quinta-feira, 25 de abril de 2024

O calvário dos treinadores

O treinador húngaro, Béla Guttmann


Pode-se pensar o que quiser sobre o que viveu o jovem treinador Thiago Carpini em sua breve passagem pelo comando técnico do São Paulo Futebol Clube. O que não dá pra negar é que a história toda se desenrolou de forma um tanto cruel. A vida me mostrou - e quero crer que me ensinou - que profissionalmente pular etapas pode levar ao aniquilamento, ou provocar efeito colateral mais brando mas ainda assim extremamente danoso. Ou seja, é de qualquer forma não recomendável. Mas é preciso lembrar também que se quem aceitou dar o pulo errou na hora de analisar a oportunidade, quem deu a oportunidade também não foi preciso na escolha. E o maior castigo desse tipo de situação é que quem dá o pulo, em geral, tem sempre mais a perder do que quem sugere que o pulo é, ou era, possível. 

Carpini não foi o primeiro e não será o último treinador que veremos nesse tipo de situação. É bem provável que ele tenha argumentos para desmontar minha teoria. Outras justificativas para explicar o que viveu. Mesmo porque deve se sentir um profissional preparado para grandes desafios. E não duvido que seja. Mas a conquista da Supercopa e, arrisco dizer, mais ainda a quebra do tabu na Arena corintiana mascararam o que seria a realidade que lhe esperava. Elevaram a expectativa e a exigência com o trabalho dele às alturas. Realidade que os resultados aquém do esperado só tornaram mais complexa, e que o argentino Zubeldía irá herdar pra valer hoje à noite. Interessante notar também que apesar do vivido a diretoria do time do Morumbi volta a apostar em um treinador jovem ainda que mais rodado. 

Como ouvi em uma conversa outro dia, o futebol brasileiro tem sido pródigo em roubar o brilho de jovens treinadores que vão de grande promessa a profissional de dotes duvidosos em poucos jogos. Tem sido intrigante acompanhar esse viés do futebol. Essa aposta insistente, desde a chegada de Abel Ferreira, em técnicos portugueses que aportam aqui como ele, sem um título sequer de relevância. Como é interessante notar que toda uma geração de treinadores mais experientes saiu de cena. E se veio Abel foi porque antes dele tinha vindo Jorge Jesus, mas com vinte anos de janela e um punhado de títulos do futebol português. Diante disso volto a afirmar o que já afirmei, os clubes brasileiros deveriam pensar em formar treinadores. Uma íntima história com o clube talvez lhes servisse como escudo para ultrapassar essa fronteira imposta aos mais jovens. Mas tenho dúvidas porque em tempo algum a experiência foi garantia de permanência. 

Que a vida de treinador não é fácil todo mundo sabe. O lendário Telê Santana antes de se consagrar de vez com os títulos mundiais do São Paulo esteve à beira de deixar o tricolor depois de sentir a pressão da derrota em um clássico contra o Corinthians. O enredo da história é cheio de requintes. E às voltas com essa questão do técnico são paulino lembrei do húngaro Béla Guttmann que nos idos de 1957 chegou ao tricolor paulista dando toda pinta de que sabia muito bem onde estava pisando. Sua única exigência pra assumir o cargo foi a contratação de Zizinho, já um veterano praticamente. Pra quem não sabe quando se perguntava ao Rei Pelé quem era o tal ele sem titubear dizia: Mestre Ziza. Ouvi gente por aí dizer que Zubeldía sabe onde está pisando. A ver. ​

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Receitas para o futebol



Não sei se vocês sabem  mas o jornalismo costuma usar o termo suíte quando um assunto que foi notícia na edição anterior volta a ser explorado. O termo vem do francês, onde suite significa uma série, uma sequência. É o que de certa forma farei aqui ao retornar não exatamente ao tema arbitragem mas ao que a cerca e que, creio, poderia ajudar àqueles que têm a incumbência de soprar o apito. A contribuição-mor, como já defendi aqui semana passada, seria ordenar um pouco os comentários sobre arbitragem. Não que isso vá livrar os árbitros do purgatório ou de alguma outra seção mais ardente. Quando digo ordenar falo em tecer considerações a respeito dos lances duvidosos só depois que eles já tiverem sido decididos. Sei que hoje em virtude da maneira como as coisas estão se dando nem bem o lance ocorreu os narradores já estão pedindo que o comentarista de arbitragem se pronuncie. Uma urgência que deveria ser evitada já que assim os narradores forçariam seus parceiros de transmissão à elegância do veredito em tempo oportuno. 

