quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Los hermanos



Desde a mais tenra idade os iniciados no futebol acabam por dar de cara com o modo como se deve tratar um argentino. Talvez mais cedo do que isso só se aprenda as malandragens do jogo de bola.  Não sei exatamente os da geração atual, mas aos da minha não tenho a menor dúvida de que sempre nos foi sugerido tratá-los como nossos grandes rivais. Diria que dos uruguaios sempre se traçou perfil parecido, mas um grau abaixo. Não é de se espantar que para alimentar todo esse discurso de rivalidade tenha-se recorrido às mais escabrosas histórias de falta de espírito esportivo, ainda que muitas vezes trazidas de tempos imemoriais. Não nego a rivalidade e sei bem de seu tempero.  Como sou até capaz de entender que ao longo da história os locutores tenham feito dela sua arma principal para esquentar um jogo, uma transmissão. 

Mas isso claramente fez não ser do nosso feitio olhá-los pelo viés puramente futebolístico. Quando viemos a nos render de verdade a esse tipo de virtude foi quando acabamos por dar de cara em campo com um Maradona.  Jogador que -  com o justificado ar de Deus que acabou por ganhar - deve por tabela ter sido responsável pelo milagre de em certos momentos nos pegarmos torcendo por uma vitória dos nossos maiores rivais. O que pelo visto Messi conseguiu fazer também e com louvor. Obviamente nos rendemos a outros. Kempes, Batistuta. Ao próprio Di Maria, com sua exibição de gala na final da Copa agora. Olha, que conteste a teoria aquele que, sem levar em conta a tal rivalidade, não daria um lugar no seu time a um deles. 

Somos os riquinhos do continente em matéria de futebol.  Em outras questões comungamos com toda a falta de desenvolvimento que infelizmente até hoje não deixou de ser uma marca dessa nossa América do Sul. E essa condição de abastados talvez explique esse ar de mimado dos nossos jogadores. Bem antes de o árbitro apitar o final desta Copa que acaba de entrar para a história já estava convencido de que os argentinos, sim os argentinos, têm muito a nos ensinar. Depois dela me convenci de vez. Por mais que o futebol tenha virado o que virou, com seleções como a do Marrocos onde quatorze dos convocados tinham nascido em outros países, acredito que a maneira de jogar bola ainda seja de algum modo um retrato de um povo. E um povo pode se preservar mesmo tendo sido afastado de sua terra. 

Talvez isso explique o sucesso do próprio Marrocos, que fez tudo que fez sob o comando de um treinador recém chegado. Um cara que colocou por terra o dogma de que o êxito em matéria de futebol está intimamente ligado ao tempo que um treinador teve para trabalhar.  Só um entre tantos dribles que o futebol jamais vai cansar de dar nas nossas teorias.  Por falar em drible, ele já foi nossa marca, como foi a ginga, como foi o improviso. Esse foi o Brasil que se fez gigante nos gramados. E enquanto todas essas armas surtiram efeito fomos os tais. Mas isso foi bem antes de a compactação passar a ser a palavra de ordem para os que pensam o futebol taticamente. Admiro o jeito argentino de pensar as coisas, seus craques da literatura, seu jeito intenso de viver as emoções. Sua coragem para ter passado a limpo o negro período da ditadura. Admiro a maneira deles de encarar o jogo.  

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Os treinadores e a arte



No mundo da bola a sucessão de Tite tem sido um dos grandes temas.  Pois justamente por isso digo a vocês o seguinte: pode até ser impressão minha mas a Copa coloca os treinadores em seu devido lugar. Quando digo isso quero dizer que é um momento que destoa da nossa rotina boleira na qual os tais passaram a ter um peso enorme.  Não é difícil explicar. Um Mundial reúne os melhores jogadores do mundo, muitos com ar de celebridade, e boa parte dos técnicos  está longe de ter condições de concorrer com eles no que se refere ao poder de seduzir a  mídia. Não quero com isso dizer que não se dê ouvidos a eles. Ao contrário, vi um sem fim de declarações interessantes partindo dos treinadores. Palavras que me espantaram em dado momento pela simplicidade, pela contundência e pelo que deixavam transparecer de conhecimento. 

A defesa feita pelo técnico espanhol do jogo como espetáculo, como um show, foi notável. Por mais que o time dele em campo tenha nos feito lembrar que muitas vezes a teoria é uma e a prática outra. Gosto dessa coisa de tratar o jogo como arte. Mas estou cada vez mais convencido de que o modo moderno de tratar o futebol impossibilita cada vez mais esse tratamento. Estão aí os jogos da Copa que não me deixam mentir. Está evidente que evitar a derrota, arrastar o jogo, passaram a ser objetivos mais presentes do que querer, no mínimo, jogar bola. Aceitando todos os riscos que isso envolve. Ainda bem que é da natureza do futebol ser terreno fértil para aqueles que não conseguem deixar de lado a possibilidade artística, plástica, o movimento bem traçado. 

Mas é preciso admitir - e a Copa com toda a sua importância trabalha nesse sentido - que o caminho tomado pelo jogo só o distância da condição de arte. E amparo minha teoria no fato de que, no meu modesto ponto de vista, a arte não permite meia entrega. Não é coisa que se deva pensar com comedimento. Avaliando riscos. Ou alguém é capaz de imaginar que seria possível dar de cara com uma obra como Ulysses, de James Joyce, se ele tivesse medo de se arriscar. Ou teríamos tido direito a ver um Picasso se ele tivesse pensado em se entregar só em parte ao modo original como enxergava a pintura ? 

Isso evidencia que sim, é do jogo de bola permitir que se triunfe tentando anular a criatividade alheia. É do jogo e ponto. Como não será negada jamais a condição de virtuoso aqueles que por acaso venham a colocar as mãos na taça tendo tido como plano não exatamente mostrar tudo que seriam capazes de fazer em matéria de criação. Um devoto da retranca pode até se considerar um artista nessa arte. Mas a arte não permite retrancas. De qualquer forma estou convencido de que houve um tempo em que o futebol era - ou foi tratado como - arte. Um tempo em que a maioria dos que entravam em campo queriam ser vistos e se exibir nessa condição. E não deve ter sido por acaso que nesse tempo Pelé estava em campo.  

 

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

O futebol é complexo



Tão complexa quanto a lei do impedimento é a fórmula que faz o futebol ser o que é. Acho interessante que, em especial de uns tempos para cá, as táticas para se tentar cumprir a missão de levar a bola até dentro do gol adversário tenham ganhado tanto destaque. Mas não arriscaria dizer que as tais linhas desenhadas pelos times em campo estejam na boca do povo. E chamar a atenção para isso é uma forma de mostrar os tantos vértices que fazem o bendito jogo de bola um sucesso planetário. É possível falar profundamente sobre o futebol passando longe de questões, digamos, científicas. E aí vou aproveitar pra lembrar uma passagem que vivi certa vez ao entrevistar o saudoso jornalista Armando Nogueira. 

Eu já não era um iniciante, um foca como costumam dizer no meio. Mas via que tinha um jeito de ver o jogo que me afastava dessas questões pragmáticas. E, então, enquanto esperava ser chamado pra fazer a entrada ao vivo ia papeando com o sábio que tinha ao meu lado. E uma hora a conversa se encaminhou pra isso. Não sei bem como, mas dividi essa questão com Armando Nogueira que prontamente virou pra mim e disse: não esquente, eu nunca escrevi uma linha sobre tática. Soou como um salvo conduto. Não que eu tivesse a pretensão de ser um Armando Nogueira. Só queria legitimar meu jeito de encarar a coisa. Foi muito bom ouvir aquilo. Prova disso é que nunca esqueci aquele bate papo. E uma Copa , por exemplo, parece amplificar muito todas as possibilidades do jogo. 

Passamos a nos divertir não exatamente com o que se dá entre as quatro linhas mas com o todo. A derrocada de um gigante. A glória de um selecionado tido como simples figurante. Esta aí o Marrocos. Como andei dizendo pra uns amigos, até ver um jogo torcendo pra uma Seleção que não estava em campo rolou.  Foi quando acompanhei a Argentina renascer de vez diante de uma Polônia covarde, sem brilho. Queria mesmo é ver o México ter acabado com a vaga que acabou por ficar com o time do goleador polonês. A Copa , de tão grande,  ludibria nossos sentidos.  Esta semana a coisa pode ter melhorado, a partir de amanhã promete pegar fogo, mas tecnicamente falando os jogos da primeira fase e das oitavas tiveram qualidade discutível. 

Ainda assim nos divertimos. Não exatamente com o jogo. Muitas vezes com o enredo. Por aquilo que um resultado encerrava. Longe de ter sido uma curtição intimamente ligada a arte de jogar bola, que é a grande promessa que um Mundial encerra. Lembro bem que na Copa passada não foi diferente. Os mais pessimistas, talvez fosse  o caso de dizer os mais exigentes, até por isso estão cheios de razão quanto dizem que uma Copa com um número maior de seleções como deve ser a próxima só vai empobrecer ainda mais o torneio no que diz respeito a qualidade das partidas. A Copa anterior teve o mesmo tom, nas surpresas, inclusive.  

A Alemanha, na ocasião fazendo a primeira partida de Mundial  depois de ter se sagrado campeã no Brasil, acabou derrotada pelo México na estreia. Para mais tarde se despedir tão melancolicamente como dessa vez na fase de grupos. A Argentina que ao debutar não passou de um empate contra a Islândia. O Japão, cujas pernas parecem não ter dado conta das cobranças de penaltis contra a Croácia, ao abrir a campanha na Rússia mandou um dois a um na Colômbia, que terminaria a primeira fase como líder do grupo. Por isso eu digo a vocês, futebol é algo complexo, capaz de nos seduzir pela excelência, mas capaz também de nos divertir mesmo na mais evidente falta dela.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

O signo da Copa



O arco-íris é o signo dessa Copa. Não o signo oficial. O signo rebelde, o que desafia. Outro dia li, não sei bem onde, que a braçadeira que os capitães das seleções europeias tinham a intenção de usar não ostentavam exatamente as cores do arco irís.  Imprecisões à parte, ficou o símbolo. Pelas notícias que nos chegaram ele andou sendo caçado pelos que estão à serviço dos organizadores da Copa. Sobrou até para a bandeira de Pernambuco, confundida com a da causa LGBTQIA+, como relatado por um jornalista brasileiro dias atrás. Tudo começou meses antes com o lançamento de um movimento chamado "One Love" que fez da braçadeira colorida seu protesto contra as leis discriminatórias do país anfitrião.

A FIFA ao se ver contra a parede lançou na véspera do Mundial uma parceria com a ONU com a brilhante ideia de estampar mensagens humanitárias nas faixas que seriam usadas pelos capitães, com o descaramento de estampar nelas um coração também. Seria o caso de perguntar se a ONU, que aceitou entrar na jogada, sabia de tudo o que estava se passando. Deveria. Vale ressaltar que a Federação alemã foi muito bem na nota que divulgou lembrando que não se tratava de uma questão envolvendo posicionamentos políticos e que considerava direitos humanos algo inalienável. O regulamento da Copa do Mundo diz que as braçadeiras são parte do equipamento fornecido pela FIFA às seleções. Ok. Mas sabemos todos que a condição maior da boa rebeldia é ter disposição para enfrentar certas regras. 


Seria o caso de perguntar até que ponto a entidade máxima do futebol está disposta a ir quando diz que joga a favor de questões humanitárias.  Outra coisa precisa ser dita: o Qatar , por vias tortas, parece não ter se dobrado ao poder da grana como quase todos. A questão envolvendo bebida alcóolica foi prova disso. O país fez valer a vontade dele sobre a de um patrocinador Master do evento.  Fez valer seus costumes. Não custa lembrar que aqui no Brasil, por exemplo, nossas autoridades trataram de fazer tudo o que seu mestre mandasse. Leis foram alteradas e a cerveja liberada. Enfim, não deixa de ser uma lição. Por mais que exista algo de surreal nessa realidade exposta, já que quando a grana verdadeiramente não falou mais alto foi justamente diante de alguém que tinha muita grana. 


Mas voltando ao primeiro tema, esse tipo de atitude e perseguição esvaziou até o discurso feito pela autoridade do país na abertura do Mundial, quando as palavras sugeriram respeito  à diversidade. Estranho que justamente um símbolo venerado pelas maiores e mais importantes religiões do mundo acabe por ser perseguido. Diante de tudo o que foi gasto nesse imenso teatro do jogo de bola é bem possível que o viajante que por ventura consiga chegar até a extremidade de um arco-íris - onde diz lenda se encontra um pote de ouro - dê de cara com ele vazio. Ainda na terça, um torcedor dos Estados Unidos acabou detido por usar uma braçadeira com as tais cores. E nem era a do "One Love", era uma qualquer.


Enfim, digo a vocês que um arco-íris é a mais bela expressão da luz. Por essência transcendente, de ar divino e, por isso mesmo, tão expressivo. Uma escolha perfeita por parte de quem decidiu fazer dele o símbolo de um movimento que pretende o mundo, não do jeito que é, mas do jeito que deveria ser.  Nem sempre a história se revela justa. Nossa insignificância nos impede de saber como o Mundial do Catar será lembrado daqui a um século. Mas não seria injusto se entrasse para a história como o Mundial que proibiu o arco-íris. Seria metaforicamente perfeito.     

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

O jogo é hoje !





Não estranhe. O nobre leitor já deve ter percebido ou sentido que esta não é mesmo uma quinta-feira como as outras. É dia de o Brasil estrear na Copa. O que me faz desejar que tenha dado de cara com estas linhas antes de a bola rolar. Talvez assim façam mais sentido. Não que deixarão de fazer depois disso. Mas por certo encerrados os noventa e poucos minutos que o time brasileiro passará diante dos sérvios no estádio de Lusail certamente temas outros se revelarão mais eficazes para animar as conversas. Trata-se de um dia em que qualquer mania relacionada ao jogo de bola será mais facilmente aceita. Logo, esquisitos desse meu Brasil, coloquem já um sorriso no rosto e tratem de colocar em prática tudo o que costuma amparar sua fé quando o assunto é um jogo de bola. 

Que o time brasileiro tenha se livrado da Neymar dependência não duvido, mas que o técnico Tite tenha passado a pensar o time sem ele, por sua vez, duvido um tanto. Como acho que uma coisa é ter coragem pra convocar o Daniel Alves, outra bem diferente seria ter coragem para colocá-lo de titular logo de cara. Agora se tem uma coisa que pode ser definitiva para o sucesso do longevo treinador brasileiro será mostrar uma dose respeitável dela. Nunca deixei de reconhecer a competitividade da Seleção Brasileira. Mas não custa lembrar que a história nos mostra que alcançar a condição de campeão do mundo sempre exigiu dos candidatos ir além disso.  Assim como sempre reconheci nos argentinos uma escola de futebol que exige respeito. Rivalidade é uma coisa. Fechar os olhos para qualidades óbvias cegueira, ou em última instância burrice. 

E digo isso mesmo depois de ter visto a zebra histórica que atropelou os hermanos. Minha memória não é um luxo mas lembro bem do que foram capazes de fazer quando enfrentaram em 2014 na final aquela Alemanha que tinha atropelado o time dono da casa. Sabe qual é, né?  Endureceram o jogo, digo que estiveram perto de vencer e, como costumo brincar com os amigos, se isso tivesse acontecido até hoje teríamos argentinos vivendo nas areias de Copacabana só pra seguir tirando onda. Portanto, só os deixo de levar em conta depois de eliminados. Ah, e alegrem-se apesar de o mundo andar como anda. Além do mais, trata-se não só da Copa mais cara da história como, possivelmente, a mais dispendiosa para o torcedor.

 Como bem ressaltou uma manchete dias atrás teremos lá distâncias menores do que as que envolvem a segunda divisão do nosso Distrito Federal.  O que, em tese, possibilitaria aos apaixonados acompanhar mais de um jogo por dia. Três até. O detalhe é que pra tal empreitada seria necessário ter renda levemente parecida com a de um Emir. Lembrem-se , não dá pra ter tudo nesta vida. Lembrem-se também que se estivessem vendo nossa Seleção in loco veriam a bola rolar tendo de se contentar com uma cerveja sem álcool. O que, equivale dizer, é quase um futebol sem bola pra muitos. Também não terás de pagar quase cenzão numa breja. Corra lá na geladeira que você preparou e abra o sorriso diante de tamanha fartura. Enfim, a Copa chegou sugerindo que hoje a labuta mal passará da hora do almoço. Isso se o dia realmente começar.          

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Olha a Copa aí !




Vamos partir aqui mais uma vez do empírico, do que a experiência cotidiana nos revela quando o assunto é Copa do Mundo. O mais comum tem sido ouvir por aí que a curtição com a Copa já não é a mesma. Seria o caso, claro, de perguntar o que à luz da história segue sendo exatamente igual? Os mais saudosistas bradam como se fossem espadas o tempo em que se enfeitavam as ruas com bandeiras, com pinturas. Os mais sentimentais culpam a distância que passou a separá-los dos craques que hoje em dia se exibem, majoritariamente, no continente europeu. Honesto de minha parte é dizer aqui que são observações feitas pelos que me cercam, pelos que em geral costumam ser da mesma geração que eu. Tenho curiosidade de saber o que pensa a garotada a respeito disso, que espaço uma Copa toma de suas vidas. De que maneira toma. 

A impressão que tenho é a de que se tem uma coisa que não mudou muito é o encanto que um álbum de figurinhas do Mundial ainda exerce sobre pessoas das mais diferentes idades. É fato que os mais velhos talvez guardem nisso um modo de resgatar o prazer de outros tempos. Mas vejo nos olhos daqueles que acabaram de chegar e que descobrem a curtição de um álbum do tipo pela primeira vez o mesmo brilho nos olhos. Há notadamente nessa Copa que se aproxima peculiaridades que a farão diferente de todas as outras. Talvez o fato de ser a primeira sediada no Oriente Médio seja de alguma forma algo menos impactante do que a forma como irá se misturar às nossas vidas. Com o ano chegando ao fim, misturando-a com os preparativos para o Natal que sempre nos exige algo. E iremos certamente muito além disso pois será mesmo um Mundial singular e que já provocou atitudes contundentes e não é de hoje. 



Meses atrás a Dinamarca  tinha anunciado que faria questão de ficar invisível no evento e , numa espécie de boicote como resposta aos atropelos no que diz respeito aos direitos humanos, irá atuar com seus três uniformes em tons totalmente monocromáticos escondendo dessa forma a marca da patrocinadora e o brasão da Confederação. Não consigo deixar de imaginar que uma campanha surpreendente deles no Mundial tiraria na mesma proporção a eficácia dessa invisibilidade. Os capitães de várias seleções da Europa prometem entrar em campo usando braçadeiras com as cores do arco íris para promover a inclusão e se posicionar contra qualquer tipo de discriminação o que parece estar longe de ser prioridade para os anfitriões. 

E tão assombrosas quantos as histórias desumanas que cercam o Mundial são as cifras envolvidas no evento que consumiu mais de um trilhão de reais, isso mesmo. Implodindo de vez as fronteiras entre o que é esporte e o que é construção civil num mega evento esportivo. Não custa lembrar que dias atrás, Joseph Blatter, o ex-todo poderoso do futebol mundial disse com todas as letras que a escolha do Qatar foi um erro. Que o Mundial é grande demais para o país. O tamanho do erro veremos. No mais, gosto mesmo é dos detalhes que vão dando molho na coisa. Como as declarações do técnico da Espanha dizendo que uma das únicas certezas é que ele tem é a de que em campo o time que comanda não irá morrer de medo. Declaração que parece talhada sob medida para uma seleção conhecida como a fúria.   

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Os meninos


O que vai aqui escrito não tem nada de científico. É fruto de minha vivência e capacidade de observação que sempre gostei de exercitar. Uma coisa que lembro bem que me impressionava quando iniciei a carreira de repórter era como vira e mexe me pegava surpreendido pelo ar maduro que se estampava no rosto de jovens jogadores. Como se tratava de um tempo em que não raro ficávamos sabendo de datas de nascimento adulteradas pode até ser que isso explicasse um ou outro caso. Não duvido. Mas a questão ia - e vai - além disso. Não é preciso ser um profundo conhecedor desse universo para perceber que ele força mesmo o amadurecimento. A começar pelas exigências físicas impostas a quem desde cedo resolveu aceitar o desafio de se tornar um craque. As dietas ricas em suplementos. Até mesmo a realidade exploratória do nosso futebol acaba por contribuir com esse amadurecimento já que vender jovens atletas é a veia mais rentável do nosso futebol tupiniquim. 

E muitas vezes são eles também, os meninos, que times financeiramente fraturados acabam por colocar precocemente em campo para carregar o piano. O bom disso tudo é que se tem uma coisa que pode dar frescor ao jogo de bola é um garoto cheio de talento. O nome da hora é prova disso. Endrick, a joia palmeirense, do alto de seus pouco mais de dezesseis anos tem arrancado suspiros da crônica esportiva. Não à toa, diga-se. Mais do que acumular marcas , como a de ter se tornado o mais jovem a fazer um gol com a camisa do time profissional, esbanja em campo um poder de finalização e uma força física de impressionar. Um nascimento desse tipo nos gramados é algo tão forte que a gente não esquece. Os mais novos certamente lembram do desabrochar de um Neymar. Ou mais recentemente o de nomes como Vinicius Júnior e Rodrygo. Dois casos em que a engrenagem nos abrigou, como em tantos outros casos, a testemunhar o amadurecimento e o lapidar de seus talentos de longe. 

Os mais velhos como eu certamente não esqueceram os queixos caídos quando nomes como Ronaldo Fenômeno, ou Ronaldinho Gaúcho, passaram a roubar a cena e aprontar tudo o que aprontaram. E para o bem do futebol eu espero é que Endrick seja dessa estirpe. O testemunho do pai dele depois de ter visto o filho sair de campo ovacionado e cercado pela euforia do título brasileiro dias atrás é realmente emocionante. O vagar pelos clubes tentando achar alguém que reconhecesse e, mais do que isso, amparasse o talento do filho. A consciência de ver o menino assinar o primeiro contrato como profissional na sala em que ele muitas vezes trabalhou fazendo a faxina. Tudo isso é mais do que qualquer outra coisa um retrato social. 

apesar dele, de sua brutalidade, os meninos, quero crer, vão continuar brotando. Meio que nos redimindo dessa notada falta de brilho . Mesmo partindo rápido, mesmo amadurecendo antes da hora. Fazendo-nos assim perceber que há uma parte muito nobre do dito nosso futebol que de certa forma não nos pertence, ou que quando a gente começa a curtir nos escapa.  

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

A soberania da grana



Um exercício interessante para se fazer neste momento é tentar entender o que é que a atual temporada revela sobre o futebol brasileiro. Não é de hoje que escutamos gente profetizar por aí que estamos a caminho de virar uma Espanha, no sentido de passar a ter dois times desfrutando realidades muito diferentes da de seus adversários. Difícil não aceitar essa possibilidade depois de ver Palmeiras e Flamengo fazendo tudo o que andam fazendo e conquistando. E sabendo que quando alguém conseguiu entrar nessa festa, caso do Atlético Mineiro, também foi amparado por cifras consideráveis. Em linhas gerais o time carioca que ultrapassou a marca do bilhão de reais em faturamento não tem uma vantagem considerável sobre o rival paulista. O placar no quesito finanças é de 1,08 bilhão contra 977 milhões. Números do ano fiscal de 2021.  

Considerável é o degrau que separa os dois primeiros do terceiro colocado, o Atlético Mineiro, que faturou praticamente a metade. Mais exatamente 505 milhões. Nem é preciso ser economista para saber como isso pode se refletir em campo.  E de onde concluo aqueles que têm um fraco por resultados improváveis e uma queda terrível pela tal da zebra, ganham um motivo bom pra sorrir quando por ventura derem de cara com um desses times sendo surpreendidos de algum modo porque não deixará de ser uma prova de que em matéria de futebol o dinheiro ainda não é tudo. Ainda. Mas quem duvidará de que pode vir a ser? Não sei quanto tempo vai levar para que nossos cartolas decidam se debruçar sobre o tema que, admito, é chato demais. 



Os fatos, no entanto, não deixam dúvidas de que o reinado dos dois está em andamento. Veremos se perdurará. Ou alguém aí imagina que possamos  ver na sequência uma temporada em que nem o Flamengo e nem o Palmeiras levantará uma taça? E não estou falando de estaduais não. Também fico imaginando se os torcedores de um e de outro estão plenamente satisfeitos. O Brasileiro desafiava o técnico palmeirense, tão laureado. Coisa fácil de entender. O Brasileirão é, como já disse, a vedete dos torneios. E é preciso reconhecer que se tratou de uma conquista concluída com louvor, sem que se visse o time deixar transparecer fragilidade maior diante de seus adversários. Isso quando muita gente profetizava  que por ter iniciado a temporada antes dos outros o final dela se transformaria num desafio para o time alviverde. Nesse sentido a eliminação dos outros torneios soou providencial para o time de Abel Ferreira. Tivesse desenhado outra trajetória,  tivesse já sido campeão brasileiro, tudo soaria mais desastroso. Mas existia impalpável pairando sobre o time alviverde esse fetiche do Brasileirão. 

O torcedor do Flamengo talvez trocasse a Copa do Brasil pelo torneio nacional. A Libertadores jamais. Até porque a hegemonia palmeirense no torneio continental se fazia desafiadora. Dirão alguns que mesmo com essa lacuna de não ter conquistado um título do principal campeonato do país com Abel chegar a um tri verdadeiro da Libertadores, quem sabe tendo pela frente o Flamengo, para os palmeirenses seria flertar com o paraíso. E realmente seria. De qualquer forma as duas torcidas dão a impressão de estarem muito satisfeitas. Se há algum descontentamento nesta história deve ser desses que costumam ser alimentados pelos desejos insaciáveis de quem tem muito e... sempre quer mais.  

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Os laterais



Se há um aspecto claro no futebol brasileiro destes dias é certa falta de brilho dos nossos laterais. Isso num país que sempre encheu a boca para falar deles. Um dos seus mais notáveis, não por acaso, ficou para sempre conhecido como a enciclopédia. Tamanho era seu conhecimento do ofício. Ao falar sobre o assunto impossível não lembrar também de Carlos Alberto Torres, com quem tive a honra de trabalhar, e cuja alcunha de capita também não esconde a envergadura que tinha. Aos mais novos tenho o zêlo de salientar que esse capita era o de um time que formava com nomes como Pelé, Gérson e Rivellino. Fato é que hoje em dia quando alguém leva a conversa sobre nossos laterais para esse lado, geralmente tendo como pano de fundo a Seleção Brasileira, fica difícil discordar.  

Há questões que podem fortalecer essa impressão. Como a excelência de nossos goleiros ou a maneira um tanto pop star com que costumam ser tratados os atacantes e meias ofensivos. Mas não só eles. Vivemos um momento em que os volantes, tão malditos em outros tempos, ganharam um verniz de nobreza, merecidamente. E tem sido nesse contexto de pouco brilho que o lateral do Flamengo, Rodinei, tem vivido. O cara que acabou encarregado de bater o penalti que daria ao time rubro-negro o título da Copa do Brasil semana passada. Um capricho do destino.  E não me venham tentar convencer de que naquele instante boa parte dos flamenguistas instintivamente não seguraram a respiração. Mas Rodinei foi lá e executou com louvor o que lhe cabia.  

Não foram poucas as vezes em que o vi apontado como o mais frágil do time da Gávea. E talvez seja. O que faz do fato de ter conquistado um posto de titular absoluto num time desse uma façanha. Outro veredito que se faz pesar sobre o Rodinei é de que costuma dar conta do recado quando ataca, mas sem ter a mesma desenvoltura quando a missão é defender.  Não é uma afronta dizer isso, mas também não é descabido imaginar boa parte dos que ocupam essa posição não execute essas tarefas com a mesma desenvoltura. Como talvez não seja absurdo dizer que os laterais tem sido exigidos em medida maior do que costumavam ser recentemente. 

Primeiro, pela habilidade dos meias ofensivos e atacantes que se aprimoraram deveras fazendo o tal jogo do um contra um algo imensamente desafiador.  Mas também pelo fato de uns tempos para cá as beiradas do campo terem passado a ser exploradas incansavelmente. Está aí esse batalhão formado do que se convencionou chamar nos últimos tempos de atacantes de lado, de beirada. Enfim, isso não é uma defesa do futebol de Rodnei. É só uma reflexão sobre uma posição que tem se revelado carente.  O que eu sei, mesmo, é que esse papo me fez lembrar de Roberto Carlos. Talvez o grande ícone da posição em anos mais recentes, não por acaso dono de uma trajetória gloriosa no futebol europeu. E que nos tempos de repórter vi muitas vezes de perto e que era de impressionar pela velocidade e precisão não só nos jogos, mas também nos treinos. Talvez também pese sobre Rodnei a responsa de vestir a camisa de um time que um dia teve de um lado Leandro, e do outro, o maestro Júnior. 

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Devaneio sobre a decisão



Era uma vez um articulista que vivia em desacordo com o tempo. Queria o que o andar da impressão não deixava. Vira e mexe acalentava desejos de escrever sobre os jogos de quarta que o inabalável deadline não permitia. A tecnologia podia ter dado conta de muita coisa, mas ainda não havia estreitado o espaço de tempo entre a entrega de um artigo e sua publicação a ponto de lhe saciar a vontade. E quanto maior o jogo, maior a obsessão. Não foram poucos os momentos em que saciou esse desejo escrevendo pelas beiradas. Driblando declarações que poderiam datar o texto e fazê-lo soar ultrapassado pela manhã. E aquele bendito Flamengo e Corinthians, sobre o qual toda a crônica já falava quando ele inconformado sentou para escrever, o faria levar tudo até às últimas consequências. Em desacordo total com a situação que o enredava resolveu ser fiel a rebeldia que nunca tinha deixado de cultivar. Tratou, então, de exercer o direito de imaginar o que o Maracanã veria poucas horas antes de seu texto amanhecer estampado na página da seção de esportes. 

Depois do jogo de ida, quando o time carioca deu a impressão de ter conseguido cozinhar o Corinthians e esfriar os ânimos da fiel torcida sempre inquieta e barulhenta, intuiu que o tão propalado favoritismo rubro-negro tinha se confirmado. Não deixou de levar em conta que  já tinha visto muito jornalista passar vergonha por ter abraçado cegamente o óbvio, quando o que havia se dado era o improvável. Isso na época em que uma coisa dessas marcava um jornalista pra sempre. Mas não conseguia enxergar o time corintiano atual capaz de, diante de um Maracanã lotado, encenar uma façanha dessa. Na Libertadores mesmo jogando em casa o time alvinegro tinha sido abatido por dois gols. Dessa vez tinha saído ileso. O time de Vitor Pereira podia ter se mostrado mais maduro. Mas ainda assim não seria para qualquer um encarar a maturidade desse time do Flamengo, farto em matéria de talento. 

