quinta-feira, 25 de agosto de 2022

A força da grana



Deixemos a ingenuidade de lado e aceitemos que por esse mundo afora são raríssimas as coisas que passam ao largo da grana. Em matéria de futebol mesmo quem conhece a história sabe que o primeiro grande racha envolvendo o bom e velho jogo de bola se deu por causa de dinheiro.  Tendo saído dele vencedor o lado que queria a profissionalização, a bufunfa.  Quero crer que o que forja um campeão é algo que consegue secretamente driblar essa questão. Ainda que o dinheiro quase sempre acabe por ditar mais tardiamente o destino dos que se fizeram grandes vencedores. Claro que escrevo isso pensando ainda nas polêmicas palavras ditas pelo treinador corintiano alguns dias trás. E pelas quais ele acabou se desculpando. Pra quem não sabe do que se trata, Vitor Pereira, o técnico corintiano, ao ser perguntado se tinha medo de demissão respondeu ao repórter que tinha feito a pergunta se ele sabia quanto de dinheiro ele tinha guardado no banco. De onde se supõe que é muito. 

Residem aí aspectos interessantes e é isso que me fez escolher o tema. Não necessariamente a grana.  Um aspecto é tentar descobrir o que é que move certos profissionais depois que a conta deles no banco se enche de dígitos. Uma outra questão é que a declaração nos faz ter uma noção mais exta do quanto os mais bem sucedidos são diferentes da maioria dos mortais. Isso porque, creio, todos irão concordar que o medo de perder o emprego é coisa que assombra a imensa maioria. Sem contar que entre nós são muitos os que andam infelizmente vivendo esse medo. Ainda assim, que bem aventurados sejam os que chegaram lá de mãos dadas com a honestidade em seu sentido mais amplo. Gosto de pensar na pureza das coisas livres dos destemperos que a grana pode suscitar. 

Gosto de lembrar da história que ouvi certa vez da nossa grande tenista Maria Ester Bueno. Disse ela, e imagino que tenha dividido esse detalhe com muitos que tiveram o privilégio de poder conversar com ela, que uma das vezes em que venceu o mítico torneio de Wimbledom ganhou como prêmio um par de meias. Também nunca esqueci uma história que li certa vez em uma matéria que retratava a trajetória  de um grande empresário. Disse ele que no primeiro dia em que começou a trabalhar com o pai desceu as escadas da elegante casa em que morava. Se sentou à mesa com o patriarca como se um fosse um dia qualquer.  Como faziam cotidianamente.  Falaram do que estava por vir. Encerrado o café o então jovem se dirigiu ao carro que aguardava na porta da garagem com as portas abertas pelo motorista. Sentou no banco, aguardou o pai chegar.

E ele, quando sentou ao seu lado, mudou o semblante um tanto e lhe disse que não iriam juntos. Surpreso ouviu que o filho deveria fazer o caminho de quem começava a trabalhar. Iria pegar uma condução para chegar até lá. Como fazem em geral os que começam a vida de trabalho. Ainda meio sem entender o que estava vivendo ouviu o pai lhe dizer o seguinte: muita facilidade amolece o espírito. Não consigo negar que resida nisso uma boa dose de verdade. Ao mesmo tempo acho que pode explicar porque tantos ficam pelo caminho depois de ter o talento amplamente reconhecido.  E acreditei ainda mais depois de ouvir o técnico corintiano dizer que destetava arrogância, que tinha construído uma vida do nada e que saiba o que era vir da dificuldade. 

 

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Palmeiras x Flamengo: o duelo vem aí



Um exercício de imaginação que sempre faço ao dar de cara com um time desses como o do Palmeiras é o de tentar imaginar como é que ele entrará para a história.  A fase é singular e todos sabemos que um bicampeonato da Libertadores é algo que não se perde ao longo do tempo. Vem daí esse sorriso de satisfação que todo palmeirense anda estampando no rosto. Nem  poderia ser diferente. Além do mais, foi-se o tempo em que as conquistas do time de Abel vinham acompanhadas de considerações a respeito  da falta de rebuscamento do time dirigido por ele. A evolução é nítida, ainda que seja possível dizer - sem correr o risco de ser injusto - que nos duelos com o Atlético Mineiro o que fez toda a diferença foi a valentia demonstrada nos minutos em que o time alviverde tratou de se livrar do dois a zero que ia levando no Mineirão. Foi ali que o destino se desenhou. O resto pode ser tido como consequência. 