Outra coisa que meu viés romântico sugere é livrar os envolvidos no jogo de qualquer interferência externa. O que significa dar um jeito de proibir verdadeiramente qualquer aparato tecnológico. Celulares e afins.  Estou ciente de que há muitas ferramentas de análise que dependem da internet e uma vez que ela entre em campo danou-se. Mas seria possível. Há filtros. Há recursos. Condenaríamos assim os envolvidos com o jogo a acreditar no que olhos viram e ponto. Como antigamente. No jogo de ida da recente decisão paulista me chamou a atenção o tamanho dos monitores instalados nos bancos de reservas da Vila Belmiro. Com eles, mesmo que não venha a narração, vem a câmera lenta, o replay. Todos esses recursos que costumam complicar a nossa interpretação do jogo. Isso me fez lembrar do velho Telê Santana. 

No início dos anos 90 ele pediu que fossem instalados monitores nos bancos de reservas do Morumbi para auxiliá-lo durante as partidas. Reclamava com razão que a visão dali era ruim. E vejam, disse também que era mesmo só pra analisar os jogos e não para pressionar o juiz. Ainda se chamava árbitro de juiz. Elegante - e prevenido - pediu que um monitor fosse instalado também para o time visitante. Mas em um jogo do torneio estadual, orientado pelo juiz, o fiscal da Federação mandou que o desligasse. Telê disse que desligaria. E ficou furioso quando voltou do intervalo e viu que o monitor não estava lá. Não exatamente por ter sido retirado mas pelo fato de que o fiscal não havia confiado nele. Irritado com episódio no Brasileirão pegou um walkie-talkie e passou a assistir aos jogos da tribuna, orientando o auxiliar, Muricy Ramalho, que estava à beira do campo. 

Dois anos mais tarde Washington Rodrigues, treinador do Flamengo, usou do mesmo expediente sem ser molestado. A visão ao nível do campo é mesmo ruim. Para os repórteres atrás dos gols também. Quando comecei a trabalhar lembro que todo mundo queria saber da emoção de poder estar ali à beira do gramado. E lembro das caras de desapontamento quando eu dizia dessa visão prejudicada. Enfim, acho que é uma ideia essa blindagem tecnológica e esse atraso nos comentários de arbitragem. E encerro tomando pra mim o que disse Telê em 1996 quando a Federação finalmente liberou os monitores. Disse ele: "Antes tarde do que nunca". E completou: "Aos poucos eles vão aceitando minhas ideias". Já eu não alimento essa esperança. Não tenho essa pretensão. 

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Foi ou não foi?


Você é do tipo que confia ou não confia nos árbitro de futebol? Sempre lembro de um velho companheiro de redação que costumava pregar, em alta voz, que nós brasileiros temos o traço perverso de começar a duvidar do árbitro bem antes do jogo começar.  Sempre vinha com essa quando a arbitragem virava tema do papo. Impossível lhe tirar a razão. Mas duvido que sejamos os únicos a conviver com essa pulga atrás da orelha. Fato é que gato escaldado tem medo de água fria. E tá pra nascer entre nós quem não tenha vivido trauma do tipo. Os santistas que sonharam com o título brasileiro de 1995 que o digam. 

Mas acho que já estamos em um estágio que deveria causar preocupações ainda maiores. Estamos na era em que passou a ser realmente um desafio saber o que viria a ser um bom árbitro. Ainda que alguns gozem nitidamente de prestígio maior. Como goza, ou gozava, Raphael Claus. E talvez a culpa não seja exatamente deles. Mas de tudo que se andou fazendo com relação a arbitragem. O mais incrível é que quando a dita interpretação era levada em conta o consenso a respeito do que se apitava parecia maior. Mais aí algum iluminado insistiu que as coisas precisavam ser mais claras e que bola na mão era bola na mão. E do que soava óbvio se fez o caos. 

Então passamos a ouvir  que era preciso levar em conta as orientações mais recentes repassadas aos árbitros. E eis que as orientações passaram a rivalizar com as regras, ou a dar essa impressão. Agora o que não dá margem a dúvida é árbitro ruim. Se você tem alguma lembre do senhor que apitou o amistoso entre Espanha e Brasil dias atrás. Enfim, alimentando esse fogo eterno dos embates entre foi ou não foi está não só essa área nebulosa em que pairam todas as interpretações e também um sem fim de câmeras que podem, a depender do ângulo em que estão postas, nos convencer facilmente de uma coisa ou de outra. Não queria ser o anunciador dessa nada alvissareira realidade. E peço desculpas se por acaso ainda restar nesse mundo alguém que não tenha feito essa constatação. 

