdido

                                                                Foto: Cesar Greco

Aos saudosistas eu digo que há esperança. Nem tudo está perdido quando se trata de futebol. Vejam, a capacidade que o jogo sempre teve de nos surpreender, por exemplo. Quero crer que ela segue, se não intacta, viva.  As mudanças e a dinheirama podem a ter enfraquecido mas ela resiste. Impressão que se renovou na retumbante queda do Flamengo na Libertadores. Ainda que tratar um time com a tradição de um Racing como zebra possa ter em si algo de heresia. E pode parecer cruel dizer mas essa mesma virtude do jogo de bola esteve refletida na classificação do Santos diante da LDU. Talvez em menor grau, mas esteve. Normal que a essa altura muitos digam que  tinham apostado todas as fichas no time santista. Digo mais. Não é surpreendente ver o Santos envolvido na disputa por uma vaga na semifinal do torneio continental com o Grêmio e perceber que muita gente enxerga nesse duelo uma ausência de favorito? 

Outra coisa que a queda do Flamengo mostrou é o quanto essa coisa de mudar de time no meio da temporada pode fragilizar um treinador. Parece óbvio que parte da sedução exercida sobre Rogério Ceni, que o fez mudar de ares, estava além de toda a tradição do time carioca. Estava na possibilidade de conquistar títulos importantes em curtíssimo prazo.  O que podendo contar com um elenco de respeito como o do rubro-negro estava longe de soar descabido. Um preço que Abel Braga anda pagando também por ter aceitado voltar  ao Internacional. Embora, claro, a história dos dois seja infinitamente distinta. Rogério Ceni nesse caso tem muito mais a perder. 

E por falar em treinadores que chegam no meio do Campeonato a boa surprese é o português, Abel Ferreira.  Jovem, de  currículo modesto, mas que tem se mostrado apto a fazer do Palmeiras um time  capaz de jogar um futebol com o qual o torcedor sonhou durante muito tempo. O que na mão de muitos pareceu impossível.  Os que costumam frequentar este espaço já puderam notar minha simpatia pelo tipo de discurso que Abel tem apresentado, pela forma de explicar o que anda fazendo. Só o fato de ter aportado por aqui e demonstrado interesse profundo na história do clube que iria comandar, sem que isso soasse artificial mas sim fruto de alguma preparação, já seria o suficiente para distingui-lo do todo. 

Nós aqui, mesmo íntimos do futebol brasileiro,  poderíamos enxergar um Palmeiras que não fosse acadêmico. Um Palmeiras bem sucedido até como foram tantos, mas que nem por isso entraram para a história como uma academia. Vai saber. De repente, para alguém que tenha começado essa relação pelos livros é possível que lhe tenha soado inconcebível pensar num time que não tivesse um futebol vistoso como meta. Abel, que entrou no mira do clube alviverde por obra de analistas de desempenho, que testou para Covid e viu de longe o time dele patinar diante do Libertad na terça, dias atrás deu o que falar ao afirmar que não imaginava o menino Gabriel Véron vendido por uma soma de dinheiro menor do que a que foi dada a Neymar.  Exagero? Talvez. Quem sabe exatamente como se distribuem as cifras nesse mundo da bola? Algumas são óbvias, outras surpreendentes, como o jogo. Só não são inocentes, sou levado a crer. 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Os eternos meninos da Vila



Nestes tempos em que os esquemas de jogo são dissecados sem piedade pelos analistas, em que o discurso sobre o jogo de bola definitivamente parece ter ganho um ar científico, o todo sugere que o futebol não tem mais segredos. Autopsiado que está pelos entendidos. Pelas onipresentes câmeras à serviço do árbitro de vídeo. Mas não falo sobre essa , digamos, vigilância. Nem desse exercício louco de mirar os jogadores em campo e a partir dos movimentos de cada um fazer nascer uma interpretação sobre o que tinha o treinador na cabeça quando decidiu ensaiar aquele tipo de dança com suas linhas. 

O que me faz escrever  sobre os mistérios que se derramam sobre o futebol são os meninos da Vila. Não exatamente aqueles que no final dos anos setenta com seu futebol quase imberbe se colocaram de vez na história do Santos e, a partir dali, ficaram assim conhecidos.  Falo de todos os meninos que nunca pararam de brotar no gramado de Urbano Caldeira. Como não falo também só daqueles que ao quebrar a fronteira do anonimato foram saudados de maneira efusiva e viram cair sobre eles o peso de ter de lidar com a sombra de um menino Rei que sempre irá pairar por ali. 

Falo de todos os meninos que tiveram na Vila uma porta de entrada para um mundo que também viria a se revelar uma outra coisa, não exatamente sinônimo de fama e grana. Escrevo sobre o assunto porque nos últimos dias muitos amigos depois de assistirem ao time santista , jovem, fazer o que andou fazendo vieram me perguntar como seria possível explicar isso. E me vi incapaz de encontrar uma resposta que não sugerisse algo misterioso, algo do qual não se tem compreensão. 

Não queria me amparar no que já virou um lugar comum quando se fala sobre o tema. Na visão macro acho impossível a base  do Santos não passar pelos mesmos desafios e imprecisões que desafiam outros clubes na hora de tratar seus meninos. Talvez, a insistência ao longo da história em ter um moleque ou mais entre os bambas ajudando a dar originalidade à receita seja um caminho pra entender o que se passa. Ainda que estejamos cansados de saber que muitas vezes essa presença dos garotos se dê mais por necessidade do que exatamente por planejamento. 

Fato é que os meninos sempre foram onipresentes no time santista. E romântico que sou ouso pensar que essa magia toda se dá também porque nos meninos - e no seu jeito de jogar  - o futebol ainda se encontra em estado mais puro.  Só não me venham dizer que o clube sempre apostou nos meninos que essa não cola. É só ver a grana que o Santos gastou nos últimos anos contratando medalhões de talento duvidoso, bancando contratações capazes de deixar até os torcedores adversários inconformados. 

Escolhas que não deixam dúvida alguma sobre o que ao longo do tempo tem sido realmente prioridade. De quantos garotos seria possível cuidar com a fortuna que se apostou em Leandro Damião, por exemplo? Isso pra não dizer que formar um time de garotos, usando a experiência de maneira pontual, exigiria uma ousadia que só os garotos costumam ter, cartolas não.  Enfim, estou totalmente ciente do quanto é desafiador desvendar que mistério é esse que desde sempre se derramou sobre o time santista. A única certeza que tenho é a de que um clube deve sempre zelar por sua mística.  

sábado, 28 de novembro de 2020

O Brasileirão é o que parece?

O drible. A jogada de efeito. A bola no ângulo. São muitas as coisas que dão graça ao jogo de bola. E o equilíbrio certamente tem lugar nessa receita, apesar de pouco lembrado no dia a dia. E é capaz de fazer uma diferença danada. Até quando não está exatamente em campo mas pode ser visto na tabela, como tem sido de umas rodadas pra cá nessa edição do Brasileirão.  Mas o principal torneio de futebol do país realmente melhorou, ou só deu uma embolada?  

Sei que é difícil separar as coisas. E por isso sou levado a crer que essa mistura com a reta final da Copa do Brasil ajudou a reforçar a impressão. Temos vistos resultados inusitados, o que dá graça à coisa. Vitórias improváveis, por placares nos quais praticamente ninguém seria capaz de apostar, idem. E aí vale dizer que se isso aconteceu foi porque times considerados candidatos ao título visivelmente não andam dando conta de reforçar essa impressão.

Um caso recente emblemático dessa confusão entre um bom torneio e jogos com emoção se deu na última Copa do Mundo. O enredo de alguns jogos e certos placares inusitados e largos registrados logo de cara empolgaram muita gente. Mas o desenrolar dos fatos veio mostrar que não estávamos diante de algo muito fora da curva no quesito qualidade técnica. Nunca fui chegado a fazer previsões e prefiro manter o estilo. Já vi muita gente por aí levar bola entre as pernas ao se achar capaz desse tipo de sentença. 

No máximo arrisco dizer que compreendo perfeitamente toda a expectativa em torno do Flamengo. Reconheço a excelência do elenco rubro-negro. Mas acho difícil que o time agora comandado por Rogério Ceni volte a dar a liga que deu na temporada passada. Na minha opinião uma das maiores sintonias que um clube brasileiro mostrou nos últimos tempos. Coisa linda, e até por isso rara. E não custa ponderar também que pra cada jogo interessante que se vê tem sempre um de doer. Muitas vezes protagonizado por aqueles de quem se esperava muito. 

Como é preciso reconhecer o papel que São Paulo e Palmeiras vêm tendo nesse brilho que o Brasileirão ganhou. Dois times aos quais só parece faltar mesmo esse ingrediente etéreo, catalisador fundamental, que o Flamengo esbanjou tempos atrás. Esse dar liga, é o segredo. Coisa que os dois parecem que podem vir a dar. A todos o Atlético Mineiro, do argentino Jorge Sampaoli, segue sendo uma ameaça. Enfim, pode-se duvidar de que o Brasileirão tecnicamente tenha melhorado, mas que embolou, embolou. 

E tem mais, quando se trata de futebol a gente não se diverte só com a realidade, se diverte com a possibilidade. E é isso que o Grêmio - do longevo treinador, Renato Gaúcho - sugere, apesar do zero a zero com o Corinthians. Pra desconforto total da torcida do seu maior rival , o Internacional, a quem a dita realidade tem se revelado uma ameaça que já o tirou do topo da tabela. E como seria bom se a gente pudesse levar em conta só as coisas do futebol para tentar definir o que tem sido essa edição atual do Brasileirão, mas há sobre ele a sombra e o ônus de uma pandemia.   

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

O futebol no Bar do Zé Ladrão

 


Todo mundo sabe que o bar do Zé Ladrão fechou. E não foi por causa da pandemia. As notícias que chegam nos dizem que, ao contrário do que muitos pensavam, Seo Zé tem conseguido ser feliz longe do balcão. Cercado que anda por plantas e netos num sítio bem cuidado do interior paulista. Mas como sei que deixou entre nós uma pequena multidão de saudosos divido com vocês o sonho que tive dias desses. O roteiro como irão ver nada teve de onírico. Eis que estava, como era costume, encostado perto da porta, na minha, só sacando o que se passava. Deitando sobre todos aquele ar de investigador do cotidiano. Na outra ponta estava Alfredinho, o juventino, boa praça demais, fazendo como sempre seus apartes bem colocados entre uma prosa e outra. Transformando com maestria os papos de cada roda numa conversa só. 

Eis que chega um cidadão que eu não conhecia já fazendo graça com o Zé. Dizendo que o Corinthians dele tava com nada e que melhor seria desistir logo do Mancini e contratar um gringo, porque aí pelo menos se o time não virasse ficaria na moda. Imaginei que devia ter alguma rodagem porque o Zé nem tratou de usar a arma que costuma usar com os indesejados. Um olhar de desdém seguido de um aviso de que não está entendendo a conversa já que torce pra Portuguesa. Costuma colar. Zé é um artista.  Não custa lembrar que o bar, embora plural e democrático em vários aspectos, está cravado em território palmeirense. Dá pra dizer que é até vizinho do Allianz Parque. 

Desfrutar mesmo de tal sonho é coisa que só pude fazer depois de ter despertado.  Pagando o preço que se paga por esse tipo de experiência, ver sumir da mente um sem fim de detalhes. Seleção Brasileira, isso pude lembrar, foi assunto que não colou. Se perdia entre um gole e outro como vento. Quem sabe no dia em que a CBF decidir resolver esse conflito com os clubes e parar de rapinar seus melhores talentos  fora das datas FIFA. Papagaio, como a alcunha sugere, sempre alimentando conversas, foi quem deu o ponta pé inicial no tema que viria a se mostrar o mais incendiário e , portanto, perfeito pro momento. Deu um gole no Steinhaeger, outro na cerveja e disparou que o futebol brasileiro já era. Que achava um absurdo essa invasão de gringos, que ao contrário de virar manchete como acontece a cada vez que um treinador estrangeiro desembarca por aqui, vai se dando na surdina, como se nada tivesse acontecendo. 

Onde já se viu um país com a tradição do Brasil chegar a ter até  cinco gringos em campo? E soltou uma risadinha sacana pra avisar que era o nosso jeito de ficar parecido com a Premier League. Cruel.  Lá do fundo alguém elogiou Abel Ferreira, o português que agora dirige o  Palmeiras, dizendo que o homem foi bem demais quando perguntado sobre suas referências ao dizer, com todas as letras, que a referência dele era o conhecimento. Mas pelo visto isso se deu quando a noite já ia alta porque ali do canto vendo o Fred, o velho papagaio símbolo do bar traçar um amendoim, só ouvi uma voz enrolada falar em altura descabida que lá vinha o papo de intelectual.    


Ps- A ilustração fica como dica. Livro do mestre Aldir Blanc, PhD em matéria de bar.  

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

O fator Diniz



Nada faz tão bem ao futebol como um grande personagem. E o lado instigante de levantar essa bola é que você num primeiro momento irá lembrar de nomes vitoriosos, atletas cheios de estilo, talentosos. Agora, se continuar seguindo o fio da meada encontrará outros de perfil distinto mas que comportam sem nenhuma dúvida esse rótulo. Semanas atrás andei provocando uns amigos usando para isso uma manchete que destacava o paradoxo do treinador argentino, Marcelo Bielsa, ser considerado o tal sem ter grandes conquistas para amparar essa condição. Perguntava a eles, com um sorrisinho cínico no rosto, que técnico brasileiro poderia se encaixar naquele perfil. 

Como esperava - e concordava - o nome lembrado era sempre o de Fernando Diniz, treinador do São Paulo. Não se trata de comparar um ao outro por motivos óbvios. Se Bielsa em três décadas colocou em sua prateleira módicas cinco conquistas, amargou uma eliminação com a seleção de seu país numa primeira fase de Copa do Mundo, por outro lado, tem guardada em algum lugar uma medalha de ouro olímpica - que o Brasil custou muito a ganhar - e um sem fim de atitudes e teorias capazes de justificar seu lugar.  A ideia aqui é aclarar um pouco o papel que o treinador do São  Paulo exerce  no nosso futebol, que está longe de ser comum. Eu vos pergunto: a vida de Fernando Diniz mudaria se ele tivesse passado pelo Lanús e caído na fase seguinte da Sul-Americana?  Em nada, diria. 

Diniz paga o preço de ser um diferente, o que sabemos todos nessa nossa sociedade é um desafio imenso.  O time que ele comanda tem feito muitos gols, mas se vê criticado por tê-los sofrido aos montes. O que não é o ideal, obviamente. O torcedor quer é um time que vença por um a zero e seja campeão. Tudo bem.  Há quem goste de música erudita e quem goste de sertanejo universitário. É do jogo. Mas chego a  achar injusto que não se reconheça no São Paulo de Diniz aspectos elogiáveis. Tudo bem, o Lanús não jogava desde março quando recebeu o time paulista em La Fortaleza. Havia no ar um clima de já era . Mas o São Paulo foi lá, construiu um placar farto de gols, esteve perto de um bom resultado. E no jogo de volta, dividido entre a euforia da goleada sobre o Flamengo e o peso de ter que dar a volta por cima no time argentino, levou um gol quase de saída, foi outro time no segundo tempo, fez três gols e acabou eliminado. 

Difícil dizer quanto essa derrocada tem da estratégia na qual se apostou e quanto tem da atitude dos que estavam em campo e tinham a missão de executá-la. De minha parte, vejo no toque da bola, na condução do jogo, um São Paulo com identidade. Escrevo antes do encontro ente os dois times, que voltou a se dar ontem a noite, dessa vez pela Copa do Brasil e com a sombra de outro grande personagem sobre ele: Rogério Ceni. O destino é algo fora do controle, pena não termos essa consciência constantemente. Digo isso porque em outra situação político administrativa, e isso parece consenso, a passagem de Diniz pelo Morumbi já teria se encerrado.  Por aqui só um título absolve um treinador, mesmo que seja conquistado na base da retranca e do futebol opaco. Uma realidade que não perdoa nem  grandes personagens. 


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos/SP

 

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Maradona, o exagerado




Vou dizer pra vocês porque gosto do Maradona. Gosto do Maradona pela exuberância passional. E nesse quesito ninguém chegou nem perto dele. Vejo em Diego um discurso, um jeito de ser, que sempre o fez do povo. E, por tabela, um grande signo do futebol. E nada me tira da cabeça que é por isso que os argentinos o amam tanto, lhe ergueram uma igreja até. Um modo de viver que pode não ser correto mas que é inquestionavelmente transparente. Diferente daquele discurso polemicamente estudado de certas figuras que conhecemos e que teimam em transformar a mais banal das declarações num jogo. Com Maradona nunca teve essa. 

