quinta-feira, 14 de setembro de 2023

O jogo político



Na maior parte do tempo procuro ser polido. Mesmo quando tomado de indignação. É uma fração dos meus princípios que nem sempre fazem sentido. Ou melhor, parecem fazer cada vez menos. Acompanhar nos últimos dias a fritura que desembocou na retirada  de Ana Moser do Ministério do Esporte foi de doer. Faz algumas décadas que ando perto demais do esporte para não ter convicção de que ele é muito mais do que esse circo do qual faço parte. O esporte é muito mais do que as cifras que fazem muitos dos nossos semelhantes se sentirem deuses ou acharem que podem tudo. O esporte é muito mais do que toda a vaidade que pode se esconder atrás de marcas e medalhas e minha vivência me sugere que Ana Moser sabe muito bem disso. O esporte é sinônimo de saúde, de educação, de inclusão. E se for para ir mais fundo diria que é um grande instrumento para que as pessoas se conheçam melhor. É difícil tendo vivido no meio desse universo imaginar figura mais legítima do que Ana Moser para extrair do esporte tudo o que ele pode dar. 

Ela, que lembro bem, mal tinha parado de jogar e  já tinha implantado bem no seio de uma das maiores comunidades de São Paulo um projeto esportivo de cunho social. Isso quando  projetos do tipo eram raros. Por isso não me espantei quando dias antes de passar a testemunhar toda essa fritura deixei escapar um sorriso sincero e de satisfação ao dar de cara com a notícia de que ela estava, junto com o SESI, inaugurando um grande plano envolvendo o futebol feminino. Plano que irá criar vários núcleos pelo país dando a oportunidade de que o esporte passe a fazer parte da vida de muitas crianças e adolescentes. E se sorri , e estou certo de que sorri, foi por trazer comigo a certeza de que é esse o caminho. 

Certeza que vi ainda mais robusta em mim quando há cerca de um mês, depois de me inscrever para nadar num espaço público de São Paulo, me deparei às sete horas da manhã com uma fila imensa. Uma fila de interessados em ocupar algumas poucas vagas que estavam sendo disponibilizadas no Centro Desportivo Baby Barioni. O nome é uma homenagem ao criador dos Jogos Abertos do Interior e pioneiro do basquete paulista. Um centro de muita tradição mas que esteve fechado desde 2014 e acabou entregue depois de quase uma década, em dezembro passado. Naquela manhã, naquela fila, me peguei dividido entre a tristeza e a alegria. O tratamento dispensado aos candidatos esteve longe de ser adequado, o que redundou em frustração para a maioria absoluta dos que resistiram por mais de duas horas. Muitos nem ficaram. Desistiram ao se deparar com o tamanho dela. E se digo que também experimentei alguma alegria foi por perceber de algum modo que o que era em mim teoria fazia sentido. Aquela pequena multidão disposta a nadar, a praticar exercícios. Gente de todas as idades. Uma situação que escancarou também a falta de espaços desse tipo. 

Fico imaginando o impacto que isso poderia ter nos índices que medem a saúde da população.  De minha parte gostaria de estar ali pela atmosfera do lugar, por sua história. Ao contrário de muitos poderia pagar uma academia. E o que vi ali sei que Ana Moser viu muito antes de mim. Uma pasta dessa importância feita moeda de troca. Não por acaso a cerimônia de posse do novo Ministro foi feita ontem a portas fechadas. E ninguém se envergonha. Ninguém se levanta. Os espertos de sempre se justificam dizendo sem corar que é do jogo. E a gente feito gado, nós, a nação, os filhos dela, que poderiam crescer mais saudáveis, mais educados, vão levando outra bola nas costas.   


Foto: Ricardo Stuckert

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