Eu ao menos já me peguei muitas vezes mudando de opinião na mais perfeita sintonia com as alternâncias de ângulos. E chega a me dar arrepios lembrar disso porque a partir daí é possível - acompanhado de imagens - criar a narrativa que se queira para um lance, um jogo. A final do Paulista mostrou bem isso com o tal pênalti marcado em Endrick . Não há de ser , creio, um fato isolado desta nossa era infinitamente tecnológica e dada a desafiar pontos de vista. Tento na medida do possível adequar meu modo de ver o futebol a todas as orientações que soam por aí com certo ar de pregação. Tenho dúvidas monstruosas a respeito de muitos lances analisados sem pestanejar pelos mais experientes interpretes do jogo. 

Na maior parte das vezes sofro mesmo é quando as mãos e braços insistem em entrar no jogo. Entendo que se trata de um esporte de contato, aceito os jogos de corpo, mas quando um braço entra em cena deslocando alguém minha mente ultrapassada tende ainda a achar que foi falta, que foi pênalti, que foi claro. Mas pode ser apenas uma falta de atualização da pouca inteligência nada artificial que me foi dada a carregar na cabeça. E que me faz pensar que está mais do que na hora de os comentaristas de arbitragem terem a elegância de darem seus vereditos só depois de resolvido o lance em campo. E aí sim opinarem se foi ou não foi. 

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Sobre manipulações



Tivesse a derrocada do Botafogo no Campeonato Brasileiro do ano passado se dado de modo menos evidente, com lances desses cabeludos, polêmicos, talvez fosse mais fácil entender onde quer chegar o americano John Textor, dono da SAF que adquiriu o Botafogo há dois anos. Não é o caso, o time figurativamente se desintegrou depois de liderar o torneio a maior parte do tempo. Duas realidades tão díspares que eu também não tiraria a razão de quem viesse a desconfiar que a evolução meteórica do time carioca tivesse por trás algum método menos ortodoxo. Até porque somos livres para desconfiar, o que é infinitamente diferente de acusar sem provas. 

Textor literalmente tem se esforçado sobremaneira para colocar fogo no circo. De onde é possível concluir também que ou ele sabe verdadeiramente de coisas que ninguém sabe ou tem sido um inconsequente.  Entre as declarações que deu, me chamou  atenção ter dito que enviou o material  que tinha à CBF para em seguida dizer que tendo feito isso não saberia dizer exatamente quem o recebeu. E mais tarde imprudentemente apontou para clubes como o Fortaleza, o Palmeiras e o São Paulo. Todos bradando em uníssono que irão tomar as atitudes judiciais cabíveis. Quando riscou o primeiro fósforo apontou um suposto esquema de manipulação de resultados. 

Acusação que levou todo mundo a crer que teria se dado no universo em que o clube dele transita. Eis que o americano que fez fortuna na indústria do entretenimento, quando todos esperavam a bomba, veio com uma conversa de que o caso teria se dado em uma divisão menor, infinitamente menor. Intimado a apresentar as provas não o fez e acabou denunciado pela procuradoria -geral do Superior Tribunal de Justiça Desportiva. Ao descumprir a decisão  foi denunciado em artigo que prevê pena que pode ir de 90 a 360 dias de suspensão. É de se supor também que tendo colocado parte de sua fortuna no futebol brasileiro e dando de cara com indícios de que o mesmo estaria sendo manipulado decidiu que a melhor tática seria colocar a boca no trombone. 

Até onde entendi os relatórios que forneceram os dados para que Textor tomasse pra si o papel de acusador são frutos da tão falada inteligência artificial. Vai saber o que não daria pra afirmar cruzando dados a respeito de tudo o que acontece em campo. Impossível que como homem de negócios experiente que é não tenha notado o quanto tudo foi feito de modo a causar impacto. Se há manipulação outros clubes podem estar interessados em saber como ela anda se dando. Poderiam ser parceiros de ações coordenadas. O que me faz crer que Textor considera que forçar esse assunto na mídia seria, ao menos, parte da estratégia ideal. 

Como não nasci ontem e sou por natureza um sujeito desconfiado começo a acreditar que pode não ser apenas coincidência que tudo isso venha à tona justamente no momento em que uma CPI no Senado se prepara para investigar a fundo a manipulação de resultados no futebol brasileiro. A criação da comissão foi requerida pelo ex-jogador Romário, atualmente senador pelo PL do Rio, que por sua vez embasou o pedido em relatórios de uma empresa que analisa dados em tempo real  a fim de encontrar movimentações suspeitas em casas de apostas e que colocou sob suspeita 109 jogos do Brasileirão do ano passado. Resta saber como se comportará  John Textor até o próximo dia 15, quando será julgado no Superior Tribunal de Justiça Desportiva.