sexta-feira, 28 de setembro de 2018

O poder do caminhar




Não há homem valente se nunca tiver caminhado algumas centenas de quilômetros.Se você quiser saber a verdade sobre quem é, caminhe até que nenhuma pessoa saiba o seu nome. As viagens são o grande nivelador, o grande mestre, amargo como remédio, mais cruel que o espelho. Um longo estirão de estrada lhe ensina mais sobre você mesmo do que 100 anos de serena introspecção.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Sobre ser o melhor




Esse negócio de melhor do mundo é complicado. Veja, é difícil dizer que alguém tem sido melhor do que Cristiano Ronaldo. O argentino Lionel Messi perdeu o fôlego é fácil constatar. Mas quem não perderia diante desse português, verdadeiro fundista na modalidade de conquistar títulos? Não se deveria pautar escolhas tendo títulos como algo decisivo. Ao mesmo tempo é impossível não reconhecer o peso deles. Acho o Modric um grande jogador, do tipo que costuma levar desvantagem nesse tipo de disputa pelo estilo discreto. Mas esse sempre foi um traço de Messi , o que dá uma boa ideia do quanto o futebol dele se impôs. E quando se soma a um título europeu de clubes a condição de vice-campeão em uma Copa do Mundo fica difícil dizer que o dono de tais façanhas não estava credenciado para ser considerado o melhor do mundo. 

De qualquer modo, minha torcida foi sempre por Mohamed Salah. O egípcio pode não ser páreo pros outros nos quesitos aqui comentados, mas a meu ver foi o jogador que mais deu graça à temporada que vinha sendo julgada. Você talvez diga que o que estava em jogo não era um prêmio de jogador sensação. Certamente não era. Mas pelo que vi, e senti, ninguém provocou tamanha empolgação nos últimos tempos. E a prova de que o momento vivido por ele era mágico foi o desencanto que se abateu sobre todos na final da Liga dos Campeões, quando depois de um lance - fatídico como corre o risco de ser qualquer encontro com o espanhol Sérgio Ramos - acabou substituído. Na Copa todo mundo queria  ver Cristiano, Messi, Mbappé, não resta dúvida. Mas Salah tinha garantido um lugar nesse grupo. E gerou tamanha expectativa que fez muita gente imaginar que seu momento de alto brilho seria capaz até de incrementar a campanha do Egito no Mundial.  Exagero, como parece ter ficado óbvio. 

Enfim, o prêmio está em boas mãos. Agora, na qualidade de sonhador eu gostaria de ver reconhecidos atletas que mesmo sem títulos se mostram capazes de fazer muito pelo futebol.  Ser reconhecido quando se está imerso em conquistas é chover no molhado. E, olha, não dá pra entrar nesse papo de melhor  do mundo sem citar a brasileira recordista maior de troféus do tipo. Marta é imensa, não apenas por tudo o que representa mas, principalmente, por conseguir com seu talento tornar evidente o quanto o nosso país é incompetente quando o assunto é futebol feminino. Dona de seis títulos, imaginem como ela não poderia ser uma pessoa, digamos, dada a certos estrelismos. Exemplos, não nos faltam. Marta tem muito de Lionel Messi. Um futebol singular e certa simplicidade preservada. E não é difícil perceber que a contribuição dada por ela ao esporte está muito além das taças. Costumo brincar com os mais próximos dizendo que Marta, como Pelé, foi cruel, no bom sentido, com suas contemporâneas. Pepe, companheiro do Rei no Santos, para deixar claro isso definiu Pelé como um ET. O mesmo poderia ser dito por jogadoras como Cristiane e Formiga a respeito de Marta. É por essas e outras que faço uma observação. Muito se fala sobre nossos cinco títulos mundiais. Realmente se trata de algo notório, mas que por hora só faz do Brasil o dono do futebol mais vencedor. Ser o melhor, é outra coisa.
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quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Perdendo a cabeça



É difícil imaginar qualquer arte sem um mínimo de improvisação. E nem sonho que o futebol um dia volte a ter a alma do jazz, por exemplo, em que a improvisação lhe cumpre quase o papel de alma.  Não estranhe se digo que seria uma volta pois estou convencido de que o jogo de bola um dia foi exatamente isso. O que deve ter se dado para valer quando os espertos ainda não tinham visto nele uma mina de dinheiro. Mesmo depois disso o futebol não deixou dúvida de que tinha esse dom preservado. Ou alguém aí imagina que um Garrincha se dava ao trabalho de ensaiar seus dribles antes de aplicar os mesmos com cruel severidade. Os mais doutos talvez façam questão de me lembrar que o homem das pernas tortas  tinha consigo um repertório de dribles ate limitado, coisa com a qual estou inteiramente de acordo. Mas seria descabido afirmar que não era capaz de usar cada um deles com a riqueza que um músico como Miles Davis era capaz de tratar certos esquetes, dando-lhes uma aura de frescor e ineditismo. Renovando-os de tal forma que o público jamais se cansava deles e jamais ousaria interpretar os tais como mera repetição. 

