sábado, 28 de novembro de 2020

O Brasileirão é o que parece?

O drible. A jogada de efeito. A bola no ângulo. São muitas as coisas que dão graça ao jogo de bola. E o equilíbrio certamente tem lugar nessa receita, apesar de pouco lembrado no dia a dia. E é capaz de fazer uma diferença danada. Até quando não está exatamente em campo mas pode ser visto na tabela, como tem sido de umas rodadas pra cá nessa edição do Brasileirão.  Mas o principal torneio de futebol do país realmente melhorou, ou só deu uma embolada?  

Sei que é difícil separar as coisas. E por isso sou levado a crer que essa mistura com a reta final da Copa do Brasil ajudou a reforçar a impressão. Temos vistos resultados inusitados, o que dá graça à coisa. Vitórias improváveis, por placares nos quais praticamente ninguém seria capaz de apostar, idem. E aí vale dizer que se isso aconteceu foi porque times considerados candidatos ao título visivelmente não andam dando conta de reforçar essa impressão.

Um caso recente emblemático dessa confusão entre um bom torneio e jogos com emoção se deu na última Copa do Mundo. O enredo de alguns jogos e certos placares inusitados e largos registrados logo de cara empolgaram muita gente. Mas o desenrolar dos fatos veio mostrar que não estávamos diante de algo muito fora da curva no quesito qualidade técnica. Nunca fui chegado a fazer previsões e prefiro manter o estilo. Já vi muita gente por aí levar bola entre as pernas ao se achar capaz desse tipo de sentença. 

No máximo arrisco dizer que compreendo perfeitamente toda a expectativa em torno do Flamengo. Reconheço a excelência do elenco rubro-negro. Mas acho difícil que o time agora comandado por Rogério Ceni volte a dar a liga que deu na temporada passada. Na minha opinião uma das maiores sintonias que um clube brasileiro mostrou nos últimos tempos. Coisa linda, e até por isso rara. E não custa ponderar também que pra cada jogo interessante que se vê tem sempre um de doer. Muitas vezes protagonizado por aqueles de quem se esperava muito. 

Como é preciso reconhecer o papel que São Paulo e Palmeiras vêm tendo nesse brilho que o Brasileirão ganhou. Dois times aos quais só parece faltar mesmo esse ingrediente etéreo, catalisador fundamental, que o Flamengo esbanjou tempos atrás. Esse dar liga, é o segredo. Coisa que os dois parecem que podem vir a dar. A todos o Atlético Mineiro, do argentino Jorge Sampaoli, segue sendo uma ameaça. Enfim, pode-se duvidar de que o Brasileirão tecnicamente tenha melhorado, mas que embolou, embolou. 

E tem mais, quando se trata de futebol a gente não se diverte só com a realidade, se diverte com a possibilidade. E é isso que o Grêmio - do longevo treinador, Renato Gaúcho - sugere, apesar do zero a zero com o Corinthians. Pra desconforto total da torcida do seu maior rival , o Internacional, a quem a dita realidade tem se revelado uma ameaça que já o tirou do topo da tabela. E como seria bom se a gente pudesse levar em conta só as coisas do futebol para tentar definir o que tem sido essa edição atual do Brasileirão, mas há sobre ele a sombra e o ônus de uma pandemia.   

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

O futebol no Bar do Zé Ladrão

 


Todo mundo sabe que o bar do Zé Ladrão fechou. E não foi por causa da pandemia. As notícias que chegam nos dizem que, ao contrário do que muitos pensavam, Seo Zé tem conseguido ser feliz longe do balcão. Cercado que anda por plantas e netos num sítio bem cuidado do interior paulista. Mas como sei que deixou entre nós uma pequena multidão de saudosos divido com vocês o sonho que tive dias desses. O roteiro como irão ver nada teve de onírico. Eis que estava, como era costume, encostado perto da porta, na minha, só sacando o que se passava. Deitando sobre todos aquele ar de investigador do cotidiano. Na outra ponta estava Alfredinho, o juventino, boa praça demais, fazendo como sempre seus apartes bem colocados entre uma prosa e outra. Transformando com maestria os papos de cada roda numa conversa só. 

Eis que chega um cidadão que eu não conhecia já fazendo graça com o Zé. Dizendo que o Corinthians dele tava com nada e que melhor seria desistir logo do Mancini e contratar um gringo, porque aí pelo menos se o time não virasse ficaria na moda. Imaginei que devia ter alguma rodagem porque o Zé nem tratou de usar a arma que costuma usar com os indesejados. Um olhar de desdém seguido de um aviso de que não está entendendo a conversa já que torce pra Portuguesa. Costuma colar. Zé é um artista.  Não custa lembrar que o bar, embora plural e democrático em vários aspectos, está cravado em território palmeirense. Dá pra dizer que é até vizinho do Allianz Parque. 

Desfrutar mesmo de tal sonho é coisa que só pude fazer depois de ter despertado.  Pagando o preço que se paga por esse tipo de experiência, ver sumir da mente um sem fim de detalhes. Seleção Brasileira, isso pude lembrar, foi assunto que não colou. Se perdia entre um gole e outro como vento. Quem sabe no dia em que a CBF decidir resolver esse conflito com os clubes e parar de rapinar seus melhores talentos  fora das datas FIFA. Papagaio, como a alcunha sugere, sempre alimentando conversas, foi quem deu o ponta pé inicial no tema que viria a se mostrar o mais incendiário e , portanto, perfeito pro momento. Deu um gole no Steinhaeger, outro na cerveja e disparou que o futebol brasileiro já era. Que achava um absurdo essa invasão de gringos, que ao contrário de virar manchete como acontece a cada vez que um treinador estrangeiro desembarca por aqui, vai se dando na surdina, como se nada tivesse acontecendo. 

Onde já se viu um país com a tradição do Brasil chegar a ter até  cinco gringos em campo? E soltou uma risadinha sacana pra avisar que era o nosso jeito de ficar parecido com a Premier League. Cruel.  Lá do fundo alguém elogiou Abel Ferreira, o português que agora dirige o  Palmeiras, dizendo que o homem foi bem demais quando perguntado sobre suas referências ao dizer, com todas as letras, que a referência dele era o conhecimento. Mas pelo visto isso se deu quando a noite já ia alta porque ali do canto vendo o Fred, o velho papagaio símbolo do bar traçar um amendoim, só ouvi uma voz enrolada falar em altura descabida que lá vinha o papo de intelectual.    


Ps- A ilustração fica como dica. Livro do mestre Aldir Blanc, PhD em matéria de bar.  

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

O fator Diniz



Nada faz tão bem ao futebol como um grande personagem. E o lado instigante de levantar essa bola é que você num primeiro momento irá lembrar de nomes vitoriosos, atletas cheios de estilo, talentosos. Agora, se continuar seguindo o fio da meada encontrará outros de perfil distinto mas que comportam sem nenhuma dúvida esse rótulo. Semanas atrás andei provocando uns amigos usando para isso uma manchete que destacava o paradoxo do treinador argentino, Marcelo Bielsa, ser considerado o tal sem ter grandes conquistas para amparar essa condição. Perguntava a eles, com um sorrisinho cínico no rosto, que técnico brasileiro poderia se encaixar naquele perfil. 

Como esperava - e concordava - o nome lembrado era sempre o de Fernando Diniz, treinador do São Paulo. Não se trata de comparar um ao outro por motivos óbvios. Se Bielsa em três décadas colocou em sua prateleira módicas cinco conquistas, amargou uma eliminação com a seleção de seu país numa primeira fase de Copa do Mundo, por outro lado, tem guardada em algum lugar uma medalha de ouro olímpica - que o Brasil custou muito a ganhar - e um sem fim de atitudes e teorias capazes de justificar seu lugar.  A ideia aqui é aclarar um pouco o papel que o treinador do São  Paulo exerce  no nosso futebol, que está longe de ser comum. Eu vos pergunto: a vida de Fernando Diniz mudaria se ele tivesse passado pelo Lanús e caído na fase seguinte da Sul-Americana?  Em nada, diria. 

Diniz paga o preço de ser um diferente, o que sabemos todos nessa nossa sociedade é um desafio imenso.  O time que ele comanda tem feito muitos gols, mas se vê criticado por tê-los sofrido aos montes. O que não é o ideal, obviamente. O torcedor quer é um time que vença por um a zero e seja campeão. Tudo bem.  Há quem goste de música erudita e quem goste de sertanejo universitário. É do jogo. Mas chego a  achar injusto que não se reconheça no São Paulo de Diniz aspectos elogiáveis. Tudo bem, o Lanús não jogava desde março quando recebeu o time paulista em La Fortaleza. Havia no ar um clima de já era . Mas o São Paulo foi lá, construiu um placar farto de gols, esteve perto de um bom resultado. E no jogo de volta, dividido entre a euforia da goleada sobre o Flamengo e o peso de ter que dar a volta por cima no time argentino, levou um gol quase de saída, foi outro time no segundo tempo, fez três gols e acabou eliminado. 

Difícil dizer quanto essa derrocada tem da estratégia na qual se apostou e quanto tem da atitude dos que estavam em campo e tinham a missão de executá-la. De minha parte, vejo no toque da bola, na condução do jogo, um São Paulo com identidade. Escrevo antes do encontro ente os dois times, que voltou a se dar ontem a noite, dessa vez pela Copa do Brasil e com a sombra de outro grande personagem sobre ele: Rogério Ceni. O destino é algo fora do controle, pena não termos essa consciência constantemente. Digo isso porque em outra situação político administrativa, e isso parece consenso, a passagem de Diniz pelo Morumbi já teria se encerrado.  Por aqui só um título absolve um treinador, mesmo que seja conquistado na base da retranca e do futebol opaco. Uma realidade que não perdoa nem  grandes personagens. 


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", Santos/SP

 

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Maradona, o exagerado




Vou dizer pra vocês porque gosto do Maradona. Gosto do Maradona pela exuberância passional. E nesse quesito ninguém chegou nem perto dele. Vejo em Diego um discurso, um jeito de ser, que sempre o fez do povo. E, por tabela, um grande signo do futebol. E nada me tira da cabeça que é por isso que os argentinos o amam tanto, lhe ergueram uma igreja até. Um modo de viver que pode não ser correto mas que é inquestionavelmente transparente. Diferente daquele discurso polemicamente estudado de certas figuras que conhecemos e que teimam em transformar a mais banal das declarações num jogo. Com Maradona nunca teve essa. 

Ele foi em campo o que tem sido fora dele, um exagerado. Um exagerado em tudo, até na barriga que anda cultivando para desconforto daqueles que ao dar de cara com ela em vídeos espalhados pelo whatsapp - ou algo que o valha - torcem o nariz achando que El Pibe é mesmo um esculachado. Coisa que ele é também. Como já escrevi em outro momento Pelé fez aqueles que o viram jogar se sentirem um tanto na condição de elegidos. Eu vi Pelé jogar virou uma espécie de mantra dos abençoados. Jamais cai e nem cairia na armadilha de comparar um ao outro. Mas se Pelé me escapou da memória, Maradona não.  Ainda hoje o  lembro em campo com assombro. E só os que partilharam desse testemunho ou têm rodagem suficiente para ter visto outros gigantes jogarem bola é que saberão exatamente do que se trata. 

Lembro não só o vigor físico, a velocidade, a coragem pra encarar zagueiros e defensores que, em geral, inevitavelmente sabiam que se jogassem limpo iriam ficar para trás. Maradona não estava nem aí. Partia para cima. Maradona fazia mais. Fazia a gente começar a curtir um jogo bem antes de a bola começar a rolar só por ter nos dado a certeza de que estaria lá. Dom Diego teve a capacidade dos nobres, a de permanecer até o último minuto em campo jogando como um moleque. O mais abusado dos moleques. Falando nisso. Acho que a imagem que melhor retrata esse argentino maluco é uma na qual ele, com cerca de uns doze anos talvez, está agachado e abraça com carinho um jogador do Corrientes , que era o time da pai dele. 

O homem está em prantos. Tem um colar justo pendurado no pescoço, está sujo de terra, tem as chuteiras gastas e as meias arriadas. Tinha acabado de perder a final do Torneio Evita para o Entre Ríos. O olhar do menino Diego ao lado dele é aflito, sugere que não há consolo naquele  tipo de abismo em que o futebol costuma jogar os homens. Mas o impressionante na cena é notar de alguma forma que aquele Maradona imberbe já sabia disso, já tinha entendido tudo. Sei que ele acaba de virar um sessentão, falaram bastante dele, ia chegando meio atrasado no lance. Mas eis que ele voltou a ser notícia, infelizmente por problemas de saúde. Está internado neste momento.  Mas a qualquer tempo esse argentino nos serve de prova de que nada apaga a fina arte de jogar bola, nem a ácida fórmula do politicamente correto.