quinta-feira, 9 de novembro de 2023

O jeitinho argentino



Costumo brincar com meus amigos dizendo que se a Argentina tivesse vencido a Copa de 2014 muitos dos hermanos estariam em Copacabana comemorando até hoje. Se tivessem vencido a Libertadores no sábado idem. Gosto de imaginar a cena. Um tipo com jeitão portenho, uma já surrada camisa da seleção, pele vermelha do sol, deixando transparecer intimidade total com a praia e, claro, pronto pra falar de futebol com quem chegasse perto disposto a isso. É uma licença poética , mas que diz muito sobre do que são capazes. Algo que, de certa forma, elucida o jeito deles de torcer. Infinitamente mais vibrante do que o nosso. Tão vibrante que aos poucos foram me convencendo de que podem nos ensinar muito a respeito. 

E, olha, como costumo brincar também, venderam caro aquela Copa para os alemães. Não fosse o tal de Gotze achar aquele gol na prorrogação, sei não.  A recente decisão que fez deles campeões mundiais também foi um espelho disso. A França mesmo oscilando e não mantendo a pegada que tanto impressionou no início do Mundial  era páreo duro. E mesmo fazendo uso de todos os recursos possíveis, inclusindo aí um afiado Mbappé, acabou sucumbindo diante dos argentinos. Por essas e outras vejo neles algo que parece nos faltar faz tempo. Poderia dizer que é uma competitividade, mas não é só isso. É uma questão anímica. Um certo dom para dar alma às grandes batalhas e a certas páginas que o futebol desenha.  Fazendo muitas vezes, no meu modo de ver, essa coisa de dizer que somos o país de futebol soar prepotente. 

E talvez seja por isso que pra nós uma final contra um time argentino jamais soará como uma final qualquer. E isso nunca se reduzirá ao velho discurso da rivalidade que, como já disse, muitos exploraram sem pudor na ânsia de esquentar transmissões. Assim como costumamos dizer que esse ou aquele escrete argentino não anda com o time afinado como teve em outros tempos. Seja como for na hora em que a bola rola a garganta dá um nó porque sabemos que, seja como for, nada tornará a missão mais fácil. No mais, somos muito parecidos. Irmanados que estamos nesta nossa América. Ameaçados pela inflação. Desiludidos com a constatação de que nossos países poderiam muito mais. Igualados também pela sombra de uma certa extrema direita que nos torna outro tanto iguais. 

Sem contar que a final da Libertadores nos mostrou ainda uma outra semelhança: um certo despreparo para lidar com o futebol quando ele vira um grande evento. Mas bagunça na hora de decidir um título continental é coisa que manchou tempos atrás o futebol europeu também. Mas por estas bandas, não sei, a coisa se mistura a um certo descaso. Enfim, ficamos parecidos, inclusive, quando o futebol revela seu lado mais perverso, mais bárbaro. A essa altura pode soar descabida essa espécie de ode aos argentinos, depois de torcer para que a maneira de pensar o futebol defendida por Diniz triunfasse. E se triunfou justamente sobre eles, isso sem dúvida alguma amplificou a graça da coisa. E provou também que nos momentos em que o futebol revela seu lado nobre os argentinos podem muito. Disse Diniz horas depois do triunfo sobre o Boca - ao se vestir novamente de técnico da Seleção Brasileira - que talvez esteja na hora de admirar mais quem é bom do que quem ganha. Mas aí, nesse caso, lhes digo eu: não é pra tanto.        

Nenhum comentário: