sexta-feira, 26 de março de 2021

A Copa do Brasil



A maneira como nossos dirigentes tratam a questão da pandemia fica cada vez pior. Por isso peço licença para dar um drible no tema. Ando sem paciência. Vou falar da Copa do Brasil. De quem já gostei mais é verdade. A mudança no formato levou embora parte do meu entusiasmo. Esse negócio de dar o empate ao visitante não me passa.  Como nunca me passou ver times pequenos deixando sua cidade de origem pra fazer o jogo em outro lugar. Em geral capitais.  Afinal, gramados mal aparados, estádios modestos, ausência de iluminação, são ou não são coisas nossas? Como são o samba, a prontidão e outras bossas, como disse certa vez Noel Rosa. 

Não foram poucas as vezes em que vi times modestos botando uma pressão danada pra cima de gigantes. Emprestando a partidas comuns um certo ar de decisão. Como não foram poucas as vezes em que me empolguei com eles, mesmo que o entusiasmo quase sempre não tenha ido muito além da metade do primeiro tempo. Seja como for, o velho estilo  da Copa do Brasil deixou suas marcas. Que o digam os torcedores do Santo André, do Criciúma, do Paulista, de Jundiaí.  Tá certo que o número de times anda beirando o exagero. Já estamos perto de uma centena.  É um detalhe discutível, mas quero crer que esse aumento - ainda que tenha sido promovido com outros interesses - de alguma forma seja também um modo eficaz de inclusão. 

E nem digo que seja exatamente contra essa história de os times que disputam a Libertadores chegarem para a festa quando o torneio está nas oitavas. Imagino que ofereça certa graça aos menos favorecidos essa chance de medir força com eles. Até porque na ausência dos tais, em caso de triunfo, sempre vai pintar na área um engraçadinho pra questionar o tamanho do feito. Também não vou entrar nessa de dizer que basta olhar os últimos campeões para perceber que as mudanças tornaram o mais raiz de nossos torneios menos democrático, mais previsível. 

Semana passada quando o Corinthians foi a Pernambuco enfrentar o Salgueiro me chamou a atenção o fato de o narrador ter destacado que com a grana que o vencedor ganharia por passar de fase, pouco menos de setecentos mil reais, o campeão pernambucano teria assegurado a grana que precisava pra disputar a Série D. Diante desse abismo nunca me parecerá demais oferecer aos menos nobres a possibilidade de um jogo cá e outro lá. Ouso dizer mais, seria muito salutar que o triunfo em um torneio de âmbito nacional estivesse, como já esteve, mais ao alcance das equipes que estão longe de fazer parte da elite do nosso futebol.  

Pensem em todos os efeitos colaterais que essa, digamos, democracia do triunfo seria e é capaz de produzir. Reavivar a relação com a  torcida, dar um tempero em rivalidades regionais e, claro, contribuir pra aumentar o faturamento. E o que me faz acreditar nisso é ver momentos como o vivido pelo Retrô, outro time pernambucano que esteve em campo na semana passada pela Copa, e que virou notícia por derrotar o Brusque - ilustre integrante da nossa Série B do Brasileiro - na primeira participação da equipe em uma competição nacional. O futebol é assim, só pede uma chance. E por aqui quem pode dar é a Copa do Brasil.

quinta-feira, 18 de março de 2021

A falsa euforia do gol



Se há algo a extrair desse momento pandêmico que atravessamos é a possibilidade de distinguir com clareza aqueles que podem ser verdadeiramente tidos como humanistas. O que nunca, jamais, será pouco. Outra coisa que esse momento tem feito é mostrar quem tem verdadeiramente coragem, e quem não tem. Seja para colocar a vida à frente do lucro, seja para estar na linha de frente, como tantos. O que não deixa de ser uma virtude desse tempo que um grande escritor antes de partir bem definiu como aterrorizante. 

Deveríamos há tempos ter entendido que não dá pra ficar nessa, por exemplo, de se perguntar o que será da vida sem futebol. Nunca deu, agora muito menos.  É pequeno demais. Aos que, por ventura, venham a sofrer qualquer coisa parecida com abstinência, o que duvido, dada a sanha dos nossos cartolas, sugiro os livros, que seguem aí permitidos e cheios de horizontes. E em linhas gerais ostentando belezas, tão em falta no nosso desgastado jogo de bola. Como escrevi na semana passada me toca que não possamos ouvir pra valer o que pensam os jogadores. 

E vejam, ainda que a crônica esportiva esteja falhando nesse sentido, eles nunca tiveram tantos canais para expor o que pensam. E geralmente o fazem, mesmo quando o assunto se revela infinitamente menos importante. Outro dia ouvi um repórter dizer que tinha conversado com vários, e que eles eram a favor de continuar em campo. Ora, que me perdoe o bem intencionado colega. Mas considero tal afirmação carente de base científica. Quantos teriam sido ouvidos? Que perfil teriam? Vejam, minha dúvida não recai exatamente sobre a precisão que cercava o que foi afirmado, mas que eles, como todos nós, não tragam consigo o medo, o receio, e em último caso a dúvida mesmo de que o melhor a essa altura seria se precaver. Aceitar que o momento é sério demais. 

No universo dos clubes só Chapecoense e Brasil de Pelotas destoaram do maioria. Prova de coragem e humanismo, ou não? E postura que, não custa lembrar, fez cair por terra a unanimidade. Disse e repito, o que me incomoda mais do que tudo é , em especial o futebol, não ter feito o mínimo esforço no sentido de aliviar o calendário. De quanto não valeria a essa altura termos partidas mais espaçadas? O que aumentaria, inclusive, a eficácia de todos os cuidados que estão sendo tomados e que eles não cansam de usar como argumento. 

Lutam insistentemente quando todos os números gritam que é preciso parar. E, na minha modesta opinião, tudo gira em torno disso. Sou perfeitamente capaz de entender argumentos, os entendo, mas acho que chegamos em um ponto que a coisa se tornou moral. Aquele velho papo,  já não basta ter amparo legal. Além do mais, basta olhar, ou melhor, sentir um pouco, pra perceber que - Aldir Blanc me permita usar uma expressão sua - nunca soou tão falsa a euforia de um gol. 

quinta-feira, 4 de março de 2021

O videoteipe e o futebol

 



Não sei precisar quando exatamente o vídeo tape passou a fazer parte do mundo do futebol. E não falo do uso simples do recurso, que dava ao telespectador a chance de rever a partida de seu time em outro momento. Muito depois do apito final. Falo do vídeo como recurso para interpretar o jogo. Ficou famosa a frase do dramaturgo Nelson Rodrigues a respeito do tal. Dizia Nelson que o VT era burro.  Numa tradução livre, talvez quisesse dizer com isso que não esclarecia nada. O que deveria nos servir de lição nestes tempos em que o árbitro de vídeo anda fazendo uma verdadeira balbúrdia no nosso futebol. Tomando conta de tudo.  Lembro também, não sei se teria sido na peça escrita pelo Dr Sócrates com Kleber Mazziero no início dos anos dois mil,  de uma cena em que diante de tudo o que está sendo dito pelos comentaristas num programa estilo mesa redonda o jogador em questão simplesmente se revolta com a imprecisão das análises e salta da tela pra vida real para rebater tudo o que os entendidos estavam falando.  Fosse possível na vida real imagino que renderia debates interessantes. 


Desde sempre existiu em meio a arquibancada coisas para nos distrair. Do vendedor do picolé ao sujeito que chega atrasado e pede pra passar na sua frente. Será difícil  encontrar entre os frequentadores de estádio um que jamais tenha perdido um gol, ou um lance importante do jogo  por distração.  Algo para o qual o VT poderia servir de consolo, e certamente vem servindo. Por falar nisso, não sei se viram o que se deu na final da Libertadores. Uma fotografia tirada no exato instante em que Breno Lopes coloca a cabeça na bola para marcar o único gol da partida e dar o título ao Palmeiras é possível ver ao fundo um casal, meio de lado nas cadeiras, todo feliz fazendo uma selfie. De onde concluo que para eles o VT foi a salvação. De onde concluo também que nada deve ter contribuído tanto ao longo da história para que o torcedor perdesse momentos cruciais de um jogo quanto o bendito celular.  E escrevo tudo isso para dizer que o VT além de burro, é um mal intencionado. Não tem lado. Se molda às intenções. 


Com sei lá quantas câmeras de olho em tudo será sempre possível defender quem se queira. Esse ou aquele. Basta ir lá revirar tudo que está gravado e certamente um recorte do tal VT se prestará a teoria que se quer defender. Sem contar os recursos com os quais é possível incrementar as intenções. Pior do que o VT só mesmo a câmera lenta, com seu dom de dar outra dimensão até mesmo ao mais banal dos encontrões. Sei que vai soar ultrapassado, saudosista. Dirão que sou um desconfiado irremediável. E realmente sou. Mas estou convencido de que seria muito salutar  voltar a analisar o jogo de bola apenas com nossos próprios olhos. Tentar decifrá-lo na velocidade em que ele realmente se dá. Enfim, tratar o VT como ele merece, como um modo eficaz de mostrar o que por ventura tivermos perdido. E não deixar esse senhor sabidamente burro e mal intencionado decidir o jogo.