quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Ele sonhou ser jogador



Esta semana tomei um Uber. No caminho com o tempo de viagem esticado pela vagar do trânsito da metrópole fiquei sabendo que o rapaz que me conduzia um dia tinha levado adiante o velho sonho de ser jogador de futebol. Lamentou a falta de vivência dele na época. Mas quem pode fazer tudo certo quando se tem quinze anos e pra dar conta disso topa ir morar sozinho, em outra cidade de outro Estado? Resistiu até onde deu. Mas o que me chamou  atenção no papo não foi exatamente essa história de enredo muito comum. Foi o que ouvi dele quando começamos a nos aproximar do destino. Disse que uma das prioridades que tinha era voltar pra academia, cuidar do corpo, se dar a chance de ter uma vida longa e com qualidade. Totalmente ciente de que passar boa parte do dia sentado, dirigindo, exigia um contraponto. Mas porque é que uma conversa tão trivial teria razão para estar aqui ? 

Digo a vocês que ela esconde a razão maior para que se trate o esporte como algo realmente valioso. O futebol ao qual ele se entregou um dia cheio de expectativas não fará dele o jogador que sonhou mas lhe deu uma consciência da necessidade de cuidar do corpo que nenhuma aula teórica seria capaz. E é disso que se fala quando se tenta promover a prática esportiva. E se trago o tema pra cá é pra fazer uma reflexão do meu próprio ofício. E ofícios são sempre imperativos. Tiveram seus dogmas e os parâmetros para exercê-lo definidos muito antes da nossa chegada. Mas sempre me incomodou, e continua me incomodando, que se trabalhe com ele praticamente ignorando essas questões e a  própria educação física. Talvez não seja, e sei que não é, exatamente o que um telespectador , um ouvinte ou um leitor procura quando vai atrás de um programa esportivo ou algo do tipo.

 Mas é preciso de alguma forma despertar a reflexão porque chegam a ser coisas totalmente distintas o esporte profissional e o amador. O primeiro deles muitas vezes com valores discutíveis do ponto de vista moral. E o outro cheio de apelo, que pode se dar o direito - nobre - de desdenhar de triunfos. É o esporte que realmente se revela um veículo pra que tomemos consciência do próprio corpo, dos benefícios da disciplina, palavra que sempre soa tão careta, e da interação que permite com o outro. O esporte é entre tantas outras coisas um meio para se fazer amigos, construir um círculo social com laços fortes, cheio de boas memórias. Daí a necessidade de fazer a criança tomar contato com ele rápido, de forma prazerosa. E dizem os especialistas, quanto mais cedo for maior será a probabilidade que o carregue com ela por toda a vida.

 Quanto mais rodados ficamos mais improvável que isso aconteça. Não sou ficcionista. Sei que qualquer tentativa nesse sentido depois dos cinquenta tem um quê de castigo. Enquanto batuco estas linhas duas coisas que já li e jamais esqueci me vieram à cabeça. Uma que o hábito é a nossa segunda educação. Logo, mudar hábitos é se reeducar. A outra que, ao contrário do que muita gente pensa, não é a cabeça que convence o corpo. Não tem essa de dizer "agora eu vou" e tudo se resolve. Nada disso. É o corpo que convence a cabeça. Você vai lá, pratica esporte, e a cabeça, as sensações irão lhe convencer de que é uma boa, que dá um barato bom e saudável. Enfim, reflexões de quem se sente na obrigação de falar do esporte como nem sempre se fala. 

* artigo escrito para o jornal " A Tribuna", de Santos/SP

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Quem manda no futebol?




Até outro dia eu estava praticamente convencido de que a International Board, o órgão que cuida das regras, de dizer o que pode e o que não pode no jogo de bola, mandava e ponto. Aparando, claro, um descontentamento aqui outro acolá. Mas eis que ele foi peitado pelos cartolas do futebol inglês. E o que aconteceu por lá deve nos servir não só de lição como pode nos dar um norte nessa questão tão urgente que tem sido a utilização do VAR no Brasil. O cuidado com que o tema foi tratado por eles é um verdadeiro tapa na nossa cara. No ano passado usaram a Copa da Inglaterra e a Copa da Liga Inglesa como laboratório. Testaram o sistema em jogos da principal divisão sem que houvesse conversas  entre a cabine e o árbitro que apitava o jogo, ou reversão em virtude do que estavam vendo. Enfim, se certificaram de que a novidade não geraria o caos, como temos visto.