Ocorre que o mesmo pode ser dito do Flamengo mesmo que o escrete rubro-negro não tenha o cartel de conquistas do adversário. Em certo sentido é até uma pena que os cariocas tenham perdido tanto a mão no Campeonato Brasileiro porque essa polaridade  só engradeceria o torneio. Imaginem só. E podem me chamar de atrevido mas desconfio muito de que os dois farão a final da Libertadores. E não há nenhum traço de patriotada escondido nisso. Ou alguém aí é capaz de cravar que Velez ou Athlético Paranaense têm banca pra tomar o favoritismo desses dois grandes protagonistas do futebol brasileiro atual?  Por mais que o time argentino conte com o tal de Janson, homem gol que anda rivalizando com Gabriel Barbosa e companhia. Será bacana ver os dois em campo.

Como também não deixo de reconhecer a qualidade do Furacão. Não duvido que ele acabe tirando o atual campeão do páreo, roubando do time de Abel a chance do tri. Ainda mais com Felipão no comando, com aquele jeitão ousado de lidar com o jogo.  Entendam isso como uma ironia, por favor. Há no fundo a alimentar essa sadia rivalidade entre Palmeiras e Flamengo, acredito eu, carências ou, em outras palavras, certa inveja. O Palmeiras gostaria de ter o futebol bonito enquanto o Flamengo talvez abrisse mão desse reconhecimento para ter colocado um bicampeonato continental na galeria da Gávea.  O Flamengo jogou ontem. O Palmeiras terá tido a semana toda pra se preparar para o jogo com o rubro-negro na tarde de domingo na casa palmeirense. 

E se digo que foi uma pena o Flamengo ter perdido tanto a mão no Campeonato Brasileiro é por considerar uma diferença de nove pontos considerável. Por outro lado é preciso reconhecer o potencial desse encontro que se avizinha. Como é preciso reconhecer que a rodada anterior do Brasileiro roubou um pouco dessa  convicção de que o time carioca perdeu a mão. E há algo de misterioso nisso porque ao mesmo tempo a vantagem do Palmeiras aumentou. Que consequências teria uma vitória flamenguista sobre o time cabeça de fria de Abel, dentro do Parque, a essa altura, é coisa que também mexe com a nossa imaginação. Mas a única certeza é a de que esse embate se dará entre corações quentes.  

 

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Esporte e educação



Li certa vez não sei bem onde que a formação ideal para o homem seria a seguinte: aprender a ler e a interpretar, uma dose de música e uma de ginástica. Creio que a fórmula era atribuída a Platão. E se tomo a liberdade de escrever isso sem estar certo dos créditos é porque, seja como for, no final importa é o que essa fórmula pode encerrar.  Há, por vários motivos, uma distorção na maneira de encarar e tratar o esporte. Ele não é algo que se justifique por si mesmo. Na minha visão deveria ser visto, acima de tudo, como um pilar para a educação e a saúde. Basta  uma mínima pesquisa para se ter uma noção melhor do que a prática esportiva pode fazer em termos de comportamento, de convivência. Ou o que pode fazer por nossa saúde.  E nesse aspecto estamos a anos luz de ser um país que leva isso minimamente a sério. 

Não fosse assim os homens que cuidam do futuro da nação já teriam tratado de parir um Plano Nacional de Esporte. Algo que apesar dos infinitos esforços feitos por alguns de nossos esportistas mais engajados até hoje não virou realidade. Por outro lado, não nos faltam exemplos do que pode pode o futebol - carro-chefe do segmento - quando explorado. Os políticos que o digam. Desde sempre se agarraram a ele como parasitas. E , em especial, nos times de maior torcida abundam exemplos de cartolas que graças ao jogo de bola construíram pontes sólidas até as Assembleias ou o Congresso. Tendo para isso praticado uma espécie de vampirismo. 

Enquanto isso o novo currículo escolar estadual que vendo sendo adaptado para entrar em vigor, com a reforma deste ano, simplesmente tira dos alunos do segundo e do terceiro anos do ensino médio a disciplina de Educação Física. Não houvesse outros motivos bastaria pensar nos alertas da Organização Mundial de Saúde com relação a obesidade de jovens e crianças para concluir que é uma decisão nada humana. Dados colhidos pelo Ministério da Cidadania no ano passado apontam que quase metade das escolas da educação básica do país não têm nenhum espaço para os alunos praticarem esportes. 

Fui formado por escolas públicas. E nunca esqueci a cena que presenciei certa vez em uma das aulas de Educação Física.  Nossa missão era a de correr, bater as mãos numa espécie de cavalete e com certa ajuda dar uma cambalhota. Um dos alunos, afoito, correu e tentou o movimento sem auxílio. Acabou caindo de cabeça no chão. Na hora começou a ter espasmos. Se contorcia. Os olhos giravam. Estava sem conseguir respirar. Ia morrer ali na nossa frente. O professor rapidamente lhe tirou do chão. Enganchou os braços com o dele, e o puxou com as costas dos dois encostadas. Seguiu-se uma série de estalos grandes e pimba ! O Márcio, nunca esqueci o nome dele, se recobrou, meio sem saber o que tinha acontecido. 

Até hoje quando penso na cena não vejo outra forma de explicá-la sem creditar o final feliz ao preparo e à excelência da formação daquele professor de Educação Física, do qual conseguia também lembrar o nome até bem pouco tempo atrás. O que me faz pensar que nosso país andou para trás. Pode parecer menos importante até falar em educação física quando se está cercado por uma realidade que devolveu o Brasil ao mapa da fome das Nações Unidas. A única certeza que tenho é a de que se um dia o Brasil vier a ser um país notável não terá sido sem reconhecer o que a Educação Física pode fazer por nós, pelo homem, por um povo.  

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

As nossas bandeiras



Talvez  dessa vez o tom do que vai escrito aqui o surpreenda. E se creio nessa surpresa não é por outro motivo se não a convicção de que faz tempo tenho, ou a crônica de modo geral tem, tratado o futebol na maior parte das vezes com certo amargor. Não creio que seja o caso de fazer um mea-culpa porque, afinal, os fatos estão aí para todo mundo ver. De modo que as criticas ácidas e a vontade de contribuir de alguma forma para que as coisas venham a ser diferentes encontram amparo na mais pura realidade. Mas por mais que o ofício que exerço exija esse tom critico e os acontecimentos teimem pra que esse tom permaneça nunca deixei de querer olhar o futebol - e o esporte de modo geral  - de uma maneira leve.  Até por acreditar que se trata de uma tática eficaz para captar certas nuances, certas belezas.  

Trago comigo, no entanto, a certeza de que o futebol já não se faz tão plástico e bonito como antigamente. No que diz respeito a plástica do espetáculo pude comprovar dias atrás que mudou radicalmente. Foi ao dar de cara com a notícia de que o Tribunal de Justiça de São Paulo tinha publicado decisão autorizando a volta das bandeiras com mastros aos estádios paulistas. Um direito que o torcedor de São Paulo tinha deixado de ter há 26 anos.  Ao ter de tratar da notícia o pessoal da redação recorreu ao arquivo para resgatar imagens do tempo em que as bandeiras com mastros eram permitidas. Aí o que brotou diante dos nossos olhos foi um sem fim de arquibancadas coloridas e movimentadas sugerindo um frenesi que o tempo tratou de levar embora. 

E o mais lindo foi ver que nem todas eram enormes. Havia entre elas muitas bandeiras modestas sendo agitadas com gosto, não deixando dúvida de que não se tratava de uma prática apenas daqueles que se organizavam e organizam para torcer. Era uma manifestação que ia além disso.  Estava ali exposto o direito resgatado sendo praticado em outros tempos por muitos. Já não sei se o dito torcedor comum - se é que ainda existe esse tipo de torcedor, se não foi transmutado em sócio-torcedor - hoje em dia teria pique pra ir ao estádio empunhando bandeiras seja lá de que tamanho fosse. 

Quase ao mesmo tempo as notícias davam conta de que na temporada que está para começar na Europa os torcedores voltarão a ter o direito de assistir aos jogos em pé. Uma velha reivindicação. A  liberação será feita de modo experimental ao longo da temporada e apenas em países como Alemanha, França e Inglaterra, países cujas associações estão entre as cinco mais bem classificadas no ranking europeu e que têm autorização para isso em âmbito nacional.  Nos torneios europeus Isso será possível apenas na fase de grupos e de mata-mata. Não valerá para a final. Dependendo do resultado, do nível de segurança apurado, a liberação passará a contemplar outros países. 

O que vejo de alvissareiro  nisso tudo é a resistência que um certo jeito de torcer à moda antiga vai mostrando. Uma ânsia de fazer o futebol de algum modo mais parecido com o de outros tempos. Arrisco a dizer, inclusive, mais bonito. Mesmo que isso não esteja ligado diretamente ao jogo.  Embora, sonhador que sou, arrisque dizer que o ambiente de alguma forma altera o jogo também. Enfim, mesmo exercendo este ofício, a mim a beleza será sempre uma bandeira.