quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Os laterais



Se há um aspecto claro no futebol brasileiro destes dias é certa falta de brilho dos nossos laterais. Isso num país que sempre encheu a boca para falar deles. Um dos seus mais notáveis, não por acaso, ficou para sempre conhecido como a enciclopédia. Tamanho era seu conhecimento do ofício. Ao falar sobre o assunto impossível não lembrar também de Carlos Alberto Torres, com quem tive a honra de trabalhar, e cuja alcunha de capita também não esconde a envergadura que tinha. Aos mais novos tenho o zêlo de salientar que esse capita era o de um time que formava com nomes como Pelé, Gérson e Rivellino. Fato é que hoje em dia quando alguém leva a conversa sobre nossos laterais para esse lado, geralmente tendo como pano de fundo a Seleção Brasileira, fica difícil discordar.  

Há questões que podem fortalecer essa impressão. Como a excelência de nossos goleiros ou a maneira um tanto pop star com que costumam ser tratados os atacantes e meias ofensivos. Mas não só eles. Vivemos um momento em que os volantes, tão malditos em outros tempos, ganharam um verniz de nobreza, merecidamente. E tem sido nesse contexto de pouco brilho que o lateral do Flamengo, Rodinei, tem vivido. O cara que acabou encarregado de bater o penalti que daria ao time rubro-negro o título da Copa do Brasil semana passada. Um capricho do destino.  E não me venham tentar convencer de que naquele instante boa parte dos flamenguistas instintivamente não seguraram a respiração. Mas Rodinei foi lá e executou com louvor o que lhe cabia.  

Não foram poucas as vezes em que o vi apontado como o mais frágil do time da Gávea. E talvez seja. O que faz do fato de ter conquistado um posto de titular absoluto num time desse uma façanha. Outro veredito que se faz pesar sobre o Rodinei é de que costuma dar conta do recado quando ataca, mas sem ter a mesma desenvoltura quando a missão é defender.  Não é uma afronta dizer isso, mas também não é descabido imaginar boa parte dos que ocupam essa posição não execute essas tarefas com a mesma desenvoltura. Como talvez não seja absurdo dizer que os laterais tem sido exigidos em medida maior do que costumavam ser recentemente. 

Primeiro, pela habilidade dos meias ofensivos e atacantes que se aprimoraram deveras fazendo o tal jogo do um contra um algo imensamente desafiador.  Mas também pelo fato de uns tempos para cá as beiradas do campo terem passado a ser exploradas incansavelmente. Está aí esse batalhão formado do que se convencionou chamar nos últimos tempos de atacantes de lado, de beirada. Enfim, isso não é uma defesa do futebol de Rodnei. É só uma reflexão sobre uma posição que tem se revelado carente.  O que eu sei, mesmo, é que esse papo me fez lembrar de Roberto Carlos. Talvez o grande ícone da posição em anos mais recentes, não por acaso dono de uma trajetória gloriosa no futebol europeu. E que nos tempos de repórter vi muitas vezes de perto e que era de impressionar pela velocidade e precisão não só nos jogos, mas também nos treinos. Talvez também pese sobre Rodnei a responsa de vestir a camisa de um time que um dia teve de um lado Leandro, e do outro, o maestro Júnior. 

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Devaneio sobre a decisão



Era uma vez um articulista que vivia em desacordo com o tempo. Queria o que o andar da impressão não deixava. Vira e mexe acalentava desejos de escrever sobre os jogos de quarta que o inabalável deadline não permitia. A tecnologia podia ter dado conta de muita coisa, mas ainda não havia estreitado o espaço de tempo entre a entrega de um artigo e sua publicação a ponto de lhe saciar a vontade. E quanto maior o jogo, maior a obsessão. Não foram poucos os momentos em que saciou esse desejo escrevendo pelas beiradas. Driblando declarações que poderiam datar o texto e fazê-lo soar ultrapassado pela manhã. E aquele bendito Flamengo e Corinthians, sobre o qual toda a crônica já falava quando ele inconformado sentou para escrever, o faria levar tudo até às últimas consequências. Em desacordo total com a situação que o enredava resolveu ser fiel a rebeldia que nunca tinha deixado de cultivar. Tratou, então, de exercer o direito de imaginar o que o Maracanã veria poucas horas antes de seu texto amanhecer estampado na página da seção de esportes. 

Depois do jogo de ida, quando o time carioca deu a impressão de ter conseguido cozinhar o Corinthians e esfriar os ânimos da fiel torcida sempre inquieta e barulhenta, intuiu que o tão propalado favoritismo rubro-negro tinha se confirmado. Não deixou de levar em conta que  já tinha visto muito jornalista passar vergonha por ter abraçado cegamente o óbvio, quando o que havia se dado era o improvável. Isso na época em que uma coisa dessas marcava um jornalista pra sempre. Mas não conseguia enxergar o time corintiano atual capaz de, diante de um Maracanã lotado, encenar uma façanha dessa. Na Libertadores mesmo jogando em casa o time alvinegro tinha sido abatido por dois gols. Dessa vez tinha saído ileso. O time de Vitor Pereira podia ter se mostrado mais maduro. Mas ainda assim não seria para qualquer um encarar a maturidade desse time do Flamengo, farto em matéria de talento. 

Se não fosse a noite de Arrascaeta, poderia ser a de Everton Ribeiro. Se não fosse de nenhum dos dois poderia vir a ser de Gabigol, ou de Pedro. E esses nomes soavam desde sempre como antídotos eficientes contra essas surpresas que o jogo de bola costuma pregar. Seria preciso mais do que um Cássio, que costuma se agigantar nessas horas para calar o Maraca. Imaginou o time de Copas do Flamengo onipresente nas capas de jornal. Nas capas dos portais. Sorrindo, como quem diz: que venha a Libertadores. Mas não achou impossível que o Corinthians mesmo assim pudesse vir a fazer uma apresentação dessas da qual a torcida se orgulha. Cássio não iria tremer. Nem Renato Augusto. Enfim, mandou o ponto final. 

Respirou fundo. Clicou em cima do enviar. Levantou da cadeira. Tratou de cuidar das tarefas cotidianas porque a noite seria de decisão. Por um instante se deixou tomar por um certo receio de como tudo aquilo iria soar. Mas no segundo seguinte sorriu pra sala vazia certo de que mesmo se o enredo imaginado viesse a se revelar infinitamente distante do que  viria a acontecer estaria ali, estampada em poucas linhas, a prova de que nem a mais astuta mente até hoje se revelou capaz de antever o que pode um jogo de bola. E que quanto mais inesperado fosse o enredo mais estaria fortalecida essa verdade.  


* Artigo escrito para o jornal " A Tribuna", de Santos - publicado em 20/10/2022 

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Sem esporte, sem futuro



Caminhamos para o desfecho da mais efervescente eleição presidencial dentre todas das quais trago lembranças. Tema sobre o qual muito foi e está sendo dito. Mas não sei se notaram o quanto o esporte passou ao largo de tudo isso. E se fiz uso do adjetivo efervescente foi por ter dificuldade para garimpar um outro que fosse mais apropriado. Dias atrás até cheguei a ver, solitária, perdida entre tantos portais de notícias, uma matéria que versava sobre o tema. Precisa e muito oportuna na abordagem, pois mostrava como o assunto era tratado em cada uma das campanhas presidenciais que, até aquele momento, estavam na disputa. Não digo que chegou a espantar o fato de que na metade delas o esporte nem figurava e que quando apareceu não deixou de ser com um viés um tanto surreal. 

Cheguei a ver proposta que defendia veementemente o esporte amador para no fim afirmar com todas as letras que a ideia era fazer do Brasil um potência olímpica. Como é preciso registrar que até promessa da aprovação de um tão indicado Plano Nacional de Esporte cheguei a ver por lá. E como gostaria de acreditar em promessas do tipo. Imagino que essa crença traria consigo uma serenidade que o mundo já não nos dá mais o direito de ter.  Não sou do tipo que duvida do paraíso, ainda que fugaz, a que têm direito os ludibriados. Uma coisa que me chamou a atenção foi o fato de as propostas que se dignaram a tratar do esporte tê-lo aproximado muito da educação. O que revela algum apuro no olhar sobre ele. Na minha opinião a única forma de pensar o esporte de modo sadio. 

Uma coisa é querer construir um país de laureados. Outra bem diferente é querer construir um país de cidadãos bem formados. Essa ausência talvez venha a ser só um efeito colateral do sumiço dado no Ministério do Esporte. Sabemos todos que pode ser mais cômodo e conveniente aceitar a realidade imposta do que querer mudá-la. No primeiro turno, entre um debate e outro, um dos candidatos disse que nunca soube de um país que verdadeiramente tenha avançado sem ter feito da educação uma prioridade. Não há como discordar. É um dizer lúcido. O que esconde de intenção é outra história. Acredito que o caminho seja bem esse, o da educação. Como já tive oportunidade de expressar neste espaço, nem acho crucial que voltemos a ter um Ministério para tratar do esporte. Não vejo incongruência em aproximá-lo da Educação, nem da Saúde. 

Mas estou convencido de que jamais poderemos dizer que tratamos a questão da maneira devida enquanto houver uma escola que não tenha uma quadra de esportes decente e os equipamentos necessários para que ela funcione adequadamente. E não pensem vocês que essa maneira de encarar o esporte não se reflete na nossa sociedade de outros modos. Quem faz o que eu faço sabe muito bem que o esporte esteve sempre muito longe de ser o assunto mais respeitado nas redações. Realidade que, ao contrário do que muitos pensam, não costuma mudar nem quando ele se revela responsável por fatia considerável do faturamento das empresas.  Por outro lado, o mais cruel é constatar que não há candidato, em tempo algum, que não tenha encarado o esporte - e  especialmente o futebol - como um facilitador, como um meio eficiente de conquistar votos.        

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

O grande baile

Dirão os mais puristas que o grande baile será outro. Será o que se dará na capital equatoriana. Neste momento vivendo dias terríveis, em estado de exceção. Para o qual, aliás, a Conmebol insiste em fazer vistas grossas. Não faltarão argumentos aos que, por ventura, vierem a defender essa posição. Mas esse outro baile que se dará dez dias depois desse que defendo como o tal ser encerrado, não é exatamente nosso, embora tenha como anfitriões dois times brasileiros. Não faço pouco caso da Libertadores com estas minhas palavras. Mas na minha opinião o grande baile será essa decisão da Copa do Brasil que se aproxima. Flamengo e Corinthians com suas torcidas imensas dão ao jogo contornos épicos. Um confronto que digo a vocês já me pareceu mais desequilibrado.  

E por mais que o time rubro-negro tenha conquistado pra si essa aura de time que é sinônimo de excelência vejo crescer uma certa sensação de que o Corinthians tem time pra sonhar com esse feito.  Ainda mais agora que Roger Guedes e Yuri Alberto praticamente provaram para o técnico alvinegro que podem jogar juntos.  Há, sem dúvida, o detalhe de que o jogo da volta é no Maracanã e isso não é coisa que não pese. Sei que muita gente não vai concordar comigo, mas nesse ponto vale destacar que se essa decisão da Copa do Brasil fosse feita nos moldes do outro baile, em partida única e em local previamente escolhido, que como vemos poderia se revelar neutro, aí a coisa embolava de vez. E se escolhi a metáfora do baile para falar disso não foi por acaso. 

Sabemos todos que grandes bailes, em geral, não levam essa fama porque os convidados sabem dançar como ninguém. Longe disso. Os grandes bailes são, antes de tudo, o reconhecimento da importância de quem convida. Notadamente se faz um pouco cruel esse longo hiato que de uns tempos para cá os organizadores insistem em colocar entre as semifinais e as finais desses torneios, quando todo mundo sabe que poderia ser diferente. A partir de agora, e mais do que nunca, tudo se resumirá a esse aguardado Corinthians versus Flamengo, a parte inaugural do tal baile. No final de semana , quando os dois estiverem em campo pra cumprir as obrigações relativas ao Brasileirão, serão vistos e interpretados mais sob a ótica do que virá do que sob a do que desenharam em campo.  Com o Flamengo visitando o Cuiabá. O Corinthians recebendo o Athlético Paranaense em Itaquera. Por coincidência o time que fará com o rubro-negro o outro cortejado baile de Guayaquil. 

E não será o caso de dizer pior para o Flamengo, que quando estiver nesse baile evidentemente não terá esquecido que em breve terá de dar conta desse outro.  Trata-se daquele tipo de stress muitas vezes invejado de quem, pelo seu papel, acaba por ser convidado pra tudo. Ou quase tudo. Jamais saberemos, apesar de insistir na análise, o quanto as últimas apresentações dos protagonistas irão pesar na hora em que a festa começar. Até porque tanto Corinthians, que acaba de sair de um empate com o lanterna do Brasileirão, quanto Flamengo, provavelmente, levarão à campo times esvaziados, sem titulares. Diante disso tudo, o empate pálido do rubro-negro ontem à noite contra o Internacional no Maraca ou o embate do Corinthians no dia anterior com o  Juventude não passam de páginas que a história aceleradamente deixou no passado. Importa, e não é de hoje, é se preparar para o grande baile.