Se já andamos dando de cara até com jogador que se recusa a comemorar um gol, o que estaria faltando?  Nunca me convenci do argumento, por exemplo, que justifica dar um cartão amarelo para o jogador que depois de viver um dos momentos mais esperados do futebol decide tirar a camisa. Claro, o patrocinador não quer numa hora dessas ser colocado para fora da festa. Ocorre que praticamente sempre que o autor de uma proeza dessa natureza é perseguido pelas lentes no instante seguinte, seja para uma foto ou para uma filmagem, está cercado pelos companheiros, todos vestidos,  o que de alguma forma garante a não exclusão de quem pagou para colocar a marca no uniforme. Se um dia todos eles resolvessem comemorar de torso nu a história mudaria de figura. Aliás, falta até hoje uma boa matéria com os jogadores explicando mais profundamente a simbologia desse ato de tirar a camisa.  


Quando no último sábado o jogador do Ceará Samuel Xavier pra comemorar um gol  foi em direção à sua torcida e ao dar de cara com o mascote do time cearense lhe roubou a cabeça da fantasia para extravasar toda sua alegria, por um momento imaginei que alguém tinha, enfim, conseguido driblar a caretice. Que ingenuidade a minha. O árbitro não tardou a mostrar-lhe o cartão amarelo.  Colocou o mascote em risco ? Ora, só se ele não pudesse ter a identidade revelada. Excluiu o patrocinador do momento? O árbitro diria depois, citando a regra, que ele cobriu a cabeça. Mas a regra deve ter sido pensada para casos em que se usa uma máscara. O que poderia virar manifestação política.  Em última instância o dono do apito puniu foi o improviso, tão raro, tão capaz de dar outro sentido às conquistas. De quebra diminuiu um pouco a chance de algo novo se dar aos olhos daqueles que insistem em assistir a um jogo de futebol. Estamos fadados, pelo visto, aos dedos apontados para o céu com olhar de súplica, aos dedões na boca imitando chupetas, àquele gesto de ninar ou, pior de tudo, aos coraçõezinhos esboçados com indicadores e polegares.  Resta torcer para que o futebol  vez ou outra faça a boleirada esquecer a regra, perder a cabeça.  

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

O teor das entrevistas


Não sou velho mas sou do tempo em que um jornalista que ia a um treino de futebol tinha liberdade para escolher onde queria ficar e o jogador com o qual gostaria de falar. Contando assim pode dar a impressão de que foi quando Charles Miller pintou por aqui com uma boa de futebol debaixo do braço, mas essa era a realidade que se dava há menos de três décadas. E não houve gritaria capaz de impedir esse distanciamento entre a imprensa e os personagens do esporte  mais popular do nosso país. Em última instância não seria exagero dizer que a liberdade de imprensa tão reivindicada nos tempos atuais, em matéria de futebol, foi mandada pra escanteio. 

Logo, não deve causar espanto que as entrevistas concedidas com a intenção de saciar a necessidade dos veículos de comunicação venham cada vez mais revestidas de um linguajar previsível, quase cartorário. E como se não bastasse essa formalidade, essa comunicação de viés antes de tudo institucional, passamos a viver a sob a sombra do que se convencionou chamar de politicamente correto. Mas eis que outro dia dei de cara com uma declaração surpreendente, do tipo que não sobreviveria a peneira das assessorias e seria duramente reprovada em qualquer midia training, que pra quem não sabe é como uma simulação do contato de atletas - e profissionais em geral - com a imprensa. Cria-se a atmosfera de uma entrevista e ensinam como se comportar e o que dizer durante essa situação. 

A declaração de que falo passou despercebida. Foi dada por um dos nadadores brasileiros mais promissores da nova geração, Vinicius Lanza. Quando o repórter lhe perguntou a razão de ter se tornado nadador Lanza esbanjou sinceridade e disse: " Minha família tem tradição em pescaria. Os caras gostam de tomar uma na frente do rio e pescar. Então, meu pai, por segurança, me colocou na natação porque muitas vezes ele está só comigo no barco, foi uma forma de proteção mesmo. Tomei gosto pelo esporte, mostrei talento e fui levando. Já são dezoito anos nadando e estou feliz de estar chegando onde sempre sonhei". Lanza, que tem vinte e um anos, é a principal aposta do Brasil na natação para os Jogos Olímpicos de 2020. Por ínfimos cinco centésimos não esteve nos Jogos do Rio disputando os cem metros borboleta. 

Duas coisas merecem ser ditas. A primeira é que não foi por acaso que uma declaração sincera assim tenha se dado fora do futebol. Esse cerceamento pode até ser , de certa forma, algo que valha para todos os esportes que produzem personagens de apelo midiático, mas é infinitamente mais presente e duro no principal esporte do nosso país. E isso o empobrece. Quando se cobre outras modalidades a velha relação repórter atleta ainda é visivelmente mais intacta nesse sentido. E é óbvio que ela não traz só perigos. Rever essa relação de certa forma poderia humanizar um pouco mais o futebol, que anda tão profissional.  Quando o profissionalismo é do interesse dos que mandam nele, obviamente. Mas a segunda questão se faz ainda mais importante. O ensinamento maior que as palavras de Lanza revelam é a confirmação de que a chance da prática esportiva deve ser dada a todos.  O resto o esporte se encarrega de fazer. 

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

No embalo de Gabriel !


O Santos estará em campo hoje à noite para encarar o Grêmio, no Pacaembu. Mas fiquem tranquilos, não vou voltar a falar sobre a escolha do lugar do jogo. A bela vitória sobre o Vasco, em pleno Maracanã, sem dúvida terá feito do time dirigido por Cuca um tanto mais cascudo. E Gabriel a figurar entre os goleadores do torneio, depois de todo o bafo da arquibancada que andou sentindo, é motivo dos bons para o torcedor santista crer que é possível sim encarar o esquadrão de Renato Gaúcho. Não sei se é o caso de dizer de igual pra igual porque faz tempo que o tricolor gaúcho anda se mostrando diferente de tudo, mesmo quando se dá ao luxo de não levar a campo todos os titulares. 

Uma coisa o santista pode comemorar de antemão: o fato de Tite ter tornado impossível a presença de Everton no time gaúcho. Tem dado gosto ver o rapaz em campo.  O jogador do time gaúcho anda num momento desses raros, cuja prova maior é conseguir desenhar jogadas até certo ponto previsíveis, sem que seus marcadores  consigam, no entanto, evitar que ela seja concluída de maneira fatal. Mas essa não é a única pista que Everton nos tem dado de seu grande talento, ou grande fase, vai saber. Fato é que ele tem conseguido também ir muito além, se revelando ao mesmo tempo o contrário disso, aquele tipo de jogador capaz de finalizar um lance de maneira tão complexa e improvável que o marcador ao dar de cara com a bola na rede fica com uma cara de quem diz: como é que ele fez isso? 

Se o nobre leitor quiser um exemplo claro do que estou tentando dizer, caso não tenha na memória, é só ir buscar por aí o gol marcado por ele diante do Fluminense. Mas a euforia santista há de encontrar amparo também neste momento muito além da ausência de Everton. E não estou falando do fato de o time santista ter quebrado um belo tabu, ao  conseguir vencer o Vasco no Maracanã pela primeira vez desde os idos de 1969, quando Pelé marcou por lá o lendário milésimo gol. Isso pode não passar de um mero detalhe, mesmo porque há quem sustente que o milésimo gol do rei não foi aquele. A euforia santista pode se amparar na crença de um certo efeito contagiante que o bom momento vivido  por Gabriel pode ter. Ele é, de longe, o jogador de quem mais se espera aquele sempre bem vindo poder de desequilibrar partidas. Mas nomes como Bruno Henrique, Rodrygo e até Pituca e Dodô podem aproveitar a onda e engrossar o caldo. 

A perversão do momento é que uma arrancada agora pode deixar pairar no ar a impressão de que tudo vai bem na Vila Belmiro e isso qualquer torcedor atento sabe que não é verdade. Quando dias atrás o técnico Cuca, depois de dizer algumas verdades não encontrou amparo nem nas declarações do ex-executivo de futebol, Ricardo Gomes, e ainda ouviu o presidente do clube dizer em resposta que ele "cuida do time" , talvez não tenha imaginado o quanto seria bom que essa distinção ficasse bem clara, e que tenha sido feita pelo próprio mandatário. O desconforto inicial de Cuca, imagino, deve ter se traduzido em alívio, pois estes dias que correm têm deixado muito claro que o time anda bem melhor do que o clube.   

* artigo escrito para o jornal " A Tribuna" , de Santos