Se não fosse a noite de Arrascaeta, poderia ser a de Everton Ribeiro. Se não fosse de nenhum dos dois poderia vir a ser de Gabigol, ou de Pedro. E esses nomes soavam desde sempre como antídotos eficientes contra essas surpresas que o jogo de bola costuma pregar. Seria preciso mais do que um Cássio, que costuma se agigantar nessas horas para calar o Maraca. Imaginou o time de Copas do Flamengo onipresente nas capas de jornal. Nas capas dos portais. Sorrindo, como quem diz: que venha a Libertadores. Mas não achou impossível que o Corinthians mesmo assim pudesse vir a fazer uma apresentação dessas da qual a torcida se orgulha. Cássio não iria tremer. Nem Renato Augusto. Enfim, mandou o ponto final. 

Respirou fundo. Clicou em cima do enviar. Levantou da cadeira. Tratou de cuidar das tarefas cotidianas porque a noite seria de decisão. Por um instante se deixou tomar por um certo receio de como tudo aquilo iria soar. Mas no segundo seguinte sorriu pra sala vazia certo de que mesmo se o enredo imaginado viesse a se revelar infinitamente distante do que  viria a acontecer estaria ali, estampada em poucas linhas, a prova de que nem a mais astuta mente até hoje se revelou capaz de antever o que pode um jogo de bola. E que quanto mais inesperado fosse o enredo mais estaria fortalecida essa verdade.  


* Artigo escrito para o jornal " A Tribuna", de Santos - publicado em 20/10/2022 

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Sem esporte, sem futuro



Caminhamos para o desfecho da mais efervescente eleição presidencial dentre todas das quais trago lembranças. Tema sobre o qual muito foi e está sendo dito. Mas não sei se notaram o quanto o esporte passou ao largo de tudo isso. E se fiz uso do adjetivo efervescente foi por ter dificuldade para garimpar um outro que fosse mais apropriado. Dias atrás até cheguei a ver, solitária, perdida entre tantos portais de notícias, uma matéria que versava sobre o tema. Precisa e muito oportuna na abordagem, pois mostrava como o assunto era tratado em cada uma das campanhas presidenciais que, até aquele momento, estavam na disputa. Não digo que chegou a espantar o fato de que na metade delas o esporte nem figurava e que quando apareceu não deixou de ser com um viés um tanto surreal. 

Cheguei a ver proposta que defendia veementemente o esporte amador para no fim afirmar com todas as letras que a ideia era fazer do Brasil um potência olímpica. Como é preciso registrar que até promessa da aprovação de um tão indicado Plano Nacional de Esporte cheguei a ver por lá. E como gostaria de acreditar em promessas do tipo. Imagino que essa crença traria consigo uma serenidade que o mundo já não nos dá mais o direito de ter.  Não sou do tipo que duvida do paraíso, ainda que fugaz, a que têm direito os ludibriados. Uma coisa que me chamou a atenção foi o fato de as propostas que se dignaram a tratar do esporte tê-lo aproximado muito da educação. O que revela algum apuro no olhar sobre ele. Na minha opinião a única forma de pensar o esporte de modo sadio. 

Uma coisa é querer construir um país de laureados. Outra bem diferente é querer construir um país de cidadãos bem formados. Essa ausência talvez venha a ser só um efeito colateral do sumiço dado no Ministério do Esporte. Sabemos todos que pode ser mais cômodo e conveniente aceitar a realidade imposta do que querer mudá-la. No primeiro turno, entre um debate e outro, um dos candidatos disse que nunca soube de um país que verdadeiramente tenha avançado sem ter feito da educação uma prioridade. Não há como discordar. É um dizer lúcido. O que esconde de intenção é outra história. Acredito que o caminho seja bem esse, o da educação. Como já tive oportunidade de expressar neste espaço, nem acho crucial que voltemos a ter um Ministério para tratar do esporte. Não vejo incongruência em aproximá-lo da Educação, nem da Saúde. 

Mas estou convencido de que jamais poderemos dizer que tratamos a questão da maneira devida enquanto houver uma escola que não tenha uma quadra de esportes decente e os equipamentos necessários para que ela funcione adequadamente. E não pensem vocês que essa maneira de encarar o esporte não se reflete na nossa sociedade de outros modos. Quem faz o que eu faço sabe muito bem que o esporte esteve sempre muito longe de ser o assunto mais respeitado nas redações. Realidade que, ao contrário do que muitos pensam, não costuma mudar nem quando ele se revela responsável por fatia considerável do faturamento das empresas.  Por outro lado, o mais cruel é constatar que não há candidato, em tempo algum, que não tenha encarado o esporte - e  especialmente o futebol - como um facilitador, como um meio eficiente de conquistar votos.        

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

O grande baile

Dirão os mais puristas que o grande baile será outro. Será o que se dará na capital equatoriana. Neste momento vivendo dias terríveis, em estado de exceção. Para o qual, aliás, a Conmebol insiste em fazer vistas grossas. Não faltarão argumentos aos que, por ventura, vierem a defender essa posição. Mas esse outro baile que se dará dez dias depois desse que defendo como o tal ser encerrado, não é exatamente nosso, embora tenha como anfitriões dois times brasileiros. Não faço pouco caso da Libertadores com estas minhas palavras. Mas na minha opinião o grande baile será essa decisão da Copa do Brasil que se aproxima. Flamengo e Corinthians com suas torcidas imensas dão ao jogo contornos épicos. Um confronto que digo a vocês já me pareceu mais desequilibrado.  

E por mais que o time rubro-negro tenha conquistado pra si essa aura de time que é sinônimo de excelência vejo crescer uma certa sensação de que o Corinthians tem time pra sonhar com esse feito.  Ainda mais agora que Roger Guedes e Yuri Alberto praticamente provaram para o técnico alvinegro que podem jogar juntos.  Há, sem dúvida, o detalhe de que o jogo da volta é no Maracanã e isso não é coisa que não pese. Sei que muita gente não vai concordar comigo, mas nesse ponto vale destacar que se essa decisão da Copa do Brasil fosse feita nos moldes do outro baile, em partida única e em local previamente escolhido, que como vemos poderia se revelar neutro, aí a coisa embolava de vez. E se escolhi a metáfora do baile para falar disso não foi por acaso. 

Sabemos todos que grandes bailes, em geral, não levam essa fama porque os convidados sabem dançar como ninguém. Longe disso. Os grandes bailes são, antes de tudo, o reconhecimento da importância de quem convida. Notadamente se faz um pouco cruel esse longo hiato que de uns tempos para cá os organizadores insistem em colocar entre as semifinais e as finais desses torneios, quando todo mundo sabe que poderia ser diferente. A partir de agora, e mais do que nunca, tudo se resumirá a esse aguardado Corinthians versus Flamengo, a parte inaugural do tal baile. No final de semana , quando os dois estiverem em campo pra cumprir as obrigações relativas ao Brasileirão, serão vistos e interpretados mais sob a ótica do que virá do que sob a do que desenharam em campo.  Com o Flamengo visitando o Cuiabá. O Corinthians recebendo o Athlético Paranaense em Itaquera. Por coincidência o time que fará com o rubro-negro o outro cortejado baile de Guayaquil. 

E não será o caso de dizer pior para o Flamengo, que quando estiver nesse baile evidentemente não terá esquecido que em breve terá de dar conta desse outro.  Trata-se daquele tipo de stress muitas vezes invejado de quem, pelo seu papel, acaba por ser convidado pra tudo. Ou quase tudo. Jamais saberemos, apesar de insistir na análise, o quanto as últimas apresentações dos protagonistas irão pesar na hora em que a festa começar. Até porque tanto Corinthians, que acaba de sair de um empate com o lanterna do Brasileirão, quanto Flamengo, provavelmente, levarão à campo times esvaziados, sem titulares. Diante disso tudo, o empate pálido do rubro-negro ontem à noite contra o Internacional no Maraca ou o embate do Corinthians no dia anterior com o  Juventude não passam de páginas que a história aceleradamente deixou no passado. Importa, e não é de hoje, é se preparar para o grande baile.    

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

A Seleção que me desculpe





A primeira lembrança que tenho de uma Copa data de 1974. Eu era um moleque de seis anos mas pelo que ficou na memória, sem muita noção do que era o mundo mas com uma consciência clara do que era o jogo de bola.  E o que se passou na época é que meu irmão mais novo com um problema na perna tinha de ficar o dia inteiro na cama. E para lhe fazer companhia eu ficava ali ao lado de olho na TV. Lembro que assistimos juntos muitos jogos. E se o Mundial seguinte  disputado na Argentina, pareceu mais próximo de nós,  certamente não foi apenas por uma questão geográfica. Àquela altura o futebol já tinha tomado nossas vidas. 

E se infelizmente não está entre as memórias guardadas a de Rivellino abrindo o placar com a  Argentina em 74, a de 78 serviu não só para tornar mais clara a rivalidade que alimentávamos a respeito dos nossos vizinhos, como também pra deixar claro que o futebol estava sob a influência de outras forças.  O jogo armado entre eles e os peruanos incomoda até hoje. Como até hoje lembro como era perigoso o tal do Kempes. Do Mundial de 82, tão cultuado, já tive a oportunidade de falar em outros momentos. Pegou minha geração em cheio. Todo o encanto que tínhamos com relação ao futebol de alguma forma se materializou ali. 



Não vou aqui ficar falando desse ou daquele lance. Prefiro neste momento dizer a vocês que a alegria que as vitórias brasileiras naquele mundial, de tão fortes, ainda hoje estão em mim de um modo muito vívido. Depois disso o caminho até os dias de hoje, mesmo com os títulos que vieram, parece um pouco uma coisa só. É meio cruel a análise. Mas esse meu ofício contribuiu deveras para isso. Costumo encarar as coisas de um modo sério, distante. O que acabou por transformar essa minha relação com a seleção - e de certa forma com o futebol - em algo meio cirúrgico, pensado demais. O que, vale dizer, considero virtude. 

À parte esse distanciamento necessário sempre considerei o time de Tite competitivo. Vejo que o momento soa mesmo muito favorável à Seleção Brasileira. Mas a hegemonia continental da nossa Seleção pode ser traiçoeira. Essa realidade que nos impede der pela frente as seleções europeias entre um mundial e outro. E os jogadores quase todos vestindo camisas que não são as dos nossos clubes, tudo isso ajuda a amparar essa frieza que quero crer não é só minha. Do talento não se diz.  Ele está muito além dos atacantes que sempre foram as estrelas do espetáculo. Não é preciso pensar muito para imaginar o que deve, em termos de respeito, significar a presença de Casemiro em campo. Ou o fato de o Brasil ter tido o mais caro jogador da última janela de transferências do velho continente. Por mais que cifras sejam sempre contextuais.  

O caminho parece mesmo aberto ao time e ao técnico Tite. Um caminho que mostrou que há alternativas além de Neymar. Mas ele, dizem, anda voando e isso é primordial.  Temos ainda a indiscutível excelência dos nossos goleiros. Agora, vencer uma Copa é equação complexa, envolve muitos fatores. O talento é só um deles. Talvez dependa até da sorte. Enfim, a Seleção que me desculpe por esse viés exigente, mas que saiba que pra mim carrega o peso da história sobre a qual passei a tomar consciência quase cinquenta anos atrás esticado ali na cama ao lado do meu irmão vendo a tal da Holanda que todos diziam ser incrível. E eu viria a saber que era mesmo. E que mostrou que, às vezes, não se entra pra história só ficando com a taça.  Como, aliás, mostrou a nossa Seleção de 82.           

 

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Te cuida, Peixe



Se tem uma coisa que o futebol brasileiro mostrou nas últimas temporadas é o poder da grana. Por mais que campeões surpreendentes sempre tenham sido coisa mais dada às Copas, por motivos óbvios.  Mas como o espectro pra tratar disso é muito amplo usemos o recorte da última meia década. Em 2017 deu Corinthians, com o Palmeiras na condição de vice. Não custa lembrar que o time alviverde tinha sido o campeão brasileiro no ano anterior. E desde lá as contas do Palmeiras e seu faturamento já andavam sendo notícia. Como é preciso dizer que o Corinthians, mesmo com times que podem ser considerados modestos sempre gastou bem, podendo ou não. O que aliás é um traço perene dos times de maior torcida no nosso país. 

Nesta temporada mesmo, o time alvinegro gastou muito. Fiz questão de dar toda essa volta para chegar na situação atual do Santos. Como já tive a oportunidade de dizer, imagino que os dirigentes do clube santista não tenham tratado como algo lamentável o décimo lugar conquistado no Brasileirão anterior. E assim isoladamente talvez não tenha sido. Mas o contexto da temporada no todo definitivamente foi. E se o clube anda vivendo tudo o que está vivendo nos últimos tempos isso deveria ter lhe servido de aviso. Não é o caso de falar da quantidade descabida de treinadores que passaram pela Vila nos últimos tempos, algo já devidamente alardeado pela crônica. 

Os que sabem da grandiosidade do Santos - talvez seja melhor dizer de sua potencialidade - eu imagino, gostariam de vê-lo inserido nesse grupo cada vez mais seleto de times que, como iniciei dizendo, gozam de um faturamento que dia após dia os torna diferentes de todos os demais. Justiça seja feita, se o faturamento do time santista não está entre aqueles que mais cresceram, teve incremento considerável. E há nisso uma relação perversa porque os times  cujos faturamentos dispararam são justamente aqueles menores que nos últimos tempos conseguiram resultados e acessos a outras divisões. Conquistas que acabaram por turbinar suas contas. 

O que se por um lado mostra que o crescimento do faturamento do clube santista  não é um insucesso , por outro sugere que seria inteligente tentar entender o que esses times andaram fazendo em termos administrativos. E, acima de tudo, como trataram questões cruciais como escolher quem vai comandar tecnicamente suas equipes.  Na minha opinião, essa troca de treinadores além de inviabilizar qualquer planejamento a longo prazo, parindo elencos que serão sempre contestados, revela também uma tremenda falta de convicção nas escolhas feitas. O Santos vive um momento em que cuidar e corrigir o que é prioritário será crucial. E digo isso porque entre esses times que dominam a cena do futebol brasileiro hoje em dia , com seus faturamentos de dar inveja, todos já ergueram Arenas ou andam às voltas com projetos do tipo.  

E o Santos, não é de hoje, tem nos deixado ver que isso está entre suas prioridades. Historicamente quando um clube decidia erguer um estádio o efeito colateral era o de enfraquecer o time, uma vez que a empreitada exigia grandes recursos. Mas atualmente, sabemos todos, há os tais investidores que viabilizam tudo. Seja como for, tudo tem um preço. Não me perguntem se  seria uma boa, ou não. Não sou especialista. Só tenho uma certeza, agora quea temporada está chegando ao fim. É que diante dos jogos complicados que o Peixe tem pela frente meras dez rodadas podem se revelar longas como uma eternidade. 

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Pedro e Rony



Talvez alguém venha a achar um descalabro colocar os dois lado a lado. Ainda mais agora que Pedro andou voando e dando uma contribuição danada para que o Flamengo e os flamenguistas voltassem a viver dias divinos. Coisa que, diziam, só um certo Jesus poderia propiciar. E aí devo dizer que não deixa de ser uma tentação grande versar sobre Dorival Júnior, o homem à frente desse novo reinado rubro-negro. Por mais que ainda se faça um reinado sem títulos. Isso faz muita diferença. Ando - como muitos por aí - de queixo caído com as coisas que o camisa vinte e um do Flamengo anda fazendo. Um gol mais bonito que o outro.  Lances que nos levaram a crer estar vendo um jogador raro. Estranhamente ainda não consegui comprar a ideia de que o sujeito merece um lugar na Seleção. E olha que sou do tipo que sempre pregou que a fase de um jogador deveria ser determinante pra isso.  Talvez esses anos todos testemunhando euforias que mais fizeram mal do que bem aos que despontavam tenham aos poucos me deixado um tanto descrente. 