Ele foi em campo o que tem sido fora dele, um exagerado. Um exagerado em tudo, até na barriga que anda cultivando para desconforto daqueles que ao dar de cara com ela em vídeos espalhados pelo whatsapp - ou algo que o valha - torcem o nariz achando que El Pibe é mesmo um esculachado. Coisa que ele é também. Como já escrevi em outro momento Pelé fez aqueles que o viram jogar se sentirem um tanto na condição de elegidos. Eu vi Pelé jogar virou uma espécie de mantra dos abençoados. Jamais cai e nem cairia na armadilha de comparar um ao outro. Mas se Pelé me escapou da memória, Maradona não.  Ainda hoje o  lembro em campo com assombro. E só os que partilharam desse testemunho ou têm rodagem suficiente para ter visto outros gigantes jogarem bola é que saberão exatamente do que se trata. 

Lembro não só o vigor físico, a velocidade, a coragem pra encarar zagueiros e defensores que, em geral, inevitavelmente sabiam que se jogassem limpo iriam ficar para trás. Maradona não estava nem aí. Partia para cima. Maradona fazia mais. Fazia a gente começar a curtir um jogo bem antes de a bola começar a rolar só por ter nos dado a certeza de que estaria lá. Dom Diego teve a capacidade dos nobres, a de permanecer até o último minuto em campo jogando como um moleque. O mais abusado dos moleques. Falando nisso. Acho que a imagem que melhor retrata esse argentino maluco é uma na qual ele, com cerca de uns doze anos talvez, está agachado e abraça com carinho um jogador do Corrientes , que era o time da pai dele. 

O homem está em prantos. Tem um colar justo pendurado no pescoço, está sujo de terra, tem as chuteiras gastas e as meias arriadas. Tinha acabado de perder a final do Torneio Evita para o Entre Ríos. O olhar do menino Diego ao lado dele é aflito, sugere que não há consolo naquele  tipo de abismo em que o futebol costuma jogar os homens. Mas o impressionante na cena é notar de alguma forma que aquele Maradona imberbe já sabia disso, já tinha entendido tudo. Sei que ele acaba de virar um sessentão, falaram bastante dele, ia chegando meio atrasado no lance. Mas eis que ele voltou a ser notícia, infelizmente por problemas de saúde. Está internado neste momento.  Mas a qualquer tempo esse argentino nos serve de prova de que nada apaga a fina arte de jogar bola, nem a ácida fórmula do politicamente correto.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

O Rei é nosso !


                                                             

Tomem ciência. Fosse o maior camisa dez de todos os tempos um italiano, um alemão, e era uma vez essa proximidade que de alguma forma nos deixa na condição de íntimos do Rei. Talvez a essa altura as pessoas já nem lembrem, até pela insanidade do ato, que certo dia um certo presidente santista decidiu mandar Pelé, que ocupava um cargo de diretoria, embora do Santos. Bastaram algumas horas e um mundo de jornalistas estava às portas da Vila Belmiro esperando a despedida, como se um adeus desse tipo fosse possível. Foram horas de espera até que um carro parou em uma das esquinas e dele desceu Pelé, com o sorriso de sempre no rosto como sendo o avesso do fato. Respeitosa, a pequena multidão de jornalistas foi se dirigindo a ele. Mas para a surpresa de todos uma repórter em disparada, esbaforida, quase arrastando o cinegrafista pelo cabo do microfone avançou em direção ao Rei e para lá de afoita perguntou:

_ Pelé, o que você tem a dizer?


No silêncio que se deu, o sorriso dele cresceu ainda mais, e com aquele tom de voz sereno e inconfundível disse:


_Agora? Nada!


Murcha e sem entender direito o que tinha vivido, a repórter se encolheu e voltou a sumir entre os profissionais e curiosos. Tinha sem querer atropelado o protocolo que quase todos ali conheciam bem. Passada a cena, sem microfones em punho, perguntamos ao Rei qual seria o itinerário dele. Pelé disse que subiria até sua sala e depois iria se despedir dos jogadores que treinavam no gramado e lá falaria com a imprensa. Resgato a história por achar que ela reflete de algum modo essa proximidade, esse privilégio de ao menos em algum momento da história estar perto de Pelé e que esta data a se comemorar me fez notar melhor. Como veladamente mostra o cerimonial que se cumpria, mesmo Pelé tendo sido sempre um homem despido de arroubos. Não tardou e Pelé estaria de volta à Vila, ao Santos, claro. E como era assim nunca esqueci também certa cena que vi registrada em noventa e quatro, na época da Copa dos Estados Unidos. Num evento com o Rei uma fila imensa - que transbordava a sala de um prédio luxuoso e descia pelas escadarias de alguns andares - colocando em linha convidados vips, celebridades, Chefes de Estado. Tudo muito diferente de certos dias em que Pelé aparecia em Urbano Caldeira e era cercado por alguns poucos repórteres que faziam a cobertura diária do clube. Escolhi essa receita pra homenagem porque falar do jogador é chover no molhado. E também pra driblar algo que já virou um chavão: colocar na balança o Rei e o Edson. Pois, de verdade, acho que não existe homem que exposto desse jeito aos olhos do mundo pareceria perfeito. Não que isso deva servir de perdão. E vamos em frente, Rei, que o tempo sempre foi dos nossos adversários mais duros.    





* Foto: Domício Pinheiro 

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Revista do Esporte - TV Cultura , ao vivo, 20h45



com Roberto Rivellino e Arnaldo Ribeiro








 

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Absolvição e castigo



O que vai aqui não tem a alma de um artigo. De crônica, talvez. O assunto frequentou as páginas de jornais e de portais nos últimos vinte e poucos dias. Mas duvido que o povão, essa entidade abstrata muito citada no meu tempo de moleque para se defender um ponto de vista, teve algum interesse nele. E se teve deve ter sido mais por picuinha, para marcar posição, do que propriamente como reflexo de algo que  importava. Interessante notar que não se fala mais nesse tal povão. O tempo fez questão de dividi-lo. E é justamente essa divisão que fez o tema virar o que virou. Sem contar , é claro, o faro apuradíssimo do Superior Tribunal de Justiça Esportiva, para questões que o coloquem sob os holofotes. Sem elas desfruta de um ostracismo quase absoluto. 