Situação totalmente diferente da que vivemos, primeiro com o presidente da CBF na época prometendo que o VAR seria implantado quase que imediatamente.  Não sei se lembram, mas foi depois daquele gol de mão anotado por Jô que deu ao Corinthians a vitória sobre o Vasco. Pura bravata. Quando muito tempo depois tudo estava decidido, na hora de pagar a conta foi aquele quiprocó. Mas a lição vai muito além do cuidado, do planejamento. Está também na coragem e nos pontos precisos  preservados pelos ingleses. Sim, eles preservaram antigas normas que a meu ver jamais deveriam ter sido alteradas. 

Sobre as mudanças não terem sido bem digeridas pelo Board o diretor técnico da Premier League foi direto. Afirmou que se trata de um assunto a ser definido pelas autoridades do futebol na Inglaterra, não por eles. E quando digo normas antigas, falo de apontar o impedimento quando ele se torna óbvio e, principalmente, preservar a interpretação na hora marcar penalidades em lances de bola na mão. Forçar os zagueiros a manter os braços atrás do corpo é algo antinatural, disseram. E lá, onde praticamente todas as arenas possuem telões, será mostrado o replay quando a marcação for alterada. E , vejam o detalhe, pela TV os telespectadores acompanharão as mesmas imagens usadas pelo VAR. O que evita esse limbo criado aqui, um verdadeiro vácuo, em que nem pela TV e nem da arquibancada é possível saber com exatidão o que está se passando.  

Outros cuidados são um desafio, desses que mesmo se tratando do futebol inglês prefiro ver para crer, como determinar a verificação das jogadas e tomar a decisão antes da celebração dos jogadores chegar ao fim. Mas é bom não duvidar. Seria quase humilhação pra nós. Mais do que a lição imposta por uma tecnologia, fica nesse capítulo também uma lição de postura. Peitar os poderosos exige coragem. Fica o exemplo para a CBF em relação à FIFA e ao Board, como também aos clubes brasileiros, sempre uns cordeirinhos,  que em nome de preservar a boa relação e os lucros aceitam colocar em risco o próprio negócio. Pode parecer exagero. Tudo bem, que o futebol não vai acabar não vai, mas como já disse se essa bagunça continuar a perda será inevitável. Se não perder grana, vai perder em emoção. E em matéria de futebol , emoção é dinheiro. Ou não é?


* artigo escrito para o jornal " A tribuna", de santos

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Cartão Verde - 26 anos no ar



Passa lá, diz o que achou!           








quinta-feira, 8 de agosto de 2019

A terra da fantasia


"Estão todos na terra da fantasia". A frase foi dita por Jurgen Klopp o atual técnico campeão de clubes da Europa, comandante do Liverpool. A cutucada veio em hora oportuna. Pouco antes de o time dele disputar a Supercopa da Inglaterra com o Manchester City, do notável Pep Guardiola. Klopp afirmou que o adversário estava entre os quatro times que podiam se dar ao luxo de gastar um rio de dinheiro a cada janela de transferências. Pep se defendeu dizendo que não era bem assim, que existia o fair play financeiro para equilibrar as forças. 

Mas essa coisa de terra da fantasia é termo muito apropriado. Está pra nascer o economista capaz de elucidar a lógica que move o mercado do futebol. Os números, creio, até já desfilaram aqui.  Notem. A receita dos  quatro grandes clubes de São Paulo nos últimos dez anos aumentou em setenta por cento. Seria muito salutar que o salto tivesse sido dado em virtude de administrações primorosas. Mas sabemos que não é o caso.  A negociação dos direitos de transmissão dos jogos é apontada como a grande responsável pelo salto, mas ela também tem lá seus detalhes singulares. Incrível também é ficar sabendo que apesar desse faturamento inflado as dívidas desses clubes cresceram na mesma proporção. 

Outra frase incrível, capaz de fazer o torcedor do Fluminense se sentir num sonho, foi dita pelo técnico do Peñarol depois de o time dele ser eliminado pelo tricolor carioca da Copa Sul-Americana. Na coletiva depois do jogo de volta - nova derrota, dessa vez por dois a um - Diego Lopez foi claro ao definir o que tinha vivido. Disse ele: foi mais difícil que o Flamengo. Time, aliás, que por estas bandas também poderia ser acusado pelos adversários de viver na terra da fantasia. Ou o torcedor rubro-negro não se sente num conto de fadas? Não ao ver o que anda vendo em campo, mas ao se dar conta de que o time dele agora tem Rafinha de um lado, Filipe Luiz do outro. Entre compras e vendas o time da Gávea movimentou apenas nesta temporada quase meio bilhão de reais, pra ser mais exato, 468 milhões. 

Olhando aqui do hemisfério sul dá pra dizer que Klopp falou de barriga cheia. No ano passado o time dele gastou como nunca, como avisava uma certa manchete tempos atrás. O quarteto apontado por ele - e que soa óbvio - é formado pelo Manchester City, pelo Barcelona, pelo PSG e pelo Real Madrid. Os quatro são os grandes protagonistas desse reino da fantasia. Talvez fizesse bem ao treinador alemão, sem dúvida um dos grandes treinadores do futebol mundial, tomar consciência de que se ele não está nesta terra da fantasia, está na condição de nobre com posses capazes de seduzir muita gente. O que nunca será pouco. 

E por falar em tricolor, o São Paulo acaba de colocar o seu torcedor nessa onda. A chegada de Daniel Alves, seja pra jogar na lateral ou no meio campo,  soa como um sonho. A festa foi grande e a expectativa também é. A crer no que foi dito por gente entendida no assunto o novo contratado do time do Morumbi é do tipo capaz de convencer um elenco inteiro da capacidade de triunfo. Uma espécie de agente catalisador da vitória. Que assim seja, porque o futebol brasileiro anda carente de fantasia. E com a cartolagem faturando cada vez mais alto nada mais justo do que deixar o torcedor se sentir parte dela. 


* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", de Santos/SP

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

O feito de Sampaoli



Eis que cento e oito rodadas depois o Santos voltou a liderar o Brasileirão. Mais notável do que isso é perceber o time presente em tudo quanto é conversa que se trava sobre o jogo de bola. Agora de envaidecer mesmo é saber que o time santista se encontra nessa condição reconhecido como uma equipe que joga bonito. Ainda que seja verdade: nesse sentido o momento pobre que o nosso futebol atravessa ajuda a amplificar consideravelmente essa virtude. 

Não acho difícil de entender quando Sampaoli diz que o maior adversário da equipe a partir de agora pode ser a própria equipe. Qualquer pessoa envolvida com esporte sabe que chegar lá é uma coisa, se manter, outra, mais desafiadora ainda. Poderia citar o Palmeiras como exemplo, mas é preciso levar em consideração que  são realidades diferentes. O time da Vila tem foco total no Brasileiro enquanto o time alviverde disputa outros torneios ao mesmo tempo, um deles com apelo suficiente para rivalizar com o nacional.  

E há outros fatores que merecem atenção.  Certas caneladas que a direção santista vira e mexe insiste em dar. Dias atrás foi muito estranho ouvir Sampaoli dizer que não sabia da chegada de Paulo Autuori para ser o diretor de futebol do clube. Nada contra Autuori, que teve o conhecimento e a vivência no futebol exaltados pelo argentino quando falou sobre o assunto.  O Santos tem lá sua hierarquia, não é decisão para o treinador. Mas boa comunicação e transparência nunca são demais. 

O tipo de coisa que deixa no ar a impressão de que a excelência que tem sido vista em campo não se alcança fora dele. O momento é de contrapartida. Pois se o treinador colocou o time nessa condição merece ter atendidos seu pedidos de contratação, merece que lhe seja dado um atleta capaz de suprir o vazio deixado pela saída de Jean Lucas, que me impressionou com seu estilo elegante de tratar a bola e pelo visto ia se encaixando no elenco de maneira rara. 

Não se trata de pedir pra gastar o que não se tem. Embora saibamos todos que o Santos tem insistido em gastar caminhões de dinheiro com contratações que não seduziriam nem o mais inocente dos negociantes. Parte daquela lógica toda própria do mundo do futebol. E se falo de questões administrativas é porque em certo sentido estar ciente de que ao trazer Jorge Sampaoli para comandar o time se fez algo ousado e é preciso capitalizar em cima disso. 

As pessoas a essa altura já esqueceram que na época trazer para o futebol brasileiro um profissional com mercado na Europa, que tinha feito o Chile campeão de uma Copa América e que tinha acabado de comandar a seleção argentina em uma Copa do Mundo soava meio improvável. Mas toda essa euforia, é verdade, esconde um detalhe muito importante, o campeonato está no começo, o ano em que estamos é que dá a impressão de estar já lá na frente. 

 De qualquer forma, o momento do time santista é especial. Quando vi a Vila cheia no último domingo me veio à cabeça o fato de que em outros tempos até os torcedores dos outros times tinham vontade ver o time santista jogar. O Santos de Sampaoli deixa, por hora, a impressão de que pode fazer algo assim. O que  seria um feito fenomenal.

* artigo escrito para o jornal "A Tribuna", de Santos/SP - 01/08/2019