De qualquer forma, se ele fosse entenderia perfeitamente. Difícil mesmo é o Tite sair do que é seu estilo e tirar da cartola uma dessa.  Mas quem está no jogo é para ser driblado. Além do mais a vida escreve é por linhas tortas. Digo isso porque outro dia ao ler uma entrevista dele para o portal UOL, achei subserviente demais ele ter dito, sobre o momento em que era dado como novo jogador do Palmeiras, que se o clube dele não liberasse não tinha negócio. E, de fato, o Flamengo não liberou.  Tivesse ido sabe-se lá como seria a história. Diante de tudo que se vê, das oportunidades que ele não teve de jogar em outros momentos, não é fácil crer que o clube tenha tomado essa decisão exclusivamente por pensar que não seria o melhor para Pedro. Importa é que hoje parece mesmo que foi.  O rapaz tem sido rebuscado.Mais do que esse ou aquele gol, me ficou na cabeça também aquela disparada em direção à meta adversária, quando de repente a bola foi ficando para trás, e ele a puxou meio como quem ensaia uma chaleira e colocou, como num passe de mágica, a gorduchinha pra andar no ritmo dele. 



Outro de quem quero falar é do palmeirense Rony. Ao contrário de Pedro não paira sobre ele essa áurea de jogador classudo. Nos últimos tempos virou até lugar comum, toda vez que alguém falava sobre o futebol dele, dizer que era inconcebível um time com um elenco tão reconhecidamente nobre depender de um jogador com as características do Rony. Diria que o cara andou correndo e suando tanto que acabou deixando pra trás, inclusive, os que teimam em não lhe reconhecer o valor. É dessas injustiças que se comete , inocentemente até, quando se insiste muito no requinte. O futebol, sabemos todos, é feito de outras coisas. Muito mais dessas outras coisas até. 

No panteão que trazemos no imaginário há um sem fim de homens que conheceram a glória fazendo pouco da categoria de craque. Há nele jogadores verdadeiramente grandes, campeões do mundo. Ídolos incontestes. Enfim, o que quero, independentemente do destino que teve o Palmeiras, é deixar aqui um registro de agradecimento porque no meio dessa modorra que anda cercando o futebol Pedro e Rony têm contribuído deveras para que esse ofício de cronista que cerca o futebol e a curtição dos torcedores com o jogo de bola sejam consideravelmente mais prazerosas. E se o Rony tivesse encaixado aquele lance de calcanhar ainda lá no jogo na Arena da Baixada? Ah, aí seria o caso de pedir, talvez, seleção pros dois... já que amanhã Tite anuncia nova convocação.. 

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Cadê meus titulares ?



O título acima pode soar estranho, mas não descabido diante do que temos vivido. Ainda que seja levado a considerar que a turma que sente saudade do tempo em que um time entrava em campo com camisas de um a onze tenha dificuldade para entender que o tempo passa e as coisas mudam. E não se sinta envergonhado se for o seu caso. Embora um tanto conformado, sou dessa turma também. O rodízio de jogadores anda dando nó na cabeça de muito torcedor. Tostão , com sua pena nobre, dias desses versou sobre a questão. Tendo em vista todo o aparato à disposição de quem monitora um elenco profissional hoje em dia ignorar o que a medicina diagnóstica pode mostrar seria, antes de qualquer outra coisa algo leviano. Tenho muita curiosidade para saber qual a margem que se coloca diante do que esse aparato todo revela.  Pois só sabendo qual a margem com a qual os clubes trabalham seria possível dizer se andam, por exemplo, cautelosos demais com a questão. 

E digo isso porque se tem uma coisa que alimenta o discurso descontente dos torcedores é essa desconfiança. A de que estão tratando tudo com muita cautela. Mas é fato que o efeito disso é um certo, digamos, empobrecimento das escalações. Como dizer de outro jeito?  O tema tem sido constante nos debates esportivos. Digo mais, talvez só perca para a arbitragem, imbatível nesse sentido. E cuja capacidade para alimentar acalorados debates e gerar polêmicas o advento do VAR só parece ter turbinado. O lendário jogador, Roberto Rivellino, com quem tenho a alegria de conviver profissionalmente, outro dia encaixou no nosso papo uma frase a respeito do assunto que mais pareceu um xeque mate. Mandou na lata: tudo bem poupar um e outro, mas com a temporada tão perto do final é preciso , ao menos, se ter uma vaga ideia do que seria um time titular.  

E se uma temporada que já flerta com o fim não nos dá muitas vezes essa condição , por outro lado vai mostrando como ter de encarar mais de uma frente é algo desafiador.  Por mais que o técnico do Fortaleza seja bom no que faz. Não há de ter sido puramente as estratégias que tramou que sozinhas fizeram o time , que passou vinte rodadas na zona de rebaixamento, dar o salto que deu na tabela. Do mesmo modo que o líder do Brasileirão, o Palmeiras, que ganhou algumas semanas inteiras para trabalhar ( o certo não seria dizer: descansar?) depois de eliminado da Copa do Brasil, só anda mostrando esse fôlego todo porque viu diminuído seu número de jogos. Mas a euforia e o desejo de novos títulos praticamente impede que os palmeirenses vejam uma eliminação como algo providencial.  

O Santos também pode ser tido como ponto de partida para abordar o tema. Há outros fatores. Contratações, troca de treinador. Tudo enquanto o time ia tendo seu horizonte reduzido ao Brasileirão. Se o torcedor tem dúvida do quanto a oitava colocação soa surpreendente. Que pegue a tabela e veja quais os times que neste momento estão à frente do time da Vila Belmiro.  Times todos de futebol respeitado de algum modo. Por mais que os treinadores de Santos e Fortaleza andem jogando com o resultado e mente, dizer que essa condição não teve a ver com o fato de não ter de pensar no tal rodízio de jogadores como antes, é negar o óbvio. Não dá pra deixar de dizer também que a essa altura ficar nessa de cadê meus titulares é coisa de quem segue em mais de uma competição. O que, sejamos sinceros, é um luxo.         

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

A força da grana



Deixemos a ingenuidade de lado e aceitemos que por esse mundo afora são raríssimas as coisas que passam ao largo da grana. Em matéria de futebol mesmo quem conhece a história sabe que o primeiro grande racha envolvendo o bom e velho jogo de bola se deu por causa de dinheiro.  Tendo saído dele vencedor o lado que queria a profissionalização, a bufunfa.  Quero crer que o que forja um campeão é algo que consegue secretamente driblar essa questão. Ainda que o dinheiro quase sempre acabe por ditar mais tardiamente o destino dos que se fizeram grandes vencedores. Claro que escrevo isso pensando ainda nas polêmicas palavras ditas pelo treinador corintiano alguns dias trás. E pelas quais ele acabou se desculpando. Pra quem não sabe do que se trata, Vitor Pereira, o técnico corintiano, ao ser perguntado se tinha medo de demissão respondeu ao repórter que tinha feito a pergunta se ele sabia quanto de dinheiro ele tinha guardado no banco. De onde se supõe que é muito. 

Residem aí aspectos interessantes e é isso que me fez escolher o tema. Não necessariamente a grana.  Um aspecto é tentar descobrir o que é que move certos profissionais depois que a conta deles no banco se enche de dígitos. Uma outra questão é que a declaração nos faz ter uma noção mais exta do quanto os mais bem sucedidos são diferentes da maioria dos mortais. Isso porque, creio, todos irão concordar que o medo de perder o emprego é coisa que assombra a imensa maioria. Sem contar que entre nós são muitos os que andam infelizmente vivendo esse medo. Ainda assim, que bem aventurados sejam os que chegaram lá de mãos dadas com a honestidade em seu sentido mais amplo. Gosto de pensar na pureza das coisas livres dos destemperos que a grana pode suscitar. 

Gosto de lembrar da história que ouvi certa vez da nossa grande tenista Maria Ester Bueno. Disse ela, e imagino que tenha dividido esse detalhe com muitos que tiveram o privilégio de poder conversar com ela, que uma das vezes em que venceu o mítico torneio de Wimbledom ganhou como prêmio um par de meias. Também nunca esqueci uma história que li certa vez em uma matéria que retratava a trajetória  de um grande empresário. Disse ele que no primeiro dia em que começou a trabalhar com o pai desceu as escadas da elegante casa em que morava. Se sentou à mesa com o patriarca como se um fosse um dia qualquer.  Como faziam cotidianamente.  Falaram do que estava por vir. Encerrado o café o então jovem se dirigiu ao carro que aguardava na porta da garagem com as portas abertas pelo motorista. Sentou no banco, aguardou o pai chegar.

E ele, quando sentou ao seu lado, mudou o semblante um tanto e lhe disse que não iriam juntos. Surpreso ouviu que o filho deveria fazer o caminho de quem começava a trabalhar. Iria pegar uma condução para chegar até lá. Como fazem em geral os que começam a vida de trabalho. Ainda meio sem entender o que estava vivendo ouviu o pai lhe dizer o seguinte: muita facilidade amolece o espírito. Não consigo negar que resida nisso uma boa dose de verdade. Ao mesmo tempo acho que pode explicar porque tantos ficam pelo caminho depois de ter o talento amplamente reconhecido.  E acreditei ainda mais depois de ouvir o técnico corintiano dizer que destetava arrogância, que tinha construído uma vida do nada e que saiba o que era vir da dificuldade. 

 

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Palmeiras x Flamengo: o duelo vem aí



Um exercício de imaginação que sempre faço ao dar de cara com um time desses como o do Palmeiras é o de tentar imaginar como é que ele entrará para a história.  A fase é singular e todos sabemos que um bicampeonato da Libertadores é algo que não se perde ao longo do tempo. Vem daí esse sorriso de satisfação que todo palmeirense anda estampando no rosto. Nem  poderia ser diferente. Além do mais, foi-se o tempo em que as conquistas do time de Abel vinham acompanhadas de considerações a respeito  da falta de rebuscamento do time dirigido por ele. A evolução é nítida, ainda que seja possível dizer - sem correr o risco de ser injusto - que nos duelos com o Atlético Mineiro o que fez toda a diferença foi a valentia demonstrada nos minutos em que o time alviverde tratou de se livrar do dois a zero que ia levando no Mineirão. Foi ali que o destino se desenhou. O resto pode ser tido como consequência. 

Ocorre que o mesmo pode ser dito do Flamengo mesmo que o escrete rubro-negro não tenha o cartel de conquistas do adversário. Em certo sentido é até uma pena que os cariocas tenham perdido tanto a mão no Campeonato Brasileiro porque essa polaridade  só engradeceria o torneio. Imaginem só. E podem me chamar de atrevido mas desconfio muito de que os dois farão a final da Libertadores. E não há nenhum traço de patriotada escondido nisso. Ou alguém aí é capaz de cravar que Velez ou Athlético Paranaense têm banca pra tomar o favoritismo desses dois grandes protagonistas do futebol brasileiro atual?  Por mais que o time argentino conte com o tal de Janson, homem gol que anda rivalizando com Gabriel Barbosa e companhia. Será bacana ver os dois em campo.

Como também não deixo de reconhecer a qualidade do Furacão. Não duvido que ele acabe tirando o atual campeão do páreo, roubando do time de Abel a chance do tri. Ainda mais com Felipão no comando, com aquele jeitão ousado de lidar com o jogo.  Entendam isso como uma ironia, por favor. Há no fundo a alimentar essa sadia rivalidade entre Palmeiras e Flamengo, acredito eu, carências ou, em outras palavras, certa inveja. O Palmeiras gostaria de ter o futebol bonito enquanto o Flamengo talvez abrisse mão desse reconhecimento para ter colocado um bicampeonato continental na galeria da Gávea.  O Flamengo jogou ontem. O Palmeiras terá tido a semana toda pra se preparar para o jogo com o rubro-negro na tarde de domingo na casa palmeirense. 

E se digo que foi uma pena o Flamengo ter perdido tanto a mão no Campeonato Brasileiro é por considerar uma diferença de nove pontos considerável. Por outro lado é preciso reconhecer o potencial desse encontro que se avizinha. Como é preciso reconhecer que a rodada anterior do Brasileiro roubou um pouco dessa  convicção de que o time carioca perdeu a mão. E há algo de misterioso nisso porque ao mesmo tempo a vantagem do Palmeiras aumentou. Que consequências teria uma vitória flamenguista sobre o time cabeça de fria de Abel, dentro do Parque, a essa altura, é coisa que também mexe com a nossa imaginação. Mas a única certeza é a de que esse embate se dará entre corações quentes.  

 

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Esporte e educação



Li certa vez não sei bem onde que a formação ideal para o homem seria a seguinte: aprender a ler e a interpretar, uma dose de música e uma de ginástica. Creio que a fórmula era atribuída a Platão. E se tomo a liberdade de escrever isso sem estar certo dos créditos é porque, seja como for, no final importa é o que essa fórmula pode encerrar.  Há, por vários motivos, uma distorção na maneira de encarar e tratar o esporte. Ele não é algo que se justifique por si mesmo. Na minha visão deveria ser visto, acima de tudo, como um pilar para a educação e a saúde. Basta  uma mínima pesquisa para se ter uma noção melhor do que a prática esportiva pode fazer em termos de comportamento, de convivência. Ou o que pode fazer por nossa saúde.  E nesse aspecto estamos a anos luz de ser um país que leva isso minimamente a sério. 

Não fosse assim os homens que cuidam do futuro da nação já teriam tratado de parir um Plano Nacional de Esporte. Algo que apesar dos infinitos esforços feitos por alguns de nossos esportistas mais engajados até hoje não virou realidade. Por outro lado, não nos faltam exemplos do que pode pode o futebol - carro-chefe do segmento - quando explorado. Os políticos que o digam. Desde sempre se agarraram a ele como parasitas. E , em especial, nos times de maior torcida abundam exemplos de cartolas que graças ao jogo de bola construíram pontes sólidas até as Assembleias ou o Congresso. Tendo para isso praticado uma espécie de vampirismo. 

Enquanto isso o novo currículo escolar estadual que vendo sendo adaptado para entrar em vigor, com a reforma deste ano, simplesmente tira dos alunos do segundo e do terceiro anos do ensino médio a disciplina de Educação Física. Não houvesse outros motivos bastaria pensar nos alertas da Organização Mundial de Saúde com relação a obesidade de jovens e crianças para concluir que é uma decisão nada humana. Dados colhidos pelo Ministério da Cidadania no ano passado apontam que quase metade das escolas da educação básica do país não têm nenhum espaço para os alunos praticarem esportes. 

Fui formado por escolas públicas. E nunca esqueci a cena que presenciei certa vez em uma das aulas de Educação Física.  Nossa missão era a de correr, bater as mãos numa espécie de cavalete e com certa ajuda dar uma cambalhota. Um dos alunos, afoito, correu e tentou o movimento sem auxílio. Acabou caindo de cabeça no chão. Na hora começou a ter espasmos. Se contorcia. Os olhos giravam. Estava sem conseguir respirar. Ia morrer ali na nossa frente. O professor rapidamente lhe tirou do chão. Enganchou os braços com o dele, e o puxou com as costas dos dois encostadas. Seguiu-se uma série de estalos grandes e pimba ! O Márcio, nunca esqueci o nome dele, se recobrou, meio sem saber o que tinha acontecido. 

Até hoje quando penso na cena não vejo outra forma de explicá-la sem creditar o final feliz ao preparo e à excelência da formação daquele professor de Educação Física, do qual conseguia também lembrar o nome até bem pouco tempo atrás. O que me faz pensar que nosso país andou para trás. Pode parecer menos importante até falar em educação física quando se está cercado por uma realidade que devolveu o Brasil ao mapa da fome das Nações Unidas. A única certeza que tenho é a de que se um dia o Brasil vier a ser um país notável não terá sido sem reconhecer o que a Educação Física pode fazer por nós, pelo homem, por um povo.