O fato é a jogadora de voleibol, Carol Solberg, ter soltado um já famoso " Fora Bolsonaro" ao final de uma entrevista. A atleta tinha acabado de conquistar o terceiro lugar em uma das etapas do circuito brasileiro. O enredo a partir daí foi trivial. A fala se fazendo viral nas redes sociais, os defensores do presidente - sempre tão digitais - proferindo ameaças. E o STJD dias depois a denunciando em dois artigos.  O primeiro por deixar de cumprir ou dificultar o cumprimento do regulamento. E o segundo por assumir conduta contrária à disciplina e à ética desportiva não tipificada pelas demais regras do código. Notem a dificuldade para enquadrar a moça. Foi preciso buscar um artigo que  dissesse respeito e algo que não estava previsto. Minha primeira reação foi similar a que teve a campeã, Ana Mozer. Tudo isso por um fora Bolsonaro? Jura?, escreveu a jogadora de vôlei campeã mundial no twitter. A partir dali não tirei mais o assunto do horizonte. 

Mas a minha análise não estava sobre o ocorrido, estava na reação das pessoas e entidades que se pronunciaram a respeito dele. Desde a Confederação, cuja postura desde o início deixou transparecer outras preocupações, passando pela Comissão de Atletas de Praia, afirmando não ser favorável a nenhuma manifestação de cunho político em competições esportivas. Sem, talvez, notar o quanto uma posição dessa pode lhe impor limites. No Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil que se colocou à disposição para defender a atleta do que considerou uma violência. No julgamento sendo adiado em virtude do pedido da Associação Brasileira de Imprensa e do Movimento Nacional de Direitos Humanos terem pedido para tomar parte no processo, o que foi indeferido. 

E vi, com alegria, Radamés Lattari, CEO da Confederação dizer com todas as letras que não gostaria de ver Carol Solberg punida. E que nenhum dos cinco patrocinadores da Confederação tinham reclamado do ocorrido, inclusive o Banco do Brasil que, ao contrário do que foi dito, não patrocina a atleta. Um dos últimos lances teve o Ministério Público do Rio entrando em cena e pedindo à CBV e ao STJD explicações sobre a denuncia. Escrevi tudo isso antes de sair a sentença, que eu sabia teria muito de nós, do nosso momento. Não errei. Carol foi advertida, avisada que provocar uma nova situação semelhante a colocará na condição de reincidente com as implicações previstas. Nada de multa ou suspensão. Enfim, um lamentável e singular caso em que a absolvição foi ao mesmo tempo castigo.   

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Revista do Esporte - uma opção para as suas noites de segunda

 


Luxemburgo não é inocente



Começa mais um dia de treino na Vila Belmiro. É uma terça -feira de sol. O time santista nem deu as caras. Mas repórteres, cinegrafistas e fotógrafos já estão ali à beira do gramado, esperando o treino começar. Divididos em pequenos grupos falam um pouco de tudo. Mas a troca de impressões a respeito do time é o tema principal. Minutos depois os jogadores e a comissão saem do túnel, sem pressa. Alguns vão além dos cumprimentos, param brevemente. O momento é a primeira deixa pra se engatilhar um pedido posterior de entrevista, sentir se a pauta, o tema pensado, vai dar pé. Enfim, ali à disposição da imprensa estão todas as faces de um time profissional. Um olhar atento, treinado também, vai ser capaz de extrair dele todos os detalhes, desvendá-lo. O semblante do artilheiro que vive uma incômoda seca de gols, a petulância do jovem meia recém chegado do interior quando a bola rola, as preocupações e os pedidos que vão sendo externados pelo treinador. Está tudo aos olhos dos presentes. E não irá demorar muito todas as descobertas estarão estampadas nas páginas dos Cadernos de Esportes, estarão sendo contadas nos programas radiofônicos da hora do almoço ou do final da tarde. Nos programas esportivos da TV. 



Existia, claro, um tema, um acontecimento que se impunha, mas ao mesmo tempo cada repórter que aportava ali trazia consigo uma ideia, uma possibilidade. Cinegrafistas e fotógrafos, por sua vez, tinham liberdade para escolher o ponto do qual acreditavam seria possível extrair daquele ambiente a melhor imagem.  Fosse da beira do campo, da arquibancada, atrás do gol. Não estavam confinados em pequenos espaços como hoje. Via-se e mostrava-se tudo, ou quase. E no fim, quando voltavam a se encaminhar para o ponto de onde tinham saído, os repórteres de microfone em punho iam se aproximando a esse ou aquele, barrando-lhes o caminho em nome do ofício. Pra quem cobria futebol existia uma graça em descobrir um personagem que, de algum modo, fosse só seu. Driblar de certo modo a celebridade, o homem-gol da hora, enriquecia a cobertura e ajudava a colocar os tais em seu devido lugar. E não era uma bagunça, não. A coisa tinha seus ritos. Um modus operandi que vinha sendo lapidado desde que o futebol tinha caído nas graças da grande mídia. Nem tudo era possível, não se enganem. Mas cobrir futebol de maneira mais ampla e fiel, ah isso era. 




O que me motivou a escrever sobre o tema foram as lamúrias de Vanderlei Luxemburgo a respeito do trabalho da imprensa. E o que vai aqui não é coisa que se deu há meio século. É cena tirada dos anos noventa, quando Luxa reinava e tirava também bom aproveito dessa maneira de se fazer as coisas. Notadamente sempre se preocupou em entender como ela age. A pandemia certamente acentuou esse abismo. Mas bem antes disso os homens do futebol já tinham se encarregado de tornar a relação  quase estéril. E partir daí iremos buscar informações onde? Nas mídias digitais? Onde homens e instituições sempre podem se mostrar mais como gostariam de ser, e não exatamente como são?  Erra quem pensa que o ônus dos cercadinhos nos CTs, os treinos fechados, a blindagem pesada, essa falta de vontade de falar com os jornalistas, fosse ter como vítima apenas a imprensa. 

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Nosso futebol sem saída



Os primeiros capítulos da novela vivida pelo Flamengo na semana passada no Equador, se vendo em outro país precisando trazer de volta ao Brasil seis jogadores infectados por Covid, tendo de armar uma logística que além disso permitisse levar até lá outros quatro para substituí-los, já seria mais do que suficiente para provar que ter em andamento a Libertadores do jeito que está é um descalabro. Mais bizarro do que esse capítulo só mesmo o segundo provocado pela situação. As autoridades de Guayaquil analisando tudo que estava acontecendo, decidindo - como parecia mandar o bom senso - suspender a partida, para em seguida tomarem uma invertida das instâncias superiores que permitiram a realização do jogo.

Um enredo que deixa tão na cara a queda de braço que tem se desenrolado nos bastidores desde que se passou a falar na volta do futebol. O Equador, enquanto país, teve nas mãos, uma chance incrível de se mostrar digno de elogio. Mas como dá pra notar falou mais alto o compromisso com o que poderia ser - e era - do interesse da Conmebol do que uma quase abstrata preocupação com a saúde dos atletas e dos envolvidos com o evento. Toda essa esbórnia redundou num verdadeiro surto que se abateu sobre o clube rubro-negro atingindo jogadores, comissão, diretoria. E tudo seguiu como antes, por incrível que pareça. A razão é óbvia. Ao decidir manter a Libertadores do jeito que estava e o Brasileirão também, os homens do futebol colocaram a navalha no próprio pescoço. Não há uma data para respiro. 

O calendário está esgotado. E diante disso aceitar um adiamento seria comprometer tudo. Correr o risco alto de um efeito dominó. Em outras palavras, esses torneios com suas doses cavalares de jogos terá de ser mantido a qualquer preço. E a postura quase mórbida do Flamengo desde o início, voltando aos treinos sem autorização, deu a esse cenário todo um quê de efeito retroativo, colateral. Mas que ao mesmo tempo condena a todos pagar pela imprudência, quicá com a própria saúde. Mais incrível que isso só mesmo a insensibilidade de se levar adiante a discussão sobre a volta da torcida.  Como se falou aos quatro ventos, convocar uma reunião com participantes remotos para discutir se outros podem estar juntos beira a piada, de mau gosto obviamente. 

A exigência de alguns cartolas de que a volta só se desse se a resolução valesse para todos tinha um ar de argumento feito sob medida para forçar o libera geral.  Mas tudo foi por água abaixo quando o governo paulista disse não, sem titubear, apontando decisões técnicas. E, notem, tendo pela frente um jogo da Seleção Brasileira pelas Eliminatórias que será disputado em São Paulo. Em sintonia com a postura adotada na maior parte do tempo a resolução soou como uma bola entre as pernas da cartolagem. Até porque da parte de quem comanda o futebol essa pregação por igualdade tem um ar  de história pra boi dormir, já que em muitos casos, e no caso do Brasileirão, inclusive, aceitaram que a bola voltasse a rolar com os times vivendo estágios de volta e preparação totalmente distintos. Enfim, em matéria de futebol em tempos de pandemia o bom senso respira por aparelhos, poucos parecem dispostos a salvá-lo. 

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Quem precisa de Olimpíada?



A intenção pode ter sido das melhores. O Barão de Coubertin pode merecer absolvição. Mas que os Jogos Olímpicos há tempos tomaram outro rumo não resta dúvida. Talvez para lhe resgatar o espírito, fosse necessário lhe dar um quê da várzea.  Um jeitão simplório que realmente nos convencesse de que se trata de algo feito para todos. Mas vimos de perto do que se trata. Os elefantes brancos andam por aí na outrora irresistível paisagem carioca. Sem falar no fato de que uma vez apagada a chama olímpica o COI lava as mãos. Uma postura coerente e cidadã seria se sentir de algum modo responsável quando o legado não vem ou quando as contas saem do controle. 


É claro que o tema me fisgou por conta do descontentamento que os japoneses vão fazendo questão de mostrar com relação aos Jogos de Tóquio, adiados para o ano que vem por conta da pandemia. E mais recentemente pelas declarações descabidas e insensíveis do vice do COI, John Coates, e depois da Ministra da Olimpíada de Tóquio, Seiko Hashimoto. O primeiro afirmou que a Olimpíada será realizada "com ou sem covid". E a ministra, que os Jogos serão realizados "a qualquer preço".  Aos poucos  vamos vendo que nem os japoneses, que reconhecemos entre outras virtudes pela honestidade e pelo pragmatismo, são capazes de não se macular por esse tipo de evento. Ou pelo que ele virou. 


Vejam, a previsão inicial de gastos era da ordem de seis bilhões de dólares, cerca de trinta e seis bilhões de reais. O adiamento trará novos gastos. Mas na última vez que se falou nisso por lá - pois não se fala sempre - foi em dezembro de 2018. E a conta já havia saltado para assustadores doze bilhões e seiscentos milhões de dólares, ou sessenta e cinco bilhões e meio de reais.  Semanas atrás a capital japonesa foi palco de um protesto. Inversamente proporcional a essa conta. Cerca de uma centena de pessoas se reuniram e pediram não só o cancelamento da edição marcada para Tóquio, mas também das próximas marcadas para as cidades de Paris e Los Angeles. Isso mesmo! Pediram o fim dos jogos, por considerá-los desnecessários aos cidadãos do mundo. 


Posso ter dúvidas sobre acabar com eles, mas não tenho nenhuma sobre a necessidade de se colocar de uma vez por todas um fim em gastos dessa dimensão. Confesso que no último ciclo olímpico quando cidades importantes desistiram da candidatura tive a impressão de que veríamos algum movimento nesse sentido.  Sensação que encontrava amparo também na realidade que estávamos vivendo ao ver a conta dos jogos do Rio e suas promessas não cumpridas pairando como fantasmas sobre nossas cabeças. Pensei que o mundo tivesse tido uma boa prova de que era preciso mudar. 


Mas a máquina olímpica é insaciável. Mesmo com todos os engasgos econômicos do planeta os nossos mais de quarenta bilhões de gastos com os jogos já foram ultrapassados com larga margem. Um recorde de cifras que enche os olhos de alguns mas que soa infinitamente descabido. Uma realidade que elucida o que virou o esporte. Uma realidade que desvirtua. Enquanto a beleza resiste. Ou alguém duvida que ver um dia um homem conseguir correr os cem metros abaixo de nove segundos e cinquenta centésimos deixará de ser raro e belo só porque o estádio que abriga a pista em que ele corria não foi reformado ou é velho?   

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

A Libertadores é o que parece?



Eu gosto desse papo sobre a importância que a Copa Libertadores ganhou nos últimos anos. Por uma razão simples: vejo nele a possibilidade de entender melhor o que seduz de verdade o torcedor.  Como é que a emoção se processa na cachola de quem ainda gasta tempo e saliva com o jogo de bola. Não teço teorias mirabolantes, de modo que considero a enorme exposição na mídia capaz de  explicar em boa parte o que temos visto. Essa quase febre. Que os clubes a tenham comprado no sentido literal e figurado é óbvio. E se trata de reação intimamente ligada aos cofres. A bolada que cai na mão do campeão é considerável. 

Some-se a isso a possibilidade de figurar ao lado do campeão da Europa no Mundial de clubes e a fórmula da sedução talvez esteja desvendada. O verbo figurar nesse caso foi escolhido a dedo, não foi usado à toa, pois sempre correremos esse risco. Com já vimos acontecer. E a coisa só vai mudar no dia em que o futebol que se joga aqui for de alguma forma parecido com o que temos visto ser jogado na Europa. Enfim, lembro que tempos atrás a fase de grupos da Libertadores era encarada com certo desdém.   Um jogo aqui, outro ali, prendiam a atenção do torcedor. Mas era na reta final que a coisa dava liga. Hoje em dia, não. Os tambores rufam desde a chamada pré-Libertadores. Região da disputa que, se merece alguma fama, é mais por ter sido local de naufrágios improváveis de times ditos favoritos do que propriamente por sua importância. 

Digo mais, acho que essa volta - da maneira que está proposta - um tanto absurda. Dá a impressão de relevar totalmente o momento que o mundo atravessa. Manter a tabela assim, com jogos de ida e volta, obrigando delegações a frequentar aeroportos e outros locais, a fazer deslocamentos internacionais, é de uma insensibilidade enorme.  Certamente não foi por amor ao futebol que se decidiu desse modo, muito menos por respeito à saúde dos atletas e suas famílias. Sem contar que o formato com jogos únicos se mostrou capaz de contribuir bastante para aumentar a emoção em torno das partidas. Sem contar que estamos falando de uma edição que mal tinha começado. O que , em outras palavras, significa manter um número significativo de jogos num cenário que segue sendo de pura incerteza.E se falo dessa questão dos jogos únicos é não só porque seria um modo de poupar a parte física dos jogadores, mas também uma maneira de favorecer a melhora da qualidade técnica. Ainda que na cabeça do torcedor, tudo leva a crera emoção seja ingrediente capaz de suprir a falta de beleza muitas vezes


Longe dos mata-matas considero a Libertadores tecnicamente um torneio que deixa muito a desejar, pra não dizer que em alguns momentos apresenta um nível capaz fazer  um entendido no assunto corar de vergonha. E é de se esperar que a pandemia, frequentemente acusada por aqui de complicar o padrão de jogo e o trabalho das comissões técnicas, torne essa edição da Libertadores um tanto  mais opaca. Sem contar que cada país viu seu futebol voltar a cena em um momento. Dando aos times brasileiros alguma vantagem nesse sentido, já que voltaram a treinar já faz algum tempo. Enfim, acho a Libertadores um pouco uma metáfora desse nosso tempo em que, como dizem, quase tão importante quanto ser é parecer.     

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

O VAR só perde pro PIB



Tenho tentado driblar o assunto. Juro. Mas ele teima em se impor. Nas últimas rodadas do Brasileirão foi de longe o que provocou as discussões mais fervorosas. Nem em momentos de pura cornetagem em cima desse ou daquele jogador  foi possível notar veias tão estufadas. E não é pra menos. É coisa que mexe com o humor não só do torcedor, mas com o de todo mundo que de uma forma ou de outra está envolvido nesse circo. Enfim, cedi. Mesmo ciente de que de chato já nos basta o jogo, com exceções cada vez mais raras.  E não se trata de falar mal do árbitro de vídeo, não. 

Temos padecido de algo, creio, que já sabíamos, mas que de alguma forma nos envolvia numa fantasia. A fantasia de que o VAR teria a desejada virtude de ser conclusivo a respeito do jogo. Essa é a primeira questão que gostaria de abordar. Seria preciso - como diria meu amigo Xico Sá - fazer a geringonça tecnológica vestir as sandálias da humildade. Admitir, em certos casos, que mesmo dispondo de tantos recursos não é possível chegar a conclusão alguma. Essa deveria ser a lição deixada pela imagem que levou à anulação do gol de Luciano para o São Paulo diante do Atlético, em pleno Mineirão. Como aquele já estivemos diante de outros lances da mesma complexidade. 

A pena de não ter a coragem de em certas situações tomar tal atitude, aceitar que não é possível ser preciso na análise, é nos condenar eternamente a essa ladainha, que vai se repetir fatalmente. Vira e mexe virá nos assombrar. O tema é complexo. Lembrarão alguns que na jogada em questão o bandeirinha tinha apontado impedimento. Ou seja, sem o árbitro de vídeo o desfecho teria sido o mesmo. A  menos que o árbitro de campo tivesse tomado a decisão de desautorizá-lo. Ato que o faria comprar uma briga daquelas. Um outro detalhe merece reflexão. A forma como tem sido feita a escolha que define quem irá ocupar o posto de árbitro de vídeo. 

Se o escolhido tem trajetória e reputação mais expressivas, mais nome do que aquele que terá a missão de estar no gramado, a situação inevitavelmente fica desconfortável para o dono do apito. E a indução a uma certa forma de ver o ocorrido muito provável. Questão fácil de ser identificada pela Comissão que cuida da arbitragem. No mais, não deve nos causar surpresa que as decisões oriundas da cabine, muitas vezes, deixem transparecer uma quedinha para os grandes. A vida dos times pequenos nunca foi fácil. 

Imaginar que o VAR iria neutralizar essa (como definir?) tendência, pelo visto, é raciocínio tão ingênuo quanto imaginar que o árbitro de vídeo teria o efeito milagroso de arrefecer as polêmicas. O VAR, esse nosso pelo menos, que segundo levantamentos demora quarenta e seis por cento mais tempo do que recomenda a FIFA para tomar decisões, e cujas intervenções da última temporada para essa cresceram bizarros sessenta e oito por cento, precisa urgentemente de um bom analista. Ou quem acabara no divã seremos nós. Mais assustadores do que  esses números do nosso VAR tupiniquim só mesmo os que indicaram a queda vertiginosa do nosso PIB. 

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Fla-Flu (Djanira/1975)

 




  • Dimensões
    • 96.00 cm x 161.50 cm
  • Acervo
    • Museu Nacional de Belas Artes/ RJ

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Era uma vez o Itaquerão?

                                                          Foto: Wander Roberto /2019

Se você gosta de futebol e nunca leu algo escrito por Mário Filho a respeito do jogo de bola não tem ideia do que está perdendo. Sou suspeito para falar pois chego a gostar mais dele do que do irmão, Nelson Rodrigues, coisa que se a memória não me falha não faz muito tempo confessei. Não me entendam mal, tenho Nelson em altíssima conta. Mas tomarei a liberdade até de brincar um pouco com o tema. Vira e mexe alguém lembra que Nelson não enxergava bem. Mário enxergava muito, cada mínimo movimento. que pode ser facilmente percebido com a leitura de um texto escrito por ele sobre Telê Santana. Linhas em que Mário o define como sendo o ponteiro dos segundos, jamais o das horas. Isso em virtude do  jeito de Telê se movimentar em campo, destar em todo canto do gramado. Sem nem sempre ser percebido . Portanto, não poderia haver injustiça maior do que subtrair do estádio mais importante do nosso país o nome dele. Subtrair é figura de linguagem, seu nome está lá estampado em letras grandes. Mas só os mal arrazoados acreditam que se trate de tema sobre o qual alguém deva ou possa legislar. O Mário Filho é o Maracanã, e ponto. 

Essa questão do nome sempre foi um fantasma que rondou o novo estádio corintiano.  O que se fez ainda maior pelo fato de o atual presidente do clube ter se mostrado desde sempre incomodado com a alcunha: Itaquerão. Eis que horas atrás, enfim, o Corinthians anunciou quem dará nome ao estádio. Um patrocinador, óbvio. Poderia ser o fim de uma novela mas, digamos, tem tudo pra ser o início de uma nova temporada dela. Isso porque talvez não seja tarefa fácil convencer os interessados por futebol desse nome de batismo. A coisa se arrastou por mais de meia década, o que certamente serviu para sedimentar na cabeça dos torcedores o apelido. Os desgostosos com esse nome, Itaquerão, vira e mexe sugerem chamá-lo de Arena Corinthians. Compreensível. 

Mas como profissional de  comunicação posso fazer uma observação. Há um consenso de que palavras repetidas empobrecem o texto jornalístico.  E quando o estádio tem o nome do time a repetição se torna inevitável.  Os mais atentos terão notado que o estádio palmeirense era chamado muitas vezes, no início, não de Arena Palmeiras mas de nova casa palmeirense. Nesse sentido sempre considerei uma ótima sacada chamá-lo de Allianz Parque, o que de certa forma o ligou ao antigo nome, que sempre frequentou  o imaginário do torcedor.  Ainda que o nome oficial do Parque Antártica fosse Estádio Palestra Itália. Quantas vezes aquele seu amigo torcedor do São Paulo lhe disse que iria ver um jogo no Cícero Pompeu de Toledo? Ele diz que vai é no Morumbi e acabou.   Mesmo que muitos adversários gostem de lembrar que o estádio fica na verdade é no Jardim Leonor. 

Tenho a mais absoluta certeza de que Mário Filho, conhecendo o futebol como conhecia, jamais se sentiria desrespeitado ao ver, ouvir, seu nome substituído por Maracanã. É literalmente do jogo. Fazer com que um estádio passe a ser chamado assim ou assado pode ser uma questão de negociação, quando se trata de veículos de comunicação. Mas colocar um nome na ponta da língua do torcedor, pelo que a história mostra, não é exatamente uma questão de negociação. Muito menos